quarta-feira, 27 de março de 2013

Livro revê 120 anos da Confeitaria Colombo

folha de são paulo

fABIO BRISOLLA
DO RIO

O poeta Olavo Bilac pedia sempre o empanado de camarão. Já o escritor Machado de Assis preferia os salgadinhos folhados da Confeitaria Colombo, ponto de encontro da alta sociedade carioca no início do século 20.
Tomás Rangel/Folhapress
O salão da Confeitaria Colombo, no Rio
O salão da Confeitaria Colombo, no Rio
Parte dessa história, incluindo algumas receitas centenárias, ganha um registro oficial com o lançamento do livro "Confeitaria Colombo - Sabores de uma Cidade", escrito pelo historiador Antonio Edmilson Martins Rodrigues e por Renato Freire, desde 2000 chef-executivo da cozinha do tradicional endereço no centro do Rio.
Com 200 imagens, a publicação combina de cenas de arquivo a registros recentes do cardápio feitos pelo fotógrafo Pepe Schettino.
A lista inclui pastel de nata, biscoitos casadinhos, camarão com chuchu e bacalhau crespo de baroa. São 20 receitas, algumas prestes a completar 120 anos, como o mil-folhas de creme.
SÉCULO 19
Inaugurada em setembro de 1894 na rua Gonçalves Dias, a Colombo extrapolou o conceito de confeitaria.
Pepe Schettino/Divulgação
Mil-folhas da Confeitaria Colombo
Mil-folhas da Confeitaria Colombo
No auge, o estabelecimento fundado pelo português Manuel Lebrão chegou a ter restaurante, mercado, fábrica de doce (onde se produzia a geleia de mocotó Colombo) e um serviço de "catering" que atendia com frequência as recepções do Itamaraty.
Frequentador assíduo, Olavo Bilac atraiu para o local seus colegas da Academia Brasileira de Letras.
Em pouco tempo, o lugar virou um ponto de encontro de intelectuais, políticos, empresários, artistas e demais personagens que circulavam por ali. Por lá passaram Lima Barreto, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
De acordo com os registros da confeitaria, Heitor Villa-Lobos chegou a estar entre os músicos que se apresentavam na casa em 1922.
O declínio veio com a transferência da capital para Brasília em 1960 e acentuou-se nas décadas seguintes.
"As receitas tradicionais foram esquecidas ao longo do tempo. Quando fui convidado para assumir a cozinha, procurei resgatar essas referências", lembra Freire, há 13 anos na confeitaria.
A mudança começou em 1999, com a venda para os irmãos e empresários Maurício e Roberto Assis, que contrataram o chef Danio Braga para reorganizar a casa.
Freire ainda se lembra da primeira conversa com Danio no salão da Colombo: "A casa estava escura, vazia, os funcionários visivelmente desanimados".
Atualmente, a Colombo serve em média 3.000 pessoas por dia em suas duas unidades. A segunda delas surgiu em 2003, no forte de Copacabana, onde as receitas de doces e salgados dos séculos passados são servidas com um diferencial deslumbrante: a vista das praias da zona sul da cidade.
Confeitaria Colombo, sabores de uma cidade
Autores: Renato Freire e Antonio Edmilson Martins Rodrigues
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 98 (256 págs.)

Nina Horta

folha de são paulo

O psicopata americano
No café da manhã do nosso americano, sarado, rico e psicopata, tem muffin de cevada e cereal de aveia
De repente, me lembrei de um livro que li há muitos anos. Minto. Tentei ler e achei tão esquisito, tão fora de propósito, que larguei. É o "Psicopata Americano", de Bret Ellis. Saiu em 1991. Suponhamos que demorou dois anos para ser escrito e publicado, logo já tem uns 25 anos.
Lembro-me de que não devo ter entendido o livro, que só falava em grifes de roupas e comidas, extremamente superficial (de propósito) e violento. Mas, lá no fundo do cérebro, sabia que ele tratava muito de comida e fui dar uma relida.
Para espanto total, o livro que eu tanto estranhei virou quase normal para mim. É como se eu estivesse lendo a "Vogue" misturada com Tarantino. Nem estranhei nada e ainda me interessei e fui até o fim.
Sinal de que o horror da superficialidade e da falta de valores já não se faz estranho, vai mal!
Mas eu estava certa quanto à comida. Já se comia em Nova York o que se come ainda hoje nos restaurantes chiques. O dia e a noite dos personagens giram em torno de almoços e jantares, o status de se conseguir lugar com o maître e a posição da mesa. (Os maîtres eram mais importantes que os chefs.)
A primeira comida que aparece é na casa de uma amiga do psicopata, que serve sushi. Na hora da sobremesa, ela oferece sorbets de kiwi, carambola, figo e pera d'água.
Um desavisado pede sorbet de chocolate e cai na desgraça. Não é o que deveria pedir, errado ou exótico demais. E, ainda por cima, confundiu cappuccino com carpaccio.
No dia seguinte, o café da manhã do nosso americano, bonito, sarado, branco, rico e psicopata, é: um muffin de cevada com manteiga de maçã. Uma tigela de cereal de aveia com germe de trigo e leite de soja. Uma garrafinha de água Evian e uma xicrinha de café descafeinado. Uma xícara de chá de maçã e canela descafeinado.
No almoço (eles já usam muito o guia "Zagat"), conseguem um lugar num restaurante de "pós-Califórnia cuisine". O protagonista já sabe como vai ser: canos expostos, cozinha aparente, pizza feita na vista dos clientes, burritos com vieiras, torradas de wasabi, fusilli e queijo brie com azeite.
Ele pede radicchio com lula e ragu de tamboril com violetas, e o chef os presenteia com pipoca "cajun" e também com um vermelho queimado de um lado só, "medium rare". (Lembram-se dessa mania que deu aqui também por causa do chef do sul dos EUA Paul Prudhomme, que fazia o peixe na grelha, de um lado só, até queimar?)
Um jantar de negócios: boudin branco, frango assado e cheesecake. (A palavra cheesecake soa mal para um deles, é muito comum, fica confuso: "O quê? Cheesecake de que sabor? Quente? Cheesecake de ricota? De queijo de cabra? Enfeitado com flores ou com coentro?")
Éramos assim há mais de 20 anos. Vamos andando ou paramos no mesmo lugar? Como o ser humano é engraçado! Como somos engraçados e excêntricos! O tanto que podemos nos preocupar com comida e suas modas... Tem muito pano pra manga nessas manias, hora de repensar. Eva e Adão já com a maçã. E nós atrás com sopinha de abacaxi esferificado. Quem sabe seja tudo sobre a árvore do bem e do mal?
ninahorta@uol.com.br
Leia o blog da colunista
ninahorta.blogfolha.uol.com.br

    Quadrinhos

    folha de são paulo

    CHICLETE COM BANANA      ANGELI

    ANGELI
    PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

    LAERTE
    DAIQUIRI      CACO GALHARDO

    CACO GALHARDO
    NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

    FERNANDO GONSALES
    MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

    ADÃO ITURRUSGARAI
    BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

    ALLAN SIEBER
    MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

    ANDRÉ DAHMER
    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS

    Tv Paga

    Estado de Minas - 27/03/2013 

    Icone Pop 

    Popular na TV americana por seus bordões, caras e bocas, a garotinha Alana Thompson (foto), de 7 anos, é a protagonista do programa Chegou Honey Boo Boo!, que estreia hoje, às 21h30, no canal TLC. O reality show mostra o cotidiano da família Thompson, que mora numa cidadezinha na região central do estado da Geórgia. Destaque especial para os preparativos de Honey Boo Boo para participar dos concursos de beleza infantil, que a fizeram famosa em todos os Estados Unidos.

    Nova série do NatGeo
    relata histórias reais

    Novidade também no NatGeo, que estreia, às 21h30, a série Eu decido, que relata histórias de pessoas que tiveram que tomar decisões radicais em temas difíceis como a doação de órgãos, o aluguel do ventre e a eutanásia. O primeiro episódio, “Doação de órgãos”, mostra como a ciência evoluiu no sentido de criar possibilidades para salvar vidas, e uma delas é justamente o transplante de órgãos.

    Barrada em Hollywood,
    atriz repensa sua vida


    Jennie Garth se mudou de Illinois para Los Angeles há mais de 20 anos para seguir seus sonhos em Hollywood e pouco depois conquistou um papel de projeção na série adolescente Beverly Hills, 90210. Agora, ela tenta voltar às suas origens, se mudando com a família para uma fazenda na Califórnia. É o que mostra a série De casa nova, que estreia às 22h30, no canal Vh1.

    Um presentão para os
    fãs de Pretty little liars


    O Boomerang estreia hoje, às 19h, a terceira temporada da série adolescente Pretty little liars, mas antes disso vai reprisar a segunda temporada completa, em uma maratona que começa às 11h. A série começa com a morte de Alison, e suas amigas passam os episódios tentando descobrir quem é o assassino. A nova temporada deve resolver esse e outros mistérios.

    Matando a saudade da
    diva Whitney Houston

    O canal Bio apresenta hoje, às 17h, um especial narrando a trajetória da cantora Whitney Houston, grande estrela do r&b que vendeu cerca de 170 milhões de discos por todo o mundo. Além de relembrar os grandes feitos da carreira artística, o programa revela detalhes de sua vida pessoal, como o conturbado casamento com Bobby Brown. Whitney morreu em 11 de fevereiro de 2012. Tinha 48 anos.

    Os melhores filmes são
    exibidos na faixa das 22h

    No pacotão de filmes, o destaque de hoje é Mil anos de orações, de Wayne Wang, às 22h, na Mostra internacional de cinema na Cultura. No Universal, será apresentada uma sessão dupla com Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, às 20h, e O mundo perdido: Jurassic Park, às 22h30. Na faixa das 22h, o assinante tem mais sete opções: Anônimo, na HBO; Peixe grande e suas histórias maravilhosas, na HBO2; Guerra é guerra!, no Telecine Premium; À beira do abismo, no Telecine Pipoca; X-Men origens: Wolverine, no Megapix; A última cartada, na TNT; e A morte lhe cai bem, no TCM. Outras atrações da programação: Norbit, às 21h, no Comedy Central; Uma canção de amor para Bobby Long, às 22h30, no AXN; e Moulin Rouge – Amor em vermelho, à meia-noite, na Fox.

    FERNANDO BRANT » O amor cresce e se estabelece‏


    Estado de Minas - 27/03/2013

    Os meninos crescem e o amor segue seus passos. A cada dia uma novidade. Aquele finge que não sabe falar, mas entende tudo e, por conforto, prefere esperar que os adultos lhe mostrem os objetos. Mão estendida, sem essa canseira de gastar palavras, o que ele terá de fazer por toda a sua vida a partir do momento que for descoberta sua esperteza. O fascinante, para esse avô desengonçado, é perceber a noção de ritmo que ele tem. A música o conduz a sorrisos, palmas e pés que batem no chão. A imitação do gestual dos pais revela inteligência e criatividade. Meus olhos brilham na contemplação da cena.

    Ela continua me deslumbrando pela alegria, carinho e inventividade. É tão bom saber que sou amado por pessoa tão pura. No telefone, “ei vô”, eu me desmancho. Mas ao vivo é uma festa que não tem tamanho, um renovar de energia, uma vontade cada vez maior de ter saúde e viver muito. No tempo das filhas, vivia também de boca aberta de deslumbramento. Mas ter direito a essa segunda chance é algo que me dá um contentamento difícil de narrar. Fui contemplado pela felicidade, penso.

    Assisti hoje, com eles, à versão original de Peter Pan. Viajei horrores revendo minha experiência de menino, aqueles músicas, aquele desenho, aquele voo à Terra do Nunca, que, para mim, é a Terra do Sempre. Nenhuma nostalgia de minha infância, apenas a constatação de que, quando a tive, aproveitei às pampas.

    Na imaginação e na folia das brincadeiras de rua com os parceiros da mesma idade. Quem não foi Peter Pan, quem não combateu o Capitão Gancho, quem não gargalhou com o crocodilo que engoliu o braço e o despertador, e se encantou com as sereias? Naquele tempo em que o erotismo começava a despontar no corpo dos meninos.

    Mas agora não sou o cowboy. Eles é que são, os meus pequenos e amorosos companheiros de filme. Ela é calma e assiste a tudo com atenção e risos. Ele tem mil interesses. Quando se fixa na tela da televisão, ri e pula, sempre no ritmo das canções. A visão dessas vidas sem maldade, abertas ao afeto, me ensina muito. No meu convívio com o mundo, com os obstáculos que dificultam nosso caminho, encarceram nossas aspirações de liberdade e justiça, sinto que é possível não usar máscaras, mentir, ser falso.

    A desilusão com as promessas ideológicas, políticas e econômicas é um fato que nenhuma campanha de marketing vai solucionar. É desolador assistir às atitudes dos que chegam ao poder, ilusório, e se dizem donos da verdade.

    Não há verdade única, nem absoluta. E o poder não tem o poder de esconder eternamente a verdade, escrevi um dia para um cartaz que retratava Galileu. Porém, me mantenho em pé e teimosamente esperançoso ao conviver com os meus meninos.


    >>  www.fernandobrant@hotmail.com

    Frei Betto-Mística, ética e ecosofia‏

    Não haverá futuro digno para a humanidade sem uma economia de partilha e uma ética da solidariedade 


    Frei Betto

    Escritor, autor do romance Aldeia do silêncio, que a Editora Rocco faz chegar às livrarias neste mês


    Estado de Minas: 27/03/2013 

    Há estreito vínculo entre religião e ecologia. Os calendários litúrgicos refletem os ciclos da natureza. Toda religião expressa o contexto ambiental que lhe deu origem.

    Os hebreus e, em geral, os povos semitas, viviam em regiões inóspitas, desérticas, o que os levou a desenvolver o senso do sagrado centrado na transcendência. Onde a natureza é exuberante, como nos trópicos, se acentuou a imanência do sagrado. Todo o entorno geográfico e climático influi na relação religiosa que se tem com a natureza.
    O cristianismo teve sua origem em áreas urbanas. Via a natureza a distância, como algo estranho e adverso. A palavra pagão, que englobava todos os não cristãos, significa etimologicamente habitante do campo.


    Todas as tradições religiosas indígenas mantêm estreito vínculo com a natureza. São teocósmicas, o divino se manifesta no cosmo e em seus componentes, como a montanha (Pachamama). Hinduísmo e taoísmo cultuam a natureza. Já o confucionismo e o budismo são tradições mais antropocêntricas, voltadas à consciência e às virtudes humanas.
    O islamismo mantém uma relação singular com a natureza. É uma religião semítica, cultua a transcendência de Alá, mas conserva, como o judaísmo, estreito vínculo com o entorno ambiental, o que se reflete na distinção entre alimentos puros e impuros, jejum, cuidado com a higiene pessoal etc.


    As religiões aborígenes (ab-origem = que estão na origem de todas as outras) não separam o humano da natureza. Há um forte sentido de equilíbrio e reciprocidade entre o ser humano e a Terra. O que dela se tira a ela deve ser devolvido.
    Entre as grandes tradições religiosas é o hinduísmo que melhor cultiva essa harmonia. Toda a Índia respira veneração sagrada por rios, animais, árvores e montanhas. A veneração pelas vacas reflete esse senso de equilíbrio, pois se trata de um animal do qual se obtém muitos produtos, do leite e seus derivados ao esterco como fertilizante, e isso é mais importante do que comê-las.


    Três grandes desafios, segundo o místico catalão Javier Melloni, estão inter-relacionados: a interioridade, a solidariedade e a sobriedade. A interioridade nos impele à via mística; a solidariedade à ética; e a sobriedade à preservação ambiental.
    Nossa civilização estará condenada à barbárie se as pessoas perderem a capacidade de interiorização, de fazer silêncio, de meditar, de modo a saber escutar as necessidades do próximo (solidariedade) e o grito agônico da Terra (sobriedade).
    Urge submeter a ecologia à ecosofia, a sabedoria da Terra, na expressão de Raimon Panikkar. Não se trata de impor a razão humana sobre a natureza (eco-logos), mas sim de dar ouvidos à sabedoria da Terra, captar o que ela tem a nos dizer com seus ciclos, suas mudanças climáticas e até com suas catástrofes.


    Embora haja avanços em nosso comportamento, graças ao crescimento da consciência ecológica (reciclagem, uso da água, produtos ecologicamente corretos etc.), ainda estamos atrelados a um modelo civilizatório altamente nocivo à saúde de Gaia e dos seres humanos.


    Continuamos a consumir combustíveis escassos e poluentes e, na contramão de todo o movimento ecológico, submergimos à onda consumista que produz, a cada dia, perdas significativas da biodiversidade e toneladas de lixo derivado de nosso luxo.
    Três grandes mentiras precisam ser eliminadas de nossa cultura para que o futuro seja ecologicamente viável e economicamente sustentável: 1) Os recursos da Terra não são suficientes para todos; 2) Devo assegurar os meus recursos, ainda que outros careçam deles; 3) O sistema econômico que predomina no mundo, centrado na lógica do mercado, e o atual modelo civilizatório, de acumulação de bens, são imutáveis.


    Nosso planeta produz hoje alimentos suficientes para 12 bilhões de pessoas, e é habitado por 7 bilhões. Portanto, não há excesso de bocas, há falta de justiça.


    Não haverá futuro digno para a humanidade sem uma economia de partilha e uma ética da solidariedade.
    Durante milênios povos indígenas e tribos desenvolveram formas de convivência baseada na sustentabilidade, na harmonia com a natureza e com os semelhantes. Como considerar ideal um modelo civilizatório que, dos 7 bilhões de habitantes do planeta, condena 4 bilhões a viverem na pobreza ou em função de suas necessidades animais, como se alimentar, abrigar-se das intempéries e educar as crias?

    Trabalhadoras essenciais (abelhas selvagens)-Marcela Ulhoa‏

    Estudo internacional com a participação de brasileiros mostra que polinização das abelhas selvagens não pode ser substituída pela de espécies manejadas 


    Marcela Ulhoa

    Estado de Minas: 27/03/2013 

    Brasília – A polinização é um mecanismo crucial para a reprodução das plantas e, por isso, influencia diretamente as diversas culturas alimentares do mundo. Nos cultivos de abóbora, cacau, melancia e melão, por exemplo, o grau de dependência dos serviços prestados pelas abelhas e diversos outros bichos é extremamente alto. Embora o vento e a água ajudem na dispersão do pólen, o processo reprodutivo de mais de três quartos das angiospermas (plantas que dão flores e frutos) dependem das cerca de 200 mil espécies polinizadoras.
    Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a agricultura precisa desses animais, ela é responsável pela gradual redução da diversidade de espécies nativas. O aumento da área de plantio faz com que os bichos percam o hábitat deles e desapareçam desses locais. Uma saída seria a criação de polinizadores nas regiões, mas a medida pode não ser muito eficaz, como aponta um estudo conduzido por uma equipe de pesquisadores internacionais.

    O levantamento reuniu dados de campo de 41 sistemas agrícolas espalhados por 19 países, incluindo o Brasil. O resultado, publicado na revista Science, mostrou que a polinização por abelhas selvagens é, de certa forma, melhor que a das espécies exóticas manejadas, como é o caso da africana Apis mellifera. 

    “A agricultura causa impactos, remove vegetação nativa e utiliza inseticidas. Isso elimina os polinizadores daquela área. Hoje, preconiza-se que, se o inseticida mata o polinizador, basta colocar depois colmeias de abelhas mellifera que elas farão o mesmo trabalho que as nativas. Isso tem sido feito ao redor do mundo”, explica Breno Magalhães Freitas, pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos autores do estudo. “(A estratégia) resolve até certo ponto, mas, para um resultado ideal, é preciso contar também com as espécies nativas. Uma não substitui a outra, as duas se somam”, completa. A abelha africana, segundo Freitas, é uma generalista. Ela visita todas as culturas, mas não consegue ser tão eficiente quanto os polinizadores nativos.

    Inédito Até então, era forte a dúvida da eficácia da substituição das espécies naturais pelas manejadas. A incerteza era alimentada pela falta de um levantamento global que analisasse os impactos desses animais na produtividade final. A reunião dos trabalhos de pesquisadores de vários cantos do mundo, com uma grande quantidade de culturas e áreas, possibilitou um panorama bem mais amplo.
    Para fazer essa verificação, as diferentes informações foram colocadas em uma planilha padronizada, que exigiu a mesma metodologia de coleta e interpretação dos dados. Os cientistas participantes anotaram informações como o tipo de espécie que visita cada planta, a quantidade de grãos de pólen depositada nas flores e o tamanho das abelhas polinizadoras. Freitas conta que, no caso dele, as culturas analisadas foram as de algodão, urucum e acerola.

    Outra instituição brasileira que participou do estudo foi a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A bióloga Blandina Viana coordenou o levantamento dos dados sobre os cultivos de manga (variedade Tommy Atkins) e de maracujá-amarelo. De acordo com ela, tanto as espécies nativas quanto as exóticas manejadas são necessárias para o aumento da produtividade da maioria dos cultivos agrícolas. Entretanto, o que o artigo evidencia é que os serviços de polinização das espécies nativas não podem ser substituídos, pois a simples troca pode repercutir negativamente na colheita.

    “Em alguns casos, como o do maracujá-amarelo, a produtividade pode ser totalmente dependente de espécies nativas. Essa cultura é polinizada por abelhas solitárias grandes do gênero Xylocopa. Já para a manga, as moscas da família Syrphidae destacam-se como potenciais polinizadoras, no entanto, a Apis mellifera, visitante mais abundante nas flores dessa cultura, pode também atuar como polinizadora efetiva”, pondera. Ela destaca que, apesar de as abelhas serem as principais polinizadoras das culturas mais importantes, outros animais, como besouros, moscas, borboletas, pássaros e morcegos, também contribuem.

    Adaptação
    Cristina Giannini, professora do Departamento de Biologia da Universidade de Santo Amaro (Unisa), diz que a hipótese mais provável para explicar a eficiência dos insetos nativos é  que eles seriam mais bem adaptados às plantas que polinizam, tanto do ponto de vista morfológico quanto fenológico. No primeiro, entram aspectos como o tamanho do corpo e das pernas e o tipo de pelo do animal. Essas especificidades “podem promover uma transferência mais eficiente de grãos de pólen de uma flor para a outra, aumentando assim a eficiência da polinização”, comenta a professora.

    Já as adaptações fenológicas dizem respeito à sintonia entre o horário ou época do ano em que a flor está mais receptiva e a atividade do polinizador. “Alguns insetos, por exemplo, apenas estão ativos nas primeiras horas do dia, que corresponde também ao horário em que suas plantas hospedeiras estão com as flores totalmente abertas, com néctar e pólen disponíveis para serem coletados em troca do serviço de polinização”, explica Cristina.

    São vários os fatores responsáveis pela diminuição da diversidade de espécies de polinizadores nativos. Alguns dos exemplos citados pelo estudo são o uso intensivo do solo pela agricultura moderna, a perda e a fragmentação do hábitat e o uso intensivo de agroquímicos. Para Breno de Magalhães Freitas, o estudo reforça as recomendações de reduzir o uso de defensivos, a remoção do solo e a retirada de plantas que fornecem alimento às abelhas silvestres. 

    Cristina reforça o coro e defende que o estudo publicado na Science é fundamental para aumentar a conscientização sobre o valor das abelhas nativas. “É fundamental que a importância econômica desses insetos seja enfatizada. Não é só uma questão de preservação da natureza, mas também da preservação dos serviços que eles oferecem”, enfatiza. Ela acrescenta que a ênfase exagerada no papel da Apis mellifera pode ser imprudente. Isso porque o recente declínio das populações da abelha exótica no Hemisfério Norte deixa uma lição importante do “perigo de depositar uma função tão essencial quanto a polinização nas mãos de uma única espécie”.

    Parecer positivo para a sibutramina-Julia Chaib‏

    Depois de análise de controle de medicamento, técnicos da Anvisa sugerem que substância prescrita para emagrecer permaneça no mercado, mas com restrição de venda. Decisão final sai na semana que vem 


    Julia Chaib

    Estado de Minas: 27/03/2013 

    Polêmico, o emagrecedor sibutramina deve continuar no mercado brasileiro. A venda do remédio foi colocada em xeque pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que, durante o ano passado fez uma nova análise do produto. A avaliação teve o objetivo de definir se o medicamento entraria na classe dos inibidores de apetite já suspensos no país, como os anfetamínicos mazindol, femproporex e anfepramona. A sugestão de não proibir a substância veio de técnicos da agência que monitoraram o produto e será levada à pauta da mesa diretora do órgão, que aprovará ou não a decisão, na semana que vem. Em outubro de 2011, a sibutramina passou a ser vendida com restrições.
    O diretor- presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, disse ontem em audiência pública na Câmara dos Deputados, que o relatório técnico comprovou que o controle feito em torno da substância foi eficaz (ver Memória). “A indicação da área técnica é de manter o produto sendo vendido com o controle feito atualmente”. Segundo Barbano, a conclusão dos técnicos mostram que não houve aumento considerável no consumo do produto. “Não houve migração de pacientes que usavam os emagrecedores suspensos para o uso da sibutramina e isso é positivo”, comentou. 


    Atualmente, no momento da prescrição de remédios à base de sibutramina, pacientes e profissionais de saúde devem assinar um termo de responsabilidade e as receitas têm validade de um mês. Além disso, médicos, empresas detentoras de registro e farmácias são obrigadas a notificar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária sobre casos de reações adversas relacionados ao uso de medicamentos que contêm a substância. Alguns dos possíveis efeitos colaterais são riscos de infarto do miocárdio e derrame cerebral. Os Estados Unidos e países da União Europeia proibiram a venda do medicamento. 


    O relatório técnico da Anvisa mostra que houve aumento no número de notificações de reações adversas à sibutramina. Antes de haver um maior controle na venda do produto, eram feitas uma média de duas notificações por mês, sendo que, ao longo do ano passado, a Anvisa recebeu cerca de cinco notificações ao mês. A maioria dos registros era relacionado a quadros de hipertensão e arritmia nos pacientes. “Isso dá a entender que nossas medidas foram eficazes e indica que há uma maior vigilância dos efeitos colaterais dos usuários e que isso é devidamente reportado à agência”, acrescentou Barbano.
    Logo depois de passar a ser vendida com rigor, as prescrições médicas ficaram em cerca de 150 mil prescrições por mês e, nos últimos meses de 2012, esse número subiu para cerca de 200 mil receitas. Para o diretor-presidente da Anvisa, o aumento tem a ver com a questão de a validade da receita ser de apenas um mês.
    Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a médica Rosane Kupfer esteve ontem na audiência pública e achou positiva a manutenção da substância no mercado, mas acredita que os outros emagrecedores também deveriam ser liberados. “Temos um problema sério de obesidade no país e os medicamentos eram fortes aliados no tratamento de obesos severos, cujo excesso de peso é caracterizado como doença crônica”, avalia. Estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB), divulgado na semana passada, revelou que o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou, em 2011, R$ 488 milhões com as 26 principais doenças relacionadas ao excesso de peso no país. No Brasil, uma média de 15,8% da população é obesa. Para Dirceu Barbano, a liberação dos remédios não seria a solução para tratar o quadro. “Não pode se pensar em medidas imediatas para tratar a obesidade, tem que se pensar em longo prazo”.

    Campanha de gripe
    O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou ontem o lançamento da 15ª Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe, que ocorre de 15 a 26 de abril. O público-alvo representa aproximadamente 39,2 milhões de pessoas. A meta é vacinar 31,3 milhões de brasileiros, o que equivale a 80% do público-alvo. Podem ir aos postos em busca da imunização crianças entre 6 meses e 2 anos, gestantes, maiores de 60 anos, profissionais da saúde, povos indígenas e população prisional. Este ano, o ministério incluiu mulheres em puerpério (45 dias após o parto) porque este grupo apresenta as mesmas condições de saúde das gestantes e também pelo fato de que, na amamentação, a vacina ajuda a proteger o bebê. O dia 20 será a data da mobilização em massa. Para a parcela restante da população o caminho é buscar a imunização em
    clínicas particulares. 

    MEIO AMBIENTE » Praga fica sem controle-Flávia Ayer‏

    Mosca-branca-do-fícus que infestou árvores no Centro de BH ameaça agora espécimes em parque da Região Norte. PBH declara emergência por decreto para acelerar procedimentos 


    Flávia Ayer

    Estado de Minas: 27/03/2013 

    Cinquenta anos depois da derrubada de 350 fícus na Avenida Afonso Pena, os gigantes verdes que remetem à fundação da capital voltam ao centro das atenções. A Prefeitura de Belo Horizonte decretou situação de emergência por causa da infestação das árvores pela mosca-branca-do-fícus (Singhiella sp). Se até então havia conhecimento da praga em três áreas – Avenida Bernardo Monteiro, Avenida Barbacena e adro da Igreja da Boa Viagem –, ontem, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) assumiu que o inseto migrou para outras regiões do município. Técnicos já identificaram 246 exemplares doentes na cidade, sendo 14 com indicação de corte. A maior parte, 125, se concentra no Parque Municipal Lagoa do Nado, na Região Norte da capital.

    A estimativa é de que haja em BH cerca de 12 mil exemplares de fícus, espécie marcada pelo grande porte e tombada como patrimônio cultural do município. Ao declarar situação de emergência, por meio do Decreto 15.183, o objetivo da prefeitura é acelerar procedimentos junto aos órgãos federais, além da compra de serviços ou produtos para solucionar o problema. A principal preocupação é conseguir rapidamente a autorização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) da aplicação de um inseticida orgânico e um fungo para matar o inseto.

    “Sem o decreto, essa aprovação poderia demorar dois anos”, afirma a gerente de Gestão Ambiental da SMMA, Márcia Mourão, que garante que ainda não há autorização para cortar árvores, apesar da indicação. De acordo com o coordenador da Defesa Civil Municipal, coronel Alexandre Lucas, na semana que vem, uma comitiva vai a Brasília entregar o pedido de autorização para o procedimento. Também no início de abril, a prefeitura promete começar a instalar armadilhas contra a mosca, orçadas em R$ 1 mil. As placas adesivas amarelas ajudarão a capturar as moscas. “Estamos trabalhando para controlar a praga, salvar as árvores e proteger as pessoas e os bens”, ressalta Lucas.

    Depois de testar o inseticida orgânico óleo de nim em galhos e troncos de alguns exemplares, os técnicos deram início ontem a mais um experimento, com a aplicação do produto em cinco mudas. Outro tanto está recebendo também o fungo entomopatogênico, que funcionará como um agente de controle biológico. Os resultados do experimento, que devem ser concluídos em duas semanas, é que indicarão a linha de atuação a ser adotada. Um dos entraves em relação ao óleo de nim é o fato de a aplicação ser autorizada pela Amvisa apenas em ambientes rurais. “Mas o risco do nim é bastante baixo”, assegura o engenheiro-agrônomo da SMMA Dany Sílvio Amaral, esperançoso pela aprovação do produto em meio urbano.

    Primeiro teste  Segundo ele, a demora em encontrar uma solução envolve fatores como dinheiro público e a dificuldade em lidar com a praga, cujo combate é pouco conhecido. “Em São Paulo, não houve essa preocupação com o manejo, e houve opção principalmente pela supressão. Em BH, não. O primeiro teste com o nim mostrou a eficácia, mas temos que estudar mais para comprovar essa eficiência, pois a aplicação do produto envolve despesa”, afirma. A verba para o tratamento dos fícus em BH vem de compensação ambiental de empresa, conforme decisão do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. A SMMA não divulgou o montante necessário para tratar dos espécimes atingidos pela praga.

    O pós-doutor em ecologia Sérvio Pontes Ribeiro, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), acredita que o quadro crítico reflete a falta de cuidado da prefeitura. “Houve uma negligência nos anos anteriores. Não ocorreu uma atitude preventiva em relação às árvores nem mesmo um manejo mais intenso quando se soube da infestação, no ano passado”, afirma o especialista. Apesar de ter solicitado os laudos sobre a situação das árvores, ele ainda não teve acesso aos pareceres, mas garante: “A maioria dessas árvores tem condição de se recuperar. Na Flórida, onde houve o problema, a solução foi um tratamento para revigorar as plantas”, explica.

    Integrantes do movimento Fica Fícus, criado em defesa das árvores, esperam que a decretação da situação de emergência sirva para agilizar o tratamento dos fícus. “Achamos que as ações da prefeitura estão demoradas, travadas por uma burocracia muito grande. Se a infestação é tão grave, o tratamento tem que ser rápido”, ressalta uma das fomentadoras do movimento, Patrícia Caristo. O grupo também pede maior transparência nas discussões. “Tememos que esse decreto acabe atemorizando a população e contribua para uma possível supressão das árvore em favor de projetos de alargamento de avenidas e construção de estacionamentos subterrâneos”, diz.


    MEMÓRIA:
    Erradicação na Afonso Pena

    Na madrugada de 20 de novembro de 1963, cerca de 350 fícus foram cortados da Avenida Afonso Pena, na Região Centro-Sul. Oficialmente, a derrubada do corredor verde era justificada pela proliferação dos insetos Gynaikothrips ficorum, os tripes, batizados popularmente como “amintinhas”, numa referência ao então prefeito de BH, Amintas de Barros (1959 a 1963). Outra versão, no entanto, aponta que a eliminação das árvores seria, na verdade, para alargar a Afonso Pena e dar lugar aos automóveis que chegavam às ruas, com o crescimento vertiginoso da capital, que passava de 350 mil habitantes na década de 1950 para 700 mil 10 anos depois.


    SAIBA MAIS:
    INSETO VEIO DA ÁSIA

    A mosca-branca-do-fícus (Singhiella simplex) é um inseto sugador nativo da Ásia. O primeiro registro da infestação pela praga foi em 2007, nos Estados Unidos. No Brasil, o problema foi notificado pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 2009, mas foi em São Paulo, no ano seguinte, que a infestação chegou a um estágio alarmante. Somente em julho do ano passado a prefeitura de BH identificou a praga na cidade. A mosca-branca-do-fícus se deposita nas folhas e ataca principalmente os galhos. Uma característica é a queda das folhas. O ciclo de vida do inseto dura três semanas e cada fêmea pode botar 150 a 200 ovos. Tem fácil disseminação pelo vento ou outras plantas.

    Antonio Prata

    folha de são paulo

    K entre nós
    Sofro um pouco toda noite pensando em você aí, em Duque de Caxias, brigando com o banco, pelo telefone
    GESIEL, DESCULPE te escrever assim, uma carta aberta, no meio do jornal. Sei que talvez cause algum transtorno: comentários de vizinhos, brincadeiras de colegas, parentes ligando, atravancando sua quarta-feira, mas não se preocupe, alguém já disse que "a crônica produz a notoriedade e garante o esquecimento": hoje, somos famosos, amanhã, estaremos forrando o chão das obras e cobrindo os rostos dos atropelados.
    Não nos conhecemos. Meu nome é Antonio de Góes e Vasconcellos Prata. O seu é Gesiel Mariano de Barros -pelo menos, é o que está escrito na correspondência bancária que recebo aqui em casa, todo mês. É estranho, pois moro em Cotia e você, segundo sugerem os envelopes, em Duque de Caxias. Mais estranho ainda é que aí em Duque de Caxias haja uma rua com o mesmo nome da minha, uma casa com o mesmo número, num bairro quase homônimo: Residencial Par, o seu, Residencial Park, o meu -mas se o correio não repara nem que vivemos em cidades diferentes, imagina se vai notar esse minúsculo K, perdido na vastidão do Brasil?
    Pois eu reparo, todo mês. Pego a correspondência, vejo seu nome no envelope, penso "ih, carta pro Gesiel, de novo..." e digo a mim mesmo: de hoje não passa! Vou ligar pro banco, avisar do equívoco, resolver a situação -mas sou um fraco, Gesiel. Quantas vezes não digo que vou começar uma natação, um romance, abrir uma previdência privada? Pobres de minhas artérias, de minha produção, de minha velhice. Pobre de você, cujas cartas vão parar na fruteira da sala, uma fruteira que nunca viu mangas ou carambolas e vive abarrotada de folhetos de dedetizadoras, cardápios de pizzarias, clipes, tampas de Bic e dois anos de seus -suponho, pois nunca abri- extratos bancários.
    Dois anos que sofro um pouquinho, toda noite, antes de dormir, pensando em você aí, no Residencial Par, em Duque de Caxias, brigando com o banco, pelo telefone. "O mais importante e bonito do mundo", contudo, como disse um amigo, outro dia, citando Guimarães Rosa, "é que as pessoas ainda não foram terminadas. (...) Afinam ou desafinam". Pois, semana passada, resolvi afinar-me um pouquinho. Tive um desses surtos civilizatórios: arrumei gavetas, mandei fazer barra nas calças, chamei o homem pra ver a infiltração do banheiro, peguei suas cartas na fruteira e, finalmente, liguei para o banco.
    Sabe o que me disseram? Que para regularizar a situação, só com o seu CPF. "Moça, como eu vou ter o CPF do Gesiel?! Eu não conheço o Gesiel! Vocês conhecem! Ele tem conta aí: Gesiel Mariano de Barros, é só conferir!" Ela resmungou, disse que ia ver o que dava para fazer, mas pelo jeito, não viu: ontem chegou mais uma de suas cartas, só me restando, portanto, escrever esta crônica e torcer para que antes de forrar obra ou cobrir defunto, ela passe por você.
    Vamos torcer. Ah, e se por acaso estiverem chegando aí cartas para um certo Antonio, favor mandar para seu mesmo endereço, só que em Cotia e colocando um K depois do Par. Sem pressa: não sei como está sua situação bancária, mas com este que vos escreve, pelo menos, você tem 24 meses de crédito. Abraço, Gesiel, e boa Páscoa.

    Só a água será gratuita nos voos da Gol

    folha de são paulo

    Medida valerá para voos nacionais e visa reduzir gasto e elevar receita; prejuízo dobra em 2012, para R$ 1,5 bilhão
    Até maio o serviço de bordo gratuito estará extinto, segundo comunicado distribuído a pilotos e comissários
    RICARDO GALLODE SÃO PAULO
    A fim de reduzir custo e obter mais receita, a Gol acabará até maio com o serviço de bordo gratuito em todos os seus voos domésticos. De graça, só um copo de água será oferecido -ainda assim, a quem pedir.
    A medida é tomada no momento em que a Gol anuncia prejuízo de R$ 1,5 bilhão no ano passado, o dobro das perdas registradas em 2011.
    No quarto trimestre de 2012, a empresa registrou perdas de R$ 447,1 milhões em meio à alta nos custos de combustível e a gastos adicionais com o fim da Webjet.
    O resultado negativo anunciado ontem ocorreu apesar do avanço de 7,5% nas receitas no ano passado, para mais de R$ 8 bilhões.
    A informação sobre o fim do serviço de bordo gratuito está em comunicado distribuído a pilotos e comissários, a que a Folha teve acesso.
    Os voos nacionais correspondem a 95% da operação da companhia, que é a única a oferecer venda a bordo no Brasil. O processo começou em 2009 e hoje abrange metade dos voos nacionais. Na TAM, na Avianca e na Azul, o serviço é grátis.
    Desde segunda-feira, o cardápio pago foi estendido para os voos da ponte aérea entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont. Isso significa que, neles, a opção grátis se restringe a água.
    Até a semana passada, os passageiros da ponte aérea recebiam, de graça, amendoim, suco e refrigerante.
    Também anteontem a Gol estreou quatro novos kits de cardápio: café da manhã e lanche nas versões "saudável" e "tradicional". Cada kit custa R$ 10 e só é aceito pagamento em dinheiro.
    Um café da manhã saudável, por exemplo, traz suco de caixinha, queijo processado light, pãozinho, barra de cereal e geleia light. Não há sanduíches entre as opções.
    Por enquanto, cada voo terá apenas 26 kits -para uma média de 150 passageiros.
    No mundo, a venda a bordo é prática comum; companhias de baixo custo, como Ryanair e Easyjet, foram as precursoras do modelo.
    Nos últimos anos, mesmo as companhias aéreas que oferecem serviço gratuito passaram a reduzi-lo.
    "Acreditar no sucesso deste serviço é o início de tudo. Tenham certeza de que estamos disponibilizando um produto de qualidade. Sejam multiplicadores dessa ideia", disse a Gol no texto destinado aos funcionários.
    O combustível, que subiu 18% anuais em dois anos, é um dos motivos para o prejuízo. Outros fatores citados pela Gol são a alta do dólar e o aumento acima de 30% nas tarifas aeroportuárias.
    Colaborou MARIANA BARBOSA, de São Paulo

    Senado amplia direitos para doméstico

    folha de são paulo

    Texto foi aprovado por todos os 66 senadores presentes; entidades afirmam que informalidade não vai aumentar
    Para advogados, ainda será preciso esperar a regulamentação de pontos como FGTS e adicional noturno
    DE BRASÍLIA
    O Senado aprovou ontem a proposta que amplia os direitos das empregadas domésticas de todo o país. As novas regras vão entrar em vigor a partir da promulgação da PEC (proposta de emenda constitucional), prevista para a próxima semana.
    Nenhum dos 66 senadores presentes votou contra.
    O texto institui novos direitos para todos os empregados domésticos, como babás, caseiros, motoristas e cuidadores de idosos. Eles passam a ter benefícios como hora extra, adicional noturno e jornada máxima de trabalho.
    Representantes de sindicatos e federações de empregadas domésticas dizem que, apesar de as novas regras ampliarem os gastos dos empregadores, não haverá aumento da informalidade.
    "Quando conquistamos direitos na Constituição de 88, todo mundo dizia que haveria desemprego. Mas o número de empregadas cresceu. Há esse terrorismo no início, depois a poeira vai baixar", diz Creuza Oliveira, presidente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas, que esteve na tribuna do Senado.
    "Agora, quem não puder pagar os direitos das empregadas terá que fazer as tarefas das domésticas."
    Para a presidente do Sindoméstica (Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos) da Grande São Paulo, Eliana Menezes, a aprovação da PEC representa a "segunda abolição da escravatura" no Brasil.
    O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que vai convocar sessão para promulgar as novas regras na próxima terça-feira.
    REGULAMENTAÇÃO
    O consultor legislativo do Senado José Pinto da Mota Filho ressalta inúmeras dúvidas sobre a aplicação prática das mudanças previstas na PEC e sobre o aumento potencial de conflitos trabalhistas na Justiça. "A PEC é justa, mas essas situações não foram adequadamente discutidas com a sociedade", diz.
    O especialista em direito trabalhista considera necessário que se regulamente direitos como hora extra, FGTS e adicional noturno para dar "segurança jurídica" ao empregador. Ele questiona, por exemplo, como vai ser feito o controle da hora.
    O Ministério do Trabalho disse que será criada uma comissão para "propor a normatização dos itens que precisam de regulamentação".
    Ainda de acordo com o ministério, o pagamento de hora extra não precisa ser regulamentado. Já direitos como FGTS, seguro-desemprego e adicional noturno vão depender de regulamentação. (GABRIELA GUERREIRO E CAROLINA OMS)
    Redução de jornada não poderá implicar salário menor
    folha.com/no1252655
    Site responde a 65 dúvidas sobre a nova lei
    folha.com/no1250797


    CATEGORIA EM ALTA
    O salário médio de admissão do doméstico nos serviços gerais em fevereiro foi de:
    R$ 891,89 no Estado de São Paulo.
    Na capital paulista, foi de
    R$ 966,97, segundo o Ministério do Trabalho.
    O doméstico faxineiro teve menor salário de admissão:
    R$ 810,18 no Estado
    O cozinheiro teve o salário maior:
    R$ 999,80 no Estado
    Fonte: Caged - Ministério do Trabalho

    Ações trabalhistas devem aumentar, diz especialista
    CLAUDIA ROLLIDE SÃO PAULOA PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das domésticas deve aumentar a pressão pela contratação com carteira assinada, contribuir para o aumento do número de ações trabalhistas contra as empregadoras e "irritar" a classe média.
    O impacto deverá ser ainda maior entre as que atuam na informalidade, segundo José Pastore, professor da USP e especialista em relações do trabalho e recursos humanos.
    Entre as patroas que já contratam com carteira assinada, o principal efeito deverá ser sentido no bolso: o aumento de despesas, principalmente com horas extras, pode levar à troca de uma empregada fixa por diarista e horista, além de mudanças na rotina das famílias.
    "Os homens terão de ajudar mais em casa. As creches e outros apoios terão de aumentar. Os aparelhos domésticos terão de inovar."
    Pastore acredita que a PEC vá "irritar" a classe média. "Pode se transformar em uma verdadeira revolta das mulheres que precisam das domésticas para desenvolver suas atividades profissionais", afirma Pasotre.
    "Não sei quem será alvo dessa irritação ou revolta: os parlamentares ou Dilma, que pode ganhar alguns votos das domésticas, mas perder muitos das patroas."
    O aumento de custos tem dois aspectos, segundo o pesquisador. Um deles é o relacionado aos novos encargos sociais -deve ser de mais 10 a 15 pontos percentuais. Exemplo: se o salário é de R$ 1.000, o encarecimento deve variar de R$ 100 a R$ 150.
    O segundo, e maior deles, deverá ser com o pagamento de horas extras e obediência aos intervalos previstos na lei para a jornada de trabalho.
    "Haverá despesas decorrentes de ações trabalhistas devido à dificuldade de cumprir o intervalo intrajornada [uma hora] e o intervalo interjornada [11 horas], assim como a regulação da hora extra e do horário noturno."
    "Essas despesas são incalculáveis, pesam muito não só em dinheiro mas sobretudo no desgaste psicológico."
    AO MESMO TEMPO
    Outro fator apontado pelo professor é que, entre os 7 milhões de domésticas do país, muitas são empregadas de um lado e patroas do outro
    -contratam pessoas para tomar conta de seus filhos e de suas casas enquanto trabalham fora. A informalidade já é da ordem de 75% no setor.
    "Como empregadas, uma pequena parte está formalizada. Como empregadoras, a esmagadora maioria contrata informalmente. A nova regra deve abalar esse importante segmento de mercado."
    Para Pastore, a nova lei não terá força para inibir a migração que ocorre na profissão.
    DORMIR NO EMPREGO
    "Elas querem trilhar outros caminhos. Dormir no emprego nem pensar. São raras as que fazem isso hoje e mais raras serão depois da PEC."
    A migração para outras profissões diminui a oferta de mão de obra no mercado e com isso pressiona ainda mais os salários.
    "Nos últimos anos, essa categoria foi a que teve o maior aumento de salário, o dobro do INPC. E, com os novos encargos sociais, o custo para as patroas aumentará significativamente."
    Se hoje são as patroas que escolhem os empregados, a tendência daqui para a frente é que elas selecionarão suas patroas.

      TIRE SUAS DÚVIDAS
      Alguns pontos da nova legislação ainda terão que ser regulamentados antes de começar a valer; veja respostas para as principais questões
      BENEFICIADOS
      Todos os funcionários que prestam serviços domésticos, incluindo jardineiros, motoristas, cuidadores de idosos e babás. Ainda há dúvidas sobre a situação de caseiros.
      Quantos dias por semana a diarista pode trabalhar sem ser registrada?
      No máximo dois dias por semana. E as diaristas só podem pleitear direitos trabalhistas perante a Justiça em condições específicas que comprovem que há relação de subordinação e dependência.
      PRAZOS
      A nova proposta já vale?
      A lei entra em vigor a partir da publicação no "Diário Oficial". Há dúvidas sobre a necessidade de regra específica para pagamento do
      FGTS, seguro-desemprego, salário-família e trabalho noturno, além do trabalho de caseiro. Outros direitos já estarão em vigor.
      Os direitos se aplicam a contratos de trabalho assinados antes da aprovação da PEC?
      Sim.
      VALOR DA REMUNERAÇÃO
      Quem paga salário maior que o mínimo registrado em carteira pode ajustá-lo para baixo e transformar parte em hora extra?
      Não.
      Como se calcula a hora extra?
      Considerando que a jornada semanal é de 44 horas e a mensal é de 220 horas, o valor do salário será dividido por 220, o que resultará no valor da hora normal. Esse valor deve ter acréscimo de, no mínimo, 50% no caso da hora extra.
      Como se calcula o adicional noturno?
      Considera 20% sobre o valor da hora normal e vale das 22h às 5h. A hora noturna também é computada com 52 minutos e 30 segundos em vez de 60 minutos. Domingos e feriados a legislação estipula acréscimo de 100%, em vez de 50% da hora extra. Mas o tema depende de regulamentação.
      O empregador pode descontar moradia e alimentação?
      Não.
      Uniforme e convênio médico contam como salário?
      Não. O mesmo vale para os demais benefícios. Mas, quanto ao vale-transporte, até 6% do valor que é gasto com o salário pode ser descontado.
      Se o empregado trabalhar menos posso descontar do salário?
      Independentemente de trabalhar menos, ele recebe o mesmo valor se for mensalista. No caso de falta sem justificativa, o empregador tem o direito de descontar o valor do salário.
      Se a doméstica quebrar algo na casa, pode ter desconto no salário?
      Isso já ocorre antes da PEC. No caso de qualquer dano causado pelo empregado, independentemente do ambiente, o patrão tem o direito de descontar o valor, limitado a cerca de 10% do salário.
      Quais são os direitos na demissão por justa causa?
      Apenas o saldo de salário e a indenização das férias não gozadas, acrescidas do terço constitucional. O empregado perde o direito de sacar o FGTS e não recebe a multa de 40% sobre o saldo do Fundo. Se pedir demissão, o empregado recebe o saldo de salário, a indenização das férias integrais não gozadas e proporcionais, acrescidas do terço constitucional e ao 13º proporcional.
      DIREITOS DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS
      Salário mínimo (há Estados que têm salário mínimo especial)
      13º salário
      Adicional noturno
      Hora extra
      FGTS
      Indenização de 40% do saldo do FGTS na demissão sem justa causa
      Jornada de no máximo 44 horas semanais e, no máximo, 8 horas diárias
      Descanso mínimo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho
      Descanso semanal mínimo de 24 horas
      Para jornada de até 6 horas, intervalo mínimo de 15 minutos; para jornada superior a 6 horas, intervalo mínimo de uma hora
      Seguro-desemprego (na demissão sem justa causa)
      Auxílio-creche e pré-escolar para filhos e dependentes até 5 anos de idade
      Seguro contra acidentes de trabalho
      Licença-maternidade de quatro meses
      A proposta veda diferenças de salários entre domésticos do mesmo empregador e proíbe a discriminação salarial de deficientes
      JORNADA DE TRABALHO E HORA EXTRA
      Como comprovar a jornada de trabalho?
      O patrão será o responsável pelo controle da jornada. Ele deve ter um caderno para anotar o horário de entrada e saída e o empregado deverá assiná-lo. O caderno será o comprovante em caso de briga na Justiça.
      As quatro horas que eles deveriam trabalhar no fim de semana podem ser descontadas das horas extras se não forem utilizadas?
      Não. Mas nada impede que o empregador estipule uma jornada de 6 dias por semana e 7 horas e 20 minutos por dia.
      Se a empregada está na casa, mas não está trabalhando, vale como hora extra?
      Se ela não estiver a trabalho, não. Ex.: se o empregado dorme no emprego, não é contado como trabalho.
      FGTS E INSS
      De quanto é o recolhimento do FGTS?
      De 8% sobre a remuneração do trabalhador. Isso inclui salário, férias, 13º, horas extras, aviso-prévio, trabalho noturno e outros. Ainda há dúvidas sobre quando o empregador teria que começar a pagar o FGTS.
      Como se recolhe o INSS? Qual é a alíquota usada?
      O tributo deve ser recolhido pela GPS (Guia da Previdência Social).
      A contribuição do empregador é de 12% sobre o salário do trabalhador doméstico.
      FISCALIZAÇÃO
      Quem será o responsável por fiscalizar o pagamento efetivo das horas extras e de outros direitos?
      Por enquanto não há um órgão fiscalizador. No entanto, o patrão poderá ser fiscalizado pelo Ministério do Trabalho caso uma denúncia do empregado seja acatada pelo juiz trabalhista.
      Qual a punição para quem não cumprir a PEC após a promulgação?
      O empregador está sujeito a ações trabalhistas e o valor da multa dependerá da infração.
      Veja respostas para 65 dúvidas sobre a nova lei
      folha.com/no1250797

        Busca excessiva pela Justiça é entrave para o Judiciário

        folha de são paulo

        Para especialistas, muitos conflitos poderiam ser resolvidos fora dos tribunais
        Participantes de debate organizado pela Folha dizem que CNJ melhorou a gestão e o combate à corrupção
        DE SÃO PAULO
        A criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) promoveu melhorias na gestão dos órgãos judiciais e aumentou a fiscalização sobre a corrupção de juízes, porém a excessiva judicialização de conflitos no país traz novos desafios para a Justiça brasileira.
        Essas foram as principais conclusões da primeira rodada de debates sobre a reforma do Judiciário promovida pela Folha anteontem.
        Participaram do evento o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, a pesquisadora Maria Tereza Sadek, o ex-secretário de Reforma do Judiciário Sérgio Renault e o corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini. A mediação foi do repórter especial da Folha Frederico Vasconcelos.
        A reforma, iniciada com uma emenda à Constituição em 2004, atribuiu ao CNJ a tarefa de realizar o controle administrativo e disciplinar dos órgão do Judiciário.
        -
        Judicialização excessiva
        Segundo os debatedores, está ocorrendo uma excessiva corrida ao Judiciário para a solução de conflitos que poderiam ser resolvidos por outros órgãos, como as agências reguladoras e secretarias de saúde.
        Mendes citou como exemplo os milhares de processos iniciados por clientes insatisfeitos com os serviços das operadoras de telefonia e ou por doentes que não conseguem obter remédios essenciais no sistema público de saúde.
        O enorme número de execuções fiscais, cerca de 30% dos 100 milhões dos processos em trâmite no país, foi citado como um dos problemas a ser superado pelas autoridades.
        Gigantismo e burocratização
        Os levantamentos do CNJ afastaram o senso comum de que a lentidão da Justiça é causada pela falta de juízes, servidores e equipamentos, e levaram à constatação de que o problema reside principalmente na má gestão de recursos humanos e materiais.
        Nalini afirmou que as pesquisas mostraram que é preciso combater "a cultura do juiz brasileiro de ainda pretender ter um número enorme de servidores, como se a sua autoridade se medisse pelo número de subordinados".
        Segundo Nalini, "a Justiça, por mais que se esforce, continua ineficiente porque é formalista e burocratizada".
        Produtividade dos juízes
        Os debatedores enfatizaram a atuação do CNJ na fixação de metas de produtividade para os juízes, o que a princípio gerou grande oposição de setores da magistratura.
        O trabalho permitiu identificar magistrados que gastavam tempo excessivo na elaboração de sentenças.
        Corrupção e nepotismo
        As investigações do CNJ em relação aos casos de irregularidades e corrupção envolvendo magistrados, principalmente das altas esferas do Judiciário, foram ressaltadas pelos debatedores.
        "Antes do CNJ a ideia era a de que apurações funcionavam para juízes de primeira instância, mas nunca para desembargadores. Isso mudou", disse Sadek.
        A criação pelo CNJ de regras contra o nepotismo nos tribunais foi lembrada no debate.
        Transparência
        Mendes apontou que o CNJ criou regras obrigando tribunais a divulgar na internet seus dados de execução orçamentária, com salários de servidores e juízes.
        Súmulas vinculantes
        A criação da súmula vinculante foi apontada por Renault um dos avanços da reforma, já que elas permitem a agilização do julgamento de processos com temas idênticos.
        As súmulas vinculantes são regras elaboradas pelo STF com base em repetidas decisões sobre um mesmo assunto. Elas devem ser obedecidas pelos outros tribunais do país e pelos órgãos da administração pública.
        "Uma das consequências importantes da súmula vinculante é que ela aumenta a segurança jurídica. A ideia de que 'em cada cabeça, uma sentença' levou a uma situação dramática na época dos planos econômicos, por exemplo", afirmou Sadek.


        FRASES
        "A grande marca da reforma [do Poder Judiciário]foi a criação do CNJ, que deu ao Judiciário um instrumento de autotransformação"
        GILMAR MENDES
        ministro do STF
        "Antes não tínhamos informa-ção nenhuma, não sabíamos sequer quantos processos estavam em tramitação no país"
        SÉRGIO RENAULT
        ex-secretário de Reforma do Judiciário
        "Aumentou de forma significativa o grau de transparên-cia na Justiça. Temos acesso aos processos do CNJ e uma Justiça televisionada [hoje]"
        MARIA TEREZA SADEK
        pesquisadora
        "Deveríamos fazer com que administradores profissionais cuidassem da parte operacional do Judiciário"
        JOSÉ RENATO NALINI
        corregedor-geral do TJ-SP

        Imortais lançam candidatura de FHC à ABL

        folha de são paulo

        Ex-presidente tem apoio da maioria dos acadêmicos para ocupar cadeira recém-aberta
        DO RIO
        Após anos de sondagens e de negativas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 81, deve ser apresentado hoje como candidato a uma vaga na ABL (Academia Brasileira de Letras).
        Segundo acadêmicos ouvidos pela Folha, FHC aceitou o convite para se candidatar à cadeira nº 36, que será declarada vaga hoje à tarde, após sessão em homenagem a seu antigo ocupante, o jornalista João de Scantimburgo (1915-2013), morto na madrugada da última sexta.
        O convite ao ex-presidente foi feito por dois membros da ABL, o senador José Sarney, 82, e a escritora Nélida Piñon, 75, em um almoço na última sexta (22) num restaurante no centro de São Paulo.
        Durante o almoço, Piñon recebeu, por telefone, o aviso da morte de Scantimburgo. Passou a informação a Sarney, que imediatamente sugeriu que convidassem FHC a se candidatar.
        "O presidente Sarney foi o primeiro a citar, eu tinha quase certeza de que ele o faria, mas fiquei impressionada com esse gesto de grande elegância moral dele, porque eles tiveram problemas no passado", disse Piñon.
        Segundo a escritora, ela e o senador chamaram FHC a um canto e, após informar-lhe sobre a morte de Scantimburgo, convidaram-no a se candidatar. "Ele ficou perplexo, nós insistimos que era o momento, e ele aceitou. Eu ainda disse: 'O senhor não vai desistir, hein? Olha que é muito sério, diante do presidente Sarney e de mim'."
        A assessoria do ex-presidente confirmou que ele foi "citado e indicado por alguns acadêmicos", mas disse que "ainda não está decidido se ele aceitará" a candidatura, e que emitirá hoje uma nota.
        Além de Sarney e Piñon, a campanha por FHC inclui imortais como Marcos Vilaça, 73, ex-presidente da ABL, e Celso Lafer, 71, ex-ministro de Relações Exteriores do governo FHC e responsável por levar à sede da academia a carta de candidatura.
        Segundo os acadêmicos, o ex-presidente já conta com a maioria dos 38 votos (duas das 40 cadeiras estão vagas).
        Os interessados em concorrer à cadeira 36 terão um mês para apresentar suas candidaturas a partir de hoje. Depois disso, a ABL marca a eleição para dali a 60 dias.
        Antes da eleição de que FHC participará haverá outra, no próximo dia 11, para escolher o sucessor do poeta Lêdo Ivo (1924-2012), que morreu em dezembro passado.
        Há 11 candidatos na disputa, entre eles a jornalista Rosiska Darcy de Oliveira, o poeta Antonio Cicero e a historiadora Mary Del Priore.

        Elio Gaspari

        folha de são paulo

        O fenômeno Eduardo Campos
        O governador de PE é, mas não é; está, mas não está; e até agora foi um propagador de platitudes
        EDUARDO CAMPOS é candidato a presidente da República. É ou não é? Ele está na base de apoio do governo de Dilma Rousseff. Está ou não está? Segundo o senador Jarbas Vasconcelos, o simples fato de ele ter dito que "dá para fazer muito mais" mostra que é um dissidente. Mostra ou não mostra?
        Nenhuma dessas perguntas foi respondida pelo governador. Seria cedo para fazê-lo, mas indo-se às ideias que Eduardo Campos defendeu desde a sua transformação em fenômeno federal, vai-se a um abissal silêncio. Ele poderia ter ido a uma universidade com um plano para fazer melhor na educação. Poderia ter ido a um seminário sobre saúde pública. Nada. Foi a São Paulo reunir-se com empresários. Se levou ideias ou buscou apoios, não ficou claro, pois nem ele expôs propostas nem os empresários mostraram suas oferendas. Até agora, o governador cumpriu uma agenda político-gastronômica da qual resultou uma única informação de conteúdo: o cozido que o senador Jarbas Vasconcelos lhe ofereceu leva carnes de segunda com pirão de farinha de mandioca.
        Suas propostas são um acúmulo de platitudes. Diz coisas assim:
        "Não há grande incômodo nas grandes massas. Não há na classe média esse sentimento, nem de forma generalizada no empresariado. Mas há, nesse instante, nas elites, grande preocupação com o futuro. Há o sentimento de que as coisas podem piorar."
        Seu melhor momento deu-se quando citou o avô, Miguel Arraes:
        "Na política, você encontra 90% dos políticos atrás de ser alguma coisa. Dificilmente eles sabem para quê."
        Não era citação, mas carapuça. Nenhum comensal de Eduardo Campos enunciou o "para quê" e muito menos ele ofereceu uma pista.
        Campos propõe-se a "renovar a política". Durante a passagem da doutora Dilma por seu Estado um veículo do Instituto de Tecnologia de Pernambuco distribuía faixas louvando-o e uma jovem desempregada de 24 anos contou que prometeram-lhe R$ 20 para carregar a propaganda. Nas suas últimas campanhas presidenciais o PSDB alternou marquetagens, platitudes e cruzadas religiosas. Deu no que deu.
        Um candidato que está na base do governo mas não está é uma contradição em termos, coisa de uma época que passou. Candidatos que se fizeram de rogados foram fritos. Na última eleição municipal deu-se em São Paulo um fenômeno que merece ser estudado por quem pretenda vencer uma eleição majoritária. Depois de uma campanha na qual o PT tinha um poste e o PSDB um candidato relutante, o asteroide Celso Russomanno tinha 46% das preferências na zona leste da cidade. Em duas semanas, caiu para 24%, um desfalque estimado em 270 mil votos. Ele tinha fama como apresentador de programa de TV, sem partido forte ou tempo de propaganda gratuita. Na reta final, propôs uma tarifa de ônibus diferenciada: quem fizesse percurso maior pagaria mais. Tradução: o trabalhador que mora longe do serviço tomaria uma mordida. Russomanno não chegou ao segundo turno.
        As eleições brasileiras não se decidem mais num joguinho de doações, marquetagens e alianças de cúpula. Como nos cozidos, esses ingredientes temperam o prato, mas, sem carnes, nada feito, pois tanto um bilionário como um esfomeado sabem quando não há substância no prato.

          Painel - Vera Magalhães

          folha de são paulo

          O dia seguinte
          Diante da ausência de José Serra e do apoio tímido de seu grupo no batismo paulista de Aécio Neves, o PSDB discute como transferir o "capital" serrista para o mineiro. Grão-tucanos entendem que Aécio precisa virar a página do embate interno e falar para os mais de 40 milhões de eleitores que votaram em Serra em 2010. O primeiro gesto será convencer o ex-governador a assumir posto no comando da sigla ou indicar um aliado. Aecistas insistirão na oferta do Instituto Teotônio Vilela.
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          Efeito... Irritado com perguntas acerca da ação da Tropa de Choque durante reintegração de posse para retirar 700 famílias na zona leste da capital, Fernando Haddad chegou a dizer a jornalistas que o policiamento era "atribuição do Estado".
          ... Pinheirinho Logo após a entrevista, no entanto, foi deflagrada operação de guerra para mostrar que o prefeito agiu na mediação do conflito. O caso ofuscou o lançamento do plano de medas do petista, mas auxiliares dizem que "a pior coisa seria parecer que ele foi omisso".
          Delay Haddad foi informado por telefone sobre a ação policial por volta das 9h de ontem, quando pilotava a reunião inaugural do seu "conselhão". As cenas da intervenção no Jardim Iguatemi estavam na TV antes das 8h.
          UTI Um dos nomes do PT para o governo paulista, Alexandre Padilha (Saúde) enfrentará teste eleitoral no dia 8. As Santas Casas do Estado ameaçam paralisar cirurgias eletivas para cobrar verbas federais. O ministro é contrário ao reajuste linear da tabela SUS, pleito dos hospitais.
          Trégua Deputados que compõem a nova Mesa da Assembleia paulista se reuniram ontem com o procurador-geral de Justiça, Márcio Elias Rosa. O encontro serviu para aliviar a tensão entre o Legislativo e o Ministério Público em razão da PEC que restringe o poder de investigação dos promotores.
          Round 2 Depois da novela da Comissão de Direitos Humanos, a Câmara vai enfrentar novo embate pelo comando do Conselho de Ética. Ontem, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), foi à comissão cobrar cumprimento de um acordo para dar ao PDT a presidência do órgão.
          O pacificador O governador Jaques Wagner (BA) é um dos últimos petistas a ainda cultivar esperança de acordo que evite a candidatura presidencial de Eduardo Campos (PSB). Ele conversou ontem com Lula sobre meios para manter abertos os canais com o pernambucano.
          Que tal? Wagner defende que haja um acordo prévio à campanha em que Campos saiba o espaço político que terá num eventual segundo mandato de Dilma Rousseff. Seria dada a ele uma pasta capaz de projetá-lo nacionalmente e o PT discutiria a possibilidade de apoiá-lo para a Presidência em 2018.
          Fora d'água Deputados e senadores que participaram da audiência pública sobre a MP dos Portos brincaram com a ausência de Aécio enquanto Campos e a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) duelavam: "Ele não se importa com esse debate porque em Minas não tem mar".
          Indigestão Entre aliados de Campos caiu mal o discurso de Dilma em Serra Talhada. "Se todo o desenvolvimento de Pernambuco se deveu ao PT, por que nenhuma administração petista alcançou o mesmo resultado?", questiona um eduardista.
          Corte O pessebista aproveitou a ida a Brasília, ontem, para tomar um café no gabinete do senador Pedro Simon (RS), dissidente do PMDB que Jarbas Vasconcelos (PE) trabalha para engajar na possível campanha.
          com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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          TIROTEIO
          "A luta em defesa dos direitos humanos é responsabilidade da Câmara. Caberá agora ao plenário da Casa se ocupar dessa pauta."
          DA LÍDER DO PC DO B NA CÂMARA, MANUELA D'ÁVILA (RS), sobre o fracasso do movimento pela renúncia de Marco Feliciano à Comissão de Direitos Humanos.
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          CONTRAPONTO
          Bem a calhar
          O deputado José Guimarães (PT-CE) se esforçava para encurtar as intervenções de deputados e senadores durante a concorrida audiência pública para discutir a medida provisória dos portos, ontem. Diante de uma lista de mais de 30 inscritos, lembrava que cada parlamentar teria cinco minutos, que, depois, reduziu para três.
          Com a relação de nomes na mão, chamou:
          -Deputado Roberto Santiago.
          -Ausente - replicou alguém no plenário.
          -Ausente? Que ótimo! - desabafou o petista.
          A plateia gargalhou, e ele se desculpou pelo arroubo.