segunda-feira, 18 de março de 2013

Julio & Gina - Quadrinhos

folha de são paulo


JULIO & GINA      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

'Mulheres são minoria em segmento que muda o mundo: a computação', diz professora

folha de são paulo

BETH GARDINER
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

The New York TimesIsabelle Aleksander, 16, passa horas escrevendo códigos de computador e pretende se tornar engenheira. Sua paixão mais recente é o Raspberry Pi, um computador de baixo custo, do tamanho de um cartão de crédito, desenvolvido para ajudar a ensinar programação.
Quando ela contou sobre isso ao seu melhor amigo, a reação dele a surpreendeu. "Ele falou: 'Ei, como você sabe sobre isso? Você é menina, não deveria fazer isso'", contou a estudante.
Ela e sua amiga Honey Ross, 15, estão entre as poucas meninas do colégio particular King Alfred School, na zona norte de Londres, que se interessam muito por tecnologia. As duas dizem que entendem a razão disso: vista por quem está de fora, a computação pode parecer algo desinteressante que é praticado principalmente por garotos nerds.
'UM MUNDO INCRÍVEL'
"É uma pena", disse Ross, falando entre uma aula e outra no laboratório de computação. "É um mundo tão incrível. Parece que está apenas esperando a chegada de um monte de meninas."
Belinda Parmar adoraria ver isso acontecer, especialmente porque as estatísticas indicam que as mulheres no mundo da tecnologia, que já constituem uma relativa raridade, estão prestes a se tornar mais raras.
Há três anos, Parmar fundou a consultoria Lady Geek, que ajuda empresas de tecnologia a fazerem contato com a clientela feminina e a aumentar o número de mulheres em sua força de trabalho. Convencida de que a escassez de mulheres no setor da tecnologia tem suas raízes na infância, Parmar criou a entidade sem fins lucrativos Little Miss Geek, cuja finalidade é convencer meninas que a programação não é uma atividade solitária e chata, mas um trabalho criativo e que pode dar dinheiro.
NÃO SÓ COMPRAR, MAS CRIAR
Parmar diz que tantos meninas quanto meninos adoram gadgets --mas que, por mais que as meninas possam gostar de ter as últimas novidades tecnológicas, seus pais e professores geralmente não lhes dizem que elas têm capacidade para construí-las. "Elas sonham em usar o iPad mini e o smartphone mais recente, mas não sonham em criá-los."
Por essa razão, diz ela, as mulheres estão ficando de fora de um setor que está transformando o mundo, paga muito bem e está em crescimento.
De acordo com a agência de estatísticas Eurostat, 20% das pessoas que trabalham no setor tecnológico britânico são mulheres. Parmar cita a cifra de 17%. Não é muito diferente da média da União Europeia, 21,8%, ou dos Estados Unidos, 24% --neste último caso, uma queda em relação aos 36% de 1991, segundo o Centro Nacional para Mulheres e Tecnologia da Informação, da Universidade do Colorado em Boulder.
A Little Miss Geek informa que as meninas compõem apenas 8% dos estudantes que fazem a prova de ciência da computação dos exames de ingresso na universidade. Nos Estados Unidos, segundo o centro do Colorado, 19% são meninas.
Parmar acha que o problema é em parte de imagem. Quando sua equipe pediu a crianças que desenhassem uma pessoa que trabalha com tecnologia, todas fizeram desenhos de homens, em muitos casos nerds e de cabelos desgrenhados.
Ela crê que algumas empresas tratam as consumidoras com condescendência quando lhes oferecem artigos cor-de-rosa e as ofendem quando colocam modelos de biquíni em feiras de tecnologia. "O setor da tecnologia está 30 anos atrasado em relação ao automotivo na interação com as mulheres", diz a empresária.
DESLOCADAS
Quando meninas adolescentes ou pré-adolescentes vão a aulas de computação, muitas vezes são as únicas meninas na sala.
"Mesmo meninas que se saem bem em matemática acabam desistindo. Não querem se sentir deslocadas", diz Marina Larios, presidente da Associação Europeia para Mulheres na Ciência, na Engenharia e na Tecnologia.
A Little Miss Geek promove workshops em escolas e leva mulheres do setor tecnológico para dar palestras aos alunos. Parmar espera conseguir patrocínio de empresas para ampliar o projeto.
Alguns países do Leste Europeu e do Báltico têm resultados melhores que o Ocidente. A Letônia tem a maior taxa europeia de mulheres que trabalham com programação, 33%, e a Romênia tem 30,6%.
Para Larios, é um legado do comunismo, que defendia a igualdade de gêneros e formava mulheres em cursos técnicos e de engenharia. Hoje, "o número de mulheres nesse setor está diminuindo, e os países estão encarando os mesmos desafios que nós".
O problema é mais grave nos países em desenvolvimento, disse Nigel Chapman, executivo-chefe do grupo Plan International. "Sem habilidades de computação, as meninas desses países não têm acesso a uma das armas no combate à pobreza".

Prodígios mostram invenções nas áreas de saúde e ciência

folha de são paulo

FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A LONG BEACH, CALIFÓRNIA

Nem Bono, nem Sergey Brin. Os convidados mais comentados do TED deste ano foram adolescentes com suas engenhosas criações, desbancando ilustres como o líder do U2, falando mais uma vez de pobreza, e o cofundador do Google, falando mais uma vez do Google Glass.
O TED reuniu no começo do mês 80 especialistas em tecnologia, educação e design para palestras curtas. A maior parte do público, de 1.400 pessoas, pagou R$ 14 mil para participar.
Fazendo jus ao tema do ano, "O Jovem, o Sábio, o Desconhecido", muitos dos palestrantes eram adolescentes, com destaque para um americano que criou um reator nuclear, um conterrâneo que inventou um teste de câncer e um africano dono de uma cerca contra leões.
Editoria de Arte/Folhapress
"Vocês devem estar esperando que eu fale sobre fusão, porque é o que eu pesquisei a vida inteira", disse Taylor Wilson, 18, arrancando risadas da plateia por causa de sua precocidade. Aos 14, ele foi considerado o mais jovem a criar fusão nuclear com um reator que começou a projetar na garagem de casa. "Mas percebi que o maior problema que enfrentamos é energia, eletricidade. Decidi que resolveria isso."
Wilson adiou a ida à universidade para trabalhar em seu novo projeto, revelado durante o TED e que pretende comercializar em cinco anos. São pequenos reatores nucleares para fábricas ou casas, que funcionam com lixo nuclear e sem necessidade de reabastecer por 30 anos.
Jack Andraka, hoje com 16 anos, também arrancou muitos "ohhh" com uma palestra emocional. Ele iniciou falando da dor que sentiu quando um tio morreu de câncer pancreático. "Tinha 15 anos e nem sabia o que era câncer", disse.
Na internet ele descobriu que, em 85% dos casos, o paciente é diagnosticado com este tipo de câncer num estágio já avançado, quando tem pouca chance de sobreviver.
Após pesquisar centenas de proteínas, procurar ajuda de 200 laboratórios -só um ajudou- e ter um "insight" na aula de biologia do colégio, ele chegou a um teste que custa só US$ 0,03, fica pronto em cinco minutos e detecta a doença na fase inicial.
Já Richard Turere, 13, não precisou da internet para ajudar na fazenda de seus pais, perto do Parque Nacional de Nairobi, no Quênia. Responsável por cuidar do gado, ele bolou uma cerca de luzes para manter os leões afastados, ao perceber que os predadores se assustavam com as lanternas. O sistema é feito com um painel solar e luzes LED que piscam aleatoriamente, imitando lanternas.
"Costumava abrir o rádio da minha mãe, a televisão de casa, quebrei muita coisa aprendendo sobre eletrônicos", ele contou à Folha. "Hoje, meus amigos trazem coisas para eu consertar."

Ilustrador com doença rara usa tecnologia especial para desenhar com os olhos

folha de são paulo

ALEXANDRE ORRICO
DE SÃO PAULO
O ilustrador e desenhista Francis Tsai não segura um lápis há quase dois anos, consequência de uma doença rara que lhe tirou todos os movimentos do corpo. Mas isso não o impede de ainda trabalhar com arte.
O americano, que sempre riscou naves, robôs e cenários futuristas, hoje depende de uma máquina para desenhar, mas agora usa os olhos. Tsai sofre da doença de Lou Gehrig, a mesma que paralisou Stephen Hawking.

Francis Tsai

 Ver em tamanho maior »
Divulgação
AnteriorPróxima
Francis Tsai, 35, ilustrador e desenhista americano que, após doença degenerativa, usa os olhos para criar
Se você é fã de games, já deve ter visto os conceitos de Tsai em jogos de empresas como Electronic Arts e Rockstar. Se a sua praia são HQs, certamente já viu algum Homem-Aranha ou Homem-de-Ferro com os traços dele.
"Minhas mãos e braços foram as primeiras partes do corpo atingidas pela doença. Mas então descobri que eu poderia usar um iPhone com os dedos dos pés. Fiz um punhado de pinturas com o app Brushes", disse Tsai à Folha.
Editoria de Arte/Folhapress
"Mas meus pés também perderam os movimentos. Como eu já utilizava os olhos para digitar [com o auxílio da tecnologia Tobbi eye gaze; veja mais na pág. F3], pensei: por que não tentar desenhar assim também?"
Tsai não só tentou, como há quatro meses já produz diversos desenhos apenas com o movimento dos olhos.
O artista utiliza programas de imagem simples, como o Gimp e o Sketchup.
Acostumado a desenhar cenários complexos e super-heróis cheios de detalhes, Tsai foi obrigado a redescobrir a própria arte. "As ferramentas são diferentes, então, o estilo também muda."
Os desenhos perderam a tridimensionalidade --é muito difícil criar efeitos de sombra e profundidade com os olhos--, mas mostram a destreza de um profissional.
"Já tenho a habilidade de fazer curvas e ultimamente tenho experimentado o Photoshop para tentar voltar a desenhar com noções de profundidade. É difícil, os olhos se cansam muito. mas as possibilidades são várias."
"ADAPTE-SE"
Tsai mantém um blog e um perfil no Facebook, em que interage com a mesma tecnologia que o permite desenhar.
Ele posta novas imagens -que quase sempre têm as palavras Adapte-se, Sobreviva e Prevaleça- e mostra em vídeos como cria com os olhos.
O artista disse que já foi procurado por empresas de games para novos projetos, mas que tudo ainda é sigilo.
Alguns de seus desenhos estão disponíveis para compra em seu site.

Olhos substituem mouse e teclado no PC
Versão do sistema já está disponível para desenvolvedores por US$ 995; versão para o usuário final chega em 2014
Além de aplicações na área da saúde, indústria dos games pode usar a tecnologia para novas formas de controle
DE SÃO PAULOParece clichê de filme de ficção científica, mas, em menos de um ano, hardware e software que possibilitam o controle de computadores apenas com o movimento dos olhos estarão disponíveis para qualquer um que tiver vontade - e dinheiro.
O sistema utilizado por Francis Tsai, ilustrador que usa os olhos para desenhar no PC, chama-se Tobii PCEye e consiste em um sensor especial, que pode ser conectado à uma entrada USB comum, e um software que faz a leitura dos dados.
O PCEye foi construído especialmente para pessoas com doenças degenerativas (como Tsai, que tem o corpo completamente paralisado), com lesões na coluna que limitam os movimentos ou que possuem problemas neurológicos e motores.
"É cansativo, meus olhos ficam muito pesados depois de algumas horas de uso. Mas, na minha situação, não há forma melhor de comunicação", descreveu Tsai à Folha, utilizando o sistema para digitar as respostas.
Uma versão voltada ao consumidor comum será lançada pela mesma empresa no ano que vem, chamada de Tobii Rex.
No site da Tobii, companhia especializada em rastreamento de movimentos oculares, já está à venda uma versão do mecanismo especial para desenvolvedores, que custa US$ 995.
O funcionamento do sistema é relativamente simples: o sensor "escaneia" os olhos dos usuários com um brilho infravermelho -ou uma câmera especial filma os olhos.
A imagem das córneas é interpretada pelo sistema, que faz um modelo 3D dos olhos e acompanha, em tempo real, a posição deles e para onde as pupilas estão apontando na tela.
O esquema é similar a sensores de movimentos que equipam consoles videogames, como o Kinect, do Xbox 360, ou o Move, para PS3.
'VISÃO LASER'
Além das aplicações na área de saúde, a indústria dos games é outro setor que pode se beneficiar da tecnologia de rastreamento de olhos para desenvolver novas maneiras de controle e interação.
A própria Tobii tem o jogo EyeAsteroids, no qual o objetivo é destruir asteroides e meteoros apenas com o olhar, como se o jogador tivesse uma "visão laser".
Quem testou disse que o game é algo próximo de um jogo controlado pela mente.
A Tobii também desenvolveu demonstrações de como o sensor poderia ser utilizado para complementar o controle físico de games.
Na CES 2013, uma das maiores feiras de tecnologia do mundo, a companhia sueca demonstrou o Tobii REX em uso com o jogo de estratégia militar "Starcraft 2"e com o game de montagem de blocos "Minecraft".
Segundo informações da companhia, grandes empresas, como a Blizzard (responsável por "Starcraft" e "Diablo"), já fazem uso do sistema em testes internos.

FRASE
"É cansativo, meus olhos ficam muito pesados depois de algumas horas de uso. Mas, na minha situação, não há forma melhor de comunicação e de continuar a desenhar"
FRANCIS TSAI
ilustrador e desenhista paralisado por uma doença rara

André Conti

folha de são paulo

Brinquedo quebrado
Conhecido por dar enorme liberdade, "SimCity" agora limita o jogador a cumprir a função de cada lugar
Passei quatro dias tentando jogar esse "SimCity" novo até conseguir criar minha primeira cidade. Já tinha esperado uns dois dias para comprar, porque os relatos na internet davam conta de lentidão nos servidores, filas e bugs. Assim que instalei a primeira avenida, os servidores caíram e o jogo me mandou de volta para o tutorial.
Há algo de injusto em criticar um jogo por problemas de lançamento. Desconheço um RPG on-line que não tenha tido as mesmas filas e quebras de servidor no início. Depois do pico de acessos, a demanda se estabiliza e os servidores passam a acomodá-la normalmente.
Não vejo problema nisso. Numa época em que passamos meses lendo notícias sobre um jogo antes do lançamento, não custa esperar mais dois ou três dias para jogá-lo.
Mas tais jogos dependem do componente on-line, foram criados em torno dele. Alguém que compra o "Call of Duty" da vez pode encontrar filas para jogar nos primeiros dias, mas tem a campanha de um jogador disponível desde o início.
Confesso que, depois de enfim passar algum tempo jogando "SimCity", não vi razão alguma para o componente on-line obrigatório imposto pela EA e pela Maxis, produtoras do jogo.
Anunciada com alarde, a quinta sequência da clássica série de Will Wright seria uma espécie de simulador de comunidades. As metrópoles dos jogadores se ligariam umas às outras, fazendo negócios e fornecendo serviços.
Na prática, isso se traduz no conceito de regiões. No início do jogo, você escolhe uma dessas regiões, que podem abrigar de duas a 16 cidades. É possível escolher entre uma região, parcialmente ocupada por outros jogadores, ou uma particular, em que você controla tudo.
Para quem quase nunca joga on-line, meu caso, a obrigatoriedade de estar conectado persiste, de modo que um jogo perfeito para aviões, viagens de ônibus e dias chuvosos não pode ser jogado em aviões, ônibus e dias chuvosos -contando que a sua internet cai ao menor sinal de garoa, como a minha.
A justificativa das produtoras é que parte do processamento ocorre nos próprios servidores. Ou seja, o jogo roda lá e cá -o que, aliado ao volume de jogadores, estaria causando os problemas.
Uma fonte do site "Rock, Paper, Shotgun", no entanto, diz que o jogo é todo rodado no PC, e que os servidores cuidam apenas do armazenamento de cidades e de transações entre jogadores. A prova seria uma modificação, que foi criada por um usuário para permitir jogar off-line.
Talvez nada disso fosse empecilho sério se "SimCity" não fosse um jogo tão chato. As regiões provavelmente precisaram ser limitadas para dar conta da interação. É a única razão que consigo imaginar vendo o tamanho ínfimo que tenho para desenvolver cada cidade. O que era metrópole se tornou vilarejo.
Cada região tem também um número de recursos. Algumas são ricas em carvão, outras rendem boas zonas residenciais. Um jogo conhecido por permitir um grau enorme de liberdade agora limita o jogador a cumprir a função de cada lugar. A cidade já escolhe o que quer ser.
Claro que tudo pode ser consertado em atualizações e pacotes de expansão. Por enquanto, parece um brinquedo quebrado.

Seguir a lei é econômico - Renato Janine Ribeiro


Valor Econômico
Imagine, caro leitor, um idiota. Bebe três vodcas, sábado à noite. Raiando o dia, sai guiando pela avenida Paulista. Cones já demarcam a pista para a ciclofaixa, a ser ativada em uma hora. Faz ziguezague entre os cones. Não vê um ciclista na faixa e o atropela. Assustado, foge. Percebe que o braço decepado da vítima está no carro. Depois do que fez - beber, atropelar, fugir - o que é jogar o braço cortado no esgoto? Só uma etapa a mais na violência infligida ao ciclista. Mas isso impede um possível reimplante. Uma sucessão de pequenas infrações gera uma tragédia para a família do ciclista, pobre. Advogados do réu dirão que ele está traumatizado, que vai ajudar a vítima, que, enfim... Muitas palavras.
Imagine, leitor, um idiota. Antes de dar um show, compra um sinalizador, para a galera vibrar. Pede um de R$ 2. O vendedor pergunta onde vai usá-lo; "em lugar fechado, este não serve. Tenho um adequado, por R$ 70". O comprador acha caro: "Sei usar, não vai acontecer nada". Por R$ 68 de economia - mais um forro impróprio e a falta de saídas adequadas - morrerão esta noite 241 jovens. R$ 1 para cada três pessoas. R$ 0,30 por vida. Choca o contraste entre a morte às centenas e a banalidade - e até o baixo custo - das causas para tais mortes.
E cada morte se multiplica. Muitos dos 241 teriam filhos. Estes nunca nascerão. Há uma geração que nunca verá a luz do sol. E, porque morreram 241, centenas de seus próximos levarão o resto da existência sob um céu de chumbo, a alma pesada, sobreviventes - porque perderam um ser amado, e com ele os sonhos, o sonho de que fizessem faculdade, de que fossem felizes no amor, salvassem vidas como médicos, reduzissem a ignorância como professores, tivessem filhos, plantassem árvores, talvez escrevessem livros... O direito de sonhar é o direito de ter um futuro: difícil avançar na vida, quando já não se tem esperança. Tudo isso ceifado, por uma irresponsável economia.
Contravenções até pequenas podem ter efeitos letais
Como pode um valor tão pequeno carregar tanta capacidade letal? Se pensarmos em termos econômicos, altos investimentos, públicos e privados, na formação dos 241 foram destruídos pela irresponsabilidade de quem economizou no preço do sinalizador e de quem errou, por leviandade, na forração do teto da boate. O problema é que no Brasil essas histórias se repetem em fila. Sai de cena a boate, entra o atropelador. O roteiro é igual: uma infração à lei que parece ingênua, cometida por uma pessoa apenas leviana, irresponsável - mas que causa danos piores que um crime premeditado, doloso, que cometesse uma pessoa fria e impiedosa.
Na Justiça, ouviremos que os levianos eram pessoas de bem; ouviremos de sua fé e caridade, isso ajuda; em suma: o que aconteceu naquela fração de segundo é inexplicável, foi uma fatalidade, doutor, ele está sofrendo direto por isso.
E o argumento da defesa prevalecerá, à medida que passe o tempo e se faça o luto dos mortos, ou se esqueça a miséria a que foi condenado o rapaz que fazia rapel para limpar os vidros do Hospital das Clínicas. Visitas a ele, se prometidas, terão sido esquecidas. Ajudá-lo financeiramente será determinado pela Justiça, até para atenuar a pena prisional do réu, mas com o cuidado de não empobrecer este último nem enriquecer a pessoa que ele amputou. As posições sociais devem ser preservadas. Perder o braço não deve ser meio de ascensão social - ouviremos isso, sim. E uma "fatalidade" não deve arruinar a vida de um jovem estudante de... Psicologia; terrível a ironia do contraste entre a profissão e a atitude.
Mas esses episódios deveriam ensinar uma coisa: o sentido ético do respeito à lei. Se o motorista de sábado não bebesse demais, não jogasse no lixo parte de um ser humano, o faxineiro poderia reaver o braço. Sem a série de descuidos que houve na boate Kiss, duzentos e tantos jovens sairiam vivos da boate; teriam à frente, somados, 12 mil anos a viver. Pensei em distinguir o dano econômico, que é mensurável, e o dano humano, que não o é. Mas não é preciso. Porque, para cada dinheiro que pais e sociedade investiram nos mortos, houve também amor que estes receberam e deram. Contas econômicas e amorosas dirão a mesma coisa: uma destruição que raia o absurdo.
Está na hora de entendermos que o respeito à lei reduz custos econômicos, reduz sofrimento humano. Se isso não acontecer, o Brasil será o país, não do carnaval, mas do horror. Sabemos que há crimes por crueldade. Estamos avançando no conhecimento do crime de corrupção, que causa danos enormes. Mas ainda não assumimos que seguir as posturas de trânsito é tão importante como foi, na medicina do século XIX, os médicos começarem a lavar as mãos com água e sabão, a medida que talvez mais vidas salvou na história de sua profissão. Nosso arcabouço mental entende a criminalidade decorrente da maldade, da conspiração - atos que, pensamos nós, nunca cometeremos. Só que há atos mínimos que podem gerar efeitos devastadores. Os tribunais terão dificuldade em julgar esses casos. A defesa alegará que os réus devem ser punidos pelo ato, não pelas consequências: multe-se o motorista só por invadir na ciclofaixa. Mas foi isso o que o levou a mutilar a vítima! Precisamos despertar para a letalidade que a mera contravenção pode ter. Não adianta culpar o destino, a fatalidade, quando atos elementares de prudência fazem despencar a morte, reduzem enormemente os acidentes. Mas, para fazer isso, é preciso entender que a lei pode ser o que protege a vida, que aí está sua beleza, e que sem isso a vida se esvai às centenas. É preciso punir, sim, e é preciso educar.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
E-mail: rjanine@usp.br


© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/politica/3048608/seguir-lei-e-economico#ixzz2NthRprGS

Atividade microbiana é achada no lugar mais fundo do mar

folha de são paulo

Local fica no oceano Pacífico e possui 11 km de profundidade
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASNíveis considerados elevados de atividade microbiana foram descobertos na fossa das Marianas, localizada no oceano Pacífico e considerado o lugar mais profundo da crosta terrestre. Os achados foram publicados hoje no periódico "Nature Geoscience".
A fossa das Marianas, um rasgo de 2.550 km de comprimento, chega a alcançar 11 km de profundidade no abismo de Challenger.
Devido a sua extrema profundidade, a fossa está envolta em uma escuridão perpétua e possui temperaturas glaciais.
Muitos cientistas consideram que quanto mais profundo é o oceano, menos alimento disponível existe, pois este tem que fazer o caminho da superfície, rica em oxigênio, até as profundezas.
No entanto, a equipe dirigida por Ronnie Glud, da Universidade do Sul da Dinamarca, se surpreendeu ao descobrir que a fossa das Marianas é rica em matéria orgânica.
Os cientistas observaram que o nível de demanda biológica por oxigênio era duas vezes maior do que em um lugar próximo mais "raso", situado a 6.000 metros de profundidade.
Eles também encontraram o dobro da quantidade de bactérias e outros micróbios no fundo da fossa das Marianas do que a 6.000 metros de profundidade.
Foi usado um robô submarino concebido exatamente para o estudo, dotado de sensores desenvolvidos para analisar o consumo de oxigênio no fundo do mar. Foram realizados também vídeos do fundo da fossa.
"Encontramos um mundo dominado por micróbios adaptados para funcionarem de forma eficaz em condições extremamente inóspitas para organismos mais desenvolvidos", disse Ronnie Glud.
"Nossa conclusão é que o importante depósito de matéria orgânica no abismo de Challenger mantém a atividade microbiana em ascensão, apesar das pressões extremas que caracterizam este entorno", afirmaram os pesquisadores.

    A biblioteca de Mindlin - Marcos Augusto Gonçalves

    folha de são paulo

    A biblioteca de Mindlin
    A sede da Brasiliana, na USP, é uma feliz confluência da cultura com a arquitetura e o design brasileiros
    O Brasil quando dá certo é igual à bossa nova: foda. Foi o que pensei e senti na manhã ensolarada da sexta-feira passada, quando visitei o edifício que vai abrigar a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, no campus da USP.
    São 21.950 metros quadrados de boa arquitetura e design. O projeto de Rodrigo Mindlin Loeb e Eduardo de Almeida conversa com nosso modernismo, e o mobiliário não poderia ser mais bacana: uma seleção de designers contemporâneos, como Carlos Motta, e de nomes eternos, como Sergio Rodrigues e Zalszupin.
    Mais do que um edifício, é um complexo, que também vai hospedar o Instituto de Estudos Brasileiros e terá livraria, auditório, salas de leitura e espaços para exposições. A combinação da lendária biblioteca de José Mindlin e do acervo do IEB, com a documentação rica e numerosa deixada por Mário de Andrade, fará do lugar um centro de excelência para leituras e pesquisas sobre cultura brasileira.
    O projeto começou quando o bibliófilo decidiu reunir num espaço público as obras que guardou ao longo da vida. Pensou-se inicialmente numa fundação, mas a doação para a USP se revelou mais viável, já que teria uma contrapartida. A universidade bancou metade dos custos do empreendimento, de R$ 120 milhões.
    Doações de empresas privadas e órgãos governamentais, como o BNDES, garantiram o restante.
    Ninguém desconhece o valor da biblioteca de Mindlin, que reúne 17 mil títulos em 40 mil volumes. Mais da metade é de livros raros ou especiais, como primeiras edições de Machado de Assis com dedicatórias do escritor -uma delas a seu amigo Joaquim Nabuco. Ou os volumes deixados a Mindlin por outro grande bibliófilo, Rubens Borba de Morais, amigo dos modernistas de São Paulo, de quem ganhou primeiras edições autografadas -pude ver, por exemplo, o "Macunaíma" a ele dedicado por Mário de Andrade, em agosto de 1928.
    Pedro Puntoni, diretor da biblioteca, que será inaugurada no sábado, diz que os livros foram dispostos como estavam nos imóveis em que eram guardados pelo dono. Se Mindlin deixava um volume com a capa voltada para a frente da estante, assim ele está na biblioteca.
    Num passeio com Rodrigo Mindlin Loeb pelos belos ambientes de seu projeto, ele conta que a primeira conversa que teve com o avô sobre construir uma biblioteca foi em dezembro de 1999. Mindlin morreu em 2011 e não pode ver o prédio pronto. "Mas viu a obra sendo feita", diz Rodrigo. "E ficou superemocionado."
    PEDALA, HADDAD
    Sempre que algum acidente com ciclistas ganha destaque, logo se ouve a voz movida a gasolina dos que consideram o uso da bicicleta em São Paulo "inviável". Estranho é que diante dos índices alarmantes de acidentes com carros e motocicletas não se aplique a mesma sentença.
    Embora tenha seus aclives e declives, São Paulo tem grandes extensões planas, que podem perfeitamente ser usadas por ciclistas.
    O problema é que a valorização do transporte público é lenta, os automóveis reinam, os motoqueiros fazem manobras circenses e o ciclista é visto ou como um Zé Mané, pobre e ignorante, ou como um idiota que acha que isso aqui é a Europa.
    Esperemos que a nova administração, que tanto prometeu nessa e em outras áreas, comece a pedalar.

      Igreja é tecido que se rasga e sempre se recompõe

      folha de são paulo

      O NOVO PAPA
      ANÁLISE VATICANO
      Igreja é tecido que se rasga e sempre se recompõe
      A renúncia de Bento 16 representa o fim de uma instituição monárquica, como constituída desde a era medieval
      Bento 16 fez o que todo chefe de Estado ou de empresa lúcido deveria fazer. O ato dele vai bem além da renúncia
      MARIE-FRANÇOISE BASLEZESPECIAL PARA A FOLHAIgreja, o que é isso? Ou seria possível perguntar: "o que é a igreja?" Uma doutrina, fundada sobre o Evangelho? No entanto, existem muitas igrejas. Uma estrutura edificada através dos séculos?
      A da igreja santa, católica e apostólica de nosso credo? Uma noção mística, o corpo de Cristo que a encabeça e na qual todos por sua vez creem, do papa ao mais simples fiel?
      A renúncia de Bento 16 propôs, em primeiro lugar, a questão da unidade orgânica da igreja e incita a refletir sobre o lugar que cada um de seus membros deve ocupar.
      A decisão é um gesto profético, porque não tem precedentes, mesmo que demos a ela uma interpretação primordialmente laica, um tanto convencional: ela faz ecoar a contradição patente entre o alongamento da expectativa de vida e o peso cada vez maior da carga pontifical.
      Com isso, o lento envelhecimento do papa, que fazia parte da história do papado, já não é mais viável. Bento 16, assim, fez o que todo chefe de Estado ou de empresa lúcido deveria fazer.
      Mas o ato que ele empreendeu vai bem além disso. É o fim de uma igreja monárquica, tal como constituída desde a era medieval.
      É fato que o primeiro pontífice romano tomou por base as palavras de Cristo: "Tu és Pedro, e sobre essa pedra construirei minha igreja".Mas o sucessor era não mais que o bispo de Roma.
      A primazia romana foi constituída como um corpo que cresce, por meio da criação de redes de comunidades cristãs dispersas, mais e mais distantes, mas sempre em contato com a de Roma.
      Ela foi construída no pluralismo e com a consciência de diferenças superadas, tal como exprime a associação simbólica de Pedro e Paulo, duas figuras quase opostas, como cofundadoras.
      Bento 16 poderia, portanto, ter se tornado um "bispo emérito" (de Roma) entre seus pares, e, ao que parece, era esse título que almejava.
      O título que, por fim, reteve, o de papa emérito, traz à mente que a igreja se percebe, acima de tudo, como um corpo místico: um papa não se aposenta.
      Investido de um carisma especial quando eleito, por intercessão do Espírito Santo, ele o preserva mesmo que abandone as funções.
      Tudo isso criará jurisprudência, mas revela uma outra natureza da igreja: a carismática.
      Mudará o relacionamento entre os fiéis e a instituição e, certamente, aproximará a Igreja Católica de outras igrejas protestantes e ortodoxas.
      A Igreja Católica jamais foi uma monarquia como outras, nem uma estrutura monolítica de resistência a todo movimento, apesar do peso do aparelho eclesiástico, mais conhecido como Cúria Romana, que parece ter sido uma outra causa de renúncia para Bento 16. A igreja se desenvolveu como um tecido orgânico que se distende, ocasionalmente, se rasga, mas sempre se recompõe.
      Essa recomposição acontece, desde são Paulo, por meio da articulação em rede de comunidades minoritárias, dispersas e diferentes.
      Essa é uma constante na história da igreja, e a explosão das redes sociais em nossa era confere uma nova chance a isso -uma dimensão inédita e ainda mal controlada, mas que representa o verdadeiro potencial da igreja do século 21.
      Fazer emergir afinidades, exigências e solidariedades novas, estimular as minorias criativas, para que superem as diferenças culturais e históricas intercontinentais, as discriminações entre homens e mulheres, religiosos e laicos -é esse o futuro da igreja, mas para isso é preciso que ela reinvente seu modo de funcionar.

        Papa fala sobre misericórdia em bênção
        Em seu primeiro Ângelus, Francisco quebra protocolos e diz a uma multidão que sentimento pode mudar o mundo
        Pontífice fez piadas e, depois de celebração, cumprimentou fiéis, conversou com crianças e ganhou beijos no rosto
        BERNARDO MELLO FRANCOFELIPE SELIGMANENVIADOS ESPECIAIS A ROMA
        Em seu primeiro Ângelus (bênção dominical), o papa Francisco disse ontem que os católicos não devem se cansar de pedir perdão e que o sentimento de misericórdia pode mudar o mundo.
        Ele falou de sua janela para cerca de 150 mil pessoas, de acordo com a Santa Sé. A praça de São Pedro ficou lotada, e milhares tiveram de assistir à bênção em telões em uma avenida do Vaticano.
        "Misericórdia... esta palavra muda tudo. É o melhor que nós podemos sentir. Muda o mundo. Um pouco de misericórdia faz o mundo menos frio e mais justo", disse.
        O papa comparou Deus a um pai misericordioso, que sempre tem paciência com seus filhos. "O Senhor não se cansa de perdoar. Somos nós que muitas vezes nos cansamos de pedir perdão."
        Mais cedo, em missa no Vaticano, ele criticou a hipocrisia ao citar passagem bíblica em que Jesus salva uma adúltera do apedrejamento.
        "Nós também somos um povo que, por um lado, quer sentir Jesus, mas, às vezes, gosta de bater nos outros, condenar os outros. E a mensagem de Jesus é essa: a misericórdia", afirmou.
        Depois da missa, o papa voltou a quebrar o protocolo ao se postar diante da igreja para cumprimentar os fiéis, como um padre de paróquia. Ele se abaixou para conversar com crianças e ganhou alguns beijos no rosto.
        No Ângelus, o argentino Jorge Mario Bergoglio voltou a se diferenciar do antecessor Bento 16 pelo tom informal e teve sua fala interrompida algumas vezes por aplausos.
        Ele começou o discurso com "bom dia", saudou a multidão como "irmãos e irmãs" e fez piada ao citar um livro de teologia do cardeal liberal alemão Walter Kasper.
        "Este livro me fez tão bem... mas não pensem que estou fazendo publicidade para os meus cardeais!", disse.
        Francisco também fez um agrado aos italianos ao lembrar que escolheu o nome inédito na história da igreja inspirado em são Francisco de Assis, padroeiro da Itália.
        "Isso reforça a minha ligação espiritual com esta terra, onde estão as origens da minha família", afirmou.
        Por volta de 12h15 locais (8h15 em Brasília), o papa arrancou as últimas risadas ao se despedir do povo: "Bom domingo e... bom almoço!"
        A missa de "posse" do papa ocorrerá amanhã, com a presença de chefes de Estado, entre eles Dilma Rousseff, que chegou ontem. Ela visitou a basílicas de santa Maria Maggiore (século 5º) e são Paulo Fora dos Muros (século 4º). Depois, jantou em um restaurante.

        Ex-subordinado diz que Francisco mudará igreja
        Padre coordena paróquia a qual Jorge Bergoglio visitava regularmente
        "Ele é progressista sobretudo em questões relacionadas à imagem da igreja, aos gestos, à atitude", diz De Vedia
        SILVANA ARANTESENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRESJorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, é "conservador e progressista", segundo afirma o religioso argentino Lorenzo De Vedia, conhecido como padre Toto.
        No sacerdócio desde 1991, De Vedia, 46, conviveu com o cardeal Bergoglio na condição de seu subordinado.
        O padre coordena a paróquia da Villa 21, favela no sul de Buenos Aires que abriga aproximadamente 45 mil habitantes e onde Bergoglio fazia visitas regulares para acompanhamento dos fiéis e das obras sociais ali desenvolvidas.
        "Ele é progressista sobretudo em questões relacionadas à imagem da igreja, aos gestos, à atitude", declarou De Vedia à Folha e a um diário italiano em seu escritório, contíguo à Capela da Virgem dos Milagres de Caacupé, uma das oito com que conta a favela.
        Se é progressista quanto à imagem, Bergoglio é "clássico, mais até do que conservador", afirma o padre argentino, em temas cujo debate mobiliza a opinião pública em boa parte do planeta, como aborto, união homossexual e igualdade de gênero.
        Embora defina Bergoglio como "clássico" em muitos temas, De Vedia diz também considerá-lo como "alguém muito aberto, que, por exemplo, repreendeu padres que negavam o batismo a filhos de divorciados".
        Na opinião de De Vedia, o papa Francisco imprimirá mudanças e avanços no Vaticano, mas ele julga "ingênuo esperar algo mágico" de seu papado, já que a igreja obedece "aos tempos históricos, em que as mudanças são muito mais lentas do que se pode querer".
        Além de estar atrelada ao ritmo do tempo histórico, a Igreja Católica também não se desassocia das conjunturas políticas, assinala.
        "CONFUSÃO"
        O religioso conta ter tido o apoio de Bergoglio para uma iniciativa na fronteira entre a política e religião.
        "Certa vez, eu tive a ideia de instalar uma barraca missionária na praça Constitución (uma das principais da cidade de Buenos Aires)", diz o padre.
        Acampamentos com barracas são recurso comum aos grupos de protesto na cidade, sendo alguns deles permanentes.
        De Vedia diz que obteve o sinal verde de Bergoglio com a frase: "Vá em frente. É preciso criar confusão".
        A interpretação que o padre oferece para a expressão "criar confusão" dita por Bergoglio é a de que "a igreja não tem que controlar as pessoas, tem de acompanhá-las".
        Para De Vedia, a eleição do argentino como papa "corrobora a convicção e dá força internamente" aos que, como ele, têm em seu estilo pastoral "inclinação para viver em ambientes populares".
        Quanto à "opção pelos pobres" enfatizada pelo papa, De Vedia acha que não deveria "ficar reduzida a alguns setores, mas sim se estender por toda a igreja".

          Desafetos, papa e Cristina se reúnem hoje
          SYLVIA COLOMBODE BUENOS AIRESA presidente argentina, Cristina Kirchner, será a primeira chefe de Estado a ter uma reunião com o papa Francisco, hoje, ao meio-dia (8h no Brasil), em Roma.
          O encontro é cercado de grande expectativa por parte do mundo político argentino porque o líder religioso mantém uma história de enfrentamentos e desencontros com o kirchnerismo.
          O então cardeal Jorge Bergoglio foi um dos principais críticos das políticas econômicas de seu antecessor e marido, Néstor (1950-2010), a quem acusava por ser conivente com a desigualdade social no país.
          Já com Cristina suas principais disputas ocorreram em razão da aprovação de algumas leis, como a do matrimônio gay, e pela grande influência que Bergoglio tinha sobre a oposição.
          O então arcebispo de Buenos Aires fez críticas abertas a Cristina. O mais recente atrito entre os dois ocorreu por causa de uma tragédia de trem no ano passado, em que morreram 51 pessoas, e o governo foi acusado de omissão. Bergoglio declarou que era função do Estado esclarecer responsabilidades.
          Em Buenos Aires, ontem, fiéis e turistas lotaram a Catedral Metropolitana, na Praça de Maio, onde o núncio apostólico, monsenhor Emil Paul Tscherrig, celebrou uma missa de ação de graças em homenagem ao novo papa.
          A principal praça da capital será palco de uma grande festa amanhã. Um telão está sendo montado para a transmissão, ao vivo, da cerimônia de entronização do ex-cardeal da cidade. O dia será também feriado escolar. A partir de hoje, às 22h30, acontece uma vigília no local, que foi reservado para católicos.

            O NOVO PAPA
            Com papa latino, igreja se aproxima de fiéis nos EUA
            Atualmente, 1 em cada 3 católicos no país tem origem hispânica; religião é seguida por 24% dos americanos
            Catolicismo nos Estados Unidos está prestes a se tornar religião de língua espanhola, diz padre americano
            LUCIANA COELHODE WASHINGTONOs EUA podem ter visto seu papável favorito (Sean O'Malley, de Boston) ser superado no conclave, mas a ascensão de um argentino fala alto a um grupo cada dia maior entre os 75 milhões de católicos do país: os latinos.
            E não só por causa de sua língua materna, o espanhol. Francisco é, na descrição de teólogos americanos, um papa para tempos de crise, que entende a pobreza e cria empatia com os mais carentes.
            "Essa escolha fará uma tremenda diferença. Estamos prestes a virarmos, nos EUA, uma igreja cuja principal língua é o espanhol", resumiu à Folha o padre Raymond Kemp, professor de teologia e pesquisador do Centro Woodstock na Universidade de Georgetown.
            "A coisa mais bacana deste papa, porém, é sua total identificação com os pobres", diz Kemp, para quem as declarações de Francisco sobre pobreza vão reverberar na Cúria e no rebanho em um momento de crise global. "Acho que as pessoas vão recebê-lo bem aonde quer que ele for nas Américas."
            Hoje, 1 em cada 3 católicos dos EUA tem origem latina (entre a população geral, os latinos são apenas 15%).
            Mais do que isso, são os latinos que renovam as fileiras da Igreja Católica nos EUA, alimentadas nos dois séculos anteriores pela imigração irlandesa e italiana. Levantamento do Centro Pew (o Censo não afere religião) aponta que eles já são 47% dos católicos de até 40 anos no país.
            "Isso ainda é um retrato pontual, mas se as coisas seguirem como estão hoje, logo se consolidará como tendência", disse à Folha Jessica Martinez, pesquisadora do braço do Pew para religião.
            Nesse sentido, Kemp afirma que "a mensagem que os cardeais mandam, com a eleição de Francisco, é para que prestem atenção à linguagem, à cultura, às pessoas".
            Embora os católicos não sejam maioria nos EUA (são 24%), o país congrega 7% dos fieis da religião no planeta, o quarto maior contingente. Além disso, a Igreja dos EUA destaca-se como uma das maiores financiadoras do Vaticano.
            Não à toa a mídia local e o próprio presidente Barack Obama apressaram-se em classificar o argentino Francisco como o primeiro "papa das Américas", e não o primeiro latino.
            Mas o momento é de provação para a igreja no país desde que começaram a vir à tona, no início da década passada, casos de abuso sexual de crianças por sacerdotes.
            O número de católicos que se declaram fortemente ligados à religião caiu para apenas 27%, o menor em quatro décadas, ressalta o Pew.
            Por isso, a escolha de Francisco, fora da lista negra de papáveis acusados de encobrirem abusos, segundo associações de vítimas, foi considerada boa notícia nos EUA.
            Os episódios são o principal problema hoje da Igreja Católica para 34% dos fiéis do país.