quarta-feira, 20 de março de 2013

A forte natureza feminina - Nina Horta

folha de são paulo

Resolvi visitar, há bastante tempo (não em 1600, no entanto), a mulher de um funcionário de meu marido que havia tido filho e estava na maternidade. Não a conhecia e fui impedida de entrar pela mãe dela, que saiu do quarto, fechou a porta cuidadosamente e perguntou se eu estava “naqueles dias”. Fiquei boquiaberta por não entender absolutamente o motivo da pergunta, a hora e o contexto.

Ao me ver assustada e quase ofendida, a mãe explicou que eu poderia talhar ou secar o leite da parturiente. Nem me lembro se entrei na visita, se sequei ou não o leite do bebê.

Como acontecem com assuntos dos quais nunca se ouviu falar, de repente, eles brotam de todos os lados. E fui entendendo essa história antiga, já perdida nos tempos.

Como os livros de história começaram a tratar de pequenas histórias, de vidas pequenas, de lugares pequenos, costumes pequenos, comecei a enxergar a mulher que “naqueles dias” não podia entrar na despensa, pois a carne apodreceria, o leite talharia, a gordura ficaria rançosa, os legumes preservados mofariam. Assim como o mel e o vinho. Todas as coisas úmidas se deteriorariam ao ter contato com a mulher. Durante as regras, elas só podem tocar no que é seco.

A matança do porco, por exemplo, é executada pelos homens. Elas só podem se encarregar do cozinhar. Aí sim, talvez o fogo apague os efeitos maléficos dos fluidos femininos. Mas, mesmo dentro da cozinha, há um tipo de preparo em que ela não pode tocar. Cremes, doces, molhos. Tudo que é liga ou emulsão, sem fogo, desanda. A maionese, o chantilli, as claras em neve.

Não satisfeitas com esse poder de apodrecer, as mulheres e suas regras embaçam espelhos, cortam brilho do marfim, escurecem cobre.

Se a mulher for colher trufas, nos anos seguintes, os lugares estarão marcados, pois nada crescerá neles. Pepinos e abóboras murcham.

Com todos esses problemas, mulheres que desobedecem aos interditos podem estragar uma festa de casamento, uma reunião em família ao fazer apodrecer um porco de cem quilos, por exemplo, que demora pelo menos um ano para crescer.

E, no fundo dos depósitos, nos porões, a mulher pode levar a casa à penúria, acabando com o estoque de banha, de gordura.

O sal nutre a gordura e é a imagem de um princípio masculino fecundador. A natureza feminina é mais forte que o sal. É um elemento de ruptura que pode estragar o que o homem produziu, a não ser que ela o cozinhe. Toda a parte do porco que é cozida compete à mulher, que é como as tempestades, agitada, desordenada. Um elemento natural.

Ao mesmo tempo, de tão fragilizadas pelas regras, não podem lavar roupa, devem evitar o que é frio, não podem ir ao cabeleireiro que o penteado não pega…

Naqueles dias, no entanto, o que cresce é o desejo sexual da mulher. É a época em que mais seduz o homem. “Força de sedução e força de infecção, tal é a dupla propriedade das regras mensais da mulheres” (Yvonne Verdier, etnóloga).

Loucas, vibrantes, sujas, descabeladas, frágeis, poderosas, ainda assim tinham que cozinhar. Pena, seria um pequeno, mas merecido descanso.

Matias Spektor

folha de são paulo

Diplomacia antibala
O comércio ilegal de armas é regionalizado, vinculando o mercado a Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina
O Brasil teve mais homicídios por armas de fogo do que Iraque ou Afeganistão, Colômbia ou Estados Unidos, Índia ou Paquistão. Os dados, referentes a 2010, revelam uma média de quatro mortes por hora, ou 108 por dia. As vítimas têm baixa escolaridade, são jovens e mais negras que brancas.
Trabalhos como o Mapa da Violência, de Julio Jacobo Waiselfisz, e publicações de Small Arms Survey, Viva Rio e Sou da Paz mostram que o problema não tem solução fácil porque está associado ao mais obstinado dos dramas brasileiros, a desigualdade.
Para reverter essa nefasta dinâmica que lembra uma guerra civil, a política externa pode fazer toda a diferença.
Mais da metade das 16 milhões de armas de fogo que circulam pelo país não estão devidamente registradas por serem objeto de roubo, desvio ou contrabando. Esse comércio ilegal é regionalizado, vinculando o mercado brasileiro de armas aos vizinhos Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina.
Apesar de um modesto progresso recente, a coordenação entre esses países é parca.
Somente Brasília tem a força diplomática para disciplinar a região sob a égide de um projeto de responsabilidade coletiva.
Além disso, o Brasil compartilha o posto de campeão de homicídios por armas de fogo com países da América Central e do Caribe, região na qual tem influência suficiente para lançar iniciativas de grande impacto.
As armas de fogo não apenas destroçam milhares de famílias brasileiras. Também atrapalham o processo de ascensão do país. Afinal, como argumentar que temos algo útil a dizer sobre a paz e a estabilidade no mundo quando as estatísticas revelam que, entre 2004 e 2007, houve mais cidadãos brasileiros mortos a bala do que a soma de todas as vítimas dos 12 conflitos mais sangrentos do mundo? Eis aqui uma ideia radical.
Imagine se a Presidência da República criasse uma força-tarefa com Itamaraty, Ministério da Defesa e Polícia Federal para lidar com as dimensões internacionais do problema.
Os embaixadores brasileiros na América do Sul ofereceriam polpudos pacotes de cooperação técnica aos governos locais. Mercosul e Unasul viabilizariam treinamento e padronização de procedimentos, principalmente em áreas de fronteira. O BNDES continuaria ajudando a indústria brasileira de armas de fogo a se regionalizar, mas em troca de controles mais amplos e inteligentes dos quais ela também se beneficiaria.
Dilma anunciaria a iniciativa durante a passagem do papa Francisco pelo Brasil, em junho próximo. Apaixonado pela integração regional e obcecado pela erradicação da pobreza, o pontífice seria um aliado poderoso e fiel da causa.
Ao fazer algo assim, a política externa brasileira estaria atuando por autointeresse (destravando o processo de ascensão e construindo um entorno de paz) e por imperativo moral (enfrentando um horror cotidiano na vida da maioria).
A realidade atual demanda nada menos que uma verdadeira diplomacia antibala.

    Avaliação positiva faz Dilma criar imagem independente da de Lula


    O Estado de S.Paulo -20/03/2013

    As realizações do governo Dilma Rousseff, passado pouco mais da metade do mandato, começam a ser mais bem avaliadas que a. lembrança dos brasileiros em relação à gestão Luiz Inácio Lula da Silva. Dados da pesquisa CNI/Ibope divulgados ontem indicam empate técnico entre os que consideram a atual administração melhor que a do antecessor e os que avaliam como pior. Mas, pela primeira vez, o índice a favor de Dilma está numericamente superior, mantendo a tendência de alta. A aprovação do governo atingiu 63%, um ponto a mais que em dezembro, e a avaliação pessoal da presidente também oscilou um ponto, chegando a 79%.

    Segundo o levantamento, 20% dos entrevistados consideram o governo Dilma melhor que o de Lula, um ponto ã mais que em dezembro. Naquele mês, 21% consideravam a gestão passada melhor, número que agora caiu para 18%. A avaliação pró-Dilma apresenta elevação desde março de 2012.0 índice dos que acham as duas gestões iguais é de 61%, 2 pontos a mais que na pesquisa anterior - outro fato positivo para Dilma, dada a avaliação positiva de Lula ao deixar o Planalto.

    O gerente executivo de pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, Renato Fonseca, destacou o crescimento "muito forte" da aprovação de Dilma e seu governo no Nordeste. A região, lembrou Fonseca, é um reduto consolidado de Lula. "Isso mudou agora", afirmou. A aprovação pessoal da presidente subiu de 80% para 85% entre dezembro e março - maior índice em todo o País. Em outras regiões, o porcentual é de 77%.

    O gerente da CNI aponta três fatores principais para o desempenho positivo do governo. O primeiro é o nível baixo do desemprego e a manutenção da alta da renda, mesmo em período de crise. O segundo é a aprovação, pela maioria dos eleitores, das políticas sociais do governo. O terceiro é o que Fonseca chamou de "carisma" da presidente: "É a posição forte que ela passa na avaliação dos problemas. Ela vem conseguindo construir essa figura de competência".

    Na avaliação de Fonseca, o governo não só tem adotado medidas positivas para a população como sabe comunicá-las de forma que os brasileiros se lembrem das ações. Segundo ele, entre as notícias mais lembradas sobre o governo Dilma por meio de resposta espontânea, a única realmente negativa foi a do aumento do preço da gasolina - ainda assim, a 10ª entre 12 itens.

    Os fatos mais lembrados foram a tragédia de Santa Maria, em 27 de janeiro, e a presença de Dilma na cidade gaúcha, e a redução das tarifas de energia e o afastamento da possibilidade de apagão no País. Mas o gerente da GNI ressalvou que a indústria não se recuperou e ainda paira uma ameaça de inflação em alta. "Claro que, se a situação da economia continuar se deteriorando, isso deve refletir na avaliação do governo." / Célia Froufe

    Claudia Collucci

    folha de são paulo

    Médicos podem ser comprados?


    Não importa se é um jantar, uma viagem ou um pagamento de quatro dígitos. É assim que começam os conflitos de interesse em medicina e sempre haverá possibilidade de influência.
    O tema, espinhoso para os médicos e subestimado pelos jornalistas, foi discutido durante uma conferência de jornalismo de saúde que participei na última semana em Boston (EUA).
    No centro da discussão estavam dois jornalistas premiados em coberturas sobre conflitos de interesse (John Fauber, do "Milwaukee Journal Sentinel", e Peter Whoriskey, do "The Washington Post") e dois médicos que pesquisam a área --Adrianne Fugh-Berman (Georgetown University) e Jerry Avorn (Harvard Medical School).
    Para eles, o trabalho da indústria é vender o produto, o tanto quanto podem, e maximizar os lucros. E uma das maneiras de fazer isso é por meio de relações financeiras com as várias partes interessadas (médicos, sociedades médicas ou escolas médicas).
    "Embora isso possa ser bom para as companhias que fabricam medicamentos de droga ou aparelhos e equipamentos médicos, pode não funcionar para os pacientes", alertou Fauber.
    Um exemplo corriqueiro: o médico indica um medicamento mais caro (fabricado por uma indústria com a qual tem alguma parceria) quando existem outras opções mais baratas no mercado.
    Fauber e Whoriskey deram alguns conselhos aos jornalistas: estejam atentos às fontes médicas e aos eventos financiados pela indústria e recuse convites para viagens, cursos e prêmios patrocinados por ela. Afinal de contas, os jornalistas podem incorrer nos mesmos conflitos de interesse que afetam os médicos.
    Já os médicos Fugh-Berman e Avorn falaram sobre grupos de vigilância em saúde (http://www.pharmedout.org/) e bancos de dados on-line (http://www.rxfacts.org) que podem subsidiar os jornalistas na divulgação de informações mais isentas.
    Avorn lembrou, porém, que nem todos os médicos são "vendidos", e que pode haver bons estudos financiados pela indústria farmacêutica. "Estamos sob risco de não acreditar em nada, mesmo quando a pesquisa é válida."
    Creio que o primeiro passo para avançarmos nessa discussão no Brasil seja a transparência de informações. Nisso, os EUA estão um passo à frente com a aprovação recente de uma lei que obriga os laboratórios e a indústria de dispositivos em saúde a tornarem públicos nomes dos médicos e valores que eles recebem nas atividades desenvolvidas para a indústria.
    Isso, é claro, não os isenta do conflito. Há vários estudos mostrando que, ao revelar o conflito de interesse, os médicos se sentem ainda mais à vontade para continuar no jogo e aceitar de bom grato as benesses da indústria. Mas é o primeiro passo para que o protagonista desse debate, o paciente, fique mais bem informado sobre os interesses em jogo e possa tirar suas próprias conclusões na hora de escolher seu médico.
    Avener Prado/Folhapress
    Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

    A SERINGA DE LÍVIA MARINI - ARTUR XEXÉO


    Na última segunda-feira, aseringa assassina de Lívia
    Marini atacou maisuma vez. Num encontrofortuito no elevador de
    um hotel cinco estrelasem Istambul, Lívia livrou-se 
    da possibilidadede ser denunciada por Rachel e aplicou-lhe a
    injeção letal no pescoço. A vítima, naqueleexato instante, estava falando no telefone celularcom a delegada Helô, exatamente para
    denunciar a grande vilã de “Salve Jorge”. Nãodeu tempo. No momento seguinte, as redessociais entraram em ação. Como pode umhotel de luxo como esse não ter câmeras devigilância? Se o sinal estava ruim, por que Rachelse dirigiu para o elevador? Todo mundo
    sabe que elevadores são péssimos para captarsinais de celulares. Lívia Marini é ridícula.Ana Beatriz Nogueira, a Rachel, conseguiu
    sair da novela.

    Ninguém gosta de “Salve Jorge”. Todo mundo
    vê “Salve Jorge”. Pelos comentários feitos
    sobre a atual novela das oito... Novela das nove,
    já dizem alguns, mas a expressão “novela
    das oito” não diz respeito, há muito tempo, ao
    horário em que a atração é exibida. “Novela
    das oito” é um gênero. Enfim, pelos comentários,
    qualquer espectador escreveria melhor
    que Gloria Perez. Todos sabem os defeitos da
    trama. Todos sabem como ela deveria ser escrita.
    Só Gloria Perez não percebe onde errou.

    Há algo que admiro na autora e que, sob este
    aspecto, ela não me decepcionou em “Salve
    Jorge”. Gloria Perez é ótima para batizar
    personagens. Está aí Lívia Marini na pele de
    Claudia Raia que não me deixa mentir. Ninguém
    se refere a ela como Lívia, é sempre Lívia
    Marini. Foi a união perfeita entre nome e
    sobrenome de uma celebridade que todos
    conhecem (não, não é uma redundância,
    pois, hoje em dia, há muitas celebridades
    que ninguém conhece). É um nome perfeito para
    celebridade de novela.

    “Salve Jorge” não é o melhor trabalho de Gloria
    Perez. E sempre será difícil para a novelista
    escrever um “melhor trabalho” depois de “O
    clone” e “Caminho das Índias”. Mas algumas de
    suas melhores características estão no ar. O tema
    difícil, o tráfico humano, aparentemente
    inadequado para uma trama de novela, está aí.
    E bem desenvolvido, como já foram bem desenvolvidos
    o transplante de órgãos, a clonagem
    humana, a saga de crianças desaparecidas. O
    ambiente exótico calcado na cultura de outro
    país se repete. Já foi a Índia, agora é a Turquia. E
    os nomes dos personagens são sempre originais
    e divertidos: Morena, Pescoço, Delzuite, Lucimar
    e, é claro, Lívia Marini.

    É a Gloria Perez de sempre. Mas, desta vez,
    sendo vista com uma certa implicância. Lívia
    Marini mata seus inimigos da mesma maneira
    que o psicopata Dexter do seriado americano
    captura suas vítimas: com uma seringa no pescoço.
    Mas Dexter é cult, e Lívia Marini é cafona.
    Mesmo implicando com a autora, no entanto, o
    espectador não deixa de acompanhar a história
    que ela está criando. A novela das oito ou das nove
    continua sendo a maior audiência do país. O
    público adora odiar Gloria Perez. E talvez não
    adorasse tanto se “Salve Jorge” não fosse como é.

    Outro seriado americano viveu, recentemente,
    situação parecida. “Smash”, que ainda não
    estreou na televisão brasileira, foi lançado no
    ano passado com pompa e circunstância. Produzido
    por Steven Spielberg, a ideia era usar a
    fórmula de “Glee”, sucesso entre adolescentes,
    e criar um musical para adultos. A audiência
    foi às alturas, mas a crítica detonou. Os produtores,
    então, resolveram atender os anseios dos
    críticos. Trocaram a equipe de produção, eliminaram
    as tramas consideradas ridículas, investiram
    mais na parte musical e estrearam a
    segunda temporada. A crítica continuou rejeitando,
    e a audiência despencou. “Smash” não
    deve sobreviver a uma terceira temporada. O
    público gostava de não gostar do programa.

    Eu gosto de não gostar de “Salve Jorge”. Não
    acompanho a novela com fidelidade. Mas
    não perco os capítulos-sensação, como
    aquele em que Morena dá uma surra em
    Vanda. Ou aquele outro em que Lucimar dá
    uma surra em Vanda. Ou ainda aquele em
    que Valesca dá uma surra em Vanda. Fala sério:
    só Gloria Perez é capaz de criar uma personagem
    que leva uma surra toda semana.
    Também não perco os capítulos em que Lívia
    Marini atua com sua seringa maldita.

    Critica-se a novela por ter personagens
    em excesso, muitos núcleos. Consequentemente,
    alguns não foram desenvolvidos, o
    que deixou certos atores sem função. A morte
    de Rachel seria, no fundo, uma maneira
    de, a pedido da atriz, tirar Ana Beatriz Nogueira
    de cena. Não sei, mas Janete Clair, a
    maior novelista do país, fez isso muitas vezes.
    Em Janete, o que agora é defeito foi considerado
    qualidade. Em “Irmãos Coragem”,
    por exemplo, talvez o seu maior sucesso, ela
    temia que a trama, ambientada num garimpo,
    não caísse no gosto do público. Criou,
    então, um núcleo urbano. Se o garimpo não
    desse certo, ela investiria nas cenas na cidade
    grande. Aconteceu o contrário. O espectador
    se ligou no garimpo e rejeitou a trama
    na cidade. Janete não teve dúvidas: eliminou
    uma série de personagens, transferiu
    outros para o garimpo e seguiu com a novela.
    Gloria Perez não fez diferente. Concentrou
    a novela nos núcleos que tiveram mais
    aceitação do público, como o da delegada
    Helô, e praticamente eliminou o que foi menos
    atraente, como o que acontecia na casa
    de Leonor (Nicette Bruno). Ana Beatriz Nogueira
    deu o azar de ganhar um personagem
    escalado para viver na casa de Leonor. Pediu
    pra sair. O saldo é positivo: afinal, sua saída
    nos deu a chance de testemunhar mais uma
    seringada de Lívia Marin

    Em defesa de Dolores Duran - ANGELA DE ALMEIDA


    O GLOBO - 20/03/2013

    No último dia 12, Caetano Veloso dedica sua coluna dominical ao mais terno dos mitos da canção brasileira: Dolores Duran. Num comovente testemunho de abertura, discorre sobre o impacto que lhe causou a notícia da morte prematura desta “cantora e compositora excepcional”, e reputa a admiração e a simpatia que, na plena flor de seus 13 anos, já nutria por ela como apenas um prenúncio de que “a amaria tanto”.

    Na contramão desse sentimento, entretanto, e com base numa biografia da artista que acabara de ler, um Caetano consagrado e maduro tece a seguinte assertiva: “a figura vital e engraçada que surge da pesquisa de Faour não me surpreende: a ‘fossa’ dos sambascanções era uma exigência, por assim, dizer natural”. Afirmação que, vinda de quem vem, soa como uma sentença. E que os 15 anos de debruçamento sobre a vida e a obra da autora de “A noite do meu bem” me conferem o direito e o dever de defendê-la.

    Dolores Duran foi, sim, uma figura vital e engraçada. Mas foi também portadora de uma cardiopatia grave. E conviveu desde muito cedo com uma aguda consciência da própria finitude. Que, somente às vésperas de se despedir da vida, perpetuou em versos como “A vida acaba um pouco todo dia/ Eu sei e você finge não saber/ E pode ser que quando você volte/ Já seja um pouco tarde pra viver” ou “Dá-me Senhor uma noite sem pensar/ Dá-me Senhor uma noite bem comum / Uma só noite em que eu possa descansar/ Sem esperança e sem sonho nenhum”.

    Num tempo em que a cardiologia engatinhava, o caráter inexorável do mal que pulsava no débil e hipertrófico coração de Dolores usurpou-lhe o que a vida tem de mais caro: o direito à esperança e ao sonho.

    Não por acaso, em maio de 1955, dois meses após o colapso cardiogênico que quase lhe tira a vida, Dolores Duran dá à luz sua primeira canção (“Se é por falta de adeus”, uma entre três obras-primas em parceria com Tom Jobim), faz desabrochar um talento excepcional como compositora, e, com ou sem a ajuda de parceiros, constrói, nos últimos quatro anos de sua curta existência, uma obra que se incorpora de maneira definitiva à memória afetiva do país.

    Nesse momento preciso em que vê decretada sua contagem regressiva passa também a viver, com sofreguidão, cada dia como se fosse o último (“a vida acaba um pouco todo dia”). Sabe, mas “finge não saber” da gravidade de seu quadro. E a oculta de familiares e amigos, por mais diletos.

    Sob a externalidade alegre, esconde uma angústia brutal. Para a qual sinaliza com rastros tão sutis quanto inequívocos. Como o pseudônimo que inaugura em 1958 com “Noite de paz”: Durando — um anagrama de seu nome artístico que forma o gerúndio do verbo durar. Um eufemismo para a mais dura das certezas que guarda no momento em que atinge a plenitude de seu potencial artístico e de seu impulso criador: o prazo de validade de suas ‘dolores’ está inapelavelmente vencido.

    Nada mais legítimo, portanto, que a ternura e a melancolia que emanam da obra autoral de Dolores Duran. Cuja excelência e atemporalidade não permitem que seja circunscrita a uma tendência do samba-canção nos anos 1950 que, somente na década seguinte, viria atender pelo nauseabundo epíteto de “fossa”.

    E sua perenidade é a prova mais contundente disto. Dolores Duran funda a escritura poética feminina na canção brasileira. Quem, antes ou depois, foi capaz de traduzir com tamanha força e simplicidade sentimentos do gênero como os que trazem os versos “Eu quero paz de criança dormindo/ E abandono de flores se abrindo/ Para enfeitar a noite do meu bem”? Quem, além dela, tendo cursado apenas o primário, poderia merecer a honraria de se tornar o primeiro compositor popular a receber uma homenagem da Academia Brasileira de Letras?

    Quanto à aparente irresponsabilidade de Dolores na entrevista em que torna públicas suas impressões sobre a União Soviética, sempre me calou fundo a impressão de que se trata, sim, de declarações legítimas. Mas feitas em off. Mas esta é outra história, para ser contada em outra ocasião...


    Angela de Almeida é jornalista e prepara uma biografia sobre Dolores Duran.

    Educação no Brasil precisa de eficiência e equidade, diz especialista

    folha de são paulo

    DO RIO

    Especialistas em educação da Universidade de Columbia (EUA) defenderam mais eficiência e equidade para uma educação de qualidade no Brasil. Reunidos nesta terça-feira (19) no Rio, eles debateram medidas e exemplos de como a educação pode transformar as diferentes realidades globais.
    Vishakha Desai, conselheira especial para assuntos globais da Universidade de Columbia, visitou favelas na cidade e afirmou que a educação nesses locais precisa ter a mesma qualidade que a oferecida em centros de excelência. "Precisamos de igualdade na educação. O recurso precisa ser gasto de forma eficiente", disse.
    Ela contou que em Xangai, na China, as escolas de excelência auxiliam os centros que têm baixa qualidade. "Eles têm um foco na educação que é o ensino de excelência e isso requer equidade entre o que é oferecido numa escola de gente rica e em outra cujos alunos são pobres ou de classe mais baixa", disse.
    O diretor do programa "Líderes em Educação Urbana" da Universidade de Columbia, Brian Perkins, afirmou que a qualidade da educação também passa pelo treinamento do professor. "Professores e diretores das escolas brasileiras precisam ser verdadeiros líderes para promover as transformações necessárias", disse.
    Para o debate, que marca o lançamento do primeiro centro de pesquisas da universidade no país, o Columbia Global Centers, no Rio, também foram convidadas a chefe do departamento de educação da PUC-Rio, Sonia Kramer, e a diretora da Acerta (Assessoria Cultural e Educacional no Resgate a Talentos Acadêmicos), Maria Clara Sodrè.
    Sonia afirmou que o sistema educacional brasileiro melhorou ao longo das últimas décadas, mas que a interferência política na educação infantil, de responsabilidade das prefeituras, é um desafio para a qualidade do ensino. "A gente precisa superar esse desafio para conseguir montar um sistema eficiente e igual para todos", disse.
    Maria Clara, que integra uma ONG educacional, mostrou o programa de seleção de crianças superdotadas em favelas do Rio. Por ano, as 24 crianças escolhidas são treinadas por dois anos para conseguir entrar em colégios de excelência. "Neste ano, nosso índice de aprovação foi de 96%", disse. Os eventos seguem até esta quarta-feira (20).

    A elegância solta de Caetano

    O Globo - 20/03/2013

    Artista estreia amanhã no Circo Voador a turnê do elogiado disco ‘Abraçaço’, marcando sua despedida da jovem bandaCê, que o acompanha desde 2006



    Em grupo. Caetano, à frente da bandaCê, formada por Marcelo Callado (bateria), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Pedro Sá (guitarra): novo show é o terceiro dos músicos com o compositor, depois de “Cê” (2006) e “Zii e zie” (2009



    Bernardo Araújo

    “Quem projetaria essa elegância solta/ Essa alegria, essa moça-vanguarda/ Esse rapaz gostoso que é a Lapa/ Lapa, Circo Voador/ Lapa, choro e rock’n’roll.” Respeitando seus próprios versos em “Lapa”, sucesso do disco “Zii e zie” (2009), Caetano Veloso estreia seu novo show, “Abraçaço”, no Circo Voador, amanhã, com abertura dos portões às 22h, e fica na casa até domingo. Animado com a volta ao Circo — os ingressos para as quatro noites estão esgotados, e a bilheteria de amanhã vai para a Sociedade Viva Cazuza —, o compositor baiano de 70 anos falou, por e-mail (a voz “pifou de novo”, diz), sobre a última turnê com os jovens Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados) e Marcelo Callado (bateria), que formam a bandaCê (“um milagre de comunicação”) e deu algumas pistas do repertório, que incluirá ao menos uma canção do disco “Transa” (1972).

    Por que estrear o show no Circo Voador?

    Você acha que a sua popularidade entre os jovens cresceu na fase bandaCê? Tecnicamente, a casa é tão capacitada quando o Vivo Rio e o Citibank Hall, por exemplo?

    O Circo é uma linda plateia. Tem um palco limitado. Quis estrear lá porque combina com o som da bandaCê, e eu gosto do jeito como o pessoal fica na plateia. Desde o Arpoador e de Perfeito Fortuna, o Circo Voador tem um histórico de ambiente desembaraçado, nada careta, que eu adoro. Não apenas jovens vão lá. Eu próprio vou ver muitas coisas lá e não sou jovem. Tem muita gente como eu. Mas eu sei que a maioria dos frequentadores é garotada. Não acho que isso dependa de eu ter começado a tocar com a bandaCê: o Circo enche e se entusiasma se Nana Caymmi ou Chico Buarque forem cantar lá.

    O show já terá cenário, figurino e luz definitivos? Como é fazer quatro noites seguidas de apresentações, é cansativo?

    Antigamente a gente fazia dois meses, de quarta a domingo. E não era cansativo. Desta vez só me preocupo com minha voz. Quanto a cenário, o palco do Circo não permite grandes montagens. Fizemos o “Cê” (2006) lá, e Hélio Eichbauer pôs os bastões coloridos que ficavam pendurados sobre nossas cabeças. Desta vez, eu tinha decidido não ter cenário: apenas o fundo preto (gostei muito do resultado do show de Gal sem cenário ou projeção). Pedi apenas a Hélio para forrar o livro em que leio a letra de “Alexandre”, uma grande faixa do “Livro” (disco de 1997) que nunca decorei. Vendo o ensaio, ele se lembrou de que o quadrado preto de Malevich (Kazimir Severinovich Malevich, 1878-1935, pintor abstrato soviético) faz 100 anos este ano. Num palco maior, vamos ter reproduções dos quadros inaugurais desse gênio russo. No palco do Circo os cavaletes não cabem. Gabriel (Farinon), Hélio e eu vamos planejar a luz, que já estará basicamente estruturada desde a estreia.

    Como estão os ensaios?

    Os ensaios estão bons. Minha voz apresentou problemas no final do ano passado. Fui a médicos, fonoaudiólogas e professor de canto. Melhorei. Com os ensaios muito puxados, ela pifou de novo. Melhora com descanso, mas dormir não é coisa fácil pra mim. Faço alguns exercícios e nebulização para hidratar. Vamos ver como é que ela aguenta no Circo.

    Como é o seu entrosamento com a bandaCê depois de quase sete anos juntos? Você já teve uma mesma banda durante tanto tempo?

    O que você aprendeu com eles? Talvez eu tenha ficado um tempo longo assim com A Outra Banda da Terra (nos anos 1970). Em geral trabalho com alguns músicos por muito tempo. Minha colaboração com Jaquinho Morelenbaum, da qual saíram “Livro”, “Fina estampa”, “A foreign sound” e “Noites do Norte”, também durou muito. A bandaCê é um milagre de comunicação. Nada nunca demora a se definir. No disco “Abraçaço” (lançado no ano passado) estamos relaxados até demais. No show, esse clima continua. Falamos de bandas, sambistas, fadistas, jazzistas, tudo. Sempre espontaneamente. Não me lembro de eles terem me apresentado bandas que eu não conhecesse. Me mostraram trabalhos específicos de um grupo ou outro. Tudo começou com Pedro me mostrando o CD dos Pixies na BBC. Eu conhecia a banda, mas não esse disco. Marcelo e Ricardo me fizeram ouvir coisas do Devo. Mas sou eu quem fica pedindo a eles para ouvirem James Blake e o novo do Cascadura.

    Esse formato mais cru traz alguma limitação para a sonoridade? Em algum momento passou pela sua cabeça adicionar algum instrumento, como percussão?

    Amo percussão e quero voltar a trabalhar com percussionistas. Mas com a bandaCê eu curto o som econômico de banda pequena. Do que eu mais gosto são coisas como “Outro”, do disco “Cê”, ou “Por quem?”, do “Zii e zie”. Não tenho vontade de adicionar nada à nossa sonoridade.

    O repertório é mais concentrado nas músicas dos três discos com a bandaCê? Que outras fases da sua carreira você acha que se relacionam com a atual? Como o disco é mais melancólico e puxado pelo violão, você pensa em épocas diferentes de “Transa”, sempre tão evocada desde “Cê”?

    Não abandonamos “Transa”: pelo menos uma música desse disco estará no show do “Abraçaço”. Mas este é um disco que abre para todo o histórico. Fechar o repertório não tem sido fácil. Tenho sentido dificuldade de relembrar letras que quase nunca canto. Uma pelo menos eu vou ter de ler. Sobretudo porque gravei “Abraçaço” sem decorar as letras novas. Eu não devia exigir tanto da minha cabeça. Mas não quero cantar as músicas que canto em todos os shows vendidos. A história da bandaCê pede coragem.

    Você já tem ideia do que fará depois da turnê, quando encerrar sua colaboração com a bandaCê? Já existem planos para um DVD?

    Não tenho planos para DVD desse show. Mas eu não tinha planos para gravar o show de “Zii e zie”: foi meu filho Zeca quem me convenceu, depois de ver as apresentações na Europa. Essas coisas só aparecem no fim das temporadas. Acho que não gravaria DVD agora. Não com a voz e com a memória que estou.

    A ideia é ficar por conta do show até o fim do ano? Haverá um giro pelo exterior?

    Há já um giro nacional. O Brasil é grande. Já sei que vou a São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Juazeiro e Belo Horizonte. Claro que faremos Buenos Aires, Montevidéu e Santiago, ao menos. Não quero viajar demais. Vamos estudar o que vale a pena fazer na Europa e nos EUA. Nem quero pensar na Ásia.

    "Teste genético anormal não significa o fim da gravidez", diz pesquisador americano

    folha de são paulo


    DÉBORA MISMETTI
    EDITORA INTERINA DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

    Os testes genéticos para rastrear anormalidades antes e durante a gestação e em casos de aborto estão ganhando novas tecnologias para reduzir o nível de incerteza dos diagnósticos.
    Neste ano, chegou ao Brasil o exame de sangue que encontra problemas cromossômicos, como síndrome de Down, Turner e Patau, por exemplo, a partir do terceiro mês de gestação.
    Em dezembro, duas pesquisas publicadas no "New England Journal of Medicine" mostraram a vantagem do uso de "chips" de DNA em relação aos exames tradicionais de cariótipo para analisar material genético colhido na gestação pela retirada de líquido amniótico e para diagnosticar anormalidades em caso de aborto espontâneo.
    O "chip" tem pequenos segmentos de DNA que detectam ganhos ou perdas nos cromossomos. O cariótipo, método mais usado hoje, analisa visualmente a estrutura dos cromossomos.
    "Quando um casal perde um filho, há muita culpa. O melhor resultado é ter um resultado. Você consegue explicar o que aconteceu e quais são as chances de acontecer de novo", afirma o pesquisador sul-africano Brynn Levy, 46, professor de patologia na Universidade Columbia, nos EUA, e um dos autores das pesquisas sobre os chips com "microarranjos" de DNA.
    Ele veio a São Paulo na última semana para participar de uma conferência no Hospital A.C. Camargo. Para Levy, os pais precisam ser bem informados sobre o significado dos exames genéticos e suas limitações para tomar decisões sobre a gestação.
    Karime Xavier/Folhapress
    O médico Brynn Levy, no Hospital A.C. Camargo, em São Paulo
    O médico Brynn Levy, no Hospital A.C. Camargo, em São Paulo
    *
    Folha- Dois meses atrás, um teste que procura DNA fetal circulando no sangue materno para rastrear síndromes congênitas chegou ao Brasil. Como esse tipo de teste vai mudar o pré-natal?
    Brynn Levy - Esse é um dos tópicos mais quentes no mundo hoje. Quando você olha as metodologias não invasivas oferecidas antes disso, como testes bioquímicos ou translucência nucal [ultrassom], a capacidade de rastreamento era limitada. Os dados vindos dos testes genéticos mostram resultados muito superiores. A sensibilidade é maior e o número de falsos-positivos e falsos-negativos é menor.
    Mas é preciso ter cuidado e entender as limitações do teste. Se as pessoas pensam que isso vai dispensar completamente a retirada de líquido amniótico e a biópsia de vilo corial, estão enganadas.
    Quais são as limitações?
    Esses testes estão se concentrando nos principais cromossomos: 13, 18, 21 e os sexuais. Mesmo com 100% de eficácia, eles não olham duplicações e inversões de cromossomos. Eles ainda vão chegar lá. Mas, por enquanto, há uma diferença de amplitude de diagnóstico e é preciso confirmar resultados positivos no exame de sangue por um método invasivo.
    Como os métodos mais precisos para achar anormalidades mudam as decisões dos pais?
    Quando você acha um problema genético com relevância clínica, muitos casais, ao menos nos EUA, escolhem não continuar a gravidez.
    Mas, no nosso estudo com pré-natal, em muitos casos em que achávamos anormalidades para as quais não sabíamos o significado clínico, os casais decidiam continuar.
    Receber um resultado anormal não é garantia de que a gravidez vai ser terminada. Quem enfrentou anos de infertilidade vai ver aquele resultado de forma diferente de um casal com cinco filhos que engravidou sem querer.
    Um dos seus estudos é sobre como melhorar os exames genéticos em casos de aborto. Por que é necessário melhorar esse diagnóstico?
    O melhor resultado nesse campo é ter um resultado. Quando um casal perde um bebê, é um evento emocionalmente devastador. Há muita culpa. A mãe pensa que foi por alguma coisa que ela fez, o pai pensa que foi algo que ele fez --se foi por que tomou muitas cervejas--, e muitas dessas razões não são racionais nem têm base científica, mas são razões emocionais.
    Só de conseguir dar um resultado, já que com a nova tecnologia temos mais chance de dar uma resposta [87%, contra 70% do exame de cariótico comum], já é bom.
    Em muitos casos é uma resposta simples, como uma trissomia do cromossomo 18. Com isso, você explica o que ocorreu e quais são as chances de ocorrer de novo. Eles conseguem entender e superar isso emocionalmente.
    O crescimento do mercado para os testes não se deve também à idade mais avançada das mulheres ao engravidar?
    Sim, no mundo todo a idade reprodutiva está crescendo e isso está associado a um risco maior de síndromes congênitas. As mulheres leem sobre os novos testes e querem usar, os médicos sentem essa pressão. Muitas vezes isso é bom, outras vezes não, em especial quando não há evidências suficiente de eficácia.
    Editoria de arte/Folhapress

    Acaju? - Antonio Prata

    folha de são paulo

    Acaju?
    Como assim, pessoal? Por que eu pintaria o cabelo escondido? E por que usaria bem o tom do Silvio Santos?
    Primeiro, foi o Fabrício: chegou ao bar, sentou-se à minha frente, encarou-me e com a honestidade que lhe é habitual, perguntou: "Mano, cê tá pintando o cabelo?". Soltei uma gargalhada, pedi dois chopes e esqueci o assunto.
    Uns dez dias depois, foi o Flávio: conversávamos na fila do cinema e reparei que seus olhos escapuliam a toda hora para o meu cabelo -como se espiassem, em algum ponto de minha franja, o decote de uma mulher. "Tá olhando o que, Flávio?!" "Nada, nada", ele disfarçou, engatando um papo sobre o filme. Resolvi não pensar a respeito: devia ser apenas coincidência.
    Domingo, contudo, não deu mais para ignorar a situação: terminado o almoço de família, meu pai me chamou de lado, pôs a mão em meu ombro e, zeloso, cuidando para que nenhum parente ouvisse, cochichou: "Acaju?".
    Que fique claro: não tenho nada contra quem pinta o cabelo. A natureza é cruel, a vida é curta, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é -ou, no caso, o que não é. Se estivesse ficando grisalho, talvez até cogitasse tingir, mas não estou: a passagem do tempo ameaça meu cocuruto menos com a brancura invernal do que com as copas desnudas do outono, razão pela qual, desde que as entradas começaram a galgar meu couro cabeludo (sic), lá pelos 17 anos, passei a tomar diariamente um comprimido de Finasterida.
    Sim, sarcástico leitor, aquele comprimido que causa, em 1% dos usuários, a perda temporária da libido -e em 99% das menções, piadas a respeito. Garanto, contudo, que nunca senti os efeitos colaterais. Minhas brochadas, dos 17 para cá, foram 100% orgânicas, fruto da soma de minhas inseguranças às opressivas qualidades de algumas moças, pobres moças, que esperavam atingir os píncaros da glória e escalaram somente o ápice de meu constrangimento. Ou, pelo menos, o que eu acreditava ser o ápice do constrangimento, até descobrir, dias atrás, que meus amigos, parentes e colegas de trabalho acham que eu pinto o cabelo. Escondido. De acaju.
    Como assim, pessoal? Eu faço análise. Frequento o Teatro Oficina. Falei de calvície e brochadas, um parágrafo acima. Por que iria pintar o cabelo escondido? E, se o fizesse, por que diabos escolheria o tom usado por Silvio Santos?
    Por mais que eu me defenda, contudo, o espelho obriga-me a dar aos boatos algum fundamento. Meu cabelo, que foi loiro na infância e castanho desde a adolescência, deu para, aos 35 anos, irrefletidamente refletir um suspeitíssimo escarlate -ou, como diz o Houaiss, na precisão cruel dos dicionários, certa cor "castanho-avermelhada da madeira do mogno": o acaju.
    Não sei se é o sol, a falta de sol, o aquecimento global, o glúten, a Fenilalanina ou o stress, sei é que me encontro numa sinuca de bico: se quiser que parem de pensar que tinjo o cabelo, terei de começar a tingi-lo. Informei-me a respeito e parece que se me submeter a umas tais "luzes", obterei um efeito que lembra o grisalho -ou o Bon Jovi, dependendo da fonte consultada. Que situação.
    Talvez a única saída digna seja parar com a Finasterida, deixar que o outono chegue e leve consigo o que lhe é de direito. Cruel é a natureza - mais cruel, só mesmo o acaju.
    antonioprata.folha@uol.com.br
    @antonioprata

      Dilma chega a 63% de aprovação, diz Ibope

      folha de são paulo

      Pesquisa encomendada pela CNI indica que aprovação do governo oscilou para cima apesar da turbulência econômica
      Avaliação pessoal de Dilma cresce de 80% para 85% no Nordeste, principal base eleitoral de Eduardo Campos
      DE BRASÍLIAMesmo em um cenário de turbulência econômica, o governo e a popularidade da presidente Dilma Rousseff seguem em alta, indica a mais recente pesquisa Ibope encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).
      Embora tenha apenas oscilado positivamente dentro da margem de erro, Dilma alcançou numericamente seus maiores índices desde a posse: 63% de aprovação ao seu governo e 79% de aprovação ao seu modo de governar.
      A oscilação de um ponto percentual nos dois fatores em relação à última pesquisa, em dezembro, se deu num período marcado por pressões inflacionárias e confirmação de um crescimento econômico de apenas 0,9%.
      A pesquisa captou os efeitos de duas medidas de apelo popular do governo: a redução nas contas de luz e a desoneração da cesta básica, que foram dois dos três assuntos mais lembrados pelos entrevistados. O aumento no preço da gasolina foi apenas o 10º tema mais lembrado.
      Mas o assunto mais citado foi a tragédia da boate Kiss em Santa Maria e a ida de Dilma à cidade, em solidariedade aos parentes das vítimas.
      A pesquisa revelou ainda o avanço de Dilma no Nordeste, onde a aprovação a seu estilo de governo chegou a 85%, contra 80% em dezembro.
      O governador Eduardo Campos (PSB-PE) minimizou o resultado: "A pesquisa dá exatamente o resultado que vinha dando". Para ele, é bom "ninguém cantar vitória antes da hora nem chorar derrota antes da hora".
      O provável candidato do PSDB ao Planalto, senador Aécio Neves, vê na pesquisa o impacto de "algumas medidas de grande alcance popular tomadas pela presidente" e do "vigor da propaganda do governo".

        Painel Vera Magalhães

        folha de são paulo

        Guerra sem fim
        Recém-empossado, Manoel Dias (Trabalho) já foi enredado pela disputa entre centrais sindicais. O ministro comunicou a dirigentes do PDT que vai demitir Manoel Messias da Secretaria de Relações do Trabalho, responsável pelo registro de sindicatos. Messias, da direção da CUT (Central Única dos Trabalhadores), foi nomeado pelo ex-ministro Brizola Neto. Avisada em Roma da medida com potencial explosivo, Dilma Rousseff mandou sustar qualquer mudança até sua volta.
        -
        Isonomia Dirigentes da Força Sindical dizem que não há mais razão para manter Messias. "O PT indica alguém da Força para seus ministérios?" ironiza um pedetista.
        Aviso prévio Durante reunião sobre a medida provisória dos portos, ontem, o secretário navegava pela página de exonerações do "Diário Oficial" em seu tablet.
        O retorno Zilmara Alencar pode voltar à pasta. Aliada de Carlos Lupi, ela esteve no centro do escândalo que derrubou o ex-ministro.
        Âncora Paulinho da Força (PDT-SP) quis colocar na pauta de negociações a autonomia dos Estados nos portos, tratada pelo pedetista com o governador Eduardo Campos (PSB-PE) na semana passada. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), desconversou.
        Eu sozinha Cármen Lúcia foi criticada por colegas do STF por ter concedido liminar aos Estados produtores suspendendo a nova divisão dos royalties. Alegam que decisões monocráticas em ações diretas de inconstitucionalidade só podem ser tomadas no recesso.
        Para depois Observadores da corte entendem que a ministra não levará a liminar ao plenário na sessão de hoje.
        Novo CEP Joaquim Barbosa busca nova sede para o CNJ. Havia uma proposta de aluguel de imóvel por R$ 500 mil mensais, mas o presidente do STF quer acomodar o conselho em prédio público.
        Blitz Fernando Grella (Segurança) abriu ontem rodada de reuniões com chefes da polícia para análise dos indicadores de violência em São Paulo. O secretário cobrará metas de redução de crimes por região a cada bimestre.
        Timing 1 Na conversa com Dilma na semana passada, após dizer que o PSD não vai aderir ao governo agora, Gilberto Kassab telefonou para Guilherme Afif. O vice-governador paulista pediu que sua nomeação ao Ministério da Micro e Pequena Empresa só saísse no fim de abril.
        Timing 2 Dilma respondeu que não quer sancionar a pasta sem o titular e avisou que fará o anúncio após a Páscoa. Kassab vai insistir que o convite é "pessoal". Hoje mais três seções do PSD anunciam apoio à petista.
        Fundos Contrariado com as críticas de Fernando Haddad, Kassab diz ter deixado R$ 5,2 bilhões para cobrir despesas de sua gestão.
        Eu, não O vereador Nabil Bonduki (PT) responde ao tucano Andrea Matarazzo e diz que nunca defendeu a proposta de Kassab de Plano Diretor: "Sempre deixei claro meu ponto de vista de que teria de haver novo projeto".
        Na área A parceria de Romário (PSB-RJ) com a ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) contra José Maria Marin, da CBF, alvoroça a Câmara: "É a nova dupla Rô-Rô", diz um deputado, lembrando da dobradinha do colega com Ronaldo na seleção.
        Visita à Folha Domenico de Masi, sociólogo italiano, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava com Oriana White, assessora, e Marina Poggi, tradutora.
        com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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        TIROTEIO
        "Apesar da entusiasmada torcida da 'turma do contra', Dilma segue contando com o reconhecimento da ampla maioria do povo."
        DO PRESIDENTE DO PT, RUI FALCÃO, sobre a aprovação da presidente, que atingiu índice recorde, segundo pesquisa Ibope/CNI divulgada ontem.
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        CONTRAPONTO
        Melhor idade
        Em palestra ministrada anteontem à noite na sede do PSDB paulista, Geraldo Alckmin discorria sobre os feitos de sua gestão. O tucano começou então a falar do programa "São Paulo: Amigo do Idoso", que prevê a construção de centros de convivência nas 645 cidades e complementação de renda para aposentados.
        Presidente estadual tucano, Pedro Tobias brincou com Alberto Goldman, 75 anos, arrancando um sorriso amarelo do ex-governador:
        -Este é o seu programa! Foi criado na medida certa para sua aposentadoria.

          Uma papa singelo - MARTHA MEDEIROS

          ZERO HORA - 20/03/2013

          É cedo para saber como será a atuação política do papa Francisco. Porém, assim que foi anunciado, ele não precisou nem de cinco minutos diante da multidão que lotava a Praça de São Pedro para angariar uma simpatia praticamente unânime. A minha, ao menos, foi instantânea, bastou para isso a descontração do comentário de que o haviam achado quase no fim do mundo – nada como o bom humor para congregar, aproximar, romper carrancas e barreiras. A despeito da sua eleição para uma função de tamanha relevância, estava ali, diante de todos, um homem, um semelhante. Alguém familiar.

          Não acredito que, a partir de agora, os fiéis deixarão seus automóveis na garagem para andar de ônibus (ainda que o trânsito e a poluição das cidades se beneficiariam muito), ou que trocarão o uso do ouro pela prata, ou que reprisarão qualquer outro gesto humilde já tornado público pelo Papa. No entanto, é preciso, com urgência, captar o espírito dessa nova forma de exercer liderança.

          Liderar não tem nada a ver com arrogância e empáfia, mas muitos ainda acreditam que sem pose e ostentação não se conquista o respeito dos outros. Um engano lastimável. Pode-se no máximo conseguir subserviência através de atitudes arrogantes, mas respeito é um valor muito mais profundo e que só se cativa com honestidade – e se formos honestos, de fato honestos, teremos que admitir que nossa importância é a mesma que a de qualquer outra pessoa.

          Podemos ter lido mais, vivido experiências diversas, apreendido ensinamentos a que alguns não tiveram acesso, mas de forma nenhuma isso justifica uma hierarquia dominadora. Aliás, hierarquia é um conceito que me parece cada vez mais obsoleto.

          Numa relação vertical, o “superior” ordena e os “inferiores” cumprem, e assim elimina-se a troca, que é o elemento mais necessário para a evolução dos costumes, das nações e dos relacionamentos. Trocar é horizontal. É o que possibilita o olhar, o diálogo e a identificação.

          No instante em que eu contribuo para a sociedade com o que sei, e aceito que colaborem comigo na mesma medida, me ensinando o que não sei, estabelece-se uma relação producente e o respeito mais absoluto, aquele que não é fruto de imposição, mas de admiração sincera.

          Então, mesmo sem poder adivinhar como será o pontificado desse nosso hermano, desde já me sinto otimista por ele trazer em seu semblante a doçura dos que não se deixam levar pela vaidade e dos que não consideram a modéstia uma fraqueza, e sim resultado de uma consciente avaliação de si mesmo: somos todos iguais. Frágeis, é verdade, porém todos capazes de doar-se a fim de tornar a vida mais fácil para aqueles que nos cercam. Essa é a corrente universal que nunca deveria se romper, e que nos une (ou deveria nos unir) inclusive para além das religiões. 

          FERNANDO BRANT » Os faraós do nosso tempo


          Estado de MInas: 20/03/2013 

          >> fernandobrant@hotmail.com

          O caminho que leva ao cemitério de Diamantina se chama Avenida da Saudade. Ali assisti ao maior funeral dos meus tempos de menino, o do padre diretor do seminário. Outra morte que me marcou foi o da mãe do Torrô, não por ela, que não conheci, mas por ele, artilheiro do Oásis, que fez um escândalo chorando alto pelas ruas do Alto da Poeira. Meu entendimento na época não pôde assimilar essa cena com o fato de, no dia seguinte, ele passear com a namorada num agarro só.


          Tudo que se refere à morte tem um quê de incompreensível e misterioso. Jovem, a via como uma derrota para o ser humano. Só mais tarde pude perceber que essa nossa fraqueza é essencialmente natural e que, apesar de quase ninguém desejar que chegue sua hora, a vida é assim e não há o que discutir. É fazer o certo e plantar boas veredas para os nossos descendentes, da mesma forma que os meus pais o fizeram e os pais de seus pais também. Isso me vem à cabeça ao observar que os que se alçam ao poder nas nações parecem temer mais perdê-lo do que morrer. Criam ilusões divinas, propagandeiam sua onipotência e eternidade e se esquecem de que na primeira esquina pode estar o seu fim. O que fazer para se perpetuar? Os faraós egípcios construíam pirâmides colossais e ordenavam que fossem embalsamados e lá guardados para que permanecessem eternamente. As obras ficaram, fruto do trabalho de milhares de escravos, esquecidos por turistas e historiadores. Dar ordem é fácil, o duro é fazer.


          Nos dias que antecederam a escolha do novo papa, Francisco, que impressiona a todos pela humildade, simplicidade e sabedoria, os meios de comunicação se envolveram, acriticamente, com a morte e velório do presidente da Venezuela. O fato de nenhum jornalista questionar aquela foto de Chávez com suas filhas, uma armação explícita comprovada dias depois, mostra que a imprensa tem de melhorar muito.


          No funeral que parece não ter fim, surgiu a ideia de embalsamar o corpo e deixá-lo exposto para sempre à visitação dos venezuelanos. O grupo no poder não aceita a morte do líder e desrespeita seu lado humano. O que dele ficará é o que fez de bom para os pobres do seu país. De ruim, o autoritarismo e o que não soube realizar.


          Embalsamaram Lênin, Mao e queriam fazer o mesmo com Chávez. Deveriam tê-los deixado quietos, no silêncio de suas mortes. No máximo, esculpir-lhes estátuas. Quando se chega ao cemitério de Auvers sur Oise, na França, o viajante se vê diante de uma cova rasa de terra, com uma placa simples que indica seu morador: Vincent van Gogh. Ele está lá há 160 anos. Sem ser embalsamado e sem jazigo de luxo, ele é admirado em todo o mundo até hoje. A obra é que fica.

          Frei Betto - Crer em milagres‏

          Muitos procuram o Deus-mágico, capaz de tirar de sua onipotente cartola todo tipo de curas e bênçãos

          Frei Betto

          Estado de Minas: 20/03/2013 


          Desde o surgimento da agricultura, quando o ser humano já não dependia da fase coletora e extrativa, tenta-se domesticar a natureza, impor-lhe li-mites, desviar o seu curso, exigir que ela siga não suas leis intrínsecas, e sim a nossa lógica voltada ao lucro. Assim, represamos rios, reduzimos o ímpeto das marés, quebramos a escuridão da noite, logramos fazer voar o que é mais pesado do que ar.

          A razão moderna desencantou o mundo. E a primeira vítima foi o milagre que a ciência tenta expulsar do mundo e da mente humana. A crença no milagre revela certa noção de Deus. Seria ele como um encanador, que, tendo cometido erros em sua obra, a todo momento precisa correr aqui e ali para corrigir defeitos imprevistos? Ele livra da doença os filhos preferidos e não os preteridos? Fica atento a quem mais emite súplicas e premia a insistência com o milagre?

          A razão moderna considera que só a ignorância enxerga milagres na ordem natural das coisas. Milagre é quando se desconhecem as leis da natureza, assim como é mágica o que provoca e esconde o truque. O que hoje é tido como milagre será desvendado amanhã pela ciência, como faz na TV o Fantástico em suas reportagens sobre a origem ordinária de fatos extraordinários?

          Há teólogos que restringem a ação divina ao ato da criação. Deus, ao criar, teria dotado a natureza de leis que, como o mecanismo do relógio, funcionam sem que o relojoeiro precise interferir. Se ocorrem imperfeições na criação não é culpa de Deus. Há que buscar as causas na ação humana sobre a natureza e na nossa ignorância, que percebe como defeito o que para Deus seria mero e previsível efeito.

          As Igrejas demonstram uma posição ambígua diante do milagre. Umas admitem a onipotência divina, o poder de Deus em operar mudanças subs-tanciais no rumo natural das coisas e, ao mesmo tempo, miram com ceticismo qualquer evento que, por seu caráter extraordinário, é tido como milagre.

          As igrejas neopentecostais emulam a fé dos fiéis por meio de sucessivos milagres, em especial os que restabelecem a saúde. Já as igrejas históricas suspeitam da profusão de milagres. A ponto de o Vaticano, nos processos de canonização, nomear um “advogado do diabo” incumbido de desmoralizar fenômenos nos quais a fé identifica origem miraculosa.

          Muitos procuram em Deus a capacidade de operar milagres. Um Deus-mágico, capaz de tirar, de sua onipotente cartola, todo tipo de curas e bênçãos. Um Deus disposto, a todo momento, a contrariar e mesmo subverter as leis da natureza que ele mesmo criou. Um Deus criado à nossa imagem e semelhança.

          O que fez Moisés, naquele mundo politeísta, para convencer o faraó de que Javé era um Deus especial, diferente dos demais? Apresentou-lhe uma série de milagres. E ao se convencer de que o faraó se mantinha obstinadamente apegado a seus deuses egípcios, então recorreu às sucessivas pragas.

          O Deus-espetáculo é tão paradoxal quanto o Deus-utilitário. Enquanto no dólar usamericano está impressa a inscrição “In God we trust” (Nós confiamos em Deus), os soldados nazistas traziam inscrito na fivela do cinto: “Gottmit uns!” (Deus está conosco).

          E o Deus de Jesus, está com quem? Onde ele fica em tudo isso? Jesus agia com discrição, pedia aos discípulos para não fazerem alarde quanto à identidade dele, e ao curar não atribuía o mérito a si, e sim ao fiel: “A tua fé te salvou”.

          O verdadeiro milagre de Deus é a presença de Jesus entre nós. Presença nada espetacular (nasce numa estrebaria e morre assassinado na cruz) e incômoda (entra em choque com as autoridades religiosas e políticas). Não era a ordem da natureza que lhe interessava mudar e sim o coração humano, para impregná-lo de amor, compaixão e justiça. Desconfio da fé que necessita da muleta dos milagres para se sustentar. É a fé-bilhete de loteria: adquiro-a na expectativa de ser sorteado. Em nada mudo minha atitude. Fico à espera de que Deus mude a dele.

          É frequente encontrar quem tenha fé em Jesus. O raro é se deparar com quem tenha a fé de Jesus, que o levou a se posicionar em defesa dos oprimidos e excluídos em nome de um Deus amoroso e misericordioso. A vida humana é, sem dúvida, o maior de todos os milagres. Mas ele não nos causa impacto. Não cremos nele. Tanto que somos indiferentes a tantas vidas ceifadas precocemente pela miséria e a violência.

          TV PAGA


          Estado de  Minas - 20/03/2013

          Exercício de democracia

          Fernando Meirelles produziu e Marcelo Machado ficou com a direção geral de A verdade de cada um (foto), série documental que estreia hoje, às 22h15, no NatGeo. São cinco episódios de uma hora de duração cada, tratando de temas bem específicos: o crack, o consumo, a educação, a madeira e a comida. A ideia é mostrar que até mesmo assuntos com opiniões quase unânimes podem ter outros pontos de vista, confrontados por seus diferentes protagonistas.


          Surfista carioca volta ao
          Havaí para pegar onda

          Novidade também no canal Off, que estreia, às 22h30, a série de 13 episódios Sangue, suor e javalis, da produtora Soul Filmes. Após 10 anos longe das ondas do Havaí, o surfista brasileiro Marcelo Biju volta ao arquipélago para reencontrar os velhos amigos. Entre caçadas de javalis e sessões de surfe, os verdadeiros guardiões da cultura havaiana relatam experiências e singularidades
          do carioca que fez história
          no Havaí.

          Canal Arte1 chega com
          qualidade e diversidade

          Um dos novos canais que estão no ar, o Arte1 reservou para hoje, às 18h, o documentário Paulo Coelho – O alquimista da palavra, em que o próprio escritor narra sua trajetória, partindo da infância até a consolidação como fenômeno literário mundial. Na sequência, às 19h, vai ao ar outro documentário com o registro de uma apresentação da Silk Road Ensemble, orquestra de jovens músicos de 23 países reunidos pelo violoncelista Yo-Yo Ma. Já à meia-noite será apresentada a ópera La serva padrona, com direção de Carla Camurati e a cantora lírica mineira Sylvia Klein à frente do elenco.

          Glitz retoma a agenda
          cultural de cara nova

          Estreia hoje, às 20h30, no canal Glitz, o programa Update. Na verdade é o relançamento de sua agenda cultural, com dicas das melhores exposições, shows, peças de teatro, baladas, festivais e os últimos lançamentos da literatura e da música. Em tempo: por falar em música, a cantora Taylor Swift é a convidada da série Storytellers, às 21h, no Vh1.

          Maneco também está
          na série ‘Oitentinhas’

          A série especial “Oitentinhas”, do programa Arquivo N, às 23h, na Globo News, presta homenagem hoje ao escritor Manoel Carlos. O entrevistado abriu as portas de sua casa para o programa, mostrou o cantinho onde senta para escrever seus textos e adiantou alguns detalhes de seu próximo projeto e a inspiração para compor a personagem Helena.

          O melhor do pacote de
          cinema vai ao ar às 22h

          O drama Lady Jane, dirigido pelo francês Robert Guédiguian, é a atração de hoje da Mostra Internacional de Cinema na Cultura, às 22h. No mesmo horário, o assinante tem 10 opções: O homem do futuro, no Telecine Premium; Três mulheres, no Telecine Cult; Jogo de espiões, na MGM; J. Edgar, na HBO; Sucker Punch – Mundo surreal, na HBO HD; Os outros caras, no Max HD; Dia de treinamento, no FX; Escuridão mortal, no Megapix; Barton Fink – Delírios de Hollywood, no Glitz; e Os fantasmas se divertem, no TCM. Outras atrações da programação: As loucuras de Dick e Jane, às 21h, no Comedy Central; Espelho d’água, às 21h30, no Arte1; e Eurotrip – Passaporte para a confusão, às 22h20, no Universal Channel. 

          Meu nome é TRABALHO (Marco Nanini )-Sérgio Rodrigo Reis‏

          Marco Nanini se divide entre o palco, a TV e o projeto social que desenvolve em área carente do Rio de Janeiro. Workaholic, ele se desdobra para revigorar Lineu, seu famoso personagem 


          Sérgio Rodrigo Reis

          Estado de Minas: 20/03/2013 

          Os 64 anos, Marco Nanini quer sossego. “Hoje, procuro um pouco mais de descanso para a contemplação, para aterrissar numa boa e curtir a vida. Mas tenho projetos para o teatro e para a Gamboa”, diz ele, referindo-se ao espaço cultural que coordena, instalado em área carente do Centro do Rio de Janeiro. A nova fase é bem diferente da correria do passado. “Quando era jovem, fazia televisão durante o dia, peça de teatro à noite, show de boate e ainda filmava. Ou seja, não dormia”, relembra.

          A questão é que nem sempre Nanini – um dos melhores atores do Brasil – pode controlar a repercussão de seu próprio trabalho. Bom exemplo disso está no monólogo A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento, que ficará em cartaz no fim de semana em BH.


          Há 10 anos, quando o diretor Guel Arraes o apresentou ao texto do escritor francês Georges Perec, a intenção era encenar algo que desafiasse ambos. “Não há uma trama específica. O que o escritor fez foi pensar em desafios para a literatura, como não usar a letra A no texto. Sua grande obra é Vida modo de usar, romance que pode ser lido em qualquer ordem”, explica Nanini. O monólogo segue regras semelhantes. Ele foi estruturado como um livro de autoajuda; porém, à medida que se ensina algo, tudo vai dando errado. “Queríamos aproveitar esse texto para fazer um exercício de interpretação e direção”, explica o ator. Resultado: o que surgiu como uma experiência breve acabou dando origem a temporadas mais longas, com turnês fora do Rio de Janeiro. Mais uma vez, Nanini teve que ceder. Em vez de sossegar, pegou no batente.


          Esse é também o caso de A grande família, um dos maiores sucessos da Rede Globo. Em cartaz desde 29 de março de 2001, a segunda versão da série (exibida inicialmente na década de 1970) modernizou protagonistas e ganhou outros personagens. Inicialmente, Nanini foi convidado para interpretar o patriarca Lineu em 12 episódios. Nada além disso. Mas o sucesso foi tanto que a atração se tornou a mais longeva da emissora: 440 episódios – até hoje.


          Se depender dos fãs, Lineu e sua divertida família não deixarão a telinha tão cedo. “O mais difícil é lidar com a rotina. Às vezes, isso chega a ser maçante. Não estou entediado com o Lineu, até gosto dele. O que tento fazer é criar mecanismos para driblar a rotina, 12 anos depois do primeiro episódio”, diz o ator.


          A nova temporada de A grande família começa a ser exibida em abril. E chegará com novo clima, revela Nanini. “Tivemos várias conversas. A proposta é promover modificações a partir da reflexão de que o tempo é também personagem importante. Não dá para fingir que tenho a mesma idade de quando começamos. Estou mais para o avô daquela família. Isso vai acabar gerando disputa entre o Lineu e o Agostinho, que cada vez mais assumirá o papel do pai. O tempo passou para todos e isso ficará evidente”, antecipa “Lineu”. Entretanto, as novidades não modificarão a essência do programa. “O ovo de colombo é o núcleo familiar”, compara.

          Vacinado
          O sucesso não tira o foco de Marco Nanini. “Tive certa vacina contra essas coisas do destino, não me deslumbro. Meu pai era hoteleiro, sempre morei em hotéis. Pude ver de perto as pessoas entrando e saindo, aquele clima de frivolidade. Desde ali me distanciei desse mundo”, confessa. Contar histórias é o que lhe interessa. “A minha preocupação é a dramaturgia. Não gosto de me exibir”, resume.


          Obrigado a driblar a dificuldade de conviver com o que chama de “as coisas da realidade”, o ator confessa: “Não tenho traquejo de lidar com banco, fazer compras. Ainda bem que dei a sorte de encontrar alguém para me ajudar nessa parte, o que me permitiu ter presença mais ativa nas outras coisas”.


          Nanini e o produtor Fernando Liboneti mantêm o Gamboa, um projeto ambicioso. Tudo começou de maneira despretensiosa. “Queria um lugar para ensaiar. Toda vez que conseguia o espaço, ele virava outra coisa e eu era expulso. Então, resolvi procurar algo que ninguém quisesse. Foi assim que achei um galpão na Providência”, conta o ator, referindo-se ao bairro na zona portuária do Rio de Janeiro. Nanini viu ali a oportunidade de levar adiante um projeto social. “Sempre dei minha contribuição ao trabalho social dos outros. Resolvi fazer algo meu”, resume.


          Aberto há cinco anos, o Galpão Gamboa promove ações nas áreas de cultura, esporte e saúde em região carente da capital fluminense. Deu tão certo que, recentemente, a Garagem Gamboa passou a funcionar ao lado. “Aos pouquinhos, descobrimos a personalidade daquele nosso lugar: tem dança, coral, teatro, esportes. Quero me dedicar mais a essas coisas”, avisa Nanini.


          Ele não para

          Nascido no Recife em 1948, Marco Antônio Barroso Nanini é um dos melhores atores de sua geração. Em 1968, deixou a Escola de Teatro do Conservatório Nacional para atuar em Salomé, de Oscar Wilde, com direção de Martim Gonçalves. Contratado por Dercy Gonçalves, atuou em diversos espetáculos em dupla com ela. Na década de 1970, Nanini fez peças de Mário Prata, Fauzi Arap, Joracy Camargo, Aderbal Freire-Filho e Flávio Rangel, entre outros. Em 1981, dividiu o palco com Marília Pêra em um grande sucesso: Doce deleite, trabalho que lhe rendeu o Prêmio Mambembe. Em 1985, outro sucesso: O mistério de Irma Vap, ao lado de Ney Latorraca, sob a direção de Marília. A TV e o cinema também marcaram a carreira de Nanini. O ator interpretou o grotesco dom João VI no emblemático filme Carlota Joaquina, de Carla Camurati; trabalhou com o cineasta mineiro Helvécio Ratton em Amor & Cia; e há 12 anos frequenta os lares brasileiros como Lineu, o pacato patriarca do seriado A grande família.

          O vestibular da UFMG... -Patricia Giudice e Landercy Hemerson

          O vestibular da UFMG... ( ) Tira o sono de alunos e professores ( ) Tem mais de 40 anos de história ( ) É um método elogiado e detestado ( ) Foi banido do calendário ontem ( X ) Todas as opções anteriores 



          Patricia Giudice e Landercy Hemerson

          Estado de Minas: 20/03/2013 

          Em decisão histórica, maior universidade de Minas extingue provas do seu processo seletivo e adere totalmente ao Enem, com distribuição de vagas pelo Sistema de Seleção Unificada

          a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tomou ontem uma decisão que vai afetar todos os estudantes que pleiteiam uma vaga na instituição, assim como os professores que os preparam. O vestibular tradicional, da forma como é conhecido desde 1970, quando foi uniformizado pelo governo federal, foi banido do calendário e será integralmente substituído pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A divisão de vagas ocorre agora pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Isso quer dizer que a partir da seleção deste ano para os alunos que vão entrar em 2014 não haverá mais segunda etapa, que era composta de provas abertas e específicas para cada curso.

          “É um dia histórico, de mudança social significativa, um avanço na uniformidade de tratamento para todas as pessoas, independentemente da região onde moram, da condição social; e mais: isto aqui é uma universidade pública, é um patrimônio do povo brasileiro”, disse o reitor Clélio Campolina. Durante mais de quatro horas, o Conselho Universitário se reuniu para decidir sobre a adesão da universidade ao Sisu. No fim da tarde, os conselheiros votaram: 40 foram a favor, dois contra e dois se abstiveram.

          Segundo o reitor, foram feitos estudos para avaliar a eficácia do Enem como método unificado de seleção no país. Campolina considerou que o exame tem qualidade para selecionar os futuros alunos da federal, em uma avaliação que coincidiu com o dia em que a correção de redações de alunos contendo erros graves foi questionada nas redes sociais. Apesar das críticas, o representante da UFMG avaliou que o novo sistema não vai diminuir a qualidade dos profissionais formados pela instituição futuramente.

          São 6.600 vagas, que no ano passado foram disputadas por cerca de 19 mil pessoas, em um processo que coleciona críticos e defensores ferrenhos e que agora deixa de existir. A previsão é de que, com o Sisu, esse número de concorrentes aumente, já que o sistema é aberto para todo o país e o aluno não precisa sair do estado de origem para pleitear uma vaga em Minas. A universidade, porém, ainda não estima em quanto essa disputa pode aumentar. Ao todo, são 96 cursos ofertados, alguns com turnos pela manhã e à noite. Apenas para os candidatos a música e ao curso de belas-artes e artes cênicas o Sisu não valerá, porque as provas de aptidão permanecem. Esses estudantes farão testes de habilidade específica na segunda etapa. “O Enem é uma prova muito bem feita e é uma forma democrática. Brasileiros de qualquer lugar terão a mesma oportunidade”, afirmou Clélio Campolina.

          O Enem foi parcialmente adotado em 2011 pela UFMG, que manteve sua própria seleção na segunda etapa do vestibular. De acordo com o reitor, desde então começou a se discutir a adesão ao Sisu. A questão passou por reuniões do Conselho de Pesquisa e Extensão, da Câmara de Graduação e, por último, da Comissão Permanente do Vestibular (Copeve). As atribuições desse último órgão serão revistas e o número de pessoal deve diminuir. A Copeve era a responsável por elaborar os exames de seleção. “A comissão tem outras atribuições, como a seleção do Colégio Técnico, da educação no campo e indígena, mas seguramente vai passar por reestruturação. Vamos diminuir o grupo de pessoas vinculadas, mas ao mesmo tempo pleitear mais participação no Enem. Já temos vários professores que participam da prova, mas queremos influenciar mais”, disse o reitor.

          No ano passado, a maior universidade de Minas teve com o vestibular uma receita de cerca de R$ 5 milhões, que compensou as despesas. De acordo com Clélio Campolina, uma das vantagens de adotar o Enem é o fim dos gastos, pois o exame não representa custos para a UFMG. O reitor avalia que a tendência é de que outras instituições importantes no país entrem para o Sisu este ano, e que o Brasil tenha um sistema unificado como outros países, a exemplo dos Estados Unidos. O reitor nega que tenha havido pressão do Ministério da Educação para adesão, e avalia que a mudança não afeta a autonomia universitária, defendida por ele e por representantes de outras instituições públicas de ensino superior. “A universidade não é obrigada a fazer parte do sistema. Se o adotou, foi porque quis. Avaliamos que é o melhor e o mundo inteiro adota esse tipo de modelo unificado. Não há pressão do MEC, os reitores são autônomos”, afirmou.

          Pelo Sisu, o aluno escolhe até duas instituições para se inscrever e concorre com a nota de corte para cada curso. O sistema não é adotado por todas as universidades públicas do país. Algumas o usam para escolha de parte dos alunos. A Universidade Federal do Paraná, por exemplo, preenche apenas 10% das vagas pelo Sisu, assim como a Unifesp, com 82%, e a federal do Rio de Janeiro, com 90%. Há também federais que, mesmo tendo o exame do ensino médio como primeira fase da seleção, ainda não fazem parte da unificação, como a do Rio Grande do Sul.