terça-feira, 2 de abril de 2013

Angeli e Laerte e Caco Galhardo

folha de são paulo          





Sonhos de felicidade - Anna Veronica Mautner

folha de são paulo

OUTRAS IDEIAS - 
Antes, só deuses e santos viviam no paraíso. Agora, a esperança está no nosso horizonte
como se ensina a esperar? Se não aprendermos a esperar, de que forma viveremos esperançosos de um futuro melhor, mais promissor? Sonhar e ter esperança são ingredientes indispensáveis para um viver equilibrado no tempo presente.
Meus atos e pensamentos são dirigidos para viabilizar o que espero que ocorra. Quando olhamos adiante e não conseguimos discernir nada, como orientaremos as nossas escolhas?
Outro dia ouvi comentarem sobre o Butão, um país pequeno, quase oculto nas sombras do Himalaia, que, em vez de almejar um PIB maior, prefere trabalhar com o índice FIB (Felicidade Interna Bruta). Surpreendi-me. Alegrei-me. Parece muito importante poder sonhar para além da sobrevivência.
A notícia de que a felicidade é um anseio que pode eventualmente ser medido já chegou perto de nós. A Fundação Getúlio Vargas criou um instituto para elaborar uma metodologia capaz de calcular, também aqui, o índice de felicidade da população brasileira.
Em termos de bem-estar, a satisfação das necessidades básicas (teto, alimentação, educação e saúde) é apenas um começo.
É essencial perceber que as necessidades básicas não bastam. É aí que reside uma grande mudança da modernidade.
Já vão longe os tempos em que se dirigia a vida de acordo com normas que prometiam o céu apenas para depois da morte. Agora, quando podemos lidar com índices de felicidade, imaginamos a possibilidade do paraíso na própria Terra.
Ao refletir sobre a pesquisa percebo uma grande transformação: do simples sobreviver dos nossos ancestrais primitivos à transposição da esperança de satisfação e felicidade para aquém da morte.
Na Antiguidade, apenas os deuses e os santos viviam no paraíso. Atualmente, estamos trazendo a esperança para o presente, para aqui e agora, e não apenas na sua forma de fé.
Até aqui, poderá dizer você, leitor, que estou com um ataque de alienação, pois estaria me esquecendo dos milhões de miseráveis mundo afora. Não estou, não.
Mas o fato de podermos nos deter hoje nesse tipo de pensamento aponta para uma luz nova. Felicidade e bem-estar são esperanças que surgem no horizonte.
P.S. Ao acabar de escrever este texto, surgiu na minha caixa de entrada a mensagem: "Pesquisa do Instituto Akatu indica que brasileiro associa felicidade mais a bem-estar do que a posse de bens". O tema está no ar.

Alongamento só machuca quem exagera, diz autor de livro

folha de são paulo

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

Quando o educador físico californiano Bob Anderson lançou a primeira edição de seu livro sobre alongamento, a febre das academias e do culto ao corpo estava só começando. O ano era 1975.
A obra virou best-seller, com mais de 3 milhões de cópias vendidas no mundo. No Brasil, a bíblia do estica-e-puxa teve 24 reimpressões. A edição lançada agora --"Alongue-se"(Summus, 240 págs., R$ 90)-- celebra 30 anos da primeira publicação no país.
Nos últimos anos, pesquisas e especialistas têm questionado alguns dos benefícios creditados ao alongamento.
É claro que na avaliação de Anderson, 68, a prática sempre faz bem. Problemas como lesões, diz ele, não são causados pela técnica em si, mas pela forma com que as pessoas passaram a fazer esses exercícios: como uma competição, esticando músculos além do limite da dor e criando tensões.
O professor também explica que muitas pessoas têm o hábito de sustentar o alongamento de cada músculo por tempo demais. Ele recomenda ficar em cada posição por 15 segundos, no máximo.
Nesse ponto, ele está afinado com as novas pesquisas, embora diga não se importar muito com elas. Um dos maiores estudos sobre o tema, publicado no ano passado na revista "Medicine & Science in Sports & Exercise", chegou à conclusão de que manter o alongamento por menos de 30 segundos evita os efeitos negativos que podem ser associados à prática.
*
Folha - Por que o alongamento se tornou tão popular?
Bob Anderson - Porque qualquer pessoa pode fazer, é fácil de aprender e ajuda a a pessoa a viver melhor.
Essa popularização tem deixado as pessoas mais flexíveis?
Nem todo mundo conhece os fundamentos do alongamento ou mesmo a importância de fazê-lo. Se as pessoas não estão mais flexíveis é porque elas não fazem exercícios suficientes para contrabalançar um dos efeitos do envelhecimento, que é a perda gradual da flexibilidade.
Se a pessoa passa muito tempo sentada, ela não perde apenas a força, mas também a amplitude dos movimentos. Há outro lado, também: alguns fazem muitos alongamentos e, mesmo assim, ficam menos flexíveis, porque estão indo além de seus limites. Encaram os exercícios como uma competição. Isso tem efeito contrário: faz os músculos se encurtarem.
Alongar-se antes de uma atividade intensa, como a corrida, aumenta o risco de lesões?
Não. Se a pessoa está se alongando da forma certa, antes ou depois da atividade física, não vai se machucar.
Qual é, então, a forma correta de se alongar?
Prestando atenção à sensação do músculo começando a se esticar, indo adiante apenas enquanto for fáci e, com o tempo, colocando uma suave tensão muscular na ação. A pessoa também precisa, enquanto se alonga, manter o relaxamento das mãos, dos pés, dos ombros e da mandíbula. E ficar na posição por 15 segundos, não mais.
O que mudou na técnica desde os anos 1970, época da sua primeira edição?
O método não mudou, mas na última edição acrescentamos um capítulo para atender questões ligadas ao estresse no trabalho.
Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress

Denise Fraga

folha de são paulo

Como nossos pais

Comecei a cantarolar baixinho e o taxista perguntou se eu queria que ele aumentasse o volume. Tocava no rádio nada mais nada menos que "Father and Son", de Cat Stevens, hino de minha adolescência.

Eu e minha amiga Vânia ficávamos deitadas no tapete da sala lendo a letra no encarte do LP, acompanhando Stevens com nosso sofrível inglês e total sofreguidão.
O rapaz aumentou o volume, também adorava a música. "Mas não é ele cantando, é?" --perguntei. Meu amigo taxista não sabia dizer, talvez fosse jovem demais. Havia muito tempo que eu não ouvia a canção. Fiquei esperando a parte de meu maior prazer, quando, quase em esgares, Stevens cantava "How can I try to explain? When I do, he turns away again. And it's always been the same, same old story...". Não vinha. Não veio.
A voz até parecia ser dele, mas quem cantava percorria tão suavemente a crise entre o pai e o filho, talvez até desse mais corpo à voz do pai, que acabei concluindo: "Não, não é ele. Ele cantava o filho que quer sair de casa quase gritando, com muito mais emoção".
Quando a música terminou, o locutor da rádio me desmentiu. Era o próprio. O que teria acontecido? Seria uma regravação? Eu me lembrei de que Stevens tinha se convertido ao islamismo. Talvez tivesse regravado a canção de forma mais branda, coisas de religião, sei lá.
Voltei a olhar pela janela suspeitando que a melhor explicação para a nova versão aguada de meu hino revolucionário talvez fosse só os atuais cabelos brancos do artista. À esta altura, Stevens não era mais filho, e sim pai. Talvez avô.
Eu me entristeci um pouco por saber que a "minha" "Father and Son" havia sido substituída e fui para casa pensando nesse ciclo inevitável no qual percebemos assustados que fazemos muitas coisas como nossos pais.
Antes de começar a escrever, fui pesquisar na internet para ouvir de novo a nova versão. Não achei nenhuma regravação de "Father and Son" pelo próprio Cat Stevens, tampouco por Yusuf Islam, seu atual nome islâmico. Tremi. Muito provavelmente, a versão ouvida no táxi era a mesma da minha adolescência.
Será que foram meus ouvidos de mãe que se tornaram insensíveis à eloquência com que Stevens me fazia acompanhá-lo aos berros, no tapete de minha juventude? Ponho os fones de ouvido e, aos poucos, vai me voltando a emoção e a vontade de cantar junto. Mas que é verdade que hoje também me emociona a parte do pai, lá isso é. Os cabelos brancos são meus.
Arquivo Pessoal
Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".

Repórter passa uma semana em spa radical e emagrece 4,5 quilos

folha de são paulo

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
"A dieta daqui é tão restrita que seu corpo vai achar que você está morrendo", disse a enfermeira. E me mandou tirar a roupa para a primeira pesagem, a única em que ela é autorizada a falar o peso do paciente em voz alta.
O ritual da balança deve se repetir todo dia sob pena de o interno ficar sem jantar, avisa a placa no Spa Med Sorocaba Campus, onde passei uma semana vivendo com 300 calorias por dia.
É menos do que uma pessoa normal come no café da manhã. É o mesmo que dois pãezinhos sem margarina.
Famoso por lendas de tráfico de comida, o spa de Sorocaba disciplina gordos à base de regras rígidas, diárias salgadas (partem de R$ 595 e a estadia mínima é de sete dias) e dieta hiperrestrita.

Uma semana no spa

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Victor Moriyama/Folhapress
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Três morangos, opção de lanche da tarde para quem segue dieta de 300 calorias no Spa Med Sorocaba Campus, no interior de São Paulo
Tudo lá é controlado, até folhas de alface. Só escapam refrigerante zero, água, chá, café e suco light, além de picolé de gelo feito com o suco.
Nada mais entra, nem o inocente chiclete sem açúcar que tinha na bolsa, confiscado na revista de boas-vindas.
"Vocês pegam muita comida escondida?", perguntei às moças que me escoltaram até o quarto e fuçaram minha mala. "Sempre", disse uma.
Depois, ouvi de internos (nada de hóspedes por lá) histórias de doce de leite em frasco de xampu e torta de frango no filtro de ar do carro ("Ainda chega quentinha").
HORA FELIZ
Primeiro jantar. Seguindo as instruções da enfermeira terrorista, escolhi sopa. Sábio conselho. Apesar de ter muita água e um cubo de frango de 3 cm, o prato estava cheio. Com salsinha e limão, ficou uma delícia.
A comida do spa não tem nada de sal, açúcar ou gordura. As 300 calorias/dia são repartidas em seis refeições, que de novo são divididas no almoço e no jantar entre entrada, prato e sobremesa. Milagre da multiplicação? Não.
A porção de arroz é menor do que um copinho de café, e a sobremesa, do tamanho de uma caixa de fósforos.
Há quem tenha o privilégio de comer 450 calorias. Dá direito a um café da manhã melhor e ao dobro dos lanches da tarde e da noite (no meu caso, meia fatia de pão com um nada de patê ou três tomates-cereja, você escolhe).
Há ainda a primeira classe das 600 calorias (idosos, grávidas, veteranos e "fracos" em geral), que pode comer dois pratos no almoço.
A mim e aos companheiros de fome restava descobrir qual era a coisa mais bem-servida do dia e sublimar as preferências pessoais.
Aprendi a não cair na cilada dos nomes apetitosos. Disse não ao nhoque (eram oito unidades), ao hambúrguer e à minipizza. Optei por arroz integral com frango ou legumes, os pratos maiores.
Já a decisão de trocar sobremesa por salada era mais difícil. Adotei a tática de sobrevivência de me concentrar na quantidade (o pedaço de doce equivalia só a uma garfada) e esquecer que estava substituindo bolo prestígio por um pouco mais de alface.
A barganha por comida corre solta no refeitório --gigantesco e nada glamouroso. É um bisbilhotando o prato do outro e todos patrulhando a dieta alheia, querendo saber por que a comida do vizinho tem um aspargo a mais.
No café, há quem "estique" sua única fatia de pão cortando-a na horizontal. Outros poupam todos os lanchinhos do dia para um banquete noturno regado a refrigerante zero do frigobar.
Passado o choque inicial, o segundo e o terceiro dias foram tranquilos. Já tinha perdido dois quilos e estava bem. Só sentia fome perto da hora de comer e antes de dormir.
No terceiro dia, quase todo mundo que tinha entrado comigo no spa já havia trocado de dieta. Sim, qualquer um pode pedir para comer mais caso se sinta mal.
Eu, brava, passava duas horas na academia entre esteira, bike, dança e hidroginástica. Nada mal para uma sedentária acima do peso.
Tudo estava sob controle até que, na madrugada do terceiro para o quarto dia, sonhei que fazia um caça-palavras com expressões do spa. E me animei ao encontrar laxante no meio das letras. Era o primeiro sinal de loucura.
Mais tarde, descobri que tinha engordado cem gramas. Quem me contou foi uma companheira de spa que viu um exame meu por engano. Era o que faltava para que eu entrasse na histeria coletiva.
Por que engordei? Cada um tinha uma teoria. Para uns, eu estava bebendo pouca água; para outros, faltava tomar mais chá de gengibre ou trocar de dieta para dar um "choque" no organismo.
Todos contavam a própria via-sacra. O interno, querendo ou não, fica sabendo quem está com intestino preso e quem toma diurético. Para dar mais raiva, sempre tem um homem que diz estar perdendo um quilo por dia.
Na manhã seguinte, decidi ir ao clínico do spa para afastar os palpites e tentar recuperar a sanidade. Segundo ele, eu não precisava de diuréticos ou laxantes e não deveria trocar de dieta porque tinha perdido mais 900 gramas. Ufa. Prometi não olhar o peso até o último dia.
ESTRATÉGIAS DE FUGA
A prisão no spa torna as coisas proibidas mais gostosas. Já as permitidas... "No último dia você vai odiar gelatina", profetizou a copeira que atua como fiscal do lanche e não deixa o posto nem por um minuto. Tinha razão.
Quem sai do spa sob licença médica, permitida depois de sete dias, só pensa em dar uma escapada. O programa preferido é comer a coxinha de uma padaria sorocabana.
De volta da licença, o paciente é pesado. Se tiver ganho mais de 2% do peso, perde o direito à voltinha.
Outro evento é a ida ao cinema. Cercados por monitores e com sacos de pipoca sem sal fomos levados ao shopping num micro-ônibus apelidado de "transbanha".
Notei a falta de duas pessoas na fila. Claro: driblaram a vigilância e foram comprar sanduíches, degustados no escurinho do cinema.
Não cometi nenhuma infração, mas quase. No final, a fome apertou. No quinto dia estava tão faminta que fiquei imóvel na beira da piscina, depois da aula de hidro.
Foi a única vez que precisei de transporte para voltar ao quarto. Mas não desmaiei.
Na consulta final com o médico, a notícia: perdi 4,5 quilos, 3 cm de barriga e 2,5 cm de cintura --não revelo o peso nem sob tortura. Minha taxa de glicemia, que era 108 (pré-diabetes), baixou para 99, o limite da normalidade.
"Se você comer quatro vezes o que comeu aqui, vai continuar emagrecendo", disse o médico. É o truque do spa para tentar deixar você feliz com uma dieta de mil calorias. Tem funcionado.
Não perdi um número no manequim, mas minhas roupas estão mais largas. No mais, descobri que não sou tão molenga para exercícios.
De alta, na volta, minha primeira providência foi comer uma esfirra em uma lanchonete na estrada.
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress


'Dieta radical é tratamento agudo para doença crônica', diz endocrinologista

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
Dietas com baixíssimo valor calórico, como as do Spa Med de Sorocaba, têm o efeito colateral de inibir o apetite, de acordo com o endocrinologista Lucas Tadeu Moura, médico do spa.
Isso ocorre porque a restrição intensa leva o organismo a entrar em cetose --quando o corpo passa a queimar gordura para obter energia.
"Pesquisas já mostraram que uma pessoa que consome 300 calorias diárias sente menos fome do que uma que come 900."
Segundo Moura, a cetose começa até o segundo dia de restrição, quando acabam as reservas de glicose do corpo. Por esse motivo a maioria das pessoas sente mais fome nos primeiros dias de spa.

Tanto a dieta de 300 calorias quanto a de 450 e a de 600 são consideradas muito restritivas e resultam em perda rápida de peso. "A resposta à dieta é muito individual. Muita gente não consegue fazer a de 300 calorias."A mudança no metabolismo, no entanto, não causa um "choque" no organismo, diz o endocrinologista. "O corpo não interpreta que você está morrendo. Não há nenhum sentido fisiológico nisso. Ele interpreta que está saindo mais energia do que entrando e se adapta a isso."
NÃO FAÇA EM CASA
Regimes como os de spa são arriscados e não podem ser feitos sem acompanhamento. "A dieta mínima recomendada para se fazer em casa é de 800 calorias, isso para pessoas muito pequenas, que têm o metabolismo basal de mil calorias", diz Moura.
O nutrólogo Celso Cukier, do Instituto de Metabolismo e Nutrição, explica que uma restrição alimentar muito exagerada pode causar problemas como dor de cabeça, náusea, halitose e mudança de humor.
"O organismo redistribui micronutrientes e usa reservas intracelulares", explica. O problema está na volta à dieta normal. "O corpo produz muita insulina e, no retorno dos nutrientes às células, pode haver a falta aguda de alguma substância."
De acordo com Cukier, a maior parte do peso perdido em um spa é água, principalmente nos primeiros dias.
"Pode servir como estímulo, no máximo. E é preciso voltar à rotina com calma, comendo alimentos mais leves no começo." A longo prazo, a dieta mínima recomendada por ele é de 1.200 calorias.
Para o endocrinologista Bruno Geloneze, do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes da Unicamp, dietas muito restritivas não devem ser feitas nem mesmo em spas.
"Só vejo desvantagens. É um tratamento agudo para uma doença crônica, que é a obesidade. Para perder e manter o peso é preciso um tratamento contínuo", diz.
O mesmo pensa a nutróloga Ana Luisa Vilela. "Os spas só sobrevivem porque as pessoas voltam. Acaba virando problema crônico. A pessoa só emagrece lá porque tem alguém vigiando. Depois sai e engorda de novo. É ilusório."
Segundo Moura, o tratamento serve para derrubar mitos relacionados ao emagrecimento. "Muita gente chega ao spa achando que não consegue emagrecer. E aqui a pessoa percebe o quanto estava comendo e como pode reduzir muito a sua ingestão de calorias."


Para matar a fome, internos já furtaram pato e carpas do lago

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Quem viveu no Spa Med de Sorocaba há mais de 20 anos, como o engenheiro João Renato Albanese, 57, conta que, na época, só existia uma dieta, a de 250 calorias, e o tempo mínimo de internação era de um mês, sem direito a saídas semanais.
A clausura deu origem a lendas que até hoje circulam entre funcionários e internos, no estilo telefone sem fio.
Um dos casos célebres, presenciado por Albanese em 1989, é o do interno que capturou um pato no lago anexo ao spa e tentou cozinhá-lo no quarto. "Essa foi a época dos malucos aqui", diz ele, que já passou várias temporadas na instituição. Sua primeira internação foi de 1987 a 1989, quando entrou com 280 quilos e saiu com 90 quilos.

O engenheiro afirma ter visto quando um grupo de pacientes caçou o pato e o levou para um quarto. "Vi o bicho sendo depenado. Saí de perto, mas soube que tentaram assar o pato no aquecedor. Ficou um cheirão e eles foram descobertos."Era o começo do spa, fundado em 1981. "A gente passava muita fome. Eu comi até flor. Hoje tem muito mais comida", lembra.
As pobres carpas do local também já sofreram ataques. "Um paciente tentou fazer filé do peixe no ferro de passar", afirma Caio Cesar Moura, diretor do spa, sem entrar em detalhes.
Hoje, além de dietas mais "fartas" e saídas semanais, que, de certa forma, contêm o ímpeto dos infratores, a segurança é reforçada. Não dá mais para esconder contrabando no carro, por exemplo. O interno não fica com a chave do seu veículo.
Nada impede, porém, que a comida venha de cima.
Janete Rosa da Silva, coordenadora técnica do centro de estética, está na instituição há 20 anos e diz ter visto um frango assado cair sobre uma paciente que tomava sol na piscina. "Alguém encomendou o frango e jogaram pelo muro", lembra. O crime não foi desvendado.
A história mais maluca e megalomaníaca é a do ex-paciente rico que, depois de ser expulso por tráfico de comida, vingou-se jogando de um helicóptero centenas de bombons por toda a área do spa.
"Eram mais de 50 caixas. Os gordinhos se mataram de comer", diz Albanese, que justo nesse dia não estava lá, mas diz ter ouvido o caso de fontes seguras.

Rosely Sayão

folha de são paulo

Medo que dá medo

Muitas mães estão com medo de que os seus filhos sintam medo. Pedem para a escola não contar determinadas histórias e para trocar a indicação do livro que o filho deve ler. Elas também não deixam que as crianças assistam a filmes que, seja qual for o motivo, provoquem medo. Basta que o filme veicule uma ideia: nem precisa conter cenas aterrorizantes.
Essa reação dos pais leva a crer que o medo é necessariamente provocado por um motivo externo à criança e que é uma emoção negativa que os pequenos não devem experimentar. Vamos pensar a esse respeito.
Primeiramente, vamos lembrar que toda criança pequena sentirá medo de algo em algum momento de sua vida. Medo do escuro, medo de perder a mãe e medo de monstro são alguns exemplos. E esses medos não serão originados necessariamente por causa de uma história, de uma situação experimentada ou de um mito. Esses elementos servirão apenas de isca para que o medo surja.
Tomemos como exemplo o medo do escuro. De fato, é na imaginação da criança que reside o que nela lhe dá medo; o escuro apenas oferece campo para que essas imagens de sua imaginação ganhem formato, concretude.
É que, no escuro e em suas sombras, a criança pode "ver" monstros se movimentando e até "ouvir" os rugidos ameaçadores dessas figuras. No ambiente iluminado, tudo volta a ser a realidade conhecida porque a imaginação deixa de ter seu pano de fundo. Os rugidos dos monstros voltam a ser os sons naturais do ambiente. E as monstruosas imagens são diluídas pela claridade.
E por que é bom a criança experimentar o medo desde cedo? Porque essa é uma emoção que pode surgir em qualquer momento da sua vida e é melhor ela aprender a reconhecê-la logo na infância para, assim, começar a desenvolver mecanismos pessoais de reação.
A criança precisa reconhecer, por exemplo, o medo que protege, ou seja, aquele que a ajudará a se desviar de situações de risco. Paralelamente, precisa reconhecer o medo exagerado que a congela, aquele que impede o movimento da vida e que exige superação.
É experimentando os mais variados medos que a criança vai perceber e aprender que alguns medos precisam ser respeitados pelo aviso de perigo que dão, enquanto outros medos exigem uma estratégia de enfrentamento que se consegue com coragem.
A coragem, portanto, nasce do medo. E quem não quer que o seu filho desenvolva tal virtude?
Por fim, é bom lembrar que, muitas vezes, a criança procura sentir medo por gostar de viver uma situação que, apesar de difícil, ela pode superar. Cito como exemplo um mito urbano que provoca medo em muitas crianças na escola: "a loira do banheiro". Para quem não a conhece, é a imagem de uma mulher que assusta as crianças quando elas vão ao banheiro.
Uma escola decidiu acabar com esse mito. Por meio de várias estratégias conseguiu convencer os alunos de que isso não existia. Alguns meses depois, as crianças construíram outro mito para que pudessem sentir o mesmo medo que experimentavam quando se viam perseguidos pela "loira do banheiro".
E quantas crianças não choram de medo depois de ouvir uma história e, no dia seguinte, pedem aos pais que a contem novamente?
Conclusão: o que pode atrapalhar a criança não é o medo que ela sente, e sim o medo que os pais sentem de que ela sinta medo. Isso porque a criança pode entender que os pais a consideram desprovida de recursos para enfrentar os medos que a vida lhe apresenta.
Rosely Sayão
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".

Pais de crianças com autismo usam aplicativos em tablets para estimular a comunicação

folha de são paulo

ELIANE TRINDADE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O tablet é uma espécie de melhor amigo e babá de Pedro, 9. O iPad se converteu também em uma janela de comunicação entre ele e o irmão caçula, Luiz, 7.
Os dois têm autismo, transtorno de desenvolvimento que se manifesta pela dificuldade de comunicação e de interação social.
Logo ao acordar, Pedro aciona um aplicativo, o First Then, indicado por um terapeuta americano, que o ajuda a organizar a rotina.
Karime Xavier/Folhapress
Marie Dorion,39, e os filhos Luis (à esq.), 7, e Pedro, 9, em sua casa em Jundiaí, SP
Marie Dorion,39, e os filhos Luis (à esq.), 7, e Pedro, 9, em sua casa em Jundiaí, SP
As imagens vão se sucedendo a um simples toque: ir ao banheiro, escovar os dentes, tirar o pijama.
"O iPad ajuda o Pedro, que tem um grau mais severo de autismo, a não se perder entre uma atividade e outra. Antes ele colocava a camiseta, mas se distraía", diz a mãe dos garotos, a relações públicas Marie Dorion, 39.
Agora, antes de ir para a escola, Pedro aciona o aplicativo e vai ticando as atividades, como amarrar o tênis. "Não esquece mais a mochila", diz Marie.
A família, que mora em um condomínio em Jundiaí (interior de SP), encontrou no tablet um aliado tanto nas tarefas corriqueiras quanto na hora de brincar. "Eles contam piadas um pro outro e se divertem", conta a mãe.
A jornalista Silvia Ruiz, 42, também aposta no auxílio da tecnologia para facilitar a vida escolar do filho Tom, 3. Com o iTouch, o garoto indica quando quer ir ao banheiro, por exemplo. "Tom voltou a falar graças ao uso do tablet como reforçador da terapia."
Como o filho tinha interesses muito restritos e não ligava para brinquedos, os pais e a terapeuta passaram a usar o tablet para incentivá-lo a fazer as tarefas e a falar. "A gente diz: 'Você vai fazer esse quebra-cabeça e depois pode brincar no iPad'." Tem funcionado.
WORKSHOP
Autor do livro "Autismo, Não Espere, Aja Logo" (Ed. M.Books, 136 págs. R$ 42), Paiva Júnior é outro entusiasta do tablet. Pai de Giovani, 5, ele usa o aplicativo Desenhe e Aprenda a Escrever, que custa US$ 2,99, para ajudar o filho na coordenação motora para a escrita fina.
"É um aplicativo que faz a criança escrever as letras de uma forma lúdica, comandando um bichinho que come bolos", explica.
Outro programa que tem dado resultado é o Toca Store. "É um brinquedo virtual que facilita o ensino de como funciona o uso do dinheiro."
Editoria de Arte/Folhapress
A experiência positiva em casa fez Paiva começar a promover workshops sobre a utilização de iPad por autistas voltados para pais, profissionais e estudantes.
"O iPad não faz mágica nem vai melhorar a criança com autismo sozinho. É preciso sempre dar orientação, estar junto", afirma Paiva.
Segundo ele, o mais importante é migrar para o mundo real. "Se ficarmos somente no iPad, vamos incentivar o isolamento, uma das principais características do autismo que queremos extinguir."
O pai cita o exemplo doméstico. "Giovani começou a gostar de quebra-cabeça no iPad. Quando estava montando bem, comprei vários de verdade e montamos juntos no chão inúmeras vezes."
Especialista no tratamento de crianças com autismo, a psicóloga Taís Boselli diz que o "iPad ajuda na comunicação, apesar do temor de que se transforme em comunicação alternativa e impeça as crianças de falar".
Boselli ressalta a importância de estímulos precoce para melhorar o quadro, em especial os visuais. "Quando lhes damos um recurso visual, eles conseguem se comunicar. Por isso o sucesso do iPad no tratamento."

Manifesto defende psicanálise como opção para autismo

folha de são paulo

Psicanalistas veem tentativa de excluir o método das políticas de tratamento; para psiquiatra, não há evidência de benefício
FERNANDO TADEU MORAESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública, que agrega mais de 300 profissionais de cem entidades, lança hoje, Dia Mundial de Conscientização do Autismo, um manifesto em defesa do tratamento psicanalítico para pessoas com o transtorno.
O documento é uma reação da comunidade psicanalítica ao que esses profissionais chamam de "tentativa de excluir a psicanálise" das políticas públicas de atenção ao autista.
No fim do ano passado, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo lançou um edital para o credenciamento de instituições para o tratamento de crianças autistas. O edital excluía a psicanálise, considerando só terapias cognitivo-comportamentais.
Após manifestação de entidades que representam os psicanalistas, o edital foi retirado. A secretaria informou, em nota, que houve um erro no edital e que outro será lançado em breve.
Para Estevão Vadasz, coordenador do Ambulatório do Autismo do Instituto de Psiquiatria da USP, excluir a psicanálise não é um erro.
"Não há nenhuma evidência científica de que a psicanálise possa ter influência terapêutica positiva na evolução das crianças autistas", diz o psiquiatra.
A ONG Autismo e Realidade, que reúne informações sobre o tratamento do transtorno, também não indica a psicanálise, segundo a psicóloga Joana Portolese, coordenadora-executiva da ONG.
Para os psicanalistas, essas opiniões têm origem na falta de informação. "Eles acham que nós apenas replicamos a análise em adultos nas crianças autistas, que pedimos para eles contarem seus sonhos e fazerem livre associação", diz Maria Cristina Kupfer, professora do Instituto de Psicologia da USP.
A diretora científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise, Vera Regina Fonseca, explica que a psiquiatria e as terapias comportamentais são dirigidas à eliminação dos sintomas, como o atraso na fala e no aprendizado.
"Nossa proposta vai na contramão disso e busca aumentar a capacidade de estabelecer relações e compartilhar emoções."
Segundo Fonseca, o psicanalista tenta compreender e interpretar o estado emocional da criança e ajudá-la a regulá-lo. "Isso se dá por uso de brinquedos e jogos, do estabelecimento de parcerias e da interpretação das atividades da criança."
Ela afirma, no entanto, que ainda são necessárias pesquisas científicas mais abrangentes sobre o método.

    Sindicato vai sugerir criar banco de horas para os domésticos

    folha de são paulo

    Entidade da categoria formula lista com mais de 50 tópicos trabalhistas para apresentar a empregadores
    Para advogados, banco é de difícil implantação; representatividade de sindicatos deve ser avaliada antes de acordo
    CAROLINA MATOSDE SÃO PAULOMARINA ESTARQUECOLABORAÇÃO PARA A FOLHAPRISCILA MACHADODO “AGORA”O Sindoméstica, que representa os domésticos da região metropolitana de São Paulo, prepara uma lista com mais de 50 tópicos sobre relações trabalhistas a serem discutidos com empregadores.
    Entre os itens, está a possibilidade de criação de banco de horas. "Após a promulgação da lei, hoje, vamos procurar vários sindicatos patronais", diz Camila Ferrari, assessora jurídica.
    O banco de horas funciona como uma moeda de troca para o empregado, segundo Frank Santos, advogado trabalhista do M&M Advogados Associados.
    "Há categorias que aceitam o banco em troca do pagamento de convênio médico pelo patrão", afirma.
    Para o controle do banco de horas, uma das ideias é anotar a jornada em um caderno, com assinatura do patrão e do empregado. Outra opção, diz Ferrari, é instalar um relógio de ponto na residência.
    Para advogados consultados pela Folha, justamente a dificuldade do controle das horas é um dos entraves à implantação do banco.
    "Já será difícil controlar a jornada regular, quanto mais um banco de horas", diz Otavio Pinto e Silva, sócio do setor trabalhista do escritório Siqueira Castro.
    Outro empecilho, destaca Silva, é a representatividade dos sindicatos. Ela vai ser avaliada pelo Ministério do Trabalho antes de qualquer análise de acordo.
    "A situação na residência de cada empregador é tão particular que a ideia de um sindicato patronal, que represente a todos, fica um pouco artificial", afirma.
    Se aprovado, o acordo coletivo só tem vigência na área de atuação dos sindicatos.
    JORNADA
    Outro aspecto sensível em relação a um eventual banco de horas para o doméstico é o limite diário da jornada.
    Segundo especialistas, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) fixa a realização de horas extras, mesmo com banco de horas, ao limite de duas por dia para quem tem jornada diária de oito horas.
    Mas exceções já foram aprovadas pelo Ministério do Trabalho a partir de acordos de convenção coletiva, com respaldo de decisões do Tribunal Superior do Trabalho.
    Um exemplo é a jornada de funcionários da saúde: 12 horas de trabalho e folga nas 36 subsequentes. "Mas não creio que esse será o caso dos domésticos. Os profissionais da saúde têm um trabalho específico, de atendimento a emergências", diz Santos.
    O especialista diz ainda que, se houver um acordo entre os sindicatos aceito pelo Ministério do Trabalho, os empregados terão direito também a reajustes salariais segundo os valores estipulados em convenção coletiva.

      Nizan Guanaes

      folha de são paulo

      A importância da empresa
      Se a figura símbolo do velho Brasil era o especulador, o símbolo do Brasil novo deve ser o empresário
      No fim do ano passado, fui ao Japão ver o Corinthians ganhar o título mundial e depois tive um tempinho para viajar pelo país. O tempo foi curtíssimo, mas suficiente para perceber o orgulho que o Japão tem por suas empresas.
      Minha guia dizia com indisfarçável satisfação que a cidade tal era sede da Honda, a cidade tal era sede da Toyota. Ela tinha, especificamente, uma admiração extraordinária pela Honda, como se fosse um laço familiar.
      Lamentavelmente, não vejo isso ser construído no Brasil, esse país capitalista que não sai do armário e onde a palavra lucro ainda é palavrão.
      Tudo em nossa língua traz tom pejorativo à nossa relação com o dinheiro. Aqui se ganha dinheiro, nos Estados Unidos, faz-se dinheiro ("you make money"). As pessoas que querem me ofender dizem que eu só penso em trabalho.
      A empresa no Brasil é submetida a um verdadeiro corredor polonês de impostos, regulações e leis. Se sobreviver, terá sua margem de lucro tutelada.
      Há ainda em muitos setores restrições atávicas ao empresariado. Mas não se pode inverter o papel da empresa, esperando que elas e os empresários exerçam o papel do Estado e da família.
      Não é a publicidade de cerveja que deve ensinar que as pessoas bebam com moderação (embora eu defenda os alertas feitos nas campanhas), nem é o McDonald's que deve combater a obesidade infantil. A propaganda tem que fazer o papel da propaganda, e a sociedade civil tem que fazer o papel da sociedade civil. A propaganda não deve deseducar, claro, mas educar não é sempre o seu papel principal.
      A empresa no Brasil é assim uma sobrevivente diante de uma quantidade avassaladora de restrições e preconceitos.
      E, se o empresário conseguir sobreviver a tudo isso, ainda deve esconder a todo custo seu progresso para não atrair olho gordo, já que sucesso no Brasil é quase uma ofensa pessoal.
      Mas, sem Olavo Setubal e sem Amador Aguiar, sem Naturas, Grendenes, Havaianas e Ipirangas, não se faz um país, como o Japão da Toyota, os Estados Unidos da Apple, a Coreia do Sul da Samsung, a França da Chanel, a Itália da Fiat.
      O sistema bancário brasileiro deve ser fonte de orgulho do país. Sua solidez na última grande crise financeira global mostrou competência.
      Foram as empresas brasileiras que geraram os milhões de empregos dos últimos anos e que nos trouxeram a esse patamar inédito de praticamente pleno emprego.
      Essas empresas e o espírito empreendedor de seus líderes transformaram e transformam a vida da população e mudam a cara do país.
      Estou há dez anos construindo meu grupo empresarial. Tenho hoje um bom patrimônio. Mas praticamente tudo o que eu tenho está dentro do grupo, investido em seus talentos e projetos. Fazer leva tempo. E o empresário nunca pensa no curto prazo. Ele tem que pensar longe, crescer com o Brasil.
      Administrar uma empresa, como viver, é errar e consertar rápido. Melhor é aprender com os erros dos outros. Mas, se errar, erre rápido. Como disse Juscelino Kubitschek, com erro não há compromisso.
      Há compromisso com os talentos, com a meritocracia, com a comunidade e com o país. Porque não adianta apenas o necessário compromisso com o lucro líquido.
      É preciso que a empresa produza também orgulho líquido. E criar orgulho é mais difícil do que criar lucro. Esse desafio enorme deve servir como novo combustível para impulsionar nossas empresas e consolidá-las como o grande vetor do desenvolvimento.
      É na empresa que prosperam a inovação, a produção e o emprego. Ela é a forma mais eficiente de organizar e desenvolver o nosso potencial.
      Está na hora de disseminar um posicionamento pró-empresas no Brasil. Elas só podem ser pró-funcionário, pró-pai de família, pró-mãe, pró-comunidade, pró-cidade, pró-Estado, pró-país. Mais do que do empresário, a empresa é do Brasil.
      Se a figura símbolo do velho Brasil era o especulador, o símbolo do Brasil novo deve ser o empresário ou a empresária. Aquele brasileiro que, por meio de sua empresa, ajuda a construir o país.
      NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.

      Francisco Daudt

      folha de são paulo

      Natureza humana, espírito de criança
      Se nós compararmos um chimpanzé pequeno a uma criança de dois anos, ambos se parecem muito
      "ANNUNTIO VOBIS gaudium magnun: habemus solidum" ("Eu vos anuncio grande alegria: temos sólido"), disse ele de dentro do banheiro, inspirado é claro na eleição do novo papa, para comemorar o fim da diarreia que o perseguiu por algum tempo. Sua mulher, do lado de fora, comentou: "Você nunca vai deixar de ser criança".
      Sorte dele, que assim desfruta de uma característica peculiar de nossa espécie: a neotenia. É o nome que os biólogos dão a este aspecto de espécies que conservam a mente de criança pela vida afora. Quer dizer "apego à forma nova".
      Se nós compararmos um chimpanzé pequeno a uma criança de dois anos, ambos se parecem muito: são criativos, curiosos, brincalhões, engraçados, buliçosos, mexem em tudo, ficam intrigados com o que não entendem, querem ver o que tem atrás, o que tem embaixo e como as coisas funcionam.
      Não param de aprender coisas novas, ligam-nas com as antigas para formar terceiras coisas, ao ponto de usar uma recém aprendida fórmula pomposa para avisar que a obra, em vez de líquida, saiu moldada e sadia.
      Algum tempo depois, infelizmente o chimpanzé vira um adulto blasé e entediado que já sabe meia dúzia de truques de sobrevivência e não se interessa mais em aprender coisa nenhuma. A menos, é claro, se algum cientista começar a premiá-lo com pencas de bananas a cada novidade que ele incorpora, aí periga aprender a ler.
      Já a criança humana, se não for muito enquadrada e reprimida, continua com aqueles aspectos supracitados pelo resto da vida -seguirá interessada e engraçada até a morte.
      Curioso é o verbo latino "adolescere". Significa "crescer". Em português, seu particípio passado deu em "adulto", "crescido". Já o particípio presente deu em "adolescente", quer dizer "crescente, em crescimento", que é o equivalente a criança, que significa "em criação".
      Resulta que nós todos, na melhor das hipóteses, deveríamos continuar adolescentes, crescentes, ou crianças pelo resto da vida.
      Há quem pense que isto é um elogio à adolescência cronológica (que os norte-americanos chamam de teenagers, referindo-se aos números de 13 a 19 que terminam em teen, em inglês). Não é.
      Infelizmente a adolescência cronos (do tempo contado) é completamente diferente da adolescência kairós (do tempo bem encaixado).
      A primeira cai sobre nós como um fardo, um tempo "em que ainda não é dia claro, e já é alvorecer, entreaberto o botão, entrefechada a rosa, um pouco de menina, um pouco de mulher" (Menina e moça, Machado de Assis). Ou seja, um desastre, um perrengue, um desajeito. Não à toa os pais chamam de "aborrecente", embora quem mais se aborreça seja o próprio.
      A adolescência kairós só acontece como invenção nossa a ser defendida com unhas e dentes para que evitemos o destino de virar chimpanzé blasé.
      Aí entra um truque de nossa complexidade: auto-sustentar a criança. Aprender a ganhar independência financeira (sem ela, não há outra) para se manter criando, crescente, inventivo, interessado, curioso, achando graça nas coisas, capaz de encantamento, enfim, feliz como uma criança.

      Clovis Rossi

      folha de são paulo

      Uma ilha chamada Brasil
      O mundo corre atrás de negociações comerciais, enquanto o governo brasileiro fica olhando
      Curioso país é esse tal de Brasil: ao mesmo tempo em que lança um candidato à direção-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), não demonstra o mais leve empenho em levar avante negociações para a liberalização comercial, o que, no fim das contas, é a alma da entidade.
      Como diz o próprio candidato brasileiro, o embaixador Roberto Azevêdo, "comércio é um elemento indispensável para o crescimento e desenvolvimento de qualquer economia".
      Por que, então, o governo que o lançou candidato não atua de acordo com essa lógica?
      Parece que o governo Dilma Rousseff ficou prisioneiro de uma lógica que fazia algum sentido no início do século, quando acabaram congeladas todas as três grandes negociações em que o Brasil estava envolvido: a chamada Rodada Doha, a mais ambiciosa tentativa de liberalização comercial; a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que, se bem-sucedida, criaria a maior zona de livre-comércio do mundo; e o entendimento Mercosul/União Europeia.
      Os liberais de plantão sempre acusaram o governo brasileiro (leia-se Lula) de responsável pelo bloqueio das negociações. Não é bem verdade. Os países ricos com os quais o Brasil negociava foram tão culpados quanto o Brasil.
      Qual a lógica que emperrou tudo? Em resumo, correndo o risco de simplificação: o Brasil só aceitava abrir seu setor industrial e de serviços se UE e EUA derrubassem o muro de proteção a suas agriculturas.
      É uma lógica que perdeu sentido porque a indústria brasileira que se queria proteger foi sendo comida pelas bordas pela avassaladora máquina chinesa de exportações.
      Há um segundo fator, possivelmente mais relevante, a empurrar para uma revisão da acomodação brasileira em matéria de negociações comerciais: quase o mundo todo está correndo atrás de entendimentos do gênero.
      Cito apenas três fatos recentes: China, Japão e Coreia do Sul iniciaram negociações para liberalizar o comércio. São portentosas usinas exportadoras, que trocam entre si US$ 700 bilhões por ano, quase três vezes o que o Brasil exportou em 2012.
      Dois: Chile, Peru, Colômbia e México liberalizarão 90% de seu comércio após assinatura de um acordo, dia 29 de maio. Precisa dizer que três são países da América do Sul, o subcontinente que o Brasil quer ver integrado, de preferência sob sua liderança?
      Três: até EUA e UE, as grandes potências globais, ensaiam uma aliança comercial que, "sem dúvida, forneceria um muito necessário impulso para investimentos, crescimento e padrão de vida", como escreve para o "Financial Times" Robert Zoellick, aquele que Lula chamou de sub do sub do sub, quando chefiava o comércio exterior norte-americano.
      Zoellick acrescenta que esse acordo seria bem mais que tudo isso (e já é muito): permitiria a recuperação de um papel de vanguarda para "as nações avançadas, que estão perdendo terreno para Estados em ascensão".
      Se todas essas negociações forem avante, o Brasil corre o risco de se tornar uma ilha, gigantesca, mas ilha.
      crossi@uol.com.br

        Painel - Vera Magalhães

        folha de são paulo

        Longe da trégua
        Após pedido encaminhado por Márcio Thomaz Bastos, Joaquim Barbosa aceitou conceder audiência, prevista para ontem, aos defensores dos réus do mensalão no Supremo Tribunal Federal. Barbosa, que não costuma receber advogados, convidou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para a reunião. Mas, devido à recusa do presidente da corte em dar mais prazo para análise do acórdão do julgamento, que deve sair na sexta-feira, os criminalistas desistiram do encontro.
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        Protocolar 1 Durante a conversa com Alfredo Nascimento e Antonio Carlos Rodrigues em que bateu o martelo na ida de César Borges para o Ministério dos Transportes, Dilma Rousseff ligou para o líder do PR na Câmara, Anthony Garotinho (RJ).
        Protocolar 2 A presidente perguntou se tinha algo a opor ao nome de Borges. Garotinho reiterou o pleito de que o ministro fosse um deputado, mas não impôs veto.
        Cantinho O comando da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), para onde vai o desalojado Paulo Sérgio Passos, está ocupado interinamente desde que o Senado derrubou a recondução de Bernardo Figueiredo ao cargo.
        Dieta O general Jorge Fraxe ficará no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) e não haverá mudanças na Valec, dois alvos de cobiça do PR.
        Duelo Dilma divulgará hoje em Fortaleza ampliação do Bolsa Estiagem e a recurso rápido para obras no Nordeste. Quer se antecipar a Eduardo Campos (PSB-PE), que anistiará pequenos produtores.
        Bem básico Entre os artigos que o Congressos incluiu na MP da desoneração da cesta básica estão produtos de higiene, como sabonete, pasta de dente e fio dental. Não houve sucesso itens como com feijoada a vácuo, bicicleta e óculos escuros.
        Oremos Contestado no comando da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Marco Feliciano (PSC-SP) pagou, na rubrica de divulgação de atividade parlamentar, R$ 100 mil de verba do gabinete à gráfica que rodou 12 mil exemplares de livros religiosos de sua autoria.
        Outro lado 1 Representante da Soft Editora, de São Paulo, que se identificou como Luiz, nega que o repasse da Câmara tenha sido para pagar os livros. Ele afirma que pela produção de jornais informativos relativos ao trabalho do deputado na Casa.
        Outro lado 2 A assessoria do deputado admite que a mesma gráfica pode ter sido usada para os dois trabalhos, mas nega ter utilizado dinheiro público para fins particulares, e sim para a produção do informativos.
        Prioridades Feliciano pediu ao ministro Ricardo Lewandowski o adiamento de audiência marcada para o dia 5 no STF no processo em que é acusado de estelionato. Ele alega ter outro compromisso no mesmo dia.
        Bumbo Dizendo ser po rtador de "excelente notícia", o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), vai hoje à TV anunciar a promulgação da PEC das Domésticas. Gravou no domingo.'
        Visitas à Folha Abílio Diniz, presidente do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava com Alessandra Paz e Sérgio Malbergier, assessores de comunicação.
        José Américo Dias, presidente da Câmara Municipal de São Paulo, visitou ontem aFolha. Estava acompanhado de Jamir Kinoshita, assessor de comunicação.
        com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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        TIROTEIO
        "Lamento o acórdão do mensalão não ter sido publicado pelo Supremo justamente no 1º de abril, conhecido como Dia da Mentira."
        DE LUIZ FERNANDO PACHECO, advogado do deputado José Genoino, sobre a expectativa, não confirmada, de que o texto final do julgamento sairia ontem.
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        CONTRAPONTO
        Bom dia ministro
        Paulo Bernardo (Comunicações) recebeu vários telefonemas na manhã de terça passada, procedentes de números não identificados. Procurado por um amigo de Curitiba, o ministro entendeu a razão das chamadas.
        -Deram seu número no ar durante programa de TV aqui. Orientaram os telespectadores a ligar caso tivessem problemas com telefonia...
        Quando soube que a ''pegadinha'' foi de telejornal do canal ligado ao ex-aliado Ratinho Júnior (PSC), brincou:
        -Pois todos os quatro telespectadores da emissora me ligaram. E antes das 7h!

          Descalibrado no jogo interno, deputado Feliciano pode morrer pela boca

          folha de são paulo

          ANÁLISE
          RICARDO MENDONÇAEDITOR-ASSISTENTE DE "PODER"Discursar, pregar e tuitar de forma ofensiva a gays, negros e mulheres rendeu muito barulho contra (ou para) Marco Feliciano nas ruas e nas redes sociais.
          Mas, pelo menos até agora, isso não parece ter sido suficiente para sensibilizar seus colegas de Câmara em número suficiente para lhe causar estragos mais sérios.
          A sorte do pastor legislador poderá começar a mudar, porém, se ele não conseguir controlar a língua quando fala especificamente de seus pares, os deputados.
          Na sexta-feira passada, Feliciano disse que, antes de sua chegada, a Comissão de Direitos Humanos era "controlada por Satanás".
          No instante e no local em que fez essa afirmação (durante um culto), ele poderia estar jogando para a plateia, como quando fala em "ditadura gay". Mas os feridos, agora, não são mais aqueles que terão de esperar até 2014 para não votar em quem não iriam votar de qualquer jeito.
          Desde 1995, a comissão foi presidida por 15 parlamentares. Dezenas de outros passaram por lá. Vão aceitar pacificamente a pecha satanista?
          Ontem, em entrevista à Folha, Feliciano voltou a derrapar onde, estrategicamente, deveria ser mais cuidadoso.
          Numa postura que denota arrogância, resolveu descredenciar a reunião de líderes que discutirá seu caso na semana que vem. Disse que o encontro é para achincalhá-lo. Resultado: se tinha algum defensor lá dentro, provavelmente acabou de perder.
          Igualmente fora de cálculo foi a comparação nada lisonjeira com o presidente da Câmara. Henrique Eduardo Alves, disse ele, também sofreu acusações, mas sobreviveu.
          Pode até ser verdade. Mas que tipo de solidariedade ele acha que terá com isso?

            Moção sobre crimes contra jornalistas é aprovada

            folha de são paulo

            Apuração de casos pela PF é tratada em projeto
            DE BRASÍLIAIntegrantes do Conselho de Comunicação do Congresso aprovaram ontem moção ao projeto de lei que trata da participação da Polícia Federal na investigação de crimes em que houver omissão ou ineficiência das esferas competentes e em crimes contra a atividade jornalística.
            O projeto, de autoria do deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), tramita na Câmara desde 2011.
            "Tal iniciativa corresponde a sanar um malefício que hoje grassa no Brasil, o das investigações suspeitas em si mesmas em casos que envolvem jornalistas", diz trecho.
            No documento, os conselheiros também pedem que seja considerada a necessidade de se ampliar o projeto para contemplar as pessoas que realizam atividade jornalística ou atividade meio para atividade jornalística, "especialmente" os radialistas.
            No encontro de ontem, os conselheiros também aprovaram dois relatórios que tratam dos regulamentos da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
            O conselho tem como objetivo fazer estudos e emitir pareceres no Congresso sobre liberdade de expressão, concentração de meios de comunicação, programação de rádio e TV, propagandas, entre outros.

              Janio de Freitas

              folha de são paulo

              De volta ao tribunal
              Disso tudo fica a evidência de que é necessária a alteração do prazo processual para a defesa
              O ALEGADO atraso na apresentação dos votos finais de três ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme informação ontem atribuída ao ministro Joaquim Barbosa, contém uma comparação implícita que incide em equívoco. O segundo, aliás, em referências recentes à etapa final do julgamento chamado, à maneira "politicamente correta", de ação 470, ou, mais francamente, julgamento do mensalão.
              Ainda em palavras do presidente do STF, que o jornalista Merval Pereira informou ter ouvido do próprio, o acórdão está pendente dos votos definitivos dos ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Dias Tof-foli, tendo sido Joaquim Barbosa o primeiro a apresentar os seus.
              A comparação automática a que se é levado (por nossa própria conta), entre a eficiência e os retardatários, é equivocada. Os votos do ministro Joaquim Barbosa já vêm formulados no texto que leu como relator para o julgamento de cada um dos 38 denunciados. Ao passo que outros ministros precisaram dar forma e sentido a votos apresentados de improviso e em síntese. Caso, em geral, de Rosa Weber e Dias Toffoli. Enquanto cada voto de Celso Mello motivou-o a uma conferência, a par das que proferiu a propósito de votos alheios.
              Pressente-se o calhamaço que vem por aí, cada ministro apresentando a fundamentação jurídico-filosófica, e o que mais seja preciso, de cada vez que propôs um destino para a vida de alguém colhido no processo. Aos advogados de defesa são concedidos cinco dias para metabolizar esses pronunciamentos, afinal integrados em um chamado acórdão, e elaborar e redigir suas considerações a respeito.
              Daí que as defesas de Ramon Hollerbach, Marcos Valério e José Dirceu requeressem maior prazo. E daí, ainda, o editorial da Folha de domingo, "O STF e seus prazos", com a consideração de que "os embargos [das defesas] dependem muito de divergências ou contradições que possa haver no texto final" [do STF], logo, "parece razoável alguma tolerância quanto a prazos".
              O ministro Joaquim Barbosa negou o prazo extra. Argumentou que o julgamento foi "amplamente divulgado" e que "todos [os advogados] puderam assistir pessoalmente" às sessões no STF.
              Mas os votos finais dos ministros, estes que apresentam agora, não precisam reproduzir o que disseram na sessão plenária. Só isto já seria suficiente para atestar que as defesas não estão necessariamente informadas sobre o teor dos votos definitivos. Mais importante ainda é que o argumento do ministro Joaquim Barbosa desconsiderou esta constante: em sua grande maioria, os votos no plenário foram dados de maneira muito breve, limitados a definições individuais sobre concordância ou discordância com a proposta do relator. À definição seguia-se o aviso de posterior apresentação argumentada, e por escrito, do voto -não divulgado.
              Disso tudo fica, além do que signifique para as defesas e para o julgamento, a evidência de que é necessária a alteração do prazo processual para a defesa. É uma aberração, considerada a necessária igualdade de condições para se fazer justiça, a desproporção entre os tantos meses para uma parte e os tão poucos dias para outra em processos complexos. Ação 470 ou mensalão, também nisso é exemplar.

                MARIA ESTHER MACIEL » Os cães de Paris‏


                Estado de Minas: 02/04/2013 


                É muito comum ver, nas ruas de Paris, mendigos sentados perto de caixas eletrônicos, padarias e supermercados. Serenos, não incomodam ninguém. Apenas ficam lá, quietos, à espera de uns trocados ou outra coisa qualquer. Alguns se comprazem em observar o entorno, atentos ao movimento da cidade. Outros leem um jornal ou um livro, como forma de passar o tempo. Muitos (acho que a maioria) estão acompanhados de cães, também tranquilos. Nestes dias de frio intenso, homem e cachorro ficam bem juntos, encostados um no outro. Por vezes, compartilham um sanduíche ou um pedaço de pizza, em explícita cumplicidade.

                Os cães, aliás, compõem a vida de Paris. Eles não costumam perambular sozinhos pelas ruas, em situação de abandono, mas estão sempre acompanhados de pessoas. Podem ser vistos, inclusive, em restaurantes, com seus donos. Geralmente, deitam-se sob a mesa ou até em cima de uma cadeira. Ninguém parece se perturbar com a presença deles. Certo dia, num restaurante onde almoçava com meu marido, apareceu uma mulher com um cachorrinho dentro da bolsa, apenas com a cabeça de fora. Ficou ali o tempo todo, recebendo, de vez em quando, algum petisco da mesa. Uma cena memorável.

                Baudelaire, meu poeta francês preferido, falava muito de cães em seus poemas. O mais interessante deles, sem dúvida, é o poema em prosa intitulado “Os bons cães”, em que ele faz uma apologia dos vira-latas. Avesso aos “cães bonitinhos”, acomodados em almofadas de seda, ele evoca os cachorros pobres e sem casa – verdadeiros “filósofos de quatro patas” – que encontram nos homens miseráveis sua melhor companhia, como se um dissesse para o outro: "Leve-me contigo, e de nossas duas misérias faremos, talvez, uma espécie de felicidade."

                Em Paris, os cães têm até um cemitério. Fica em Asnières, a noroeste da cidade, na margem esquerda do Rio Sena. É longe, mas de metrô é possível chegar em menos de meia hora. O lugar é muito bonito, com um portal em estilo art nouveau e muitas árvores. Existe desde 1899 e é considerado o primeiro cemitério do gênero. Lá estão enterrados milhares de cães, gatos e outros animais de estimação. Entre os mortos estão animais ilustres, como o cão Rin-Tin-Tin, que se tornou estrela de cinema, e um cão herói do exército de Napoleão, de nome Moustache. Este recebeu um túmulo pomposo. Há também inúmeras sepulturas de animais comuns, como as de Milou, Sherazaade, Caline, Kiki, Rita, Nini e Sophie, nas quais estão inscritas mensagens belas e afetuosas. Até Platão, Sócrates, Ulisses e Rimbaud estão lá.

                Mas o túmulo mais impressionante, a meu ver, é o de um cachorro chamado Hector (1992-2005), que mereceu o seguinte epitáfio: “Você foi o que de mais belo aconteceu na minha vida”. Mesmo passados oito anos de sua morte, o túmulo tem velas acesas e 12 vasos de flores viçosas, que indicam visitas recentes. Outro dado curioso é a presença de gatos vivos no cemitério. Um gato preto de olhos verdes surpreendeu-me perto do túmulo do cão Eliot. Porém, não tive medo. Outro, marrom, correu por entre os ciprestes e sumiu.

                Soube que um cachorro errante e sem nome veio a morrer na porta do cemitério, em 1958. Ganhou, da direção, uma sepultura. Hoje, é um dos cães heróis do lugar. Bem que podia se chamar Baudelaire.


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