sábado, 20 de abril de 2013

A poesia na lacuna - José Castello



O Globo - 20/04/2013
A MORTE PROMETE TUDO, MAS NOS ENTREGA O NADA. COMO UM FILME QUE ABANDONAMOS PELO MEIO



Como nomear o desaparecimento?
Como encontrar uma palavra
para o que se ausenta? “Ontem
descobri que tinha me tornado
ainda menos eu para ela”, escreveu
a argentina Sylvia Molloy, para
quem o esquecimento, a queda e a morte sustentam
a escrita poética. Não é só aquele que se
despede que se desmancha e encolhe. Também
quem fica se achata e apequena. Suas palavras
agora servem de epígrafe a outra argentina, a
poeta Tamara Kamenszain. Tanto Sylvia como
Tamara falam do esmaecimento do Eu, que o
avançar dos anos estraçalham, transformando
em uma borra. Tamara usa as palavras de Sylvia
em um poema de “O eco da minha mãe” (tradução
de Paloma Vidal, 7Letras), livro que vem em
edição dupla com “O gueto” (este traduzido por
Carlito Azevedo e pela mesma Paloma).

Envelhecer, avançar lentamente para a morte,
é suportar um Eu em destroços. Reféns do Alzheimer,
mãe e filha se desencontram no mesmo
deserto, onde as palavras sobram como farelos e
onde toda tentativa de aproximação só produz
uma distância maior. Sei do que fala Tamara
porque também eu tenho uma mãe que se perde
nos corredores do Parkinson. Difícil definir essa
doença, dizem os médicos. Parkinson? Alzheimer?
Talvez os dois? A verdade é que tanto faz.
Não passam de diagnósticos com que os doutores
lutam para conter uma avalanche que os arrasta
também. Um desmoronamento, de que Tamara,
mais esperta, faz poesia.

Restam os últimos esforços, a insistência no
movimento, a luta contra a lacuna que mãe e filha
tentam vedar com o teatro lamentoso do Eu.
“Minha mãe copia o que era/ enquanto eu plagiando
o plagiário/ tento passar a limpo esse diário
de vida/ que a autora dos meus dias escreve
como pode”. Pergunto: é só a mãe agonizante
quem “escreve como pode”, ou não será isso, o
“como pode”, condição e fundamento de qualquer
escrita? Não duvido de que há um contraste
entre a palavra que, mesmo frágil, ascende, e a
outra que, lutando para manter-se forte, decai. Escreve
Tamara a respeito: “sou agora a filha que
cresce sem remédio/ pra deixá-la decrescer tranquila
entre os meus braços/ assim juntas vamos
nos separando”. Há um intervalo que, a cada avanço,
se acentua: um abismo. Há um “entre” — espaço
neutro e abissal — que, com a voracidade dos
lobos, abre sua boca.

Sinto isso, cada vez mais,
quando vejo minha mãe, Lucy.
Quanto mais dela tento me
aproximar, e quanto mais ela luta
para se agarrar em mim, mais
nos afastamos. Tem sido melhor,
bem melhor, o silêncio.
Mesmo sem sono algum, quando
a visito, ela prefere conservar
os olhos fechados. Simulando
um sono, ou vestindo a máscara
em que, lentamente, se transforma?
Para não me ver, ou para não se ver? Na verdade,
para não mirar a lacuna que se alarga entre
nós. Também Tamara a habita. Em seu belo prefácio
aos dois livros, Adriana Kanzepolsky assinala
uma identidade: “poeta do entre”. Identidade que,
em vez de identificar, anula. Em vez de aproximar,
separa. Podemos atribuir ao Alzheimer, ao Parkinson,
a qualquer nome estranho que o doutor disser.
De nada servem as palavras, o desfiladeiro se
abre e é cada vez mais íngreme, a descida irreversível.

Em contraste com a agonia, as palavras se tornam
assombrosas. Segue, por mim, Tamara: “a
gramática se torna um escândalo/ quando ela que
esqueceu as palavras/ adianta
seu bebê furioso/ a fim de dizer
tudo/ mesmo que nada se entenda”.
O desejo do tudo — pesadelo
da gramática comprimida
em uma única sílaba — só
produz incompreensão. Melhor
o silêncio, que não expõe essa
ferida. Melhor minha mãe de
olhos fechados, mesmo viva e
atenta. Melhor a morte? No primeiro
livro, “O gueto”, Tamara se
detém na morte do pai. “Sigo
para a luz/ dizia-me em sonho meu pai morto./
Seu sorriso se esfumava em dupla lonjura/ trazia
no entanto uma tranquilidade luminosa:/ havia
uma mensagem literal/ enunciando claríssimo
onde a luz é a luz é a luz é a luz”. Só a morte é fixa.
Talvez (insuportável) só a morte admita a palavra
definitiva: a própria palavra morte. Já que todas as
outras palavras se movem sem parar, e se rasgam
em múltiplos sentidos. Manobras tensas, mas
belas, a que Tamara se entrega com volúpia.

Não é só a doença (sonho dos médicos) que
nos adoece: a vida, antes dela, bem antes, também.
“Deus escreve a diferença/ no espelho da
desordem genética”, nos diz Tamara. “Diferença
idêntica/ faz rir de tanto nos parecermos”. Estamos
diante do mito da espécie, como se todos
fôssemos assinalados pela mesma luz, em vez de
carregar, cada um, com seu peso e à sua sorte,
uma luz diversa. Por isso as palavras se movem,
enlouquecidas. Por isso os poetas (Tamara) escrevem
sem parar: em uma luta, fadada ao fracasso,
para agarrar a coisa. Resta-lhes a grade da
linguagem. Cheia de furos, por eles escorre o
que não vemos. Nela sobrevivemos. Prossegue
Tamara: “Deus nos arquivará diferentes/ em seu
livro dos parentescos”. Em “O gueto”, a poeta luta
para entender de que modo se enredou — de
que modo foi arrastada — pela morte do pai. É
ele agora quem morre, ou mais: quem já morreu.
Pais quase sempre morrem primeiro.

A própria morte, porém, nos engana com sua
ilusão de conclusão. Constata Tamara: “O que é
um pai?/ Com a primeira estrela/ chega o shabbat/
e ainda não tenho resposta”. A poeta sabe
que deve persistir na busca, não até o dia em que
encontrará a resposta, mas até o dia em que conseguirá
esquecer a pergunta. “Eles se dispersaram,
mas eu/ filha de Tuvia ben Binjamin,/ continuarei
buscando acordada/ para depois/ poder
esquecer”. A morte promete Tudo, mas nos
entrega o Nada. Como um filme que abandonamos
pelo meio, um livro de que rasgamos as últimas
páginas. Tentando observar o próprio luto,
no cemitério judeu de Buenos Aires, tudo o que
a poeta vê é o imenso vazio — grande campa que
impõe o silêncio onde as palavras deviam estar.
“Com cara de cansado um rabino passa amassando/
a página de kaddish no bolso”. Palavras:
de nada servem. Restam suas migalhas, humanas,
com que os poetas constroem suas túnicas.
Inúteis: a lacuna não se deixa encobrir

Laertevisão e Quadrinhos

folha de são paulo

LAERTEVISÃO      LAERTE
LAERTE
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

Ataque é diferente do DNA do terrorismo vindo da Tchetchênia - Igor Gielow

folha de são paulo

ANÁLISE - BOMBAS EM BOSTON
Luta dos radicais separatistas sempre foi direcionado contra a Rússia; islã é um instrumento de identidade
A tese de ação coordenada se enfraquece sem a reivindicação de autoria
IGOR GIELOWDIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A divulgação pelas autoridades de que eram de origem tchetchena os irmãos acusados pelos ataques em Boston disparou um gatilho cognitivo óbvio na mídia ocidental: "Tchetchênia? Aquele lugar cheio de terroristas islâmicos? Hum, suspeito."
É possível até que durante a leitura destas linhas já esteja estabelecido que os irmãos Tsarnaev sejam membros de uma célula terrorista de um grupo islâmico do norte do Cáucaso, atacando supostos infiéis e buscando renovar o interesse por sua causa: a separação da Rússia.
Se isso acontecer, contudo, será uma novidade.
A violência tchetchena é de orientação separatista e sempre teve como alvo a Rússia. O islamismo é mais um instrumento de identidade --tchetchenos que lutaram contra a invasão soviética do Afeganistão o fizeram por motivos nacionalistas de combate ao inimigo comum, não por zelo religioso.
Claro que há o fato de que a rede terrorista Al Qaeda financia grupos no Cáucaso russo, e em tese todos lutam contra o que o Ocidente, EUA como farol, representa.
Mas a região está sob domínio russo há mais de 200 anos, por sua posição estratégica na encruzilhada entre Ásia e Europa e pelo acesso aos campos de petróleo e gás da bacia do mar Cáspio.
Sob o ditador Josef Stálin, parte da população tchetchena foi deportada para outros cantos distantes da União Soviética, acusada de ter colaborado com os invasores nazistas na Segunda Guerra.
Com o colapso do regime comunista, na década de 90, o separatismo começou a florescer. O presidente russo Boris Ieltsin lançou uma guerra na Tchetchênia em 1994 só para acabar humilhado em um cessar-fogo.
Em 1999, atentados em Moscou levaram o governo do então premiê Vladimir Putin a uma ofensiva mais efetiva, esmagando os separatistas e instalando um governo títere até hoje no poder.
Ações terroristas de impacto se sucederam nos anos 2000. A mais famosa ocorreu numa escola de Beslan, na Ossétia do Norte, resultando na morte de mais de 330 pessoas --186 delas crianças.
A eliminação de líderes diluiu a militância pelos vizinhos, como a Inguchétia e o Daguestão. Nota de rodapé: a página do Facebook de um dos irmãos sugere que ele estudou entre 1999 e 2001 na capital do Daguestão, Makhatchkala, justamente no auge da repressão de Moscou. Essa região forneceu mulheres-bomba para atacar o metrô moscovita em 2010.
O fato de a autoria não ter sido reivindicada em Boston dificulta a crença em ação coordenada. Tudo, de uma briga de bar a uma maluquice inspirada pela causa dos antepassados, pode ter gerado a tragédia. Ou mesmo terrorismo islâmico, embora isso pareça difícil.

Painel - Vera Magalhães

folha de são paulo

Campanha antecipada
Em jantar na noite de anteontem, a bancada do PT na Assembleia paulista declarou apoio à candidatura de Alexandre Padilha a governador em 2014. Mesmo ouvindo do ministro da Saúde que tal manifestação seria "precoce", 18 dos 22 deputados do partido prometeram levar ao ex-presidente Lula o desejo do bloco. Foi o primeiro movimento interno em favor de Padilha, que disputa com Aloizio Mercadante (Educação) a indicação petista para concorrer ao Bandeirantes.
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Eleições... Rui Falcão, que é deputado estadual e presidente nacional do PT, não endossou o manifesto. Ele esteve no jantar apenas para saudar o ministro e seguiu para Santa Catarina. Ana Perugini, Adriano Diogo e Ana do Carmo faltaram.
... à mesa Falcão e Mercadante foram a outro jantar nesta semana, promovido pelo vice-presidente Michel Temer no Jaburu. Mapearam a aliança PT-PMDB nos Estados e formas de evitar que disputas locais ameacem a reeleição de Dilma Rousseff.
Prevenção Padilha e Geraldo Alckmin se encontrarão hoje no Instituto Butantã para lançar campanha de vacinação contra a gripe. "Será um teste de imunização para 2014", brinca um petista.
Juntos 1 Aécio Neves e Marina Silva tiveram longa conversa telefônica ontem. Combinaram a estratégia para tentar mudar no Senado o projeto que restringe acesso de novas siglas, como a Rede da ex-ministra, a fundo partidário e tempo de TV.
Juntos 2 A fórmula escolhida será tentar adiar a restrição para 2015. "Sou contra a criação indiscriminada de partidos, mas pior é o casuísmo'', diz o senador tucano.
Aceno O senador convidou Andrea Matarazzo, derrotado na disputa pelo comando do PSDB paulistano, a integrar a Executiva nacional, num gesto para tentar evitar que ele deixe o partido.
Pesos... A defesa de Simone Vasconcelos vai questionar o que considera "fragilidade de acusação'', alegando que a ex-funcionária de Marcos Valério foi condenada a uma pena (12 anos e 7 meses) maior que a de José Dirceu (10 anos e 10 meses), apontando como chefe de quadrilha no mensalão.
... e medidas "Tem pena maior que homicídio", diz o advogado Leonardo Isaac, que aposta na revista da pena para os crimes imputados.
Terreno... Dilma disse ao governador Renato Casagrande (PSB) que irá ao Espírito Santo em maio. Será a primeira visita da presidente ao Estado, onde foi derrotada na eleição de 2010, desde que assumiu. Ela vai inaugurar as obras de ampliação e dragagem do Porto de Vitória.
... hostil O Estado coleciona notícias ruins em negociações recentes em Brasília, como a redução do ICMS de produtos importados em transações interestaduais, a mudança na distribuição de royalties de petróleo e a ampliação do aeroporto de Vitória, parada desde 2009.
Eu não O senador Ciro Nogueira (PI) nega que tenha se queixado a Dilma do espaço do PP no governo, como relataram parlamentares do partido. Segundo o presidente da sigla, a conversa foi sobre palanques regionais.
Visitas à Folha Ersin Erçin, embaixador da Turquia no Brasil, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Mehmet Özgün Arman, cônsul-geral em São Paulo.
Carlos Wizard Martins, sócio do grupo Multi, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Alexandre Max, diretor de marketing e comunicação, e Raul Fagundes Neto, assessor de imprensa.
com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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TIROTEIO
"A Constituição é contraditória sobre o tema. Sendo assim, cabe a interpretação mais benéfica ao imputado, que é a Câmara decidir."
DO ADVOGADO LUIZ FERNANDO PACHECO, que defende José Genoino, sobre o acórdão do mensalão delegar ao STF a decisão sobre o mandato dos condenados.
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CONTRAPONTO
Pior do que está não fica
O deputado Tiririca (PR-SP) fazia parte da comitiva de parlamentares que vistoriou as obras do estádio Mané Garrincha, em Brasília. Na saída, fez várias críticas ao andamento da construção.
--Está faltando quase tudo!
Diante da avaliação, os jornalistas presentes quiseram saber a opinião de Tiririca sobre a compra superfaturada do prédio da nova sede da CBF, no Rio de Janeiro. Mas a indignação de minutos antes desapareceu:
--Vou estudar o caso. Me liga mais tarde --disse o deputado, fechando o vidro do carro e indo embora.

    O desafio de nossas quase 700 terras indígenas é de gestão

    folha de são paulo

    ANÁLISE
    SPENSY PIMENTELESPECIAL PARA A FOLHAO histórico julgamento de Raposa Serra do Sol no STF permanece inconcluso, pois ainda se aguarda a análise de embargos que podem validar ou sepultar as famosas 19 condicionantes agregadas à sentença. O episódio, de qualquer forma, já se tornou um marco.
    De um lado, confirmou importantes princípios antropológicos a respeito de demarcação em área contínua, como condição para o atendimento dos requisitos do artigo 231 da Constituição. Por outro, impulsionou ações dos ruralistas para conter a consolidação dos direitos indígenas.
    Os 17 mil habitantes da Raposa enfrentam o desafio que está posto para nossas quase 700 Terras Indígenas (TIs): o de construir, com agentes públicos, uma política de gestão ambiental e territorial.
    As TIs abrangem mais de um quinto da Amazônia Legal e têm um papel fundamental na preservação ambiental. O uso sustentável dos recursos naturais e a geração de renda por meio de atividades como a criação de gado, praticada em Raposa, são preocupações dos mais de 500 mil brasileiros residentes nessas áreas, 1/8 do território nacional.
    O decreto 7.747 de 2012 institui diretrizes e objetivos para essas políticas, construídas em diálogo com lideranças indígenas desde 2008.
    Tornar as TIs um lugar onde as gerações futuras tenham plenas condições de permanecer é, de fato, uma tarefa hercúlea, considerando-se a enorme carência de serviços essenciais na maior parte da Amazônia e a dificuldade histórica dos povos indígenas de acessar recursos públicos.
    Dos 896 mil indígenas do país, pouco mais de 300 mil vivem em cidades. Igualmente, urge garantir a assistência a eles, pois é fato que, em muitos lugares, essas famílias enfrentam condições precárias.
    É preciso entender, porém, que isso não se contrapõe à necessidade de existência das terras indígenas. Pelo contrário. Em Estados como o Mato Grosso do Sul persiste um passivo enorme nas demarcações.
    A Constituição estabelece a diversidade cultural como um valor. No que tange aos povos indígenas, é nas suas terras, demarcadas e protegidas, que ela pode se desenvolver em sua plenitude. Os recursos para manter essa política são modestos, quando comparados com os valores que o país disponibiliza para setores como o agronegócio.

      Lixão e prostituição são alguns dos destinos de ex-moradores da Raposa Serra do Sol, demarcada há 4 anos pelo Supremo

      folha de são paulo

      Índios abandonam área e vivem situação precária em Roraima
      Lixão e prostituição são alguns dos destinos de ex-moradores da Raposa Serra do Sol, demarcada há 4 anos pelo Supremo
      Líder de etnia diz que uma das responsáveis pela situação é a Funai, que não se manifestou sobre o problema
      ERICH DECATENVIADO ESPECIAL A BOA VISTAQuatro anos após o Supremo Tribunal Federal determinar que a área de Raposa Serra do Sol era uma reserva indígena e que os "brancos" teriam de ir embora, a energia elétrica finalmente chegou ao barraco de madeira de dois quartos do líder da etnia macuxi Avelino Pereira.
      Ele mora com a mulher, filha e neta lá. Mas seu barraco, contudo, está a cerca de 180 km da comunidade da Raposa Serra do Sol em que residiu boa parte de sua vida.
      Hoje Pereira vive em Nova Esperança, uma invasão na periferia da capital de Roraima, Boa Vista, situação que ilustra o que ocorreu com parte da comunidade indígena após a demarcação.
      "Hoje a realidade [em Raposa Serra do Sol] está ai, não tem uma agricultura melhor, não tem estrada boa, saúde boa. Se alguém disser que está boa, é mentira", diz Pereira, 50 anos, acostumado com a vida próxima a cerca de 340 famílias de produtores rurais que tiveram que deixar as terras para cerca de 20 mil índios após a decisão do STF.
      Não há dados oficiais, diz o IBGE, sobre os indígenas que deixaram a região.
      No município de Cantá à 38 km de Boa Vista, outro líder indígena, Sílvio da Silva, faz coro e fala sobre uma "maldição da Raposa".
      "Hoje temos vários indígenas saídos' [da reserva] para procurar melhora de vida", diz Silva, ex-presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima.
      Entre os principais alvos das queixas está a própria Funai (Fundação Nacional do Índio). "Eles querem que o índio volte a viver no passado, como viveram os nossos, que tinham raiz e usavam capemba de buritis [adereço] no pé, a bunda aparecendo. Hoje não, não quero fazer isso."
      No percurso de carro de Cantá a Boa Vista, o indígena comenta: "Pena que estamos com pouco tempo, queria ir lá no lixão para te mostrar". Ao longo da BR-174 está Venâncio, um macuxi de fala mansa. Ele trabalha num lixão à beira da estrada, cercado por urubus, tratores e o mau cheiro. Consegue de R$ 20 a R$ 30 por dia.
      "Essa realidade do lixão ela começa hoje em Roraima em escala pequena, mas a tendência é que se não fizermos nada vai crescer", diz o governador de Roraima, José de Anchieta (PSDB).
      Com a chegada da noite em Boa Vista, surge outra face da busca por sobrevivência de indígenas nas periferias: a prostituição. No bairro Asa Branca, algumas mulheres conversam com vestidos curtos e maquiagens carregadas, vozes abafadas pela música alta do grupo Calcinha Preta.
      Entre elas, Menezes, 26, que há seis meses começou a trabalhar no estabelecimento como garçonete. Agora, virou prostituta e diz ganhar R$ 300 por dia. Segundo o IBGE, a renda média mensal na região, na faixa etária de Menezes, é de R$ 954.
      "Estou aqui porque preciso pagar minhas contas", diz ela, que morava em Uiramutã, comunidade em que ela nasceu na reserva.
      A Funai não se pronunciou sobre a situação da reserva.
      Os produtores rurais, por sua vez, migraram para outros Estados e para a Guiana. Dono de duas fazendas na área, Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR), hoje tem fazenda na ilha de Marajó, no Pará.
      O deputado, que chegou a ser preso durante o processo de retirada de produtores, faz parte da Comissão de Integração Nacional da Câmara que se reuniu em Boa Vista com agricultores e índios para discutir a situação da região.
      Pequenos produtores também vivem dificuldades. "O governo prometeu que ia dar uma casa, um poço artesiano e não deu nada", diz Wilson Alves Galego, 72.

        Cuidar de calçadas é dever só da prefeitura? [Tendências/debates]

        folha de são paulo

        CHICO MACENA
        TENDÊNCIAS/DEBATES
        Cuidar de calçadas é dever só da prefeitura?
        NÃO
        Recuperar a função pública dos passeios
        Recuperar a função pública das calçadas como espaço de circulação e de convívio social é um dos desafios das grandes cidades.
        Reconstruí-las dentro de um padrão arquitetônico que garanta a acessibilidade contribuirá para que se recupere sua função social. Só será possível atingir esses objetivos por meio de políticas públicas em que se integrem ações de governo e conscientização cidadã.
        Somente ações do governo municipal, restritas a intervenções físicas ou apenas de fiscalização, se mostraram ineficientes nos últimos anos, ao mesmo tempo que o compromisso do paulistano com o espaço público foi diminuindo ao longo do tempo.
        Cuidar bem da sua calçada fazia parte da tradição do paulistano; desde o decreto-lei 415, de 3 de junho de 1947, passou a ser obrigação do munícipe manter o passeio público em frente ao seu imóvel.
        A reconstrução de 235 quilômetros de calçadas nos últimos quatro anos pela Prefeitura mostrou o limite do poder público quanto à perspectiva de requalificar os estimados 35 mil quilômetros na cidade.
        A Lei 15.442 de 2011 estabeleceu novas regras e fixou em R$ 300 por metro linear o valor da multa, a ser aplicada sem antes de dar ao proprietário chance de arrumar a calçada. Essa legislação não surtiu efeito no conserto das calçadas danificadas e muito menos na conscientização da nossa população.
        Antes da aprovação da legislação de 2011, alegou-se que a lei anterior não pegava porque o valor era baixo --mesmo em grandes áreas a multa não ultrapassava R$ 510. Com a mudança, a multa mexeria no bolso do cidadão e por isso seria efetiva.
        Foram aplicadas 10.594 multas entre setembro de 2011 e dezembro de 2012, que somaram R$ 68,3 milhões. Desse montante, apenas 4,1 milhões foram pagos, menos de 10% do total. Essa forma de aplicação da multa, além de não surtir o efeito apregoado, foi considerada injusta pelo prefeito Fernando Haddad, que propôs aos vereadores a mudança da lei.
        O projeto de lei aprovado na Câmara Municipal estabeleceu prazo de 60 dias após a autuação para o responsável pelo imóvel regularizar sua calçada. Após a recuperação do espaço, a multa é cancelada.
        As subprefeituras disponibilizarão um manual de orientação das calçadas, e o valor das multas será destinado a construção e requalificação de passeios, dando destinação mais justa aos recursos. A atual gestão também prevê, no plano de metas, aumentar os recursos orçamentários para a recuperação de 850 mil metros quadrados de calçadas.
        Existe um consenso entre técnicos, parlamentares e agentes públicos de que a prefeitura não tem recursos para assumir a responsabilidade exclusiva pela manutenção de todas as calçadas da cidade. Se a administração municipal fosse arcar com mais esse encargo, seriam necessários mais de R$ 15 bilhões, valor equivalente a mais de 30% do orçamento anual da prefeitura.
        Portanto a questão das calçadas não pode se tornar um debate oportunista; essa é uma discussão que precisa ser travada, inspirada na responsabilidade com toda a cidade.
        Isentar o proprietário da responsabilidade sobre as calçadas, sabendo da impossibilidade da prefeitura de assumi-las integralmente, criaria uma desorganização na obrigação legal, além de danos irreparáveis ao direito a calçadas seguras para circulação do pedestre.
        A prefeitura não se exime de suas responsabilidades para garantir a acessibilidade e a mobilidade na cidade; queremos, porém, dividir essa responsabilidade com os moradores. O debate deve seguir e envolver a sociedade, mas de forma responsável. Quem sabe assim todos possam recuperar o direito à calçada.


          ANDREA MATARAZZO
          TENDÊNCIAS/DEBATES
          Cuidar de calçadas é dever só da prefeitura?
          SIM
          Um problema do tamanho da cidade
          A prefeitura acaba de aprovar na Câmara de Vereadores uma lei que flexibiliza multas para quem tem seu passeio danificado. Isso pode até atenuar o peso no bolso do cidadão, mas não resolve o problema.
          A calçada é a via pública do pedestre, assim como a ciclovia é a via dos ciclistas, as ruas são as vias dos automóveis e os corredores são as vias dos ônibus.
          Protocolei projeto de lei na Câmara de Vereadores que transfere para a prefeitura a responsabilidade pela recuperação e manutenção dos passeios públicos. A legislação atual, que atribui o ônus aos proprietários dos imóveis, não funciona. A questão vai além da discussão de multas. Estamos falando de mobilidade urbana. São Paulo tem mais de 1,5 milhão de pessoas com deficiência. Por que não as encontramos nas ruas? Certamente pela impossibilidade de circular nas calçadas.
          A falta de recursos tem sido, há anos, a justificativa que encerra a discussão sobre o tema. Há dinheiro para ruas, corredores, ciclovias. Então é natural que haja verba para fazer calçadas. Recursos não são fáceis, mas existem. O que falta é, definir prioridades e estabelecer uma meta para resolver o assunto.
          Desde 2008, as rotas estratégicas definidas por lei municipal da então vereadora e atual deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) abrangem 3.000 quilômetros de calçadas, que concentram 80% da circulação de pedestres. Estas já são de responsabilidade do poder público.
          Existem regiões que não têm a questão fundiária regularizada, como grandes áreas nas zonas sul, norte e leste. Não é possível exigir que os proprietários façam as calçadas se nem o título de propriedade dos imóveis eles têm.
          Outras áreas, de interesse social, são isentas de IPTU. Da mesma forma, se não é cobrado o imposto do morador ou do comerciante sem condições financeiras, eles obviamente não têm como pagar pelas calçadas. Em ambos os casos, a responsabilidade já acaba sendo do poder público.
          Pode-se, também, instituir uma forma de reembolso para grandes imóveis, shoppings, prédios públicos ou novos acima de determinada dimensão. As calçadas seriam executadas pela Prefeitura e o custo reembolsado pelo empreendedor.
          Hoje cada morador faz seu passeio de maneira aleatória, tornando a cidade uma colcha de retalhos intransitável. Imagine se as ruas também fossem uma incumbência dos donos dos terrenos. Cada um faria o seu pedaço do jeito que achasse mais adequado ou bonito.
          Somente a prefeitura pode estabelecer especificações técnicas rígidas e uniformes para as calçadas. Elas são tão importantes quanto as ruas, se não mais. São um elemento utilitário, não decorativo.
          Sempre entendi as calçadas como encargo do Executivo, pois só ele tem condições de atuar como mediador entre os atores envolvidos na questão.
          O dono de uma casa não destrói a área na sua porta. Quem quebra é um agente externo, como as concessionárias de serviços ou até a Secretaria do Verde ao plantar uma árvore ou ainda quando suas raízes crescem e levantam o piso. Não faz sentido, portanto, cobrar o conserto do proprietário daquele imóvel.
          É preciso mudar o conceito da manutenção de calçadas, tornando-as seguras, limpas, iluminadas e sinalizadas. São Paulo tem mais de 60 mil ruas e 35 mil quilômetros de passeios públicos. Por isso, a questão deve ser regida pelo Código de Trânsito: afinal, a circulação de pessoas por essas vias é similar ao fluxo de veículos pelas ruas, ambos de responsabilidade do poder público.
          O problema é grave. Tem o tamanho de São Paulo e precisa ser enfrentado com coragem e prioridade.

          Tv Paga

          Estado de Minas - 20/04/2013

          Supersábado

          Adam Sandler mais uma vez segura a onda de uma comédia, caso de Este é o meu garoto, que estreia hoje, às 22h, na HBO. Mas essa nem é a grande novidade do dia, já que o Telecine Premium convocou uma turma da pesada para esta noite, também às 22h: Homem de Ferro, Capitão América, Hulk, Thor e Viúva Negra foram chamados para livrar o Gavião Arqueiro do poder do vilão Loki em The avengers – Os vingadores (foto).

          Juliette e Julia brilham  juntas na rede Telecine


          Sábado tem também as tradicionais sessões duplas, triplas e múltiplas. O Telecine Action emenda Far cry – Fuga do inferno (17h35) e Hulk (19h25) na seleção de filmes de monstros. O A&E prefere filmes de ação, com Street wars (20h ) e Justiça total (22h). Melhor faz o Telecine Touch, que identifica semelhanças entre Juliette Binoche e Julia Roberts na sessão Sósias, respectivamente, nos filmes O morro dos ventos uivantes (16h) e Noiva em fuga (17h55). No Universal, olha Adam Sandler aí de novo, em Zohan – O agente bom de corte (22h) e Tratamento de choque (à meia-noite). No Comedy Central, romantismo em dose dupla com Como perder um homem em 10 dias (21h) e O casamento do meu melhor amigo (23h). E na Warner, Viggo Mortensen e Ed Harris bisam a parceria em Appaloosa – Uma cidade sem lei (19h25) e Marcas da violência (22h).

          Muitas alternativas na  programação de filmes


          O Telecine Cult também anuncia uma sessão dupla com a francesa Audrey Tautou, mas exibindo hoje apenas A delicadeza do amor, deixando para amanhã O fabuloso destino de Amélie Poulain, ambos às 22h. Ainda hoje, às 22h, o assinante tem mais oito opções: Bens confiscados, no Canal Brasil; A sogra, no Glitz; A última casa, no Space; Além da vida, na HBO2; Resgate de um campeão, na MGM; Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, na Fox; Bravura indômita, no FX; e O último matador, no TCM. Outras atrações da programação: Garotos da guerra, às 21h, no Cinemax; Ganância, às 21h, no Max; e Na linha de fogo, às 23h, no ID.

          Boas opções também  para o público infantil


          Para a garotada, a dica é Crash & Bernstein, série cômica ao vivo encenada com fantoches, que estreia às 14h, no Disney XD. No Nickelodeon, o fim de semana da diversão começa às 14h30, com Bob Esponja, Os Pinguins de Madagascar, Kung Fu Panda e Tartarugas Ninja e fecha com iCarly – A guerra dos fãs, às 18h.

          Dança burlesca é tema  desta noite do Penetra


          Para os grandinhos, o teatro burlesco é destaque hoje no programa Penetra, às 20h, no Sexy Hot. Para falar sobre o assunto, Bianca Jahara conversa com os atores do espetáculo Cabaret luxúria e ainda tem uma aula com a dançarina Sweetie Bird, especialista nesSe gênero.

          Música de qualidade na telinha da Cultura


          A música é sempre destaque aos sábados e hoje não poderia ser diferente. Na Cultura, o rapper Pregador Luo abre os serviços às 17h no programa Manos e minas, e depois tem o Concert des nations, às 21h45, na série Clássicos; e o sambista Serginho Meriti no Ensaio, às 23h15, encerrando à 0h15 com o documentário Dzi Croquettes, que conta a história do grupo que se tornou ícone do teatro musical brasileiro nos anos 1970. No Canal Brasil, às 21h30, Daniel Jobim e Joyce fecham a temporada de Compositores unidos.

          Quem vai noticiar o fim do mundo? João Paulo‏

          Estado de Minas - 20/04/2013

          Numa cena de um dos filmes de Woody Allen, o personagem sai do consultório do médico dando pulinhos pela rua. Como bom neurótico, ele havia procurado o profissional porque sabia que estava condenado a uma morte rápida. Ao receber o diagnóstico que o livrou do câncer imaginário no cérebro, se sentiu como um passarinho. Mas no segundo pulinho percebeu que, se não ia morrer tão rápido, nem por isso escapava do destino de morrer, como todo mundo. E a depressão voltou a ocupar seu espírito. Para Woody Allen, estamos divididos entre os miseráveis e os infelizes. E é sempre melhor ser infeliz.

          O teorema de Allen costuma ser vivido todos os dias pelos jornalistas. Somos perseguidos pela inevitabilidade do fim dos jornais. Apenas os prazos mudam, se alargam um pouco, mas deixam sempre um rastro de crise no ar. O jornalismo, com sua função social de garantir a liberdade de opinião na sociedade, vem sendo açodado por todos os lados. Há o ataque das novas mídias, a fuga de leitores em direção a plataformas mais divertidas, o descréscimo da lucratividade das empresas, o avanço de investidores sem tradição no negócio e a perda dos objetivos éticos em nome do interesse financeiro.

          O que poderia ser um sinal do nosso tempo, marcado pela tendência ao rebaixamento intelectual, no entanto se mostra mais estrutural. Os jornais não estão se tornando menos relevantes. Há razões de ordem prática e filosófica para essa situação. Em primeiro lugar, nosso jornalismo, que segue de perto a inspiração americana (independência financeira como lastro da liberdade editorial), sempre se caracterizou, pelo menos em tese, pela busca de neutralidade política e qualidade em termos de informação. Para isso é preciso que os dois lados funcionem e se respeitem: num polo a administração eficiente, no outro a competência jornalística. Quando um dos lados manca, o conjunto todo baqueia.

          Em outros contextos, como em alguns países europeus, o jornalismo se sustenta a partir de projetos políticos explícitos. Há, entre eles, periódicos de esquerda e de direita. Na nossa cultura, costumamos dividir o trabalho entre bom e mau jornalismo. Por isso é curioso observar como, dos dois lados do espectro jornalístico, marcados pela mesma crise, as respostas tendem a anular as diferenças. O que se exige hoje das publicações, num cenário de ameaça de morte, é que se viabilizem como negócio. O que foi um pacto tácito entre donos e jornalistas hoje se torna uma relação desequilibrada.

          Há, como se vê, duas questões em uma. A primeira diz respeito a um negócio em estado de ameaça de extinção em razão de mudanças culturais e tecnológicas. Pode parecer um paradoxo, mas é exatamente o excesso de informação o maior inimigo do bom jornalismo. Nem todo fato é informação, nem toda notícia publicada é jornalismo. A confusão gera não apenas um cenário confuso como eticamente cambeta. A tendência ao deslocamento da informação trabalhada com inteligência jornalística para o mero dado apresentado pela multiplicidade de suportes tecnológicos não traduz uma nova democracia informativa, mas uma balbúrdia.

          A segunda questão a ser destacada é que o negócio da comunicação em si não tem nada a ver com a informação como base das decisões democráticas. A liberdade de informação é um patrimônio da sociedade, não dos donos dos veículos, que, é bom reconhecer, sempre souberam disso. Informação existe para tornar os cidadãos mais capazes de tomar decisões. O fato de elas chegarem, até então, prioritariamente pelos jornais era uma conquista de civilização, não uma decorrência de denodo empresarial.

          Quando a imprensa é ameaçada quem perde não são os acionistas, mas os cidadãos. É o que se vê, por exemplo, sempre que eventos importantes tomam a cena, seja a eleição de um presidente, um atentado, um protesto político que mobiliza multidões. Se o leitor entende que cabe ao jornalismo ordenar o fatos, encontra em seu periódico alimento para se posicionar no mundo. Caso contrário, se é tomado pela anarquia dos achismos, se torna um cínico que apenas confirma seus prejulgamentos. Não há nada menos iluminista que um blog inspirado por paixões.

          Sem receita O jornalista norte-americano Philip Meyer publicou há alguns anos um livro provocativo desde o título: Os jornais podem desaparecer? Como salvar o jornalismo na era da informação (Editora Contexto). O desafio do autor era separar as coisas. Enquanto o mundo se afoga em informação inútil e irresponsável, a sociedade perde uma de suas mais importantes salvaguardas de liberdade. Com o excesso, a primeira baixa foi a qualidade. Acompanhamos em todo o mundo o processo de reestruturação da imprensa, que, quase sempre, segue o receituário do FMI: cortar na carne o que é essencial (no caso de países os programas sociais, no caso do jornalismo o investimento na busca da notícia) para garantir a sobrevida do arcabouço financeiro.

          A grande mudança começa a ocorrer quando o jornalismo perde a primazia da informação. Hoje não precisamos de jornal para conhecer o mundo, nem de jornalistas para reportá-lo. Havia ainda uma barreira de entrada que era dada pelo alto custo do mercado de papel e do maquinário. O que não mais se sustenta. Hoje se faz jornal sem papel e máquinas. E mesmo essas se tornaram mais acessíveis. Fora do domínio técnico, resta ao jornalismo o coração de seu negócio: a ética. E esta, hoje, exatamente pela penúria, se torna cada vez mais relativa.

          Há um pano de fundo comum em todos os negócios ameaçados por crises. O que faz lembrar uma célebre “teoria” de Henry Ford, um dos pais práticos do capitalismo industrial: o bom negócio deixa os trabalhadores felizes, a sociedade mais forte e os acionistas com um dinheirinho a mais no bolso. Ford não seria recrutado hoje por um head hunter nem para administrar um galinheiro: ninguém quer saber de trabalhadores felizes (zona de conforto é considerado crime e longevidade corporativa sinal de incompetência), responsabilidade social é pauta da área de marketing e os acionistas não querem saber de diminutivo.

          Voltando ao jornalismo, é claro que há saídas. E não são novas. O próprio debate sobre o controle dos meios de comunicação mostra que há uma vitalidade na questão, que precisa ser retomada e aprofundada. Se o jornalismo fosse tão desimportante, por que se preocupar com controles? Há, dos dois lados da questão, a percepção do papel da imprensa no aprimoramento da vida social, ainda que divirjam politicamente sobre a melhor forma de efetivá-lo. Por isso, mais que atacar os monopólios ou demonizar os controles, é preciso um consenso sobre de que imprensa estamos falando quando julgamos fundamental que o jornalismo siga seu caminho numa sociedade democrática.

          Para ficar em apenas três sugestões, talvez seja o momento de apostar na credibilidade – deixando de lado os acordos conjunturais em torno de projetos políticos e econômicos –; investir na qualidade, de modo a suplantar a tendência anti-intectualista que joga contra os próprios jornais (nada mais burro que incentivar o leitor a não ler em nome do entretenimento); e fazer da ética o elemento essencial de toda notícia veiculada. A forma de entender o que é ética no jornalismo é singela: dada uma notícia, veja quem está à frente, o bem comum ou o interesse particular. Você matou a charada.