sábado, 23 de março de 2013

ALEGRIAS E TRISTEZA


O Estado de S.Paulo - 23/03/2013

Em estreia no Rio, Caetano Veloso expande melancolia do disco Abraçaço em show que chega a São Paulo em abril

Crítica Mauro Ferreira

Manifesto filosófico que veicula a melancolia incisiva de Caetano Veloso, o disco Abraçaço gerou show arquitetado no mesmo tom eletroacústico do CD gravado em2012 com a Banda Cê. No show, que estreou no Rio quinta e chega a São Paulo em 12 e 13 de abril na casa HSBC Brasil, o artista expande essa melancolia, mas demonstra paradoxal alegria excelsa por estar no palco com trio de indie rock para cantar músicas que esboçam retratos de um Brasil mais triste e, em âmbito pessoal,deum homem triste, flagrado
em estado de espírito que por vezes deixa entrever certo fastio da vida. Sintomaticamente, Triste Bahia, poema do baiano Gregório de Mattos (1636-1696) musicado por Caetano,foi a música escolhida para fazer no palco o link de Abraçaço com Transa, o cultuado álbum de 1972 que remete à recente guinada roqueira iniciada em 2006 com o CD Cê, primeiro da trilogia encerrada com Abraçaço. Contudo, com sua alegria, o cantor abarca o público e dissimula sua tristeza. “Eu quero dar o fora / E quero que você venha comigo”, enfatizou Caetano, repetindo várias vezes o último verso do samba de 1971.

O público vai com Caetano, a julgar pela reação catártica da plateia que lotou o Circo Voador, plataforma carioca para o lançamento nos anos 80 de roqueiros como Cazuza(1958–1990),saudado no bis (a renda da estreia foi revertida para a Sociedade Viva Cazuza). A bem da verdade, o público foi com Caetano desde o primeiro dos 23 números do show, A Bossa Nova é Foda. “É o grito de guerra do Brasil!”, bradou o cantor, exagerado, incitando a plateia a repetir o verso-refrão-título do tema que abre o CD Abraçaço. Na sequência,Caetano reiterou a devoção ao seu mestre João Gilberto ao entoar a bossa-novista Lindeza. Tal como no disco que originou o show, o violão está no centro do som desta canção de 1991, e também de Alguém Cantando (1977), do samba Quando o Galo Cantou e de Vinco, anticlímax d bis, reanimado com as providenciais lembranças do hit A Luz de Tieta e do rock Outro.

A tristeza se insinuou senhora, mas foi diluída em números expansivos como Eclipse Oculto (1983)e a veloz Parabéns,composta a partir de saudação enviada a Caetano por e-mail pelo cineasta Mauro Lima. Envolto em clima dançante, o texto curto foi reforçado no show com o vocal do baixista Ricardo Dias Gomes. Ápice da recorrente melancolia do repertório, a canção Estou Triste soou menos pungente no palco. Com a voz assumidamente cansada, Caetano esboçou falsete menos profundo. Mas a tristeza foi ratificada nos versos de Mãe, a canção de 1978 que o compositor já reabilitara ao selecionar o repertório do show que criou para Gal Costa em2012, Recanto.

Letárgica no disco, a pregação de Um Comunista surtiu mais efeito no palco. Aplausos fortes ecoaram ao som de “Vida sem utopia / Não entendo que exista”, versos da letra verborrágica em que Caetano traça perfil de Carlos Marighella (1911-1969), poeta  guerrilheiro baiano assassinado pelo governo militar.Efeito também teve o samba Escapulário. Parceria póstuma de Caetano com o modernista Oswald de Andrade (1890-1954), Escapulário caiu no samba-rock com a pegada da Cê. Aliás, o samba-reggae Alexandre também virou sambarock em número no qual Caetano faz jogo de cena com livro de história, no qual inseriu a letra da música do disco Livro (1997), lida pelo artista, assim como os versos do Funk Melódico.

No palco preenchido por quadro preto do pintor russo Kazimir Severinovich Malevich (1878-1935), Caetano celebrou o balanço do Recôncavo em Reconvexo (1989), escorado no suingue da guitarra de Pedro Sá. O verso “Quem não rezou a novena de Dona Canô” gerou aplausos espontâneo à mãe do artista, morta no Natal. Subindo em direção ao Norte, O Império da Lei pregou com rancor o fim da impunidade no Pará entre toques de carimbó e maracatu. Outro retrato de um Brasil triste.Abraçaço,o show,expande a melancolia do disco com menor impacto musical do que os dois espetáculos anteriores do cantor porque a conexão de Caetano com a Banda Cê já surpreende menos. Ainda assim, Abraçaço é show pleno de vida pela alegria excelsa e jovial que dissimula a senhora tristeza do artista.

Quadrinhos

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CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

Laertevisão

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Walter Ceneviva

folha de são paulo

Dez anos do Iraque até hoje
A capacidade destrutiva da força armada mais poderosa do planeta não levou a paz para a região
QUANDO, HÁ dez anos, o então presidente dos Estados Unidos George W. Bush informou o esmagamento da resistência iraquiana, não trouxe novidade. Desde o primeiro dia, foi perceptível a supremacia integral dos invasores. Referendou a preponderância americana sobre o ditador Saddam Hussein, só satisfeita quando este foi enforcado.
Constatou-se, desde então, que salvo pela produção petrolífera do Iraque, há justo motivo para lamentar a perda de tantas vidas. O conflito foi gerado pela informação oficial (falsa) de que o ditador dispunha de armas nucleares.
A capacidade destrutiva da força armada mais poderosa do planeta não levou a paz para a região e não tornou melhor o relacionamento dos envolvidos. Neste decênio, temos motivo para preocupação em eventos que compreendem naquela área, direta ou indiretamente, pelo menos Síria, Líbano, Arábia, Turquia, até Egito e Jordânia -além do Iraque.
Sírios e libaneses vieram em grande número para o Brasil, desde o fim do século 19. Integravam, como sabem todos, o Império Otomano, li-derado pela Turquia. Passado mais de um século, destacam-se enquanto cidadãos brasileiros na política e em todos os ramos da cultura, da economia e de interesse social. Pessoas com origem naquela área integram a vida nacional.
Por outro lado, há que se lembrar dois dados quanto a Israel. Seu reconhecimento na ONU, com a participação de Oswaldo Aranha, ministro no governo de Getúlio Vargas.
A visita dos últimos dias do presidente Obama à Israel confirma a solidariedade integral dos Estados Unidos ao governo israelense. Nem por isso diminui a preocupação do Brasil e de suas autoridades com a situação criada.
Temos a proximidade de amigos, parentes e colegas, em todos os níveis da participação judaica, na sociedade brasileira, desde o século 16. Judeus de várias partes do planeta se inserem na vida de nosso povo, como cidadãos brasileiros, empenhados nos esforços pelo progresso do Brasil.
Esgotado o primeiro decênio da história, desde a invasão do Iraque, verifica-se que o ideal da paz e do equilíbrio interno e externo não foi alcançado pela força na região. É preciso insistir na busca da pacificação dos espíritos. Ao menos, para não piorar.
Constata-se, nesse perfil resumidíssimo, a dificuldade do governo brasileiro para opção em face de qualquer dos lados. Exemplo substancial da diferença está na preocupação com as duas Coreias. Os imigrantes vindos daquelas nações, vivendo no Brasil e especialmente em São Paulo, estão chegando à segunda geração. São muitos, mas não se comparam aos que vieram antes, que começam a se sentir brasileiros.
Para confirmar o direito vigente há o art. 5º da Constituição brasileira. Diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."
Os mesmos direitos são explicitados em 78 (setenta e oito!) incisos do art. 5º. O inciso 4º, do art. 2°, inclui, no rol dos fundamentos do Brasil, "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Em paz. Sem imposições.

Novo estudo liga cólera no Haiti à ONU

folha de são paulo

Segundo pesquisa, surto, que matou 8.000 pessoas, pode ser relacionada a soldados do Nepal em missão de paz
Primeira investigação foi inconclusiva, mas pesquisas recentes dão resultado mais concreto; tema é explosivo no país
RENATO MACHADOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHADE PORTO PRÍNCIPEEvidências científicas divulgadas recentemente reforçaram a hipótese de que a causa do surto de cólera que começou em 2010 e matou 8.000 haitianos teve origem nos soldados nepaleses da Minustah (Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). A missão é comandada militarmente pelo Brasil.
Os dados foram apontadas pelo mesmo grupo de especialistas que integrou um painel da ONU sobre o tema -embora o relatório final, na ocasião, não apontasse diretamente a culpa para os nepaleses e sim para uma "confluência de fatores".
"Quando nós estávamos no painel, a linhagem do cólera do Nepal não havia sido sequenciada, então podíamos dizer que ela parecia com outras linhagens asiáticas, mas não podíamos dizer que se parecia com a do Nepal", disse a pesquisadora norte-americana Daniele Lantagne, da universidade Tufts.
"Após o fim do painel, no entanto, nós recebemos a linhagem de cólera do Nepal e então soubemos que ela batia exatamente com a linhagem que foi encontrada no Haiti. É a mesma", conclui.
Apesar de não fazerem mais parte do painel, os quatro especialistas trabalham em pesquisas relacionadas ao cólera e por isso continuaram analisando relatórios sobre o caso do Haiti.
Foram três trabalhos em especial que despertaram a atenção do grupo, por conter informações novas para aumentar a discussão sobre o caso. Como a ONU não solicitou um novo relatório, eles decidiram divulgar as novas evidências.
Além do trabalho com os sequenciamentos dos micro-organismos, Lantagne afirma que outro relatório trouxe novas informações epidemiológicas sobre como o cólera "viajou" da parte alta para a mais baixa do país, ao longo do rio Artibonitte.
O assunto é politicamente explosivo no país. Ontem, haitianos protestaram contra a ONU em Porto Príncipe e acusaram a organização de ser a culpada pelo surto.
FALTA DE SANEAMENTO
A base dos soldados do Nepal ficava ao lado de um afluente na parte alta do Rio Artibonitte -o local apontado pelo novo relatório como provável início do surto. Reportagens mostraram que não havia o devido tratamento dos dejetos das bases nepalesas, jogados no córrego.
O surto de cólera explodiu no país em outubro de 2010. Além dos mortos, foram infectados cerca de 600 mil haitianos pela doença, que provoca diarreia, com risco de desidratação intensa.
As condições precárias de saneamento no Haiti e o difícil acesso da população à água tratada contribuíram para o efeito devastador da doença. Casos de cólera não eram registrados no país havia mais de um século.
Folha apurou que a divulgação recente dessas evidências foi um dos principais motivos para a ONU, em um movimento raro, ter invocado no início do ano imunidade para não indenizar as vítimas da doença. A Minustah foi procurada, mas informou que não comentaria as novas evidências e os aspectos legais que as envolvem.

    Entidade diz que não indenizará vítimas do surto
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHADE PORTO PRÍNCIPEA Organização das Nações Unidas provocou a revolta de haitianos e de entidades de direitos humanos após anunciar que não iria indenizar as famílias de vítimas do cólera.
    A ONU invocou imunidade para não ser responsabilizada pelo surto da doença.
    O Instituto para a Justiça e Democracia no Haiti entrou em novembro de 2011 com uma reclamação na sede da ONU buscando reparação para os atingidos pelo cólera. Foi pedido US$ 100 mil para familiares de haitianos que morreram em decorrência da doença e US$ 50 mil para os demais infectados.
    A ONU respondeu que as "reivindicações não poderiam ser recebidas sob os termos da Seção 29 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades".
    O fato de a ONU invocar a sua imunidade foi visto como um sinal de culpa. "A ONU não nega sua responsabilidade. Ela está dizendo: 'Sim, nós somos responsáveis, mas temos imunidade e não vamos responder por isso.'", disse o advogado Mario Joseph, que trata do assunto.
    O instituto afirma que vai continuar representando as vítimas do cólera e que o próximo passo é ingressar com ações pedindo reparação no Haiti e em diversos outros países, como Estados Unidos, Nepal e Brasil.

      Pastor Feliciano diz na TV que 'por enquanto' fica na comissão

      folha de são paulo

      FOCO
      VITOR MORENODE SÃO PAULOO pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) é um dos participantes do programa "Mega Senha" (RedeTV!) de hoje.
      Acusado de ter opiniões homofóbicas e racistas por militantes dos direitos humanos, Feliciano dividiu o palco com Angelis Borges, 27, vencedora do programa "Fazenda de Verão" (Record). Durante o reality show, Angelis manteve um relacionamento com a estilista Manoella Stoltz, 28.
      O clima entre os dois foi respeitoso, eles chegaram a posar juntos para foto ao lado do apresentador Marcelo de Carvalho, 51.
      Ao apresentar o político como "pastor, deputado federal e presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara", Feliciano brincou: "Por enquanto".
      "Eu sei que você está num fogo cruzado danado lá em Brasília", disse o apresentador. "No olho do furacão", admitiu o deputado.
      "Eu quero saber o seguinte, já que o senhor está acostumado com o olho do furacão. Aqui o sr. está aliviado ou a coisa também está apertada?", disse Marcelo. "Tem jeito de eu trazer meu colchão e dormir aqui?", respondeu.
      O deputado elogiou o desempenho de uma participante, que comentou: "E olha que eu sou loira, hein?!".
      "Se eu falar isso vai ser preconceito e vou ser processado", disse Feliciano. "Então, deixa eu ficar quieto."
      Marcelo de Carvalho ainda quis saber: "Deputado, é mais difícil jogar 'Mega Senha' ou estar lá em Brasília, no tiroteio?". "Não quer me contratar pra vir pra cá não?", brincou o deputado do PSC.
      O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirmou na quinta-feira que a situação do pastor na presidência da comissão está "insustentável".
      O pastor responde a inquérito por preconceito. Ele nega ser homofóbico, mas diz ser contra a união entre pessoas do mesmo sexo.

        Painel - Vera Magalhães

        folha de são paulo

        Irrigação eleitoral
        Em sua agora encurtada visita a Pernambuco, na segunda-feira, Dilma Rousseff deve anunciar pacote de socorro financeiro às vítimas da seca. Será um contraponto a medidas adotadas por Eduardo Campos (PSB), seu potencial adversário em 2014, que liberou recursos para 186 cidades. O Planalto teme ser responsabilizado pelos prejuízos da estiagem. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) foi escalada para tranquilizar prefeitos sobre a celeridade dos repasses.
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        Plantão Ideli, Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Fernando Bezerra (Integração) se reunirão na quarta-feira com os deputados para tratar da pauta para Estados do Nordeste.
        Da missa... Apesar da justificativa oficial de que irá a Petrópolis para prestar homenagem às vítimas das enchentes, Dilma alterou a agenda da visita a Pernambuco para evitar claque pró-Eduardo Campos em Recife.
        ... a metade O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) obteve informações de que poderia haver ainda protestos contra a presidente na capital pernambucana.
        Motivacional Aliados de Campos reagiram com otimismo pós-Datafolha. Lembram que, em 2005, um ano antes de ser eleito governador, ele tinha 4% nas pesquisas.
        Túnel... O Datafolha de março de 2009 dava a liderança da corrida presidencial para José Serra (PSDB), com 41%. Dilma tinha 11%. Na simulação em que aparecia, Aécio obteve 17% das indicações naquela ocasião.
        ... do tempo Pré-candidatos bem posicionados morreram na praia antes de 2010. Ciro Gomes (PSB) despontava em segundo lugar, com 16%. Heloísa Helena (PSOL) empatava com Dilma, com 11%.
        Como assim? O presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), diz "estranhar" o elogio de Campos a Serra. "No ano passado o aliado dele, Geraldo Júlio, atacava nosso candidato no Recife dizendo que ele escondia Serra e FHC."
        Origens Marina Silva leva o mutirão para fundar a Rede à região Norte, sua base eleitoral. Hoje, percorre Manaus. Amanhã, fará balanço do primeiro mês de coleta de assinaturas em Rio Branco (AC).
        Única forma Embora hesite em ceder o Ministério dos Transportes ao PR, Dilma sinaliza que, se o nome for César Borges (BA), o cargo pode entrar em negociação.
        Balão de ensaio Outra saída discutida no governo é acomodar a sigla de Valdemar Costa Neto no Ministério do Turismo, movendo Gastão Vieira (PMDB) para a pasta da Ciência e Tecnologia.
        Quem abriu? O discurso em que Aloizio Mercadante se gabou ontem por ter "fechado o balcão para os cursos de medicina e de direito" repercutiu mal no QG de Fernando Haddad, titular do MEC entre 2005 e 2012.
        Plano B Diante da polêmica que cerca a eleição do pastor Marco Feliciano (SP), o PSC quer emplacar a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, Antônia Lúcia (PSC-AC), no comando da colegiado na Câmara.
        Oremos Após o efêmero favoritismo no conclave, dom Odilo Scherer retornou ontem a São Paulo seguindo a pregação franciscana do escolhido, Jorge Bergoglio. Sem assessores, voou de classe econômica e enfrentou fila no embarque em Roma.
        Visita à Folha Andrea Martini, presidente da Souza Cruz, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Fernando Bomfiglio, gerente de Comunicação e Planejamento Estratégico, e Juliana Barreto, gerente de Relações com a Imprensa.
        com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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        TIROTEIO
        "A crítica econômica tucana, Eduardo já está plagiando. Espero que não faça plágio à visão fundamentalista sobre fé e comportamento."
        DO DEPUTADO ANDRÉ VARGAS (PT-PR), sobre o encontro secreto entre o governador de Pernambuco e José Serra.
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        CONTRAPONTO
        Até que o voto nos separe
        Integrantes do PT se divertiam na quarta-feira no plenário da Câmara dos Deputados com a briga entre membros do PSD e o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), em razão dos cargos para o novo partido na Casa. De tanto protestar, o parlamentar goiano conseguiu adiar a votação de criação de postos para a sigla do Gilberto Kassab.
        Em meio ao bate-boca na tribuna dos dois lados, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) disse, numa rodinha de petistas, para gargalhada geral:
        -Toda separação litigiosa causa trauma. É sempre assim, um quer o fogão o outro a geladeira.

          Lições do fim do mundo-André di Bernardi Batista Mendes‏

          Romance de Valter Hugo Mãe, O apocalipse dos trabalhadores narra a história de mulheres presas à severa rotina do trabalho doméstico e ao ofício de carpideiras 


          André di Bernardi Batista Mendes 

          O português Valter Hugo Mãe, de 41 anos, foi o grande vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, anunciado recentemente. O livro A máquina de fazer espanhóis recebeu duas premiações: a de melhor romance e o Grande Prêmio Portugal Telecom 2012. O romance narra a história de um barbeiro de 84 anos que, depois de perder a mulher, passa a viver num asilo e revê sua trajetória. Acaba de chegar às livrarias O apocalipse dos trabalhadores, terceiro romance do escritor publicado pela Editora Cosac Naify.

          O livro conta a história de Maria da Graça e Quitéria, duas empregadas domésticas (ou “mulheres-a-dia”, como são chamadas em Portugal) que, apesar do trabalho duro e da rotina opressiva, mantêm as esperanças em uma vida melhor. O livro narra suas desventuras amorosas: Maria da Graça envolve-se com seu patrão, que considera o homem ideal; Quitéria, por sua vez, vive um romance com um jovem imigrante ucraniano. Para incrementar o orçamento mensal, as duas fazem bicos como carpideiras, e passam madrugadas velando defuntos desconhecidos. O enredo não passa disso, é simples, como dois mais dois.

          O problema é que Valter Hugo Mãe tem uma visão muito peculiar sobre os fatos. Conceitos de fé e religião ganham outra dimensão diante de uma literatura, no mímino, aplicada para o que existe de mais profundo. O melhor de Valter Hugo Mãe é que ele deixa que algumas sombras, sorrateiras, entrem pelas páginas de todos os seus livros. Boa parte de sua prosa chega, desce com uma carga inexorável de poesia, a mais alta poesia que pode haver. Não sei se há trabalho e retrabalho nessa conduta, nessa construção imensa feita dos sonhos das palavras. Mais importa o resultado. Valter Hugo é um grande inventor de neblinas, onde mora o mistério. Valter, quando escreve, carrega o novo em suas mãos.

          O escritor português mexe em grandes vespeiros. A sua flecha vai de encontro a Deus, não sem antes atravessar o espírito dos homens. O que passa pelos olhos das carpideiras aparentemente alheias em seu trabalho de lágrimas? Engana-se aquele que rapidamente, aquele que ingenuamente adivinha que é a morte que norteia os acontecimentos. A finitude pode ser ponto de partida.

          Valter Hugo nos convoca para jogar. Existe uma teia feita de nós e amarras. O escritor forja um elo entre personagens e leitores. Os pobres personagens de O apocalipse dos trabalhadores estão, viventes, apenas atravessando. Valter Hugo é um escritor de palavras garridas. Só assim ele nos convence de que somos feitos da mesma essência da luz. E esse tipo de literatura exige uma conversão imediata. O verbo, o livro é um espaço propício para transposições. É bom reencontrar. É ótimo agarrar num abraço tudo isso que sempre foi nosso (essa espécie de esmola dos deuses). A vida é feita de incidências.

          “Deus: uma superfície de gelo ancorada no riso.” Valter Hugo concorda, em partes, com ressalvas, com a poeta Hilda Hilst. Os personagens deste belo livro são miseráveis de tudo, mas existe – ainda – esperança quando há amor e comunhão, quando tudo discorda e tem voz, mesmo que seja um grito, um gemido de dor diante de um deserto renitente. Algumas crianças continuam vivas, algumas crianças vingam perto dos livros de capa colorida. Não se sabe como, mas Valter Hugo é dono de argumentos.

          Contudo, o apocalipse. Porque inventaram um sistema, uma engrenagem de erros; porque ainda não estamos preparados para aquelas crianças de cima; porque ainda não há nenhuma justiça; porque pesa no ar algo de precário, mesmo nos momentos de folga e descanso.

          Pequenas mortes
          Os personagem de O apocalipse dos trabalhadores vivem desse jeito, prestes a cair, num constante balé feito de desequilíbrios. Estes seres, de certa forma, recusam-se a aceitar o seu destino de máquinas. O paraíso, a salvação de cada um é forjada nas pequenos mortes do dia a dia. O apocalipse de cada um paira, impávido, entre paradoxos. De um lado, a brutalidade, a ignorância, o veneno posto do prato do marido, o trabalho braçal. Do outro, a esperança, e a humilde transparência de almas e corações cheios de incompletude.

          É preciso, de alguma forma, de qualquer jeito, corroer as estruturas da sociedade (a utopia, em toda hora), para que a mesma desmorone. É preciso muito mais que armas e táticas de guerrilha. Maria da Graça é assim: “para sobreviver à violência da situação, concentrava-se no dinheiro que ganhava e julgava a vida como difícil e para ela o difícil era suportável até um ponto de exagero assinalável.” E é perigoso, e é muito triste não ter vocabulário suficiente para explicar.

          Valter Hugo nada mais faz que ampliar a voz de Maria da Graça e Quitéria. Ele busca, com todo amor, captar, fixar, mesmo que provisoriamente, enquanto durar o livro, a imagem destas mulheres que, aos poucos, vai se apagando, até o sem sentido da invisibilidade. A única palavra, a maior delas, é uma, e única: esperança.

          Os personagens de O apocalipse dos trabalhadores vivem abafados, numa “vida periclitante, intermitente entre a esquerda ou a direita, para sempre ou esgotada num segundo, doce ou amarga, com amor e profundo ódio.” O coração dos personagens batem anômalos, numa distopia estranha. Todos são indigentes, carentes de algo maior, que, no entanto, passa despercebido. Cada um a seu modo, apenas intui um pequeno código que os conecte a este algo suspenso, ainda longe em termos de conquista. Existe uma rotina de sombras, de sustos. Os descuidados governam o destino dos atentos. O apocalipse pode também ser isso, algo feito de pequenos dissabores.

          O APOCALIPSE DOS TRABALHADORES
          • De Valter Hugo Mãe
          • Editora Cosac Naify
          • 192 páginas, R$ 39,90

          Tv Paga

          Estado de Minas - 23/03/2013

          Pura adrenalina

          Líderes de audiência quando se fala em lançamentos de novos filmes, os canais HBO e Telecine Premium devem fazer uma disputa mais equilibrada esta noite. Na primeira emissora, a estreia da vez é Sherlock Holmes: o jogo de sombras (foto), com Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace e Rachel McAdams. No TCP, a pedida é À beira do abismo, com Sam Worthington e Elizabeth Banks à frente do elenco. Ou seja, ação e suspense para os cinéfilos mais exigentes.

          Tropa de elite invade
          hoje o canal Megapix

          Mas ação de verdade é com o Megapix, que emenda Tropa de elite, às 22h, e Tropa de elite 2 – O inimigo agora é outro, à 0h15. No TCM, a sessão Dose dupla ficou formada com Gremlins (20h) e Gremlins 2 (22h05). No A&E, o gênero escolhido foi o suspense, com Correndo contra o tempo (20h) e A estranha perfeita (22h). Ainda na faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: A casa de Alice, no Canal Brasil; As férias da minha vida, no Universal Channel; Surpresas do amor, na Warner; Duas semanas, no Glitz; Além da vida, na HBO2; No rastro da bala, na MGM; Os infiltrados, no FX; e A paixão de Cristo, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Expresso Transiberiano, às 20h, no Space; Dívida de sangue, às 23h, no ID; e A hora da estrela, às 23h15, na Cultura.

          History enumera prós
          e contras da maconha


          Há quem defenda a maconha para uso medicinal em diversos tratamentos de saúde. Muitos são pró sua liberação para uso pessoal, para relaxamento ou alívio do estresse do dia a dia. Para outros, uma droga não pode ser considerada boa. Afinal, cria dependência, e combatem o seu uso, comércio e distribuição. O canal History reacende a polêmica exibindo, às 22h, o documentário A história da maconha. Nos Estados Unidos, onde a erva é liberada para uso medicinal em 14 estados, cerca de 100 milhões de pessoas já fumaram e 20 milhões a utilizam regularmente, movimentando um comércio de US$ 36 bilhões por ano.

          Cultura levanta a ficha
          do israelense Amos Oz


          Na Cultura, às 16h, vai ao ar o documentário Amos Oz: a natureza dos sonhos, que traça o perfil do escritor israelense Amos Oz, da sociedade em que vive e as conexões entre os dois. A produção mostra diferentes aspectos da personalidade de Oz: biográfico, literário, político e filosófico. Apresenta também a narrativa israelense refletida pela sua visão literária e expõe sua relação de amor e ódio com a Europa, que rejeitou sua família.

          Globo de ouro parece
          até coração de mãe


          Para quem quer curtir música, o canal Viva anuncia mais um Globo de ouro, às 19h, com as presenças de Tim Maia, Patrícia Marx, Rosana, Fagner, Oswaldo Montenegro, Titãs, Angélica, Fábio Jr., o genérico José Augusto e o rei Roberto Carlos. Na Cultura, o grupo de rap Dragões de Komodo é a atração de Manos e minas, às 17h; e às 21h45, na série Clássicos, a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo toca Ravel, Gershwin e Beethoven, com Claudio Cruz como regente.

          Maratona da Fox Life
          é de dar água na boca


          Por fim, a Fox Life vem com mais uma maratona Toque de mulher, com seis programas especiais em que Kylie Kwong mostra as delícias de sua terra natal, a China, a partir das 15h30: “Tradições culinárias”, “Hong Kong”, “Província de Fujian” “Hangzhou”, “Xangai” e “A província de Sichuan”. No Bem Simples, às 20h15, a Maratona Semana Santa emenda episódios temáticos das séries Tudo simples, A confeitaria, Cozinha caseira e Homens gourmet.

          João Paulo - Trote nosso de cada dia‏

          Estado de Minas - 23/03/2013

          Um dos fatos marcantes desta semana foi a divulgação de fotografias de calouros da Faculdade de Direito da UFMG em situação de constrangimento, com atitudes de racismo, fascismo e sexismo comandadas por alguns sorridentes alunos veteranos. Tratava-se do trote, uma instituição tão antiga como odiosa, que tem como “justificativa” o cumprimento de provas iniciáticas para que se configure o pertencimento dos novos postulantes a um lugar social de destaque. Com as mesmas explicações, atitudes semelhantes são observadas em outros contextos e sociedades. O que mostra que podemos ser ruins em matéria de humanismo em todos os lugares do mundo.

          O que seria a repetição de um ritual ultrapassado e violento, cobrando ações de vigilância mais estritas e punições mais exemplares, no entanto parece simbolizar uma forma de autoritarismo que teima em deixar marcas numa sociedade pretensamente democrática e republicana. O que se viu guardado pelos muros da universidade foi uma atitude que repercute valores de exclusão social, discriminação, violência e certa arrogância de impunidade, dado o jeito orgulhoso com que os torturadores morais posam para fotos.

          Curiosamente, a imprensa de todo o país, mesmo condenando o ato, foi bastante condescendente com seus agentes, que, em atitude criminosa explícita (pelo menos racismo e cárcere privado – um estudante foi atado a um poste e outra acorrentada), tiveram seus rostos desfocados nas fotos, empenho que não se observa quando se trata de pessoas de outro meio social. Além disso, num exercício de negaceio, os crimes eram apresentados mais como decorrentes do sucesso do vazamento das imagens nas redes sociais do que por seu potencial de violência explícita.

          Essa ambiguidade talvez retrate alguns aspectos que caracterizam o autoritarismo brasileiro, que tem nítidos elementos de classe. Não somos mais autoritários que os outros, mas possuímos elementos de distinção que vêm se fortalecendo historicamente. O fato de o trote ter sido flagrado numa universidade pública (de acesso mais difícil) e num curso de direito (território da legitimação social) torna ainda mais significativo o viés classista, em sua utilização de signos como a escravidão e a saudação nazista, típica da nova direita, que recusa a convivência social com outras etnias e com migrantes.

          O que caracterizaria o autoritarismo brasileiro, do qual a atitude dos alunos, em sua irresponsabilidade, seria um exemplo selvagem, sem mediação aparente da cultura e das normas internalizadas? Quem melhor dissecou a face tipicamente brasileira do nosso autoritarismo foi a pensadora Marilena Chauí, em textos que servem ao mesmo tempo como instrumento de análise, reflexão e chamamento ético à ação transformadora da sociedade.

          Desigualdade Em primeiro lugar, o autoritarismo no Brasil parte da recusa da aceitação da igualdade. O mais básico dos princípios liberais, no país, se torna quase uma postulação política. A igualdade formal no Brasil é sempre coadjuvante da desigualdade das relações sociais. O que era para ser diferença é tomado, na prática social, como inferioridade. É o que explica a homofobia, o racismo e o machismo, observados todos os dias, e, num extremo de anomia, a capacidade de guindar um deputado confessadamente racista e homofóbico ao posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (o grave é que, no terreno da formalidade, tudo parece ser um desvio pessoal, quando se trata de um arranjo político que envolve todo o sistema representativo e a integralidade do processo de elaboração do ordenamento jurídico nacional).

          O segundo aspecto do autoritarismo pátrio é a tradução do princípio anterior (a recusa da igualdade) numa impossibilidade prática de atitudes críticas e de contestação. Em outras palavras, marcados de nascença pela desigualdade estrutural, a sociedade traduz esse prejuízo em leis e atitudes (repressão) que tendem a naturalizar o que é uma violência social. As normas existem para preservar privilégios, a repressão tem a função de silenciar as camadas populares, o aparelho jurídico é estruturado para garantir vantagens históricas, e não para instituir novos direitos.

          Vem daí, por exemplo, a noção de democracia praticada no país, que fortalece o polo do consenso e criminaliza o do conflito. Democracia deveria supor os dois lados, o acordo e o debate. Assim, o exercício dos protestos, a agitação social contra as injustiças, as ações de ocupação de terras improdutivas e áreas urbanas com déficit de moradia são sinal de vitalidade democrática. No entanto, a resposta, em nome da democracia fundada nos acordos de interesses particulares, traduzida em consensos que deveriam ser reformados, é sempre o cumprimento estrito das atitudes de repressão contra aquelas ações.

          O terceiro elemento do autoritarismo no Brasil, também identificado no caso do trote, é a indistinção entre as esferas pública e privada. Não parece haver no país uma percepção do público como espaço coletivo, mas apenas como terreno de exercício dos apetites privados de setores privilegiados. Do mesmo modo que o público é privatizado, o privado perde sua dimensão de intimidade quando serve aos interesses econômicos e políticos. Nosso autoritarismo é mestre em se apropriar do que é de todos e em invalidar a manifestação da individualidade dos cidadãos comuns.

          Por fim, na lista de defeitos de origem do autoritarismo tipicamente nacional estão a naturalização das desigualdades, operadas a partir do consenso vicário oferecido pelos meios de comunicação, e o fascínio pelos sinas de riqueza, poder e prestígio. Para adentrar no território dos doutores (é impressionante como os advogados gostam tanto do título que se chamam entre si de doutores o tempo todo, até mesmo nas relações menos formais) é preciso merecer. O merecimento, no caso brasileiro, é dado pela submissão a todos os preceitos acima e até mesmo a provas bem menos nobres, como trotes e outras ações de constrangimento ilegal, entre elas o puxa-saquismo explícito, pragas das mais reincidentes.

          Somos autoritários ao nosso modo. E, também com singular disposição, validamos a injustiça que daí decorre em vários momentos de nossa vida. Estudantes que se submetem ao vexame dos trotes apenas reproduzem, onde seria de esperar que estivessem livres em razão de sua posição social, atitudes consideradas justificadas na vida do trabalhador comum. São situações diárias, como a revista no local de trabalho, a ameaça à participação sindical ou política, a cobrança de comportamento evasivo em matéria de sexualidade, a exigência de silêncio frente aos inúmeros assédios morais, entre outros. Trotes invisíveis que humilham no dia a dia. Isso para ficar apenas no campo do trabalho.

          A saída para o autoritarismo é um misto de denúncia tenaz e corajosa e de postulação de novos contextos de sociabilidade. Em outras palavras, de criação de um campo social de lutas que vá além do jogo viciado de um Estado sacralizado, de uma sociedade satisfeita em sua desigualdade, de uma política reduzida ao marketing narcisista e de uma democracia de meros procedimentos.

          A academia, que agora está no centro da roda com o trote dos acadêmicos de direito, tem obrigação não apenas de resolver essa questão de forma exemplar, como também de iluminar com conhecimento uma sociedade que permite tais abusos. Esse retrato não pode ser desfocado: é preciso que a universidade mostre sua cara.

          Freyre, um sábio sacana - Gustavo Fonseca

          Livro de poemas e seleção de frases de Casa-grande & senzala destacam a contribuição do sociólogo pernambucano para o conhecimento da formação da família patriarcal brasileira 


          Gustavo Fonseca

          Estado de Minas: 23/03/2013 

          Mais conhecido por sua obra sociológica, Gilberto Freyre também foi autor de novelas, livros de poesia e memórias
          O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) é conhecido do público leitor basicamente por sua trilogia sobre a sociedade patriarcal brasileira: os clássicos Casa-grande & senzala (1933); Sobrados e mucambos (1936) e Ordem e progresso (1957). Esse escritor de múltiplos interesses, porém, não se restringiu aos textos históricos e sociológicos, tendo se aventurado também pelo jornalismo, pela ficção, pela poesia e pela autobiografia, com o livro De menino a homem: de mais de trinta e de quarenta, de sessenta e mais anos, da Editora Global, com o qual ganhou postumamente o Prêmio Jabuti especial na categoria Biografia, em 2011. Agora, em resgate do limbo a que foi deixada sua principal obra poética nas últimas décadas, a Global relança a coletânea Talvez poesia, originalmente publicada em 1962.

          Em seus versos, Freyre mantém os temas centrais de seus estudos sociológicos, como a família patriarcal brasileira, nossa miscigenação, o senhor de engenho e o escravo, algumas de nossas principais personagens históricas e o modo de vida nas regiões tropicais, em que predominou por gerações a cultura da cana-de-açúcar. Homem cosmopolita, o autor dedica alguns de seus poemas às principais cidades de sua vida, entre as quais Recife e Olinda; Madri e Salamanca; Lisboa, Bombaim e Heidelberg. Para complementar o volume, alguns dos poemas publicados em 1980 em Poesia reunida foram acrescentados, bem como dois poemas antes inéditos em livro: “Atelier”, homenagem a Cícero Dias, pintor responsável pelo desenho do Engenho Noruega que estampa Casa-grande & senzala, e “Francisquinha”, escrito para sua neta.

          Entre os poemas selecionados, sobressai o conhecido “Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados”, que o poeta pernambucano Manuel Bandeira saldou entusiasmado ainda em 1927 em carta ao amigo: “Teu poema, Gilberto Freyre, será a minha eterna dor de corno. Não posso me conformar com aquela galinhagem tão gozada, tão sem vergonhadamente lírica, trescalando a baunilha de mulata asseada. Sacana!” Outro poeta brasileiro de primeira grandeza, Carlos Drummond de Andrade, a quem o livro é dedicado, tomou-o por assunto em crônica publicada naquele ano de 1962: “(...) dê um passo à frente, abra o livro Talvez poesia e trave relações com o poeta. Ficará espantado ao saber que esse poeta é sociólogo”.

          Devido à morte recente do poeta Lêdo Ivo, sua apresentação aos poemas de Gilberto Freyre, “A poesia do Narciso de Apipucos”, ganha um sabor especial, por se tratar de texto da última lavra do autor. Nele, Lêdo Ivo confessa orgulhoso: “Posso vangloriar-me de ter sido a primeira voz a incitar o mestre de Aventura e rotina a assumir a sua condição de poeta num livro isolado. Desse incitamento nasceu este Talvez poesia”. Como crítico, Lêdo Ivo pontua: “O seu versilibrismo reflete uma das preocupações mais veementes da época de sua formação intelectual, a da suposta libertação da arte e da poesia, despojando-a de regras que aparentemente a manteriam cativa ou manietada, e permitindo-lhe respirar os ares salubres da liberdade”.

          Fecha a publicação alentada biobibliografia de Gilberto Freyre, com mais de 40 páginas, assinada pelo maior especialista em sua obra, Edson Nery da Fonseca, amigo do sociólogo por décadas e ainda hoje seu divulgador mais apaixonado. Nessas páginas, o leitor encontra os fatos mais relevantes da vida e da carreira de Gilberto Freyre, além, claro, de muitas informações sobre a ampla bibliografia freiriana em língua portuguesa e estrangeira, sinalizando seu prestígio e sua influência mundo afora.

          Ao leitor do século 21, os poemas de Gilberto Freyre atraem muito mais por se tratar de versos do grande sociólogo e do grande prosador de Casa-grande & senzala do que por seu lirismo, apesar da boa qualidade de alguns de seus poemas, sobretudo “Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados”. Ao estudioso da obra freiriana, esta Talvez poesia interessa diretamente pela temática escolhida e pelo tom francamente sacana de muitos de seus poemas, como bem pontuou Manuel Bandeira. Nessa literalidade, muitos dos sociólogos e antropólogos “sérios” que assolaram o país nas últimas décadas se viram insultados, dado o estilo não estritamente “científico” de Gilberto Freyre. Uma característica que outro de nossos ícones das ciências sociais, o antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, mais um sacana assumido, levaria às suas principais obras, com destaque para O povo brasileiro.

          Além do sexo Sinal da vitalidade da prosa e das ideias freirianas, a Editora Global também lança As melhores frases de ‘Casa-grande & senzala’: a obra-prima de Gilberto Freyre, com seleção da antropóloga pernambucana Fátima Quintas. Em certo sentido, o título é enganador, já que o mais proveitoso do livro não é a seleção em si do que a organizadora considera as melhores frases do maior clássico de Gilberto Freyre, e sim a separação dos vários temas de Casa-grande & senzala em uma série de tópicos, um recurso muito proveitoso especialmente aos estudantes de ciências sociais e aos leitores iniciantes da obra freiriana.

          Nos quase 60 tópicos escolhidos por Fátima Quintas, percebe-se a vastidão do olhar de Gilberto Freyre ao passado brasileiro, com títulos como “Choque de culturas”, “Miscigenação”, “Mulher indígena”, “Medos, superstições, bruxarias”, “Higiene”, “Mística judaica”, “Medicina colonial”, “Sexualidade”, “Assombrações da casa-grande”, “Amas negras e mucamas”, “Família patriarcal: unidade colonizadora”, “Educação patriarcal” e “Bandeirantismo”. Como se vê, os críticos que reduzem Gilberto Freyre basicamente a um conservador que idealiza a sexualidade entre brancos e negras e entre brancos e índias ou não leram sua obra, ou a leram superficialmente, com pré-conceitos firmemente arraigados.

          Na verdade, em tópicos como “Sadismo e masoquismo” e “Mulher indígena”, o lugar da mulher na sociedade patriarcal brasileira é definido sem romantismos, mas também sem lhe diminuir a importância. Pelo contrário, Gilberto Freyre ressalta, por exemplo, que “pela mulher transmitiu-se da cultura indígena à brasileira o melhor que hoje nos resta dos valores materiais dos ameríndios”. E, sem esconder os maus-tratos a negras feitos a mando das senhoras brancas, ressalva: “Sadistas eram, em primeiro lugar, os senhores com relação às esposas”. Mais ainda, estabelece a condição sexual da negra não como um traço de sua personalidade, e sim como um reflexo da sociedade em que vivia: “A virtude da senhora branca apoia-se em grande parte na prostituição da escrava negra”; “Nessa instituição social – a escravidão – é que encontramos na verdade o grande excitamento de sensualidade entre os portugueses, como mais tarde entre os brasileiros”.

          O conhecimento sociológico, porém, só reforça nesse sacana o grande apreço que tinha pelos prazeres sensuais e pela mulher brasileira, cantados em alguns de seus versos mais atrevidos, como estes de “Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados”: “Bahia de cores quentes, carnes morenas, gostos picantes/ (...) Negras velhas da Bahia/ peitos caídos/ mães das mulatas mais belas dos Brasis/ mulatas de gordo peito em bico como pra dar de mamar/ a todos os meninos do Brasil./ Mulatas de mãos quase de anjos/ mãos agradando ioiôs/ criando grandes sinhôs quase iguais aos do Império/ penteando iaiás/ dando cafuné nas sinhás/ (...) índias nuas/ vergonhas raspadas/ (...) ranger de camas de vento/ corpos ardendo suando de gozo”.

          Nesse encantamento de Gilberto Freyre pela mulher brasileira, que ele nunca escondeu e está presente também em sua prosa, talvez se encontre a origem da leitura simplista segundo a qual para ele a casa-grande e a senzala viviam em harmonia, num ambiente propício a relações sexuais e amorosas que originaram boa parcela de nossa população. Nada mais enganador – e a leitura de sua obra-prima desmente seus detratores mais ralos. No entanto, também afloram no texto freiriano feições machistas, pintando a mulher como objeto sexual do homem, como ao afirmar que “uma espécie de sadismo do branco e de masoquismo da índia e da negra terá predominado nas relações sexuais como nas sociais do europeu com mulheres das raças submetidas ao seu domínio”. O velho preconceito de que, ao lado do homem sádico, tem-se uma mulher masoquista, complementando-lhe a perversidade.

          Esses aspectos controversos da sociologia de Gilberto Freyre apenas ressaltam a importância de o leitor ir direto à fonte para formular uma opinião a respeito dela, não se atendo aos maniqueísmos tão característicos de seus críticos e repassados em algumas das mais prestigiadas universidades brasileiras, nas quais predomina a cultura da leitura fragmentada, em xerox, em vez da leitura completa dos livros. Com o lançamento de As melhores frases de ‘Casa-grande & senzala’, faz-se um convite sobretudo aos universitários brasileiros a retomar por inteiro esse clássico, no qual se encontra o melhor da escrita freiriana. Com Talvez poesia, a sensibilidade e apuro literário de Gilberto Freyre se evidenciam, sinalizando aos nossos cientistas sociais a importância do zelo pela escrita, um passo imprescindível para se fazer entender muito além da academia.

          As melhores frases de Casa-grande & senzala: a obra-prima de Gilberto Freyre
          • Seleção de Fátima Quintas
          • Editora Global
          • 288 páginas, R$ 35

          Talvez poesia
          • De Gilberto Freyre
          • Editora Global
          • 208 páginas, R$ 42

          Alguma delicadeza (A parte dos anjos) Elisa Arreguy Maia‏


          Elisa Arreguy Maia



          Em A parte dos anjos, o cineasta Ken Loach, numa postura exemplar, não julga nem condena


          O filme de Ken Loach A parte dos anjos, conta uma história comum a muitos jovens pobres do mundo. E o faz de um modo que parece despretensioso. Inteligente e bem interpretado, com uma direção exata e contendo aquela dose sutil do humor que já aprendemos a reconhecer como tão inglês. O filme, que se passa na Escócia, apresenta uma leveza que, mais do que torná-lo agradável de assistir, pode, aqui, nos servir de guia de leitura. No que se joga entre o que há de sutil e o que tem de mais comum, este filme convida, convoca, a falar dele.

          Jovens pobres, de origem urbana, têm suas vidas marcadas por sucessivas passagens pela polícia e, em consequência, pelo encontro com a lei através do aparelho judiciário. Algumas pequenas transgressões, outras nem tão pequenas, penas a cumprir, novas prisões, novas condenações vão desenhando o destino dos que ficam “de fora”: “Tá escrito na cara da gente”, diz um dos personagens, porque eles não podem entrar em certos lugares da cidade, porque lhes está reservado o próximo mau encontro na cena social.

          O filme foca o que seria mais um desses momentos de cumprimento de penas alternativas, a prestação de serviços comunitários. Para Robbie (Paul Brannigan), há uma namorada e a iminente paternidade, há uma defensora pública sensível a estes sinais de novas possibilidades; mas há também uma rivalidade nas ruas, antiga, arcaica mesmo, a lhe vociferar que ele não tem como sair, que ele não tem futuro. E há o encontro com um agente social, Harry (John Henshaw), o encarregado de zelar pelo cumprimento da medida judicial junto ao pequeno grupo do qual ele faz parte. Um encontro não é alguma coisa qualquer.

          Inesperado e, muitas vezes, improvável, ele pode ou não se dar. Um homem comum, como a vida destes jovens infratores, Harry não se apresenta como grande autoridade, mas cumpre sua função com certa graça e sem sinais de tédio burocrático. Está mais para o “cara legal”, despretensioso – e essa palavra vai me aparecendo quando penso no filme – e com certa dose de generosidade. É, pois, com uma dose de um valiosíssimo uísque, de 32 anos, que ele reconforta Robbie, ao mesmo tempo em que brinda a chegada de seu filho, após presenciar, impotente, uma cena em que este é mais uma vez surrado por aqueles que vêm fazendo as vezes de cadeias de seu destino trágico.

          E, nesse gesto, nesse encontro, se transmite um desejo humano. Um desejo não anônimo, mas sustentado por esta figura masculina gentil, abre ao rapaz um interesse novo pelo uísque. Não se trata da bebida como fonte de um gozo brutalizado, mas enquanto uma marca da tradição da cultura naquele reino. O estudo sobre esta bebida tão simbólica não se faz sem a presença do pequeno grupo de Robbie, os garotos perdidos, irmãos no infortúnio e na pena alternativa. Do estudo da fabricação do uísque à descoberta do  dom do olfato apurado vai um pulo, um pulo dado ainda junto ao grupo e à figura que ali faz as vezes de um (quase) pai bondoso.

          Robbie, que por força de sua origem familiar sempre ficara de fora de tudo que a cultura pode ofertar, encontra um ponto de enlace à cultura. Mas resta ainda algo para que um nó de sustentação se escreva. Não é pouco significativo que isto se dê com um roubo, uma transgressão. Não se trata de um roubo qualquer, não é mais o furto compulsivo, nem mais o ataque à ordem, mas trata-se de roubar algo ali no ponto em a civilização se apresenta em paradoxo – afinal, quando, em seus excessos, a cultura ultrapassa tudo o que é normal (um barril de uísque que vale 1,3 milhão de libras!), onde é mesmo que está a lei?

          Há algo no roubo de Robbie e seus amigos que remonta às origens da cultura com o mito de Prometeu. O roubo é uma prática curiosa, ele faz existir a autoridade que ele, no mesmo golpe, derroga. Quando uma criança mente, ela não está menos atravessada pelo que sua inteligência a leva a investigar sobre a verdade. Ela está atravessada por perguntas – nem sempre formuladas – sobre o que é a verdade e sobre quem diz a verdade.

          Enigma do outro

          Esse “quem”, oculto, está também presente na prática do roubo sintomático; esta prática se dirige a um Outro enigmático e que quase nunca respondeu ao sujeito transgressor senão sob a forma do desmando e ou da brutalidade. Roubar, em certos casos, é afirmar que o Outro tão poderoso, e tão cruel, não pode tudo, não vê tudo. Enganá-lo é um jeito, paradoxal, de colocar uma lei nesse Outro percebido como acima da lei, nesse Outro que, por parecer onipotente, zomba da lei. É aí que se torna evidente a necessidade, para a emergência do sujeito na sociedade em que habita, a incidência de um outro, um outro de carne e osso, que o acolha, que lhe transmita a lei à qual se submete sem exageros.

          Há que haver leveza (essa nossa guia nesse caso) no trato com a lei. O filme de Loach não se arroga a julgar a cultura ou a sociedade britânica, ele não se inscreve em uma vertente “revolucionária”, que clama pelas saídas violentas para denunciar a violência cotidiana. Nem tribuna, nem tribunal, o filme tira outro partido daquilo que escreve como um caminho; é por isso que a leveza que identificamos aqui (como se o diretor fora um leitor das Seis propostas para o próximo milênio, de Calvino) nos sugere uma política como direção de tratamento a ser dada na vida social. Não menos oportuna, portanto, àqueles que se dedicam ao tratamento de jovens com problemas com a lei.

          * Elisa Arreguy Maia é doutora em letras, psicanalista, autora de Textualidade Llansol – Literatura e psicanálise (Scriptum).

          A dona da história - Carolina Braga


          Depois de ficar 17 anos longe do Giramundo, Madu Vivacqua põe a mão na massa. Ela criou o Chapeleiro Maluco para As aventuras de Alice no país das maravilhas, que estreia em abril

          Carolina Braga
          Estado de Minas: 23/03/2013 
          Madu Vivacqua com um dos bonecos da nova montagem do Giramundo (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
          Madu Vivacqua com um dos bonecos da nova montagem do Giramundo
          “Estou aqui só até passar a chuva. Não voltei”, diz a marionetista Madu Vivacqua. Apesar do tom sério com que faz tal afirmação, é difícil acreditar que o reencontro entre a artista e o grupo Giramundo será nuvem passageira. “Tenho para mim que a fila anda. Sou um dinossauro que ficou. Vim só dar uns pitacos”, insiste ela.

          A julgar pela dedicação que se vê nos bastidores, essa parceria está apenas entrando em nova fase. Depois de passar 17 anos fora do Giramundo, a fundadora da companhia (ao lado de Álvaro Apocalypse e de Terezinha Veloso, ambos falecidos em 2003) está de volta à ativa e executa delicada supervisão dos bastidores de As aventuras de Alice no país das maravilhas. O retorno “temporário” se deve ao chamado da amiga Sandra Bianchi.

          Incumbida de fazer os desenhos da montagem, baseada no clássico do escritor Lewis Carroll (1832-1898), a artista plástica se deparou com uma cruzada. “Assustei, porque os desenhos nunca foram meus”, explica Sandra, colaboradora da trupe desde 1976. Ela costumava trabalhar os personagens a partir dos esboços de Álvaro Apocalypse e, depois, de Marcos Malafaia. Agora, a questão nem foi o visual dos bonecos, mas o modo como eles sairiam do traço. Na memória, veio o ensinamento antigo da colega: papel aceita tudo. Projeto já é outro departamento – justamente o de Madu.

          “Fiquei meio apavorada. Falei: gente, vamos trazer a Madu. Preciso dela”, conta Sandra Bianchi. “Primeiro, eu disse não, naturalmente. Depois vim ver qual era. Não achei que ficaria. É um respeito pelo teatro do Giramundo, que não quero que acabe nunca”, explica a marionetista. A poucos dias da estreia de Alice..., a fundadora do Giramundo vive uma experiência diferente. Saudade não é propriamente a palavra para defini-la. Afinal, nunca se afastou do ofício. “Tenho saudade das pessoas, do Álvaro e da Tereza, que já morreram. Meu negócio é fazer boneco”, ressalta.

          Convidada para dar pitacos, há cerca de um mês Madu pôs a sua arte a serviço do Giramundo. “Foi fabuloso, porque a equipe é muito boa, mas a experiência dela é impressionante. Às vezes, olhava e falava: essa articulação deveria ser aqui, ou ali”, revela Sandra Bianchi. Mais do que só comentar, Madu pôs a mão na massa – embora pouco a pouco, sem assumir tal participação. “Só fiz o Chapeleiro Maluco”, diz ela. Detalhe: “apenas” o Chapeleiro Maluco!

          Com a estreia da peça marcada para 11 de abril, no Teatro Bradesco, a produção ganha ritmo acelerado. Ainda não é possível dizer ao certo quantos bonecos estarão em cena, ou mesmo quantas técnicas serão empregadas. No meio de tudo isso, Madu garante: não é nostálgica. Constata, apenas, que a maneira como os artistas do Giramundo se relacionam com os bonecos é bastante diferente do que ela chama de “nossa época”.

          Leis Em 1970, o Giramundo foi criado por um trio de professores e artistas plásticos. Naquele tempo, lembra Madu, não havia leis de incentivo. O grupo sobrevivia à base da economia doméstica. “O que menos interessava para a gente era o espetáculo. Queríamos a pesquisa, por causa da nossa formação”, explica. Cada nova montagem trazia originalidade e frescor, fruto de descobertas relacionadas à estética, às técnicas de manipulação, à música e, principalmente, às misturas.

          Essa continua sendo a característica do Giramundo, atualmente dirigido por Beatriz Apocalypse, Marcos Malafaia e Ulisses Tavares. No entanto, as tecnologias voltadas para a cena se transformaram bastante. Em Aventuras de Alice no país das maravilhas, as técnicas de animação se mesclam a manipulações tradicionais e até a atores no palco.

          Nesse quesito, Madu é voz dissonante. “Eles têm outras opções e todo o direito de tê-las. Pode ficar até muito bom! Mas, para mim, boneco é entidade, sozinho. Estou a serviço dele. O contrário não me serve. Isso é dogma”, assegura. Apesar de ser fiel à tradição, ela reconhece a incorporação de novas mídias como sinal dos tempos. Mas, ao estilo dela, sempre com um pé atrás. “Naquela época, só tinha teatro de bonecos. Sou meio resistente a certos gêneros de manipulação, por isso ponho cola na boca quando vou ao ensaio”, brinca.

          Sim, as coisas mudaram. Mas a essência permanece. Madu Vivacqua diz que a nova geração consegue lidar com a arte de maneira impensável há 40 anos. “Éramos mais religiosos em relação ao boneco. Eles têm muito mais chances de fazer novidades, porque desrespeitam um pouco mais esse espaço, essa entidade”, reconhece. Mas avisa: “O boneco é o ator perfeito. Nasce para ser aquele personagem, e o homem tem que se adaptar a ele. Por isso há atores ruins e bons. Eles são obrigados a se vestir de uma personalidade, isso é muito duro”.

          SAIBA MAIS

           (Giramundo/reprodução
)


          Ousadia estética

          As aventuras de Alice no país das maravilhas será o 33º espetáculo do grupo Giramundo (entre montagens e remontagens), criado em Lagoa Santa, em 1970. A trupe mineira é considerada um dos grupos de teatro de bonecos mais importantes do país. Os fundadores – Terezinha Veloso (1936-2003), seu marido, Álvaro Apocalypse (1937-2003), e Madu Vivacqua (foto) – eram artistas plásticos e professores universitários. Graças a isso a companhia se diferenciou ao explorar diversos campos da criação artística aplicada ao teatro. Madu se afastou em 1996 e passou a se dedicar à fabricação de bonecos para grupos europeus e latino-americanos.


          A trajetória


          2007 – Vinte mil léguas submarinas
          2006 – Miniteatro ecológico: Caatinga
          2005 – Pinocchio
          2004 – Amazônia
          2003 – Cerrado
          2002 – Mata atlântica
          2001 – O aprendiz natural
          2000 – Os orixás
          1999 – Giragerais
          1998 – Circo Teatro Maravilha
          1997 – O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
          1996 – A redenção pelo sonho
          1995 – O diário
          1994 – Carnaval dos animais
          1993 – Ubu rei
          1992 – Antologia mamaluca
          1991 – Cortejo brasileiro
          1990 – Pedro e o lobo
          1988 – Tiradentes
          1986 – Le journal
          1984 – A flauta mágica
          1983 – Diário de um tímido forasteiro
          1978 – Giz
          1976 – O guarani
          1975 – Auto das pastorinhas
          1973 – As relações naturais
          1971 – Cobra Norato
          1970 – El retablo de Maese Pedro; Um baú de fundo fundo; Saci Pererê; Aventuras do reino negro; A bela adormecida

          Registro de uma década-Mariana Peixoto‏


          Estado de Minas: 23/03/2013 


          Foto publicada na revista Visionaire, em 1995


          Em 1990, o paulistano Marcelo Krasilcic, então com 20 anos, chegou a Nova York para estudar fotografia. Ao terminar a New York University, foi convidado para uma coletiva, sua primeira, que contou com Nan Goldin entre os participantes. A norte-americana, judia como ele, já era uma das referências da fotografia pautada por imagens pessoais, que contassem uma história. “Havia, naquele momento, uma abertura para o tipo de foto que eu também estava fazendo: imagens com ‘cara de verdade’”, comenta Krasilcic, que logo começou a trabalhar em revistas como Purple e Dazed & confused, publicações de moda que também colaboraram para definir a linguagem do período.

          Porque para Krasilcic aquela década não terminou com a entrada da próxima. “Considero que somente a partir de 2001 a década chegou ao fim. O 11 de Setembro foi o marco de uma mudança grande no mundo, o que refletiu na moda e na fotografia. Os anos 1990 foram muito importantes para mim, pois me definiram como fotógrafo”, acrescenta. Tanto por isso, há muito tempo Krasilcic começou a recolher todo o material que fez na época para fazer seu próprio registro definitivo. 1990s reúne 179 imagens em que Krasilcic conta sua própria história, seja na moda, na música ou no comportamento. A bem cuidada edição – lançada simultaneamente nos EUA e no Brasil pela Cosac Naify – foi realizada em dois volumes, com caixa em tecido.

          A influência de Nan Goldin no trabalho do brasileiro é marcante. “Tanto ela, quanto Larry Clarke e (o japonês) Nobuyoshi Araki são fotógrafos que admiro muito, que abriram caminho para minha geração. A grande diferença entre eles e eu é que eles documentam a realidade, mostram o que está acontecendo. Já as minhas realidades são criadas. Utilizo a linguagem mais realista para criar o que quero contar.” A linha divisória é tênue, tanto que sua imagem mais conhecida (a da capa do álbum Walking wounded, que o duo Everything but the Girl lançou em 1996) costuma ser confundida. “Já veio gente falando comigo que aquela foto havia sido feita quando eles estavam indo para um prêmio da MTV. Não, ela foi inspirada numa outra que fiz de uma produção de moda. Para captar aquele momento, utilizei três rolos de filme.”

          Mistura
          Há artistas nas imagens – Caetano Veloso (para a revista norte-americana de música Spin) e Marina Lima (para um CD da cantora) entre os brasileiros – mas a maioria dos personagens que Krasilcic escolheu para contar a sua história são anônimos. “É uma mistura grande de pessoas. Estão meus pais, minha irmã. Há nus de pessoas com quem tive relacionamento sexual, mas a grande maioria não. Tento não fazer diferença quanto a isso. Não importa se quem está nu ali é minha irmã, e sim o que aquela imagem conta.” Nessa viagem ao passado ele comenta que, quando imaginou o livro, sabia que fotos iria separar. “Vinte por cento do material acabou entrando para preencher espaços da história. Há fotos inclusive que eu nunca tinha visto, como a de uma cabeça de um manequim numa cadeira numa feira em Berlim.”

          Todo o material foi produzido na era pré-digital. “Sou o mesmo fotógrafo, tenho hoje uma maneira parecida à do passado de trabalhar. A diferença na moda, por exemplo, é que nos anos 1990 não se dava importância para a roupa. A ideia da imagem era mais importante, ela que tinha que ser interessante. Se era boa, seria boa para a roupa também. Hoje em dia não, e o desafio é até maior, pois a roupa tem que estar no centro da foto, então você tem que trazer outras ideias”, continua Krasilcic, que mesmo radicado em Nova York atua bastante no Brasil. Em abril, ele vai a São Paulo para lançar 1990s durante a SP Arte.

          1990S

          De Marcelo Krasilcic
          Editora Cosac Naify, 332 páginas, R$ 160

          Houve avanço nas medidas antienchente? [Tendências/Debates]

          folha de são paulo

          FERNANDO BEZERRA COELHO

          Houve avanço nas medidas antienchente?
          SIM
          Por uma nova cultura de prevenção
          Ao nos depararmos sobre o tema da prevenção a desastres naturais, uma questão deve ser colocada como primordial e ponto de largada de qualquer análise: o fato de termos um passivo imenso nessa área.
          O deficit histórico do Brasil no investimento em políticas públicas para a habitação, mobilidade e saneamento se formou nos últimos 30 anos, sobretudo nas décadas perdidas de 80 e 90, quando, pela deficiência de investimentos públicos, populações foram ocupando de forma irregular áreas sujeitas a risco de desastres naturais.
          Esse deficit histórico nos traz à situação que enfrentamos hoje e que representa um grande desafio para a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Temos aproximadamente 800 mil famílias que moram em área de risco apenas nas regiões Sul e Sudeste.
          Devemos reconhecer que, em momentos da história, a ocupação desordenada recebia o apoio até de instituições do poder público, sobretudo nas áreas mais densamente povoadas. Nosso desafio é, portanto, tanto estruturante quanto cultural.
          A presidenta Dilma Rousseff tem demonstrado o firme compromisso de reverter a lógica equivocada das ações desenvolvidas ao longo dos últimos anos, que era o de investir mais em remediação e menos em prevenção. E tem tomado medidas concretas para reduzir esse imenso passivo acumulado. Políticas públicas como o programa Minha Casa, Minha Vida, que já entregou mais de 1 milhão de casas em área seguras, é uma delas.
          O governo também tem investido fortemente nas ferramentas tecnológicas de previsão, com a criação de dois institutos -Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres).
          Esses órgãos estão aperfeiçoando sensivelmente a capacidade brasileira de previsão, o que pôde ser atestado no episódio doloroso em Petrópolis, nesta semana. Os alertas foram dados, as defesas civis foram mobilizadas e muitas vidas foram salvas. Infelizmente, ainda estamos chorando a perda de outras vidas, seja pelo atraso de obras, seja pela cultura, que ainda persiste, de não sair dos locais onde se vive, com receio de perder seus pertences.
          Para mudar esse comportamento, estamos in loco nas comunidades, trabalhando em várias frentes. Nos últimos dois anos, capacitamos mais de 10 mil pessoas em técnicas de defesa civil. Realizamos 26 simulados de preparação para desastres em comunidades localizadas em áreas de risco, com a participação da população. São práticas que vamos disseminar e intensificar ao longo dos próximos anos.
          Para isso, o Ministério da Integração Nacional está formando parcerias valiosas. Com o Ministério da Saúde, pretendemos mobilizar todos os agentes comunitários para dar orientação de defesa civil. Serão multiplicadores dessa nova cultura. Já com o Ministério de Educação, estamos fechando uma parceria para incluir conteúdos de defesa civil no currículo das escolas.
          Também já mapeamos, por meio da CPRM (Serviço Geológico do Brasil), 319 cidades com áreas de risco. Entramos na fase de diagnóstico, que nos ajudará na elaboração de projetos e, assim, a ampliar a carteira de investimento em prevenção.
          No ano passado, o governo federal lançou o PAC Prevenção. Já temos investimentos comprometidos de mais de R$ 16 bilhões em obras de proteção de morros, reforço de encostas, contenção de cheias, entre outras. São obras que vão, pouco a pouco, aumentando a capacidade de resiliência de nossas cidades.
          Temos ainda muito a fazer. Não só na preparação de bons projetos, como também no aperfeiçoamento da legislação, para permitir velocidade na execução das obras.
          Um diferencial nos motiva: temos agora uma política forte e definida. Com continuidade, essa direção vai nos assegurar um sistema de defesa civil que possa reduzir -e, se possível, evitar- as mortes e os prejuízos materiais causados pelos desastres naturais, que, em consequência do aquecimento global e da mudança de clima, tendem a se intensificar com graus de severidade cada vez maiores.
          -


          ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS
          Houve avanço nas medidas antienchente?
          NÃO
          A responsabilidade municipal
          Em que pesem as meritórias iniciativas que resultaram na aprovação da ótima lei que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e na mobilização de órgãos públicos para o apoio a ações de gestão de riscos geológicos e geotécnicos, efetivamente muito pouco se avançou na redução da probabilidade de ocorrência de novas e devastadoras tragédias associadas a deslizamentos de encostas e enchentes.
          Essa grave constatação é ilustrada pelo fato de nem ao menos ter-se conseguido estancar o principal fator causal dos problemas, qual seja a continuidade da ocupação urbana de áreas de muito alto risco geológico, como encostas de alta declividade e margens de rios.
          A persistir essa tendência -não há outro horizonte-, as tragédias tendem a se ampliar na intensidade, frequência e letalidade na mesma proporção do crescimento das populações das cidades afetadas.
          Aspectos essenciais podem ser apontados como responsáveis por essa equação macabra. O primeiro que salta aos olhos é o perverso acomodamento de administradores públicos à adoção de sistemas de alerta pluviométrico -sirenes. São sistemas necessários, mas em caráter emergencial e de curta duração, justamente no intervalo de tempo suficiente para a implementação de medidas estruturais e resolutivas. A adoção de sistemas de alerta pluviométrico com caráter definitivo é uma medida desumana e ineficaz.
          Com base em Cartas de Risco, cumpre, isso sim, proceder em caráter emergencial o imediato reassentamento dos moradores de áreas consideradas de muito alto risco. Não há o que tergiversar sobre esse assunto.
          O segundo aspecto é de ordem estratégica. É fundamental que esses problemas, com especial suporte das Cartas Geotécnicas, passem a ser prioritariamente conduzidos sob a ótica do planejamento urbano e dos programas habitacionais, delegando à abordagem de defesa civil uma função complementar. Hoje, todas as responsabilidades são equivocadamente lançadas às costas de nossos heroicos sistemas de defesa civil.
          O terceiro aspecto, talvez o mais crucial, é de ordem operacional. Todas as questões práticas, de campo, sejam de caráter emergencial ou permanente, dizem respeito à área de atuação municipal. E o fato real é que nossos municípios, especialmente os de médio e pequeno portes, não reúnem as condições necessárias para ao menos constituir um corpo técnico minimamente capacitado a implementar todo o arco de ações necessárias. Quando não por descompromisso social ou leniências éticas de suas administrações.
          Sem dúvida, o gargalo crítico que impede avanços nos programas de gestão de riscos geológico-geotécnicos está na questão municipal. Sugere-se que os governos federal e estaduais organizem forças tarefas, com geólogos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, que se instalem nos municípios mais críticos e deles se ausentem somente quando todos os problemas estiverem devidamente equacionados.
          O quarto aspecto a ser considerado é de ordem tecnológica. Não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente dirigida à ocupação de terrenos de acentuada declividade. Isso se verifica tanto nas formas empíricas de autoconstrução usadas pela população de baixa renda, como em projetos de maior porte.
          Em ambos os casos, prevalece infelizmente a cultura técnica de produção artificial de áreas planas por meio de cortes e aterros executados por operações de terraplenagem, cacoete técnico invariavelmente presente na formação de áreas de risco de deslizamentos das cidades brasileiras que, de alguma forma, crescem sobre relevos acidentados.
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          Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

            Vitória na Suprema Corte não eliminará obstáculos ao casamento de mesmo sexo


            Tara Siegel Bernard

            • Michelle V. Agins/The New York Times
              Jeff Friedman (à esq.) e Andrew Zwerin, com o filho do casal, Joshua, 9, na casa da família, em Nova YorkJeff Friedman (à esq.) e Andrew Zwerin, com o filho do casal, Joshua, 9, na casa da família, em Nova York
            Se a Suprema Corte derrubar a lei que define o casamento como sendo entre um homem e uma mulher, os casais de mesmo sexo de todo o país sem dúvida terão acesso a uma grande variedade de benefícios federais.

            Mas uma vitória para os direitos dos gays em qualquer um dos dois casos monumentais que serão apresentados aos ministros na próxima semana não necessariamente resolverão todas as questões financeiras e legais complicadas enfrentadas atualmente pelos casais de mesmo sexo. Os casais gays provavelmente precisarão lidar com uma colcha de retalhos de leis estaduais, muitas das quais não reconhecem suas uniões e, talvez ainda mais importante, o relacionamento legal deles com seus filhos.

            Muito depende de como os votos serão escritos, algo que provavelmente não será conhecido até junho (e isso supõe que a Suprema Corte decidirá publicar os votos sobre os méritos em ambos os casos). Mas mesmo que parte da Lei de Defesa do Casamento --que nega os benefícios federais aos casais de mesmo sexo-- seja derrubada, muitos gays ainda precisariam viajar para outro Estado para se casarem, enquanto os casais heterossexuais só precisam ir até o cartório local.

            E, mesmo nesse caso, dizem alguns peritos legais, mais trabalho provavelmente precisará ser feito --seja por meio dos tribunais ou do Congresso-- para assegurar que os casamentos de pessoas que vivem em Estados hostis ao casamento gay sejam reconhecidos para fins federais.

            "Há a ilusão de que, com um fim da Lei de Defesa do Casamento, todos os casais de mesmo sexo terão acesso a todos os direitos e benefícios federais, mas isso não é verdade", disse Emily Hecht-McGowan, diretora de políticas públicas do Conselho de Igualdade da Família. "Nós temos apenas um punhado de Estados que permite a igualdade do casamento. Seria preciso viajar para um desses Estados para se casar."

            A segunda questão que está sendo apresentada à Suprema Corte trata de um assunto mais amplo, sobre quem tem o direito de se casar. Ela contesta a proposta 8, uma iniciativa da Califórnia proibindo o casamento de mesmo sexo.

            "O caso da proposta 8 é mais amplo do que o caso da Lei de Defesa do Casamento, porque o resultado no caso da proposta 8 seria, no mínimo, permitir que os casais de mesmo sexo na Califórnia se casassem", disse James D. Esseks, diretor do projeto da União Americana das Liberdades Civis, que lida com questões de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, "e pode até mesmo obrigar todos os Estados do país a permitirem o casamento de casais de mesmo sexo".

            A corte, é claro, pode manter as leis como estão agora ou seguir em várias direções diferentes. Mas vamos ver como a vida mudaria para os casais de mesmo sexo se acordassem em uma manhã de junho e soubessem, no mínimo, que a Lei de Defesa do Casamento foi derrubada.

            Procurei um casal de mesmo sexo que entrevistei há mais de quatro anos, Jeff Friedman e Andrew Zwerin, de Rockville Centre, Nova York, para ver como seria a situação deles. Na época, eles me falaram sobre uma pasta de papel pardo surrada cheia de documentos --a licença de casamento deles, a decisão judicial de adoção do filho deles, entre outras coisas-- que provavam que eram uma família. Eles não viajavam para longe sem ela.

            O casal, ambos com 44 anos, ainda tem a pasta, que agora está exibindo ainda mais sinais de desgaste. Friedman disse que continuariam a carregando mesmo se a Lei de Defesa do Casamento fosse derrubada, porque eles querem ter certeza de que a família deles será reconhecida onde quer que possam ir. Isso é especialmente importante, eles disseram, porque tiveram que provar o status de família aos funcionários do hospital em mais de uma ocasião. E, infelizmente, tiveram que fazer mais de uma dúzia de visitas ao pronto-socorro, porque o filho deles de 9 anos, Joshua, sofre de alergias e asma. Em uma ocasião, quando Josh mal conseguia respirar devido a um ataque severo de asma, uma enfermeira não permitiu a entrada da família na unidade pediátrica mesmo após o casal ter fornecido a certidão de nascimento que os apontava como os pais. A enfermeira estava esperando pela mãe.

            E houve um tempo, há seis anos, em que Friedman foi hospitalizado após um ataque cardíaco. Um funcionário disse a Zwerin, na frente do filho deles, que ele não podia assinar a papelada do marido dele porque não eram uma família.

            "Josh vinha até mim toda manhã, enquanto estava na unidade de terapia intensiva, e me perguntava se agora éramos uma família", disse Friedman. Josh tinha 3 anos na época.

            "A menos que eles se livrem completamente da Lei de Defesa do Casamento e obriguem todos os Estados a tratarem todas as pessoas igualmente, eu me depararei com esse problema de novo, em algum lugar", acrescentou Friedman (em 2011, o governo Obama pediu ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos que impusesse regras permitindo direito de visita aos casais gays e que os direitos de tomada de decisões médicas também fossem respeitados).

            Mas a eliminação da Lei de Defesa do Casamento também ajudaria o casal financeiramente. Se a união deles fosse reconhecida pelo governo federal --eles são apenas um dos aproximadamente 18 mil casais que se casaram na Califórnia antes do Estado parar de emitir licenças de casamento lá-- eles também economizariam cerca de US$ 7.000 por ano em impostos federais. Os casais com um pai que permanece em casa, como Friedman, ou o casal em que um membro ganha significativamente menos, geralmente pagam menos impostos federais quando fazem uma declaração conjunta --apesar de que outros casais, incluindo aqueles que ganham mais ou menos igual, provavelmente acabariam pagando mais.

            Viver em Nova York, onde o casamento gay é legal, complica ainda mais a situação tributária. Eles precisam apresentar várias declarações --são solteiros para fins federais, mas declaram em conjunto para fins estaduais, o que significa que precisam preencher um formulário simulado, como se estivessem apresentando uma declaração federal conjunta, para que possam preencher apropriadamente a declaração estadual.

            Até recentemente, o casal também tinha que pagar taxas extras para o plano de saúde: funcionários gays que adicionam seus parceiros aos seus planos costumam ter cobrados o valor dessa cobertura (se tiverem sorte de lhes oferecerem cobertura para o parceiro doméstico), porque suas uniões não são reconhecidas pelo governo federal. Os casais de sexo oposto não estão sujeitos à taxação, de modo que alguns empregadores --incluindo a Time Warner, onde Zwerin é gerente de tecnologia da informação na HBO-- tentam compensar as coisas cobrindo os custos adicionais para os funcionários em relacionamentos de mesmo sexo.

            O reconhecimento federal permitiria a Friedman, que era advogado, receber os benefícios do Seguro Social de direito de Zwerin caso este morra primeiro. Ele também teria direito a receber uma pequena pensão em caso de morte, assim como benefícios de cônjuge enquanto ambos estiverem vivos.

            Os casais de mesmo sexo também evitariam o imposto imobiliário, uma questão no centro do caso da Lei de Defesa do Casamento: Edith Windsor, de Nova York, que se casou com sua parceira no Canadá em 2007, herdou o imóvel de sua esposa após a morte dela em 2009. Mas, como o casamento delas não foi reconhecido, Windsor recebeu a cobrança do imposto imobiliário federal no valor de US$ 363 mil. Ela processou, contestando a Lei de Defesa do Casamento, e um tribunal federal de apelações julgou a lei inconstitucional.

            Mesmo que a Suprema Corte concorde, o casamento de casais do mesmo sexo não seria exatamente igual ao de seus pares de sexo oposto.

            "Não seria o caso de, automaticamente, casais gays em Estados hostis poderem viajar para outro Estado, se casarem, e então ter seu casamento reconhecido para fins federais, mesmo se a Lei de Defesa do Casamento for derrubada", disse Tobias Barrington Wolff, um professor da Escola de Direito da Universidade da Pensilvânia. "Os tribunais federais teriam mais trabalho em decidir como esses casos seriam tratados para fins federais."

            E mesmo se isso fosse resolvido, certos desafios permaneceriam. Conseguir o divórcio seria difícil, por exemplo, se o casal vivesse ou se mudasse para um Estado que não reconhecesse a união.

            "Há muitas pessoas que se casaram e agora vivem em outro Estado e não possuem uma forma legal de dissolver seu relacionamento", disse Wolff. Para complicar as coisas, "os Estados geralmente exigem comprovante de residência para acesso aos tribunais de divórcio".

            A derrubada da proibição federal ao casamento também não ajudaria os casais de mesmo sexo que têm problemas para estabelecer laços legais com crianças –29 Estados não possuem leis que permitem que pais de mesmo sexo adotem, incluindo sete Estados que restringem ou impõem proibições, segundo pesquisa do Movement Advancement Project.

            Assim, se algo acontecer ao pai que foi incapaz de adotar ou estabelecer um relacionamento legal, a criança poderá não ter acesso a certos benefícios federais (digamos, benefícios do Seguro Social pagos à criança de um pai morto), algo que os filhos da maioria dos pais heterossexuais receberia automaticamente.

            "Derrubar a Lei de Defesa do Casamento virtualmente não contribui em nada para os direitos de pais dos casais de mesmo sexo", disse Hecht-McGowan. "Eles são governados por leis estaduais e, tradicionalmente, o governo federal olha para a lei estadual para determinar quem são e quem não são os pais."

            De fato, a maioria dos Estados possui leis nos livros que dizem que uma criança é supostamente filha de ambos os cônjuges em um casamento. Isso tipicamente se aplica aos casais de mesmo sexo, mesmo um pai não biológico, mas apenas se o Estado reconhecer a união (com a exceção de Iowa).

            Tudo isso significa que mesmo se a Lei de Defesa do Casamento for derrubada, mas nada mudar para proteger as famílias chefiadas por casais de mesmo sexo em todos os Estados, os casais gays continuarão sendo menos iguais em muitos lugares.
            Nove Estados e o Distrito de Colúmbia atualmente emitem licenças de casamento para casais de mesmo sexo e outros oito Estados e o Distrito possuem leis que fornecem aos casais os mesmos direitos que o casamento, apesar de tratado por outro nome, como união civil ou parceria doméstica. O Colorado em breve aumentará esse número para nove, segundo a Campanha de Direitos Humanos.

            E famílias como a Friedman-Zwerin ainda viajarão menos livremente do que seus pares heterossexuais. Em vez de voarem para a Flórida no recesso de primavera, a opção fácil para muitos nova-iorquinos, eles continuarão optando por locais mais hospitaleiros. "Eu prefiro ir para a Califórnia", disse Friedman, porque lá "eu ainda sou quem eu sou".
            Tradutor: George El Khouri Andolfato