quarta-feira, 13 de março de 2013

A um passarinho

Para que vieste 
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

Vinicius de Moraes

Pastor Feliciano emprega cinco colegas que não dão expediente


Deputado emprega pastores que só trabalham na igreja
Cinco assessores de Feliciano ganham salário da Câmara sem dar expediente
Funcionários celebram cultos e administram templos no interior paulista -sem fazer trabalho legislativo
LEANDRO COLONENVIADO ESPECIAL A ORLÂNDIA (SP)O deputado Marco Feliciano (PSC-SP) emprega no gabinete cinco pastores de sua igreja evangélica que recebem salários da Câmara sem cumprir expediente em Brasília nem em seu escritório político em Orlândia (cidade natal dele, no interior de São Paulo, a 365 km da capital).
Há dois anos, a cúpula da Catedral do Avivamento, igreja fundada pelo deputado, ocupa cargos de assessoria parlamentar no gabinete de Feliciano, com salários que chegam a R$ 7.000.
Os funcionários são os pastores Rafael Octávio, Joelson Tenório, André Luis de Oliveira, Roseli Octávio e Wellington de Oliveira. Eles dirigem a igreja nas cidades de Franca, Ribeirão Preto, São Joaquim da Barra e Orlândia, todas no interior paulista.
O regimento da Câmara diz que os assessores de confiança devem cumprir uma jornada de 40 horas semanais de trabalho legislativo.
Folha visitou as cidades nos últimos dias e identificou que esses pastores têm a missão de comandar cada templo da igreja do deputado, recém-eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em meio a protestos que o acusam de "racista" e "homofóbico".
Os pastores funcionários da Câmara celebram os cultos e cuidam da administração financeira das unidades. Não há trabalho legislativo por parte deles. O escritório político de Feliciano fica em Orlândia, num imóvel anexo à igreja -onde a reportagem esteve por duas vezes em horário de expediente, mas só encontrou portas trancadas.
O pastor Rafael Octávio, que dirige o templo em Franca, mora com a família a três quarteirões de lá, onde passa suas tardes e noites. Ontem de manhã, um funcionário disse que ele estava na aula de um curso de psicologia.
Em Ribeirão Preto, vivem dois "assessores parlamentares" do deputado: os pastores Joelson Tenório e Wellington de Oliveira. O primeiro é o chefe oficial da igreja local e presidente do PSC na cidade. O segundo dirige um programa de televisão do deputado e se apresenta como "assessor de comunicação".
Oliveira, conhecido como "pastor Wel", afirmou que é normal a nomeação dos pastores, mesmo que fiquem nos templos. "Qualquer pessoa que vai contratar o seu assessor parlamentar contrata gente próxima, amigos. Os pastores são amigos", disse.
Num primeiro momento, ele chegou a dizer que havia escritórios políticos nessas cidades. Depois, recuou: "Não tem escritório montado [em Franca], mas tem uma pessoa que recepciona, que é o pastor Rafael. Em Ribeirão, não tem porque a gente está remodelando o escritório".
Já o pastor André Oliveira dirige a igreja em São Joaquim da Barra. Segundo vizinhos, ele passou a trancá-la depois dos protestos contra a escolha de Feliciano para a comissão da Câmara.
A pastora Roseli Octávio é mulher do vice-presidente da igreja, o pastor Valdeci. O casal dirige a unidade de Orlândia. Ontem, Roseli não estava na igreja nem no escritório político, que estava fechado. Uma filha dela, Marina Octávio, também é funcionária do gabinete da Câmara.

Nina Horta

folha de são paulo

Seu Severo e seu Estevão
Quem cozinhava era o Estevão, mas não soltava segredos. Ria com a mão na boca ou, melhor, sorria
QUANDO COMPRAMOS o sítio, os meeiros eram os antigos donos. De tanto que gostavam de lá, iam ficando à medida que a terra mudava de mãos. Seu Severo e seu Estevão.
Seu Severo era da cidade, se é que se poderia chamar de cidade a Paraty daquele tempo. Não aguentava o movimento e passava a semana na roça, que era o sítio, a dez minutos da cidade. Tinha lá um açougue, que deixava na mão de um dos filhos, e no domingo descia para visitar a mulher. Era um velho muito bonito, forte, olhos azuis como contas de gude, cabeleira farta e branca.
Seu Estevão era amigo dele. Acho que se conheciam desde a infância, e era o empregado e não era. Só se podia desconfiar que sim, pois andava sempre atrás dele. Morro acima, morro abaixo, conservava mais de metro de distância, numa hierarquia quase real.
O que faziam? Tudo. Dia após dia, era o bananal que tinha que ser cuidado como um navio. Acabado de limpar, era hora de começar. Usavam botas por causa das cobras, sempre respeitando a distância canônica de um atrás outro na frente.
Tínhamos horta, nada de se orgulhar muito. Plantavam feijão e mandioca. A casa deles era daquelas típicas, muito branquinhas, janelas azuis e o terreiro varrido à exaustão. E as poucas panelas rebrilhando e florzinhas espalhadas de um jeito que nenhuma paisagista conseguiria imitar. Eram tufos coloridos nascendo da terra seca, ora encostados na casa, ora sozinhos pelo caminho. Nunca cheguei a entender a estética das boninas nem daquelas marias-sem-vergonha.
Quem cozinhava era o Estevão, mas não soltava segredos. Ria com a mão na boca ou, melhor, sorria e miava qualquer coisa quando eu perguntava sobre o peixe seco dependurado no varal. O arroz tinha um bom toque vermelho, e o feijão era o mesmo que levava para nós, macio de tudo e dava um caldo grosso.
Uma vez me botei atrás do Estevão enquanto cuidava das galinhas para descobrir como é que sabia quais ovos deveria pegar. Ele, na frente, ia se abaixando, pegava o ovo, sacudia no ouvido e ou colocava de volta ou pegava. Explicações, zero. Eu tentava ouvir as profundezas do ovo, mas nada. Ele tinha uma língua que soava como latim antigo para mim. Em matéria de ovos, ele declinava. "Os óvi".
Nem dava para acreditar era no dia de fazer farinha. Serviço do qual seu Severo não participava, só o Estevão com a ajuda de alguém. Ele combinava como um cromo no meio daquela tralha de madeira antiga até que surgia, no fim, recoberto de pó branco, cabelos, bigodes e tudo, e a farinha era fina e saborosa.
Seu Estevão morreu primeiro, na Santa Casa, aquela construção antiga junto ao rio, com a imensa árvore de fruta-pão de folhas abertas e espalhadas. À noite, a lua se planta ali em cima, e sei que o Estevão deve gostar de ver a cidade assim, lá no cocoruto do cemitério, com vista ampla do mar. Mar, que eu saiba, do qual ele nunca chegou perto.
O Severo não aguentou a morte do amigo. Foi definhando, mudou-se afinal para a cidade, apequenou-se. Já não achava graça em nada e morreu na cidade mesmo, respeitado por todos, pai de muitos homens e só uma filha, se bem me lembro.

    Óleo para deputado - Jairo Marques

    folha de são paulo

    Quis saber mais sobre a vida do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que agora vai me representar na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, e encontrei nas internets, como diria Cony, uma das dezenas de cenas do cidadão em sua função primeira, a de pastor se dirigindo ao rebanho.
    Nas imagens, o político conta como salvou um rapaz da desgraceira da deficiência que o trancafiava em uma cadeira de rodas: besuntou o desgraçado com um óleo extraído sabe-se lá de onde, entoou aquelas palavras firmes que mais parecem bronca de açougueiro em cachorro pidão e botou a mão em riste, provavelmente, intermediando alguma luz divina ou para tapar a cara e não envergonhar o divino.
    A história termina, evidentemente, com o cidadão, que era mais quebrado que arroz de terceira, curando-se milagrosamente e arrotando para o mundo que falta aos outros indivíduos mal-acabados ter mais fé em ao se lambuzar no óleo.
    O efeito que ações assim provocam na vida das pessoas com deficiência e suas famílias pode ser devastador. Tanto é preciso ter paciência de Jó para aguentar abordagens de estranhos na rua dizendo que, “se você for à igreja xyz, o pastor vai te curar” como se ganha a pecha de incrédulo, de indivíduo de pouca fé no coração.
    Na infância, eu seria capaz de desafiar um pastel de feira para ver quem foi mais exposto a sebos de todas as origens, qualidades e densidades. Eram sempre ilusões vãs para almas angustiadas em busca de uma solução para o irremediável.
    Quando o pastor Marcos Feliciano se compromete a curar um cadeirante lambuzando-o com óleo, passo a questionar se ele vai respeitar sua condição de ser vivente, se vai entender suas demandas sociais e se vai mesmo tentar garantir seus direitos.
    Somo minha indignação à dos gays, que se veem desrespeitados com uma representação que, abertamente, é contrária à evolução de suas conquistas, e à dos negros, que tiveram tratamento, para o dizer o mínimo, esdrúxulo por parte do deputado.
    A representação que Feliciano fará de diversos grupos no Congresso tinha de ser legítima do começo ao fim, tinha de ser incontestável e ungida com vigor por aqueles que dele vão depender em uma das esferas democráticas mais importantes.
    As leis que abrigam as minorias demoraram séculos para serem aceitas, entendidas e abraçadas. Não é possível que um sujeito tão longe dessa história e tão perto de tudo o que significa o retrógrado seja mais forte.
    Creio que o deputado ainda falará mais de perto com sua tão inabalável fé e verá que a ele está faltando um óleo salvador, um óleo que alise sua vaidade de querer atuar em palco onde é enxovalhado, que melhore seu atual aspecto de petulância diante gritos que parecem não ressoar em madeira.
    -
    Fui assistir ao vibrante filme “Colegas”, de Marcelo Galvão, que lotou uma kombi de pessoas com síndrome de Down e mostrou ao planeta que há muita felicidade, beleza e graça na diversidade.
    A obra dá uma rasteira no “coitadismo”, no assistencialismo ridículo e encanta o público mostrando possibilidades infinitas quando se é diferente. Vá e leve as crianças!

    Alexandre Schwartsman

    folha de são paulo

    Crônica de um fracasso anunciado
    A redução de tributos pode reduzir temporariamente a inflação, mas não toca nas raízes do problema
    Há pouco, em dezembro, o Banco Central publicou Relatório de Inflação no qual previa que o IPCA atingiria pouco menos de 5% neste ano, dos quais 1,2% no primeiro trimestre.
    Passados dois meses, porém, esta já acumula quase 1,5%, ou 6,3% nos 12 meses terminados em fevereiro, pouco abaixo do limite de tolerância da meta (6,5%), nível, aliás, que pode ser ultrapassado em breve.
    Tais números, ainda que muito ruins, não traduzem a real extensão do problema. Apenas em fevereiro houve forte redução da tarifa residencial de energia, que "puxou" temporariamente a inflação para baixo.
    É bem verdade que houve também o aumento da gasolina, mas, deixando esses preços de lado, estima-se que a inflação dos demais produtos tenha ficado em quase 1% em fevereiro. Por onde quer que se olhe, a inflação voltou a ser um problema.
    Isso não ocorreu por "choques externos", empresários gananciosos ou pessimismo dos economistas, mas porque raras vezes tivemos oportunidade de testemunhar tamanha coleção de barbeiragens na condução da política monetária como a observada no Brasil nos últimos 18 meses.
    A começar pelo "cavalo de pau" em agosto de 2011, justificado por uma expectativa de uma crise internacional que tivesse um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do observado na crise de 2008/09, impacto que teve a desfaçatez de jamais aparecer.
    Só no começo deste ano o BC conseguiu entender que "o ritmo de recuperação da atividade econômica doméstica -menos intenso do que se antecipava- se deve essencialmente a limitações no campo da oferta", que "não podem ser endereçados por ações de política monetária".
    Ou, em português, que a desaceleração econômica não resultou da crise, mas de gargalos locais, como o baixo crescimento da produtividade, a infraestrutura paupérrima e o esgotamento da mão de obra, nenhum solucionável a golpes da Selic.
    Não bastasse isso, a comunicação do BC variou do caótico ao cômico. Por exemplo, em março do ano passado, anunciou que pararia o processo de corte de juros quando a Selic atingisse 9% ao ano; mesmo assim prosseguiu até que ela caísse a 7,25% anuais.
    Já em outubro de 2012 afirmou solenemente que "a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear", expressão que foi varrida da comunicação do BC na reunião da semana passada depois de cinco prolongados meses (e meras três reuniões do Copom).
    Trocando em miúdos, o BC começou a reduzir os juros de forma atabalhoada, com base num diagnóstico equivocado, e só foi perceber o buraco em que havia se metido no começo deste ano, mas com as mãos ainda atadas por sua promessa (a quem?) de manter as taxas de juros inalteradas por muito tempo. Só podia terminar onde terminou.
    Mas esse não é o fim da história. Está mais do que claro que o governo começou a sentir o incômodo; só não o suficiente para fazer a coisa certa.
    O pânico é aparente na decisão de desonerar a cesta básica. Não que eu tenha qualquer coisa contra tributos mais baixos, mas, se há quem acredite que isso se trata de política anti-inflacionária, é melhor rever seus conceitos.
    É uma medida pontual, que pode ter algum efeito no sentido de reduzir temporariamente os índices de preços (e tentar evitar a ultrapassagem do teto já em março), mas não toca, nem de longe, nas raízes do problema.
    A história registra inúmeras tentativas de conter processos inflacionários atacando diretamente os preços, nenhuma com sucesso. Não é difícil concluir que mais um fiasco se avizinha.
    A inflação só voltará a ser controlada quando (e se) o BC finalmente assumir a responsabilidade pela estabilidade de preços, a ele conferida pelo decreto 3.088/99. Tê-la abandonado é a verdadeira razão desse fracasso anunciado.
    ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper. Escreve às quartas nesta coluna. www.maovisivel.blogspot.com

    Marte pode ter abrigado vida, diz Nasa

    folha de são paulo

    Especialistas da Nasa comentam a nova descoberta de Curiosity

    RAFAEL GARCIA
    EM WASHINGTON

    Uma rocha sedimentar encontrada pelo jipe-robô Curiosity em Marte contém seis elementos químicos necessários à existência de micróbios --enxofre, nitrogênio, hidrogênio, oxigênio, fósforo e carbono-- e sugere que o planeta já foi habitável.
    A descoberta, anunciada ontem por cientistas do projeto no quartel-general da Nasa, em Washington, foi a conclusão da análise de um lamito --uma rocha que continha minerais de argila e sulfatos. Formados num local que tinha água, os elementos no mineral poderiam dar suporte a reações químicas do metabolismo de um ser vivo.
    "Essa rocha é bem parecida com o tipo de coisa que achamos na Terra", disse John Grotzinger, chefe científico da missão do Curiosity.
    "Encontramos um ambiente habitável tão benigno e amigável à vida que, se essa água ainda existisse e nós estivéssemos ali no planeta, poderíamos bebê-la."
    O jipe-robô ainda não encontrou substâncias orgânicas, que seriam um sinal inquestionável da existência de vida em Marte. Os cientistas, porém, afirmam que isso já não é mais necessário para dizer com segurança que o planeta era habitável, pois a maioria das bactérias da Terra metaboliza substâncias inorgânicas.
    APARELHAGEM
    A análise química da amostra de rocha foi feita por dois instrumentos do jipe. O primeiro, batizado de SAM, tem um espectrômetro de massa que identifica elementos químicos. O segundo, Chemin, identifica e quantifica minerais da amostra.
    O Curiosity encontrou a rocha sedimentar na baía de Yellowknife, na cratera Gale, perto do local onde pousou.
    Ainda não se sabe que tipo de paisagem aquática a região exibia. Poderia ser um lago sazonal ou um rio, por exemplo.
    "As rachaduras que a gente vê na superfície parecem mesmo uma lama seca", diz Nilton Rennó, pesquisador brasileiro que trabalha na missão do Curiosity.
    "Aquela água pode ter saído de uma fenda hidrotermal, formada por atividade vulcânica que derrete gelo subterrâneo e expele a água para a superfície."
    Editoria de arte/Folhapress
    Segundo os cientistas da missão, outro aspecto importante é o fato de o lamito achado na cratera conter tanto compostos oxidados (que dão às rochas aspecto avermelhado) quanto não oxidados (de cor acinzentada).
    Isso permitiria aos micróbios extrair energia do ambiente à sua volta da mesma forma como uma bateria elétrica extrai energia de um arranjo químico com diferentes componentes.
    Apesar do entusiasmo com a descoberta, cientistas estão céticos quanto à possibilidade de achar matéria orgânica em Marte. "Encontrar substância orgânicas em rochas muito antigas já é difícil aqui na Terra", diz Paul Mahaffy, chefe de operações do SAM.
    O Curiosity deve seguir viagem ainda neste ano para a base do monte Sharp, no meio da cratera Gale.
    Muitas questões sobre o passado geológico do local poderão ser investigadas lá, onde camadas do terreno estão expostas e acessíveis.
    "Mas o lugar onde estamos agora é tão interessante que não estamos com tanta pressa para andar", diz Rennó.

    Após greve, "Caros Amigos" demite seus jornalistas

    folha de são paulo

    MÍDIA
    DE SÃO PAULO - A revista "Caros Amigos" demitiu na segunda-feira todos os seus 11 jornalistas. Eles haviam entrado em greve na sexta-feira, após anúncio de corte de 50% da folha salarial.
    O diretor-geral, Wagner Nabuco, diz que houve "quebra de confiança" e que a demissão é "irreversível".
    Segundo ele, nos últimos três anos, a receita com venda em banca caiu 32%, e a publicitária, de 12% a 15%.
    A revista tem hoje 9.500 assinantes. A tiragem, que já foi de 55 mil, está em 30 mil.
    Os jornalistas, em nota, lamentaram "a atitude unilateral". De acordo com eles, havia atraso de salários e precarização do trabalho, condições que, afirmam, tentavam havia anos negociar, sem sucesso.

      Antonio Prata

      folha de são paulo

      !!!!!!!!!!!!!!!!
      Fatores colaboram para a dependência da exclamação: é a pressa que me faz mandar 'abs!', 'bjs!' e 'hahaha!'
      NÃO LEMBRO quando usei pela primeira vez, mas imagino que as razões tenham sido as mesmas de todo mundo: dar uma descontraída, uma turbinada. Que mal tem? -devo ter pensado: grandes artistas usaram, os jovens mandam uma, duas, três, simultaneamente, a toda hora e em qualquer lugar: por que não? Se soubesse, lá atrás, onde iria chegar, jamais teria experimentado: agora é tarde, Inês é morta. Ou melhor: é morta!!! -digo, exibindo a céu aberto meu vício nesta praga ortográfica: a exclamação.
      Não quero me eximir da responsabilidade -um alcoólatra não pode culpar um pé na bunda, a má fase do Palmeiras ou as letras do Reginaldo Rossi por seu estado-, mas há, decerto, fatores que colaboram para a dependência. No meu caso: a pressa. Tivesse mais tempo para tudo o que não é trabalho, conseguisse cultivar as amizades com a calma que elas merecem e não estaria agora enviando e-mails com "abs!", "bjs!", "claro!", "vamos!" e até mesmo -Deus, em sua infinita misericórdia, tenha piedade de mim-: "Hahaha!!!".
      Entendam, não é por mal. Ontem, por exemplo: eram umas três e meia a tarde, a crônica estava atravancada, o deadline aproximava-se como o solo na queda livre e eis que chega o e-mail de um amigo querido, que não vejo há anos. Ele conta do filho que nasceu, do emprego que arrumou, lembra de um Réveillon que passamos juntos, em Ubatuba, desenterra uma piada que à época nos fez rir muito e que agora me enche de nostalgia.
      Não é uma mensagem a que se possa responder correndo, de modo que a guardo para o fim do expediente, quando, já tendo entregue a crônica e me desincumbido de todos os outros penduricalhos profissionais, poderei contar minhas aventuras e desventuras nos últimos tempos, relembrar algum momento daquela viagem, agregar à piada certo detalhe que ele deixou escapar.
      Mas quem disse que consigo desincumbir-me dos penduricalhos? Eles não têm fim. Graças a Bill Gates, Steve Jobs e seus comparsas, que grilaram o tempo ocioso de toda a humanidade, o transformaram em dólares e o depositaram em suas contas bancárias, arrasto atrás de mim uma matilha de celulares, tablets e laptops, bichos mais carentes do que labradores num canil, requerendo continuamente a minha atenção, com seus ganidos eletrônicos: seus "trrrrllls" e "pims" e "brrrrlums".
      Um e-mail tão importante, contudo, não pode ficar sem resposta -e é aí, meus amigos, que o homem vacila. É aí que, hesitante entre um dos lados na bifurcação -escrever direito a mensagem, abandonando um pouquinho o trabalho ou deixar para outro dia, dando uma mancada com o amigo-, acabo não escolhendo lado nenhum e metendo o carro no canteiro central -o que, no caso, significa enviar: "Saudades, Fabião! Cerveja, em breve?! Abs!!!".
      De noite, na cama, a mensagem fica zunindo em meu ouvido, como um pernilongo. O "Abs!!!", principalmente. Ridículo. De que adiantam três exclamações num abraço que sequer abriu-se com todas as letras? Decido que amanhã, antes de qualquer coisa, escreverei um e-mail decente pro Fábio.
      É o que reafirmo hoje, quarta, diante do tablet, enquanto tomo café: assim que acabar de conferir os e-mails, escreverei para ele. Juro!!!

      Painel Vera Magalhães

      folha de são paulo

      Casa que falta pão
      Diante do impasse para acomodar PSD, PR e PDT, Dilma Rousseff adiou a reforma ministerial e deve conversar nesta semana com dirigentes das três siglas. O PR recusa oferta para indicar o comando da Valec e do Dnit em troca da manutenção de Paulo Passos (Transportes). "Queremos ministro", explicita um deputado. No partido de Gilberto Kassab, a maioria da bancada acha insuficiente a nova pasta da Micro e Pequena Empresa e insiste em ter a Secretaria de Aviação Civil.
      -
      Tertius Ex-marido de Dilma, Carlos Araújo diz que Alceu Collares (RS) pode disputar com Carlos Lupi o comando do PDT, com o apoio de Brizola Neto. "Evidente que a força está com Lupi. Mas Collares oxigenaria o partido."
      Modesto Sobre a permanência de Brizolinha no Ministério do Trabalho, Araújo afirma que apoia o ministro, mas que a decisão é da presidente e ele não terá nenhuma influência nesse assunto.
      Desandou O ex-presidente Lula disse a um interlocutor que Dilma perdeu o timing da mexida na equipe e não deveria mais fazê-la.
      A la carte Enquanto a reforma não sai, senadores do bloco PTB-PR-PSC convidarão o presidenciável Eduardo Campos (PSB) para um almoço na próxima terça-feira.
      E aí? Numa noite de autógrafos ontem em Brasília, Aécio Neves e o ministro Gilberto Carvalho debateram o cenário da sucessão presidencial. O tucano garantiu que vai conseguir "unificar" o PSDB.
      Interlúdio 1 Enquanto o STF não publica o acórdão do julgamento do mensalão, José Dirceu comemora amanhã, em jantar no apartamento do advogado José Luis Oliveira Lima, seus 68 anos.
      Interlúdio 2 Foram convidados amigos como o escritor Fernando Morais, o ator José de Abreu, o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza e o casal Gilberto e Flora Gil, que não poderá ir. Lula e Marisa não figuram na lista.
      Lupa O governo estuda incluir no pacote pró-consumidor a obrigatoriedade de bancos e operadoras de cartões de crédito detalharem a composição de custos em extratos, para que o cliente entenda o cálculo de encargos.
      Alvo 1 O ex-deputado Aderson Lago protocolou ontem no Senado pedido de impeachment contra Roberto Gurgel, sob acusação de crime de responsabilidade por atrasar três processos contra Roseana Sarney (PMDB-MA) que tramitam desde 2010.
      Alvo 2 Segundo a denúncia, o procurador-geral da República teria contrariado a rotina administrativa do Ministério Público Federal ao evocar para si pareceres que caberiam aos seus subordinados no STJ e no TSE.
      Agora vai Em seu Twitter, o deputado comunista Protógenes Queiroz (SP) saudou o início do conclave e "reafirmou" apoiar o cardeal d. Odilo Scherer ao papado.
      O céu... Antes de ser escolhido para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) já sonhava alto na política.
      ... é o limite Na Expocristã, em 2011, ele disse almejar a Presidência da República. "A gente sonha em chegar lá e vamos trabalhar para isso. Para fazer desse país uma nação mais justa e não envergonhar o nome de Jesus."
      Escudo Presidente do PSDB paulista, Pedro Tobias pediu apoio a prefeitos para PEC que restringe ao procurador-geral de Justiça investigações de improbidade contra agentes políticos. Em carta, o tucano critica práticas "precipitadas" de membros do Ministério Público.
      com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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      TIROTEIO
      "O governo impõe ao país uma padronização tributária impossível. Chega a estabelecer em lei federal os salários de servidores estaduais."
      DO GOVERNADOR ANTONIO ANASTASIA (PSDB-MG), sobre a autonomia dos Estados e o pacto federativo, tema de debate hoje no Congresso Nacional.
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      CONTRAPONTO
      Justiça fiscal
      Durante audiência sobre o projeto de Fernando Haddad que prevê devolução da taxa da inspeção veicular, ontem, na Câmara paulistana, o secretário Luís Fernando Massonetto (Negócios Jurídicos) defendia a restituição para donos de carros aprovados no teste:
      -Está preservado o princípio do poluidor-pagador.
      Sérgio Leitão, do Greenpeace, disse, arrancando risos:
      -Quem tem carro de R$ 160 mil gasta R$ 30 só com lava-rápido. A prefeitura vai devolver R$ 44 por ano. Quero ver falar para o sujeito que usa ônibus lotado que o dinheiro dele vai para uma espécie de "Bolsa-Hilux"...

        Elio Gaspari

        folha de são paulo

        O papabile que continuou cardeal
        O cardeal Carlo Maria Martini teria sido o homem certo na hora certa; agora, seria a vez de Sean O'Malley
        HÁ OS cardeais que foram eleitos papa e aqueles que, com tudo para sê-lo, perderam a vez. No final do século passado, o cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão, tinha tudo para ser o sucessor de João Paulo 2º. Era jesuíta, e jamais um padre da companhia sentara no trono, mas também se sabia que raramente o cardeal de Milão perdia o papado sendo um dos favoritos do conclave. Com sua longevidade, o papa Wojtyla atravessou o tempo e continuou no Vaticano, enquanto Martini deixou a arquidiocese aos 75 anos. Em 2005, quando João Paulo morreu, ele teria disputado os votos com o cardeal Ratzinger. Perdeu, sentiu o peso do mal de Parkinson e afastou-se. Na sua última entrevista disse que a igreja estava "duzentos anos atrasada". Morreu em 2012, mas o Vaticano teria sido outro com o "Martini branco" (nas suas palavras), à frente.
        Se os cardeais querem um pontífice com MBA, capaz de entrar na Cúria, botar a casa em ordem e estabelecer um clima de tolerância mínima com a pedofilia, os escândalos financeiros e as maracutaias da Cúria, o papa seria o capuchinho Sean O'Malley, de 67 anos. Ele entrou no conclave sem o favoritismo dos cardeais Angelo Scola (arcebispo de Milão) e d. Odilo Scherer, mas sua repentina ascensão à lista dos "papabili" mostra que a possibilidade existiu.
        Um papa americano ofende muita gente, mas O'Malley tem origem irlandesa, como d. Odilo Scherer a tem alemã. Além disso, um papa com cara de Papai Noel é outra história. Trata-se de um religioso que pode ser visto nas ruas de Boston, andando com as roupas e as sandálias da ordem. Ele limpou sua arquidiocese, a mais prestigiosa e também uma das mais corruptas dos Estados Unidos. Seu antecessor, o cardeal Law, era um queridinho dos líderes dos movimentos de esquerda, mas vivia como um príncipe, mandava padres pedófilos para psiquiatras em vez de entregá-los à polícia, arruinou as finanças da arquidiocese, foi obrigado a renunciar e vive em Roma. Numa igreja que condena o divórcio, ajeitou a anulação do matrimônio de um filho de Robert Kennedy.
        O'Malley é um pastor, foi missionário no Chile, junto aos sem-teto do Caribe e concluiu um doutorado de literatura portuguesa e espanhola. Pacificou seu rebanho, indenizou 111 famílias de vítimas de abusos sexuais e foi o primeiro prelado a baixar uma política de repressão a essas práticas. A Arquidiocese de Boston tornou-se um polo de assistência a imigrantes. Para um trabalhador brasileiro na cidade, é mais negócio procurar ajuda na obra social de O'Malley do que o consulado de seu país. Mesmo assim, ainda há quem ache que ele fez pouco. No contencioso do capuchinho há a venda de um terreno da diocese para um fotógrafo por US$ 850 mil, revendido 20 dias depois para a Igreja Universal brasileira por US$ 2,65 milhões.
        Se Martini tivesse sucedido Wojtyla, a igreja não teria passado por aquilo que um dia poderá ser conhecido como a Crise de Ratzinger. Se O'Malley voltar para Boston como cardeal, algum dia se dirá que em março de 2013 perdeu-se a oportunidade de fazer aquilo que sabe-se lá quando será feito: entregar o trono o Vaticano um administrador capaz de governar com uma política de tolerância mínima.

          Basta de violência contra a mulher - Eleonora Menicucci [Tendências/Debates]

          folha de são paulo

          ELEONORA MENICUCCI
          TENDÊNCIAS/DEBATES
          Basta de violência contra a mulher
          O governo lança hoje uma rede de serviços para vítimas de violência que inclui orientação profissional, para garantir a independência da mulher
          As brasileiras já contam com um marco legal de enfrentamento à violência saudado pela Organização das Nações Unidas como uma das legislações mais avançadas do mundo, a Lei Maria da Penha.
          Temos ainda a Central de Atendimento à Mulher Ligue 180, o Pacto de Enfrentamento à Violência com Estados e Municípios, a indenização regressiva (por meio da qual os agressores são obrigados a ressarcir ao INSS as indenizações pagas pelo Estado às vítimas ou a seus dependentes), o 2º Plano de Combate ao Tráfico de Pessoas e os centros especializados de fronteira.
          Faltava consolidar a rede protetiva que integrasse os serviços e qualificasse o acesso. Não falta mais.
          A presidenta Dilma, que falou firme com os agressores ao deixar claro no seu pronunciamento no Dia Internacional da Mulher que a maior autoridade neste país é uma mulher, lança hoje, no Palácio do Planalto, a Rede Integrada de Atendimento às mulheres vítimas de violência de gênero.
          Fecha-se, assim, o círculo virtuoso de atendimento que aponta para a redução dessa pandemia social.
          Essa rede oferecerá todos os serviços já disponíveis, atualmente dispersos, e outros tantos novos, a partir de agora de forma integrada. Estarão reunidos num mesmo prédio, especialmente desenhado para um acolhimento respeitoso e que será implantado inicialmente nas 27 capitais, desde que os governos estaduais adiram ao plano.
          Nesse prédio, do Centro Especializado Integrado de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, funcionarão as delegacias da mulher, as defensorias, os juizados ou varas, as promotorias, defensorias e os serviços de assistência psicossocial.
          Os serviços de saúde e de assistência social (centros de assistência social, de acolhimento e abrigamento) e o Instituto Médico Legal serão integrados aos centros por um fluxo de transporte que os ligará na medida da necessidade das vítimas.
          A novidade é que a esses se somam a orientação para o trabalho, emprego e renda e o espaço de recreação para as crianças que acompanharem as mulheres.
          Ou seja, as atendidas nessa rede disporão não mais apenas de uma porta de entrada, mas também, a partir de agora, de um acompanhamento integral e de uma porta de saída.
          A porta de entrada poderá ser pelo Ligue 180, pelos serviços de saúde ou pelas delegacias da mulher. Com a rede integrada, a vítima passa a encontrar em um mesmo espaço todos os serviços de uma só vez, em vez de peregrinar em busca de cada um deles.
          Outra vantagem da rede é o acompanhamento integral. Muitas vezes, a mulher sente medo e vergonha e demora até tomar a decisão de procurar um desses serviços. E, por dificuldades de acesso aos demais, atualmente dispersos em diferentes pontos das cidades onde vive, ela nem sempre retorna. Então, o serviço a perde. Uma das consequências tem sido, algumas vezes, a notícia de mais uma mulher assassinada. Assim, um serviço muito importante no centro é a recuperação da dignidade cidadã.
          Garantir-se a defesa e a segurança e cuidar dos ferimentos causados na dignidade das vítimas é fundamental, mas não basta. É necessário um passo adiante. Isso porque essa mulher precisa tomar ou retomar em suas mãos a condução de sua vida e sua condição de sujeito de direitos.
          É por isso que, no espaço da rede integrada dos serviços públicos, haverá a orientação e qualificação profissionais. Essa será a porta de saída.
          Com mais esse investimento nas cidadãs, o governo federal comprova sua obsessão em eliminar a desigualdade de gênero na sua faceta mais cruel.


          ALDO PEREIRA
          TENDÊNCIAS/DEBATES
          Horrores reais, amores falsos
          No processo de intrigas da sucessão papal, assassinato era solução costumeira. A renúncia de Bento 16 mostra o papado menos malevolente
          Maria Teofilatto (?892-?927) teria 14 anos quando o papa Sergio 3º a engravidou. Marozia, como a celebrizaram, deve ter tido especial orgulho de ver coroado como João 11, aos 20 anos (ou 21), o filho tido de Sérgio. Cinco outros descendentes dela chegariam a papa.
          Amantes e três sucessivos maridos colaboraram. Mas também, claro, não lhe faltaram adversários: outro de seus filhos a manteve encarcerada (ou enclausurada) até ela morrer, ninguém sabe quando nem como nem onde.
          Na época, sucessão papal fascinava famílias aristocráticas ramificadas pelos impérios, reinos, principados, ducados e outras casas do xadrez político europeu. Antes de 1059, apenas potentados laicos nomeavam papas, e o primeiro conclave data de 1276.
          No processo de intrigas e extorsões da sucessão papal, assassinato era solução costumeira de impasse. Bonifácio 6º, sucessor de Formosus, morreu após 15 dias de pontificado. "Causa mortis" oficial, gota. O imperador Lamberto di Spoleto nomeou para sucedê-lo o dócil Estêvão 6º.
          Motivada por inesquecidos rancores, a imperatriz Agiltrude logo exigiu que Estêvão convocasse um sínodo para julgar Formosus. Estêvão mandou exumar o cadáver (sepultado oito meses antes), paramentá-lo e sentá-lo no trono.
          A "defesa" nem conseguiu absolver o réu nem livrá-lo de agravamento da pena: ter decepados os três dedos que todo papa estende para abençoar com a mão direita. Como achasse pouco infamante esse desfecho, Agiltrude mandou exumar de novo o cadáver e despejá-lo no rio Tibre.
          Passados alguns meses, Lamberto fez as pazes com os aristocratas que tinham patrocinado Formosus. Na reviravolta, Estêvão acabou deposto e estrangulado. Antigos aliados de Formosus descobriram seu corpo, que um monge recolhera do Tibre e sepultara. Encerraram por fim o caso, então, com terceira exumação e quarto sepultamento.
          A cultura de horror se manteria enquanto os papas puderam preservar poder temporal nos Estados papais, ricos territórios da Itália doados pelo imperador franco Pepino, o Breve (ou "o Baixinho", 714-761). O encolhimento dos Estados papais se completaria em 1929, quando Benito Mussolini os delimitou com o nome oficial italiano de Santa Sede (Stato della Città del Vaticano), que no latim oficial é Sancta Sedes (Status Civitatis Vaticanæ).
          Até que Pio 9º o aposentasse em 1864, o carrasco Giovanni Battista Bugatti (1779-1869) supliciou em Roma 516 pessoas condenadas por delitos comuns e políticos (conspirar contra o papa era crime de lesa-majestade). E por que não? Pois Agostinho e Tomás de Aquino não aprovaram pena capital?
          Bugatti a infligia com forca, machado, guilhotina e marreta (para afundamento de crânio seguido de degola), e às vezes subsequente esquartejamento. Embora não aplicada no século 20, a pena de morte vigeu na Constituição da Santa Sé até ser abolida por Paulo 6º em 1969.
          A renúncia de Bento 16 e subsequente sucessão mostram hoje o papado menos arrogante e malevolente, mais compatível com a conduta e o sentimento genuinamente humanitários de tantos católicos. Mas regras anacrônicas ainda contradizem o preceito de amor ao próximo.
          É desamor favorecer propagação de doenças e procriação irresponsável com proscrição de camisinha e pílula. Impor celibato clerical. Endossar misoginia paulina para interditar o sacerdócio à mulher. Incitar ódio a homossexuais. Dificultar a promissora pesquisa de células-tronco. Negar voz e prestação de contas aos fieis.
          Tradição valida autoridade, sim. Mas qual tradição?

            MARTHA MEDEIROS - Deus em promoção

            Zero Hora 13/01/2013

            Pouca coisa me escandaliza, mas fiquei perplexa com o vídeo que andou circulando pela internet, que mostra um culto da Assembleia de Deus conduzido pelo pastor Marco Feliciano – sim, o polêmico presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o maior para-raios de encrencas da atualidade.

            O vídeo mostra o momento da coleta de dízimos e doações, a parte mercantilista da negociação dos fiéis com o Pai Supremo, de quem o pastor se julga uma espécie de contador particular, pelo visto.

            Entre frases inibidoras, como “Você vai mesmo ficar com esse dinheiro na sua carteira?”, dirigida a pessoas da plateia, e estimulando que os trabalhadores cedam uma porcentagem do seu salário dizendo “Aquele que crê dá um jeito”, aconteceu: alguém entregou seu cartão de crédito nas mãos do pastor. No que ele retrucou: “Ah, mas, sem a senha, não vale. Depois, vai pedir um milagre pra Deus, Ele não vai dar, e aí vai dizer que Deus é ruim”.

            Entendi bem? Deus está à venda? Cobrando pelas graças solicitadas?

            Essa colocação do pastor bastaria para abrir uma CPI contra os caras de pau que, abusando da esperança de gente sem muito tutano, arrecadam fortunas e depois vão fazer suas preces particulares em algum resort em Miami. Quem dera houvesse um Joaquim Barbosa para colocar ordem nesse galinheiro falsamente místico, mas quem ousa? Se essa simples crônica já sofrerá retaliações, imagine alguém peitar judicialmente um representante de Deus, ou que assim se anuncia.

            Religiosidade é algo extremamente respeitável. Cada um exerce a sua com a intensidade que lhe aprouver, de forma saudável, a fim de conquistar bem-estar espiritual. Todas as pessoas religiosas que conheço, e são inúmeras, nunca precisaram comprar sua fé nem dar nada em troca – conquistaram-na gratuitamente através de cultura familiar ou de uma necessidade pessoal de conforto e consolo que é absolutamente legítima.

            Religião é, basicamente, isso: conforto e consolo.

            Já os crentes fazem parte de outra turma. São os que acreditam cegamente em pecado, castigo, punição e numa recompensa que só virá depois de algum sacrifício. Quando não pagam em espécie, abrem mão de prazeres terrenos como forma de penitência, para se tornarem dignos da vida eterna – que viagem.

            É preciso ser muito iludido para acreditar que pagar a conta de luz é menos importante do que pagar pelo milagre encomendado a Deus através de seus “assessores” – e que, segundo o pastor Marco Feliciano, só será realizado se você não tiver caído na malha fina do Serasa Divino.

            O que fazer para tirar os crentes desse transe? Colocar na cadeia esses ilusionistas que se apresentam como pastores? Duvido que ajude. A bispa Sonia e seu marido Estevam Hernandes foram condenados por lavagem de dinheiro e de nada adiantou. Se fossem condenados por lavagem cerebral, quem sabe.

            Antonio Delfim Netto

            folha de são paulo

            Marx
            Em 22 de fevereiro último, Cassiano Elek Machado publicou, nesta Folha, erudita nota sobre a nova tradução de "O Capital", realizada pelo competente marxólogo Rubens Enderle. Esta será publicada pela editora Boitempo (o terceiro volume sai até 2015), que já tem no seu catálogo outras obras em traduções muito bem cuidadas dos textos restabelecidos pelas edições críticas (Mega) das obras completas da dupla Marx-Engels.
            Cassiano colocou uma mesma pergunta ("Por que ler Marx hoje?") a mim e a três brilhantes filósofos, seguramente mais conhecedores da obra de Marx do que eu. Eles deram respostas argumentadas e definitivas. Eu, um modesto economista, pensei em me livrar dela respondendo simplesmente: "Porque Marx não é moda. É eterno".
            Ledo engano. Recebi a cobrança de alguns elegantes leitores para que a explicitasse. Pois bem, os "marxismos" que continuam a infestar a história são modas: produtos de ocasião de pensadores menores. Há sérias dúvidas, aliás, que Marx tenha alguma vez se reconhecido como "marxista".
            Mas a problemática que ele colocou -o que é o homem e como pode realizar plenamente a sua humanidade diante dos constrangimentos que lhe impõe a organização da sociedade- é eterna. Ele teve muito cuidado em não explicitar a sua solução. Cuidado que não tiveram alguns que se pensaram como seus discípulos no século 20. Quando no poder, decidiram levar a sério a construção do "homem novo", o que terminou em tragédia.
            Para dar um pequeno exemplo da intuição de Marx, basta lembrar que, no "Manifesto Comunista" (1848), ele revelou a propensão do capitalismo financeiro emergente e avassalador de produzir uma crescente concentração do poder econômico que, se não fosse coibido pelo poder político, levaria ao desastre social.
            A financeirização que ele previa continua forte e abrangente no século 21. Por exemplo, nos últimos dez anos, as commodities tornaram-se ativos financeiros de fundos de investimento internacionais. Em 2000, estes não chegavam a US$ 10 bilhões. Em 2012, passaram de US$ 400 bilhões, um aumento de 40% ao ano! Há menos de 20 anos existiam mais de 20 "traders" de cada commodity (as oito mais importantes tinham mais de 160!). Houve a verticalização e fusão antecipadas por Marx.
            Hoje, não passam de 15 organizações que financiam, compram, armazenam, transportam, vendem e especulam com o resultado do trabalho de bilhões de agricultores que não têm o menor controle sobre sua produção. A maior delas, a Glencore, que comercializa tudo, de petróleo e metais a açúcar e trigo, acaba de aumentar sua integração. Comprou uma participação na Ferrous Resources, em Minas Gerais.

              Ruy Castro

              folha de são paulo

              Condenação à morte
              RIO DE JANEIRO - Tivemos de chegar à metástase do crack para que, de repente, o Brasil acordasse para o problema da droga. Mas antes tarde etc. Por outro lado, nos jornais e on-lines, pululam amadorismos bem-intencionados. Pessoas que só sabem de droga pelos manuais, por alguma breve experiência com maconha na juventude ou por passar de carro pelas proximidades de uma cracolândia pontificam a respeito. Ao cantar de um galo à distância, julgam ouvir a palavra "higienismo" e logo se põem contra a internação involuntária.
              As famílias dos dependentes sabem melhor do que falam -sua experiência de ter em casa um escravo do crack ainda não foi, nem de longe, tratada pela literatura. E por que "em casa", perguntará você, se o dependente se muda para a cracolândia? Porque a casa é para onde ele sempre volta, para pegar ou tomar o que ainda possa ser vendido e lhe valer uma pedra -dos bens e joias da família a lustres, móveis, esquadrias.
              Tais famílias não suportam ver seu filho ou neto receber "alta" e ser devolvido às ruas pelos que o internaram apenas um mês antes -para abrir novas vagas, denunciam elas, e maquiar as estatísticas de "atendimento". Se isso de fato estiver acontecendo, é lamentável -mas não basta para desqualificar todo o sistema de internação, que apenas começa a ser posto em prática.
              Também não tem sentido o raciocínio de que, como historicamente o homem sempre se drogou, não adiantam os bilhões investidos na repressão, porque ele voltará a se drogar, não importa com o quê. Bem, o homem também sempre ficou doente. Significa que a medicina e a pesquisa científica devem fechar as portas pois, não importam os seus avanços, o homem voltará a ficar doente e morrerá?
              Uma alta prematura é quase sinônimo de recaída. Mas o abandono na rua já é uma condenação à morte.

                Fernando Rodrigues

                folha de são paulo

                O pacto federativo
                BRASÍLIA - Hoje começam as rodadas de negociação entre governadores e Congresso Nacional sobre como aperfeiçoar o chamado pacto federativo.
                Tudo se resume a dinheiro. O STF determinou que seja refeita a fórmula usada para redistribuir aos Estados parte do dinheiro coletado em impostos pela União.
                Será difícil conquistar um consenso se o conceito de pacto federativo ficar só em aspectos monetários. Pior: alguns sairão perdendo bastante.
                A discussão a respeito do pacto federativo sempre acabará num beco sem saída enquanto alguns aspectos da organização do Estado brasileiro não forem alterados. A começar pela representação dentro do Congresso Nacional.
                Os brasileiros temos um modelo curioso de democracia. Nunca vigorou no país o sistema de "um homem, um voto". Os 48 deputados eleitos em 2010 por Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins tiveram, juntos, 1,8 milhão de votos. Já os 46 eleitos pelo Rio de Janeiro receberam 4,5 milhões de votos.
                Essa desproporção se manifesta de maneira vulcânica quando o Congresso vota algo relevante como a lei sobre os royalties do petróleo, na semana passada. Alguns perdem feio. Foi o caso do Rio de Janeiro -formou-se um clima beligerante contra este Estado e alguns discursos beiravam propor algum tipo de secessão.
                O pacto federativo que agora será debatido e remodelado tratará da distribuição de dinheiro dos impostos. É mínima a chance de deputados e senadores respeitarem a proporção da população de cada Estado. Por que os mais numerosos no Congresso cederão aos menores?
                Seria ingenuidade supor que o Congresso Nacional, no curto prazo, possa corrigir as anomalias da democracia representativa no país. Mas esquecer esses defeitos seria também uma acomodação indesejável com o modelo injusto na escolha de deputados.

                  Helio Schwartsman

                  folha de são paulo

                  Comissão do deboche
                  SÃO PAULO - A eleição do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM) é uma piada de mau gosto. Suas declarações, que não ocultam um tom homofóbico e racista, representam algumas das visões de mundo que a CDHM tem por missão combater.
                  Isso posto, penso que a campanha para retirá-lo do cargo -que considero válida- está assumindo um caráter muito mais pessoal do que deveria. Feliciano, afinal, não tomou a comissão de assalto. Ele chegou aonde chegou devido a uma sucessão de eventos cujas responsabilidades precisam ser corretamente atribuídas.
                  E, se a ideia é repartir culpas, bodes expiatórios é o que não faltam. Há desde desalinhos institucionais, a exemplo do sistema de voto nominal e proporcional, que facilita a formação de bancadas temáticas como a evangélica, com uma força que transcende o peso da religião na sociedade, até o pecado da gula, pelo qual o PT abriu mão da CDHM, que comandava havia décadas, em troca de comissões mais vultosas. A força descabida que microssiglas exercem no sistema e o descaso que parlamentares desenvolveram para com a imagem do Legislativo são outros elementos que precisam entrar na conta.
                  O fato é que o polêmico pastor, o qual, vale frisar, tem direito a suas opiniões, por mais equivocadas e extemporâneas que nos pareçam, não é o único e talvez nem o maior responsável pelo deboche que se fez com a comissão. Não é justo, portanto, que a ira de cidadãos indignados e militantes de direitos humanos recaia exclusivamente sobre ele.
                  Imaginemos que, amanhã, cientistas comprovem a hipótese, bastante plausível, de que o fundamentalismo religioso é uma condição neurológica sobre a qual seus portadores têm pouco ou nenhum controle, a exemplo da gagueira ou da esquizofrenia. Creio que, neste caso, teríamos de incluir o pastor entre as minorias a serem protegidas pela CDHM.

                    FERNANDO BRANT » A ausência‏


                    Estado de Minas: 13/03/2013 

                    Eu me lembro da primeira vez que o vi. Pequeno, pretinho, no colo dos meus filhos, que tinham ido nos buscar no aeroporto da Pampulha. Vínhamos de uma viagem para fora do Brasil e trazíamos forte, ainda, a dor da perda do Otto, basset-round que nos dera tanta alegria. A intenção era nos reanimar no dia a dia, na rotina doméstica. Muito antes de crescer, já nos conquistara.

                    Nunca abriguei em minha casa nenhuma fera. Desde que minhas meninas eram crianças, nossas escolhas eram sempre por animais dóceis, brincalhões, educativos para a meninada. O primeiro que tivemos nos domínios da Cachoeirinha foi o Obelix, beagle inesquecível.

                    Quando eu era o menino, tivemos vários companheiros, todos vira-latas e amantíssimos, que pareciam viver mais do que os de raça mais pura, que só conhecei ao me tornar pai. Dianas, Suzetes e outros preencheram de alegria a minha meninice. Mas também eles tinham seu dia final, seja por atropelamento ou doença. Guardo na memória o ensinamento do primeiro veterinário que conheci, o Forondo, médico do Obelix: “Você adquiriu o melhor presente para as suas crianças”. O tempo demonstrou que ele estava certo.

                    Desde a sexta-feira antes do Carnaval, no entanto, uma solidão tomou conta dos dias e da casa, dos espaços onde convivíamos com o Miró, belo labrador preto de andar elegante e atitudes sóbrias. Latia para os de fora, para os ruídos da rua, para as campainhas. Protetor da família, era incapaz de ladrar quando havia crianças por perto. Se acercava, admirava e ficava quieto. E os amigos que nos visitavam também eram acolhidos com o sorriso do abanar do rabo.

                    A sentença de sua morte já estava decretada, mas sempre ficava uma esperança com os curativos que lhe eram feitos ao longo de meses. Ele passou a chorar pelas noites, de dor. Analgésicos o acalmavam, mas eram paliativos. Eu me encarreguei, enquanto a maioria do pessoal viajava para os feriados, de levá-lo à consulta definitiva. Não havia opção. Eu voltei para casa com a mesma sensação de amargura dos outros momentos semelhantes que vivi.

                    Não adiantou esconder sua morada, nem seus pratos de comer e beber. O território nosso era dele e por todos os lados que vou sinto sua presença negra. Seus sons se ouvem no dia e me acordam na noite. Chego da rua, abro o portão e cadê ele vindo em minha direção para me receber? Silêncio que dói. Sinto-me incapaz de começar tudo de novo com um novo amigo. Um vazio enorme tomou conta do casal desde os dias da folia e do samba. Miró faz uma falta imensa como os outros fizeram. Mas o sofrer presente é dele.

                    Por ele eu me entrego ao sentimento da dor e da saudade.


                    >>  www.fernandobrant@hotmail.com

                    Frei Betto - Histórias do papado‏


                    Estado de Minas: 13/03/2013 


                    Ainda esta semana saberemos quem será o novo papa. Possivelmente tomará posse oficial no domingo de Ramos, 17 de março, de modo a liberar os cardeais para retornarem a seus países a tempo de participarem das celebrações da semana santa e da Páscoa.

                    Teremos, agora, o 266º pontífice. Na lista sucessória oficial, iniciada pelo apóstolo Pedro, constam 263, já que Bento IX ocupou por três vezes o pontificado: eleito em 1032, o depuseram por corrupção em 1044. Voltou em 1045 e abdicou meses depois, para retornar em 1047, até ser definitivamente derrubado em 1048. Até o século 4, os papas eram eleitos por voto dos diáconos e padres de Roma. Assim como os fiéis das dioceses votavam na escolha de seus bispos. Evitava-se envolver os demais bispos nas questões internas da sé romana.
                    O pontificado mais curto da história foi o de Estêvão II, de apenas 3 dias. O mais longo, de São Pedro, 34 anos. Seguido por Pio IX, que dirigiu a Igreja por 32 anos. A média é de 8 anos – tempo de Bento XVI. O período mais longo em que a Igreja esteve acéfala foi de 3 anos, 7 meses e 1 dia, de outubro de 304 a maio de 308.

                    Nove papas renunciaram à chefia da Igreja: Clemente I (ano 88), Ponciano (235), Silvério (537), João XVIII (1009), Bento IX (1045), Gregório VI (1046), Celestino V (1294), Gregório XII (1415) e Bento XVI (2013). A renúncia mais exemplar foi a de Celestino V. A demora do conclave levou o monge eremita, Pedro Morrone, a escrever aos cardeais, acusando-os de abusar da paciência do Espírito Santo. Tocados pela carta, os cardeais o elegeram. Coroado com o nome de Celestino V, em 1294, não suportou a politicagem eclesiástica e renunciou quatro meses depois. Na bula alegou fazê-lo para “salvar a minha saúde física e espiritual”. Retornou às montanhas e, mais tarde, foi canonizado.

                    Fechar o colégio cardinalício em conclave (com chave) teve início em 1274, quando o impasse durou dois anos e nove meses, em Viterbo. A população decidiu mantê-los a pão e água e destelhar o local. Por temerem a penúria e os rigores do frio, os cardeais aceleraram a decisão.

                    A eleição de papas por cardeais teve início em 1059. Cardeal vem de “cardo”, dobradiça de porta, e é título de honra que o papa tem o direito de conceder a qualquer católico, como fez João Paulo II ao estender o chapéu cardinalício a dois teólogos europeus: o dominicano francês Yves Congar e o suíço Hans Ursvon Balthazar. Havia também um cardeal in pectore, ou seja, conhecido apenas pelo coração do papa e por quem foi nomeado.

                    A Igreja tem, hoje, 209 cardeais, em 48 países, dos quais 115 elegerão o novo papa, pois têm menos de 80 anos (dois eleitores abdicaram do direito de votar: o da Indonésia, por doença; e o da Escócia, por admitir abusos sociais).Paulo VI fixou em 120 o número máximo de cardeais presentes ao conclave. A eleição por 2/3 dos votos foi decidida por Alexandre III, em 1180, reformulada por João Paulo II (metade mais um) e de novo alterada por Bento XVI: 2/3.

                    Todo homem batizado na Igreja Católica é virtualmente candidato a papa. Se eleito, deve abandonar a família, abraçar o celibato e ser ordenado bispo. Gregório Magno, eleito em 590, era prefeito de Roma. O último papa não cardeal foi Gregório XI, eleito em 1370.

                    O primeiro papa a abdicar de seu nome de batismo para adotar um novo foi João II (533), que se chamava Mercúrio, considerado muito pagão para nome de pontífice. Nunca um papa adotou o nome de Pedro II nem dos evangelistas Mateus e Lucas. O nome mais adotado é João (23 vezes), seguido por Gregório e Bento (16), Clementino (14), Leão e Inocêncio (13), e Pio (12). Dos 264 papas, 210 nasceram na Itália, 16 na França, 12 na Grécia, 6 na Alemanha, 6 na Síria, 3 na Palestina, 3 na Espanha, 3 em países da África e 2 em Portugal. Inglaterra, Holanda e Polônia, à Igreja um único papa cada um.

                    Meu palpite é que o novo papa será um europeu. Um italiano.

                    Editoriais FolhaSP


                    Dieta sem miséria
                    Os R$ 70 da linha oficial de pobreza extrema são insuficientes até para custear alimentação básica e necessitam ser corrigidos
                    A luta contra a pobreza extrema é uma bandeira que não se abandona com facilidade. Pode-se mesmo dizer que ela se tornou suprapartidária, embora identificada de imediato com o PT: todos se sentem moralmente impedidos, hoje em dia, de criticar políticas assistenciais voltadas para a parcela miserável da população.
                    Soa atraente, nesse contexto, o slogan "O fim da miséria é apenas um começo", lançado recentemente pela presidente Dilma Rousseff. Como peça publicitária, sobretudo em face de sua mais que provável candidatura à reeleição, a frase tem seus méritos. Como descrição da realidade, porém, esbarra no truque propagandístico e presta um desserviço ao país.
                    A campanha do governo federal afirma que, em dois anos, 22 milhões de brasileiros galgaram a linha da miséria. Segundo a publicidade oficial, todos os beneficiários do Bolsa Família deixaram a pobreza extrema. Restaria, agora, identificar alguns milhares de miseráveis não cadastrados para erradicar essa chaga social.
                    Oculto nas entrelinhas da planilha governista está o fato de que o critério de miséria adotado pelo Brasil em 2011 -R$ 70 de renda mensal familiar per capita- é ultrapassado e insuficiente.
                    Ultrapassado porque, há pelo menos duas décadas, especialistas têm afirmado que a dimensão monetária não pode ser a única variável no cálculo da pobreza. Equações mais modernas computam diversos outros indicadores, como saúde, educação, saneamento básico e moradia.
                    Insuficiente porque, como demonstrou reportagem desta Folha, R$ 70 não bastam nem para comprar os alimentos mais baratos da dieta mínima recomendada pelo próprio governo.
                    As porções recomendadas pelo Ministério da Saúde não saem por menos de R$ 103 mensais (a desoneração da cesta básica pouco mudará aí, pois parte do itens já estava livre de impostos). Para alcançar tal preço -quase 50% acima da linha de miséria oficial-, seria preciso ingerir, todos os dias, os mesmos itens. Uma alimentação balanceada custaria ainda mais.
                    Mesmo que não exista consenso sobre a melhor forma de medir a pobreza, há pouca divergência quanto à importância de qualquer métrica levar em conta, no mínimo, a capacidade de garantir o consumo alimentar básico.
                    A conclusão é inescapável: o valor estabelecido pelo governo Dilma é baixo e precisa ser atualizado. Presta-se antes ao ilusionismo que ao efetivo combate à indigência. Decretar que deixou de ser miserável um grupo que mal pode alimentar-se é apenas uma forma de mantê-lo exatamente como está.

                      EDITORIAIS
                      editoriais@uol.com.br
                      Malvinas britânicas
                      Por 99,8% dos votos -três sufrágios em mais de 1.500- os habitantes das ilhas Malvinas decidiram continuar cidadãos do Reino Unido, que as chama de Falklands.
                      O referendo é uma derrota constrangedora para o governo argentino, que, sobretudo quando a economia vai mal, eleva o tom da compreensível reivindicação por soberania sobre o arquipélago, situado a 500 km de sua costa (não muito mais que Fernando de Noronha dista do Brasil, 350 km).
                      É, porém, um pleito difícil de sustentar nos dias de hoje, em que o direito internacional se funda mais na perspectiva de populações do que no histórico, real ou imaginário, de posse territorial. Em especial para um governo que se diz popular, como o de Cristina Kirchner, não é trivial ir contra o princípio da autodeterminação dos povos.
                      Parece improvável, porém, que o resultado arrefeça as pretensões argentinas. Autoridades platinas classificaram a consulta como ilegal e não reconhecem os "kelpers", como são chamados os ilhéus, como parte legítima da disputa.
                      O problema de fundo é o nacionalismo, que faz preponderarem as reações emocionais. No conflito de 1982, generais argentinos tentavam dar sobrevida à sua ditadura insuflando uma causa comum para unir o país. Sob esse ângulo estreito, deu certo. Até a esquerda, massacrada sob os militares, apoiou a trágica aventura.
                      Ninguém esperava que os britânicos, sob o comando de Margaret Thatcher, também fossem suscetíveis ao vírus do nacionalismo e reagissem militarmente para preservar algumas ilhas, então sem maior valor econômico ou estratégico.
                      A esquadra real não teve grande dificuldade para derrotar os argentinos. O preço, entretanto, foi alto. Após 74 dias de combates, haviam morrido 649 militares argentinos, 255 britânicos e 3 "kelpers".
                      O custo econômico revela toda a irracionalidade dessa guerra: para resgatar o orgulho nacional, Thatcher gastou estimado 1 bilhão de libras esterlinas. Nas contas do economista Robert Frank, isso daria para presentear cada "kelper" com uma herdade na Escócia e generosa pensão vitalícia.
                      Felizmente, hoje é muito remota a probabilidade de que uma guerra dessas se repita ali. Mas a região estaria mais segura se todos se dobrassem aos imperativos de realidade e ao princípio da autodeterminação dos povos e trocassem a retórica agressiva por bom-senso e negociações pragmáticas.
                      Se for verdade que existe petróleo na região, faz mais sentido buscar um acordo econômico que possibilite ganhos para os dois lados.
                        folha de são paulo

                      TV PAGA

                      Estado de Minas: 13/03/2013 04:00

                      Uma noite alucinante



                      O polêmico Cama de gato é a atração de hoje do chat do Canal Brasil. O filme será exibido às 22h, e ao mesmo tempo será aberta uma sala de bate-papo no site da emissora (www.canalbrasil.com.br) para que os internautas possam interagir com o diretor Alexandre Stockler e a atriz Rennata Airoldi. A produção conta a história de três rapazes que saem para a balada, exageram na dose e estupram uma jovem, terminando por se envolverem acidentalmente em dois assassinatos.

                      Cultura exibe filme
                      de diretor argentino


                      Outro destaque do pacotão de cinema é o longa Gigante, do argentino Adrián Biniez, às 22h, na Mostra Internacional de Cinema na Cultura. No mesmo horário, o assinante tem mais oito opções: Anjos da noite – O despertar, na HBO; O aviador, na HBO2; Cavalo de guerra, no Telecine Premium; Passageiros, no Telecine Touch; Premonições, na MGM; Códigos de guerra, na TNT; Chamas da vingança, no FX; e A coragem de uma raça, no TCM. Outras atrações da programação: Quarentena, às 20h15, no Megapix; Amigas com dinheiro, às 21h, no Comedy Central; O colecionador de ossos, às 22h05, no Universal Channel; e Terror em Silent Hill, às 22h30, no AXN.

                      Detox do amor está
                      bem perto da final


                      No episódio “Senhora tentação”, de Detox do amor, às 20h, no canal GNT, o público vai conhecer o casal que vai para a final com Fernanda e Robson. A prova do dia promete esquentar a noite dos participantes, que terão que desenterrar surpresas escondidas embaixo de cata-ventos. O casal que achar menos presentes perde a prova e vai direto para a “DR”, indicando quem deseja enfrentar. Leo Jaime, Betty Lago e Eda Fagundes vão decidir qual casal deve permanecer com os outros dois na final do reality.

                      Pink solta a voz em
                      série do canal Vh1


                      Desde sua estreia, em 2000, Alecia Moore, mais conhecida como Pink, já lançou seis álbuns, com mais de 32 milhões de cópias vendidas, 65 milhões de singles e mais de 1 milhão de DVDs, além de emplacar 12 singles no top 10 da Hot 100 chart da revista Billboard. A cantora já foi premiada três vezes com o Grammy, duas vezes pela própria Billboard, cinco vezes pelo VMA da MTV e outros dois pela filial da emissora na Europa. E muitos mais. Pois ela é a personalidade do programa Storytellers esta noite, às 21h, no canal Vh1.

                      NatGeo só mostra
                      bizarrices em Tabu

                      No segmento dos documentários, o NatGeo continua exibindo episódios inéditos da série Tabu na faixa das 21h30. O primeiro, “Possessão demoníaca”, vai atrás de culturas ao redor do mundo que acreditam que o mal pode se manifestar através de espíritos demoníacos que entram no corpo de uma pessoa. O segundo, “Coleções insólitas”, reúne pessoas que transformam um hobby inofensivo em uma obsessão, como um cidadão que adora tudo relacionado aos pés, que junta milhares de fotografias e pares de sapato e meias e até roda seus próprios filmes fetichistas. 

                      UFMG vai criar um site para divulgar os trabalhos da artista plástica Lygia Clark


                      Sérgio Rodrigo Reis

                      Estado de Minas: 13/03/2013 

                      A artista plástica Lygia Clark (1920–1988) nasceu em Belo Horizonte, mas foi no Rio de Janeiro, onde iniciou os estudos artísticos em 1947, que se notabilizou internacionalmente. Pelo menos por aqui, ela permanece pouco conhecida. A situação deverá mudar em breve, quando a Universidade Federal de Minas (UFMG) lançar um site com boa parte da obra da artista.

                      A responsável pela coordenação do projeto é a historiadora Thaís Velloso Pimentel, de volta à UFMG depois de dirigir a Fundação Municipal de Cultura. “O trabalhos estão em curso, executados em parceria com o site O mundo de Lygia Clark. A Fapemig é a agência financiadora e a previsão de conclusão é janeiro de 2014”, avisa. Segundo ela, a digitalização e disponibilização desse legado artístico estão sendo feitas com participação ainda de professores da Escola de Belas- Artes, de Ciências da Informação e de História. “Tecnicamente está bem avançado”, revela.

                      OUSADIA


                      O trabalho de divulgação do legado de Lygia Clark é urgente devido à importância dessa produção na história da arte. Entre outras ações, ela foi uma das fundadoras do Grupo Frente, em 1954, dedicando-se ao estudo do espaço e da materialidade do ritmo. A pesquisa deu origem a outras batizadas de Superfícies moduladas (1955–57) e Planos em superfície modulada (1957–58).

                      Nas séries, a artista desloca a pintura para longe do espaço claustrofóbico da moldura. A intenção foi revelar como cada figura geométrica se projeta para além dos limites do suporte, ampliando a extensão das suas áreas. A partir daí ela consolidou a pesquisa plástica, que teve, entre outros fatos relevantes, a participação, em 1959, na 1ª Exposição de Arte Neoconcreta, quando assinou o Manifesto Neoconcreto.

                      Com o tempo, as obras de Lygia Clark parecem querer ganhar o espaço na construção de outros suportes para os objetivos e na produção, por exemplo, da série Casulos. São obras em metal, que já sinalizam a possibilidade de modificação com recursos das dobras. Pouco depois, começou a deixar de lado a matéria dura para trabalhar com materiais flexíveis, dando origem ao que chamou de Obra mole (1964).

                      A trajetória de Lygia Clark tomou novos rumos quando, em 1972, ela foi convidada a ministrar um curso sobre comunicação gestual na Sorbonne, na França. As aulas se transformaram em experiências coletivas inspiradas na manipulação do sentidos. A partir de 1981, ela reduziu pouco a pouco suas atividades.

                      O site que a UFMG planeja lançar deverá ser um importante aliado para o resgate da produção visual da artista. Thaís Pimentel considera a missão instigante pelas reflexões que sugere. “Ela não tinha muito a pretensão de ser uma artista consagrada”, diz. “Para ela, a obra valeria o quanto vale. Ela lidava com uma proposição de fazer arte num ambiente que não era aquele que soleniza a arte. Era muito ousada em suas proposições. Tenho enorme respeito pela sua produção. Nosso compromisso tem de ser o de cuidar desse acervo.” 

                      Filmes hermanos viram referência-Carolina Braga‏

                      Brasil segue a cartilha dos argentinos e passa a filmar temas ligados à classe média. Outro caminho se abre para o cinema nacional, polarizado entre comédias e produções autorais 


                      Carolina Braga

                      Estado de Minas: 13/03/2013 

                      Logo na saída da sessão de pré-estreia de A busca, o cineasta Fernando Meirelles avisou no Twitter: “Finalmente aprendemos a fazer filme argentino no Brasil (no bom sentido)”. Tendo Wagner Moura como protagonista, o longa dirigido por Luciano Moura nada mais é que um drama familiar sobre transformação pessoal. Um pai procura o filho desaparecido e, nessa saga, acaba se descobrindo. Mas o que teria de “argentino” nisso?

                      Produtor de A busca, Fernando Meirelles, inteligentemente, levantou uma questão que não diz respeito apenas a esse longa, cuja estreia nacional está prevista para o fim de semana, mas à maneira como o cinema adulto é tratado no Brasil. “Meu comentário foi um elogio aos argentinos. Eles são melhores do que nós na construção de personagens – complexos, humanos. Talvez a mania deles por psicoterapia esteja ligada a isso. A busca traz essa complexidade em seus protagonistas, não só pela inacreditável interpretação do casal central, mas pelo texto adulto, muito refinado, e pela direção do Luciano”, afirma o diretor de Cidade de Deus.

                      Descontando o aspecto marqueteiro da declaração, o experiente cineasta é preciso em sua análise. Como lembra Roberto Gervitz, diretor dos longas Feliz ano velho e Jogo subterrâneo, a tradição da sétima arte “hermana” se espelha na experiência das telas italianas, forjada em personagens empáticos e ligados a problemas do dia a dia.

                      “A maioria dos filmes argentinos recentes tem roteiros muito bem construídos, com temáticas relativas ao cotidiano e não ligadas às chamadas grandes questões. São filmes menos autorais, ou seja, menos preocupados com o estilo e voltados para bons personagens e para contar bem uma história”, compara.

                      Os “hermanos” até podem não ser contemplados rotineiramente com premiações badaladas, mas seu estilo tem gerado boa repercussão internacional. Vide o exemplo de produções como O segredo dos seus olhos (vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2010), Medianeras, Infância clandestina e Um conto chinês. Por sua vez, o cinema brasileiro se divide basicamente em dois polos: de um lado, comédias populares (desde a época das chanchadas); de outro, o chamado filme de arte.

                      Comunicação  

                      “Imagino que Fernando Meirelles se refira ao fato de o cinema nacional ainda ser muito polarizado entre filmes de arte e aqueles declaradamente comerciais, como comédias e as recentes cinebiografias. Com A busca, apostamos em temática adulta e cinematografia apurada a serviço de uma produção que se comunique com a maior audiência possível”, afirma Elena Soarez, roteirista do longa protagonizado por Wagner Moura.

                      Para Elena, a diferença mais marcante entre os dois países está nos temas. “Argentinos fazem filmes sobre e para a classe média. Aqui no Brasil, retratar a classe média ficou por conta das telenovelas. Tradicionalmente, o cinema brasileiro de autor elege temas mais ‘nobres’, como a ensaística sociopolítica, a reflexão sobre a identidade nacional ou a investigação de nossos ‘outros’: índio, favelado, preso, bandido, nordestino. Ou seja, personagens que nós, fazedores de filmes do Sudeste, vamos desentocando”, afirma a roteirista.

                      Adepto dessa perspectiva, Roberto Gervitz é um defensor do cinema intimista. Em agosto, ele começa a filmar Mãos de cavalo, adaptação do livro homônimo escrito por Daniel Galera. “O cineasta brasileiro deve perder a vergonha e a culpa – de classe – de refletir e contar histórias com temas e personagens de seu universo. Deve falar com mais conhecimento e verdade, pois se trata do seu mundo”, diz. O diretor cita exemplos como Noite vazia, de Walter Hugo Khoury, filme de 1964, e obras mais recentes, como O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger; As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky; e O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho.

                      “A busca se insere na tradição de filmes que mergulham no universo da classe média urbana com belos personagens e histórias intimistas, adotando o tom fabular e poético, além de escapar do realismo e do naturalismo óbvios”, conclui Roberto Gervitz.

                      Mito
                       À frente de coproduções com a Argentina, Vânia Catani, da Bananeira Filmes, surpreende-se com a declaração de Fernando Meirelles. A produtora garante: em termos de negócios, os cinemas brasileiro e argentino estão em plena sintonia. Atualmente, ela mantém duas parcerias com o país vizinho.

                      O primeiro filme, El ardor, começa a ser rodado em abril na província de Missiones. Será dirigido por Pablo Fendrik, com Gael Garcia Bernal, Alice Braga e Chico Diaz no elenco. O outro, Mate-me por favor, será comandado pela cineasta brasileira Anita Rocha.

                      “Não sou da turma que acha que qualquer filme argentino é melhor do que os nossos. Lá, há talentos indiscutíveis. Aqui também. Não sei de onde saiu o mito de que a qualidade das produções deles é superior à das nossas. Lembro-me do Paulo José dizendo que fazemos o melhor cinema brasileiro do mundo. E eles fazem o melhor cinema argentino do mundo”, brinca Vânia.

                      Porém, na ponta do lápis, as diferenças ficam bem mais claras. A experiência recente não deixa dúvida sobre o imenso descompasso entre orçamentos. “Minha experiência está sendo maravilhosa. O único problema é que no Brasil filmamos três vezes mais caro que eles. Isso complica. Se há algo importante para aprender com os argentinos, é filmar mais barato. Aqui está ficando surreal”, critica Vânia Catani.

                      Procura-se matraqueiro-Ailton Magioli‏

                      Conhecido em Sabará por tocar matraca, tradicional na semana santa, Francisco Dário dos Santos reclama do desinteresse pelo instrumento e busca apoio para treinar jovens


                      Ailton Magioli

                      Estado de Minas: 13/03/2013 

                      Último matraqueiro em atividade em Sabará, na Grande BH, a cada nova semana santa Francisco Dário dos Santos, de 39 anos, mostra-se preocupado com a sobrevivência da atividade e, consequentemente, do próprio instrumento musical e sinalizador. “Já tentei atrair a juventude, mas ninguém quer”, afirma Chiquinho, que, matraqueiro desde a infância, há 16 anos criou a famosa TV Muro de Sabará.

                      Oportuna e devidamente trajado de opa (capa sem mangas, usadas por irmandades e confrarias religiosas) roxa, Chiquinho lembra que a matraca surgiu para substituir os sinos na semana santa. “Nesta época os sinos ficam restritos à dobragem, enquanto a matraca é tocada nas procissões e abertura do sepulcro”, acrescenta o matraqueiro, cuja agenda fica repleta de compromissos no período.

                      A começar da abertura do sepulcro, na quinta-feira da semana santa, às 15h, na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico de Sabará, seguida da encenação da Paixão de Cristo e Procissão do Enterro, a partir das 19h30 do mesmo dia, na Praça Melo Vianna, a cargo do grupo teatral Cena Aberta. A maior cerimônia da data fica reservada para a Procissão da Penitência, na madrugada da sexta-feira, a partir das 4h, quando milhares de fiéis, muitos dos quais em jejum e penitência, saem em direção à Capela do Bom Jesus, no Morro da Cruz, a cerca de três quilômetros do Centro Histórico.

                      Para tocar a matraca é preciso ter “jeito”, segundo Francisco Dário dos Santos. “Trata-se de uma mesmice, o vai e volta do instrumento, para o lado direito e o lado esquerdo, para fazer o ferro bater na madeira e soar”, explica o matraqueiro, lembrando que geralmente a matraca é constituída de madeira, onde existe um pedaço de ferro curvilíneo que, quando sacudido, produz som. Usada principalmente em pequenas cidades por vendedores de beiju e na quaresma, para anunciar uma procissão, o instrumento é uma herança familiar no caso de Chiquinho.

                      “Aprendi a tocar com o meu pai, Francisco Armando dos Santos, que herdou a função do pai dele, meu avô, Modestino dos Santos”, recorda ele, que convive com o instrumento desde os 7 anos. “Meu irmão também tocou, mas desistiu por causa da procissão de madrugada, quando tinha de acordar cedo demais”. Segundo Chiquinho, à exceção do parceiro Wilder Jader, aluno da Apae de Sabará, que gosta de matraca, os jovens da cidade histórica não querem mais saber do instrumento.

                      Fôlego “Por se tratar de um instrumento pesado, tem de ter fôlego para tocar”, ressalta Chiquinho, cujos instrumentos datam de 1956 e 1963 e pesam, respectivamente, 6kg e 10kg. “Muitos não sabem da importância da matraca, que, além de substituir os sinos na semana santa também são responsáveis por afastar o mal e expulsar o demônio”, admite o matraqueiro, que pensa em treinar a juventude para o aprendizado do instrumento, além de criar um grupo de matracas. Para isso, ele pensa em recorrer à ajuda de órgãos públicos e da Banda Santa Cecília, umas das instituições musicais mais antigas do estado, com sede em Sabará.

                      Dois anos antes de aprender a tocar matraca, Chiquinho já havia se iniciado na arte do sino, ao lado do pai. Nascido e criado ao lado da Igreja de São Francisco, foi no alto da torre, em companhia do pai, que ele aprendeu a manusear o pesado instrumento, que, com a morte do sineiro, em 1990, ele parou de tocar. “Tenho vontade de voltar a tocar sino”, confessa o matraqueiro, lembrando que Sabará tem hoje seis sineiros e apenas  dois deles estão em atividade.


                      SAIBA MAIS: toque de melancolia
                      Instrumento amplamente usado na capital e cidades históricas da região metropolitana (Santa Luzia, Raposos, Sabará, Pedro Leopoldo, Nova Lima), além de Ouro Preto, Mariana e São João del-Rei, a matraca pode ser encontrada, por exemplo, na Paróquia Nossa Senhora das Dores, do Bairro Floresta, Leste de Belo Horizonte. “Na sexta-feira santa o coroinha usa a que nós temos aqui”, afirma o pároco José Geraldo Sobreira, recordando que o instrumento remete ao período do barroco. “Trata-se de uma tradição antiga na vida da Igreja, cuja origem eu não sei se tem a ver com a colonização”, acrescenta padre Sobreira, salientando o fato de ele ter sido incorporado por rituais litúrgicos e paralitúrgicos, de modo especial pelas procissões. “Ao contrário do sino, que tem um toque alegre, a matraca tem um lado lúgubre, triste, sendo mais usada, inclusive, na procissão do enterro de Jesus Cristo”, destaca o pároco, lembrando que, além de Minas, o instrumento é muito usado nos estados de Goiás e, talvez, da Bahia.