sábado, 2 de fevereiro de 2013

A falta que ele faz (Henfil) - Hila Rodrigues e Jamylle Mol‏

A falta que ele faz 

Hila Rodrigues e Jamylle Mol
Estado de Minas: 02/02/2013 

Henfil ao colo de dona Maria: cartas do filho à mãe foram trincheira contra desmandos da ditadura
Em tempos de Comissão da Verdade – quando o Estado brasileiro toma para si a tarefa de clarear os cantos escuros da ditadura militar –, é difícil não recordar o traço rebelado e atrevido de Henfil. O lápis e o nanquim que palpitavam em tudo: nos rumos da política e da economia, nos cenários de desigualdade, no comportamento de homens e mulheres a quem acusava dessa ou daquela atitude. Ou da falta dela. Pois em 4 de janeiro o calendário marcou 25 anos sem ele. 

Para as gerações que o cartunista não cutucou, não provocou ou não tirou do sério, resta uma espécie de vácuo: Henfil passou feito um cometa – quem não viu perdeu. Mineiríssimo, nasceu Henrique de Souza Filho, na cidade de Ribeirão das Neves, no mês de fevereiro. Se estivesse vivo, faria, na terça-feira, 69 anos (que certamente celebraria com uma piada obscena). Aos 20 anos, já era cartunista na Revista Alterosa. Dali saltaria para outros segmentos da imprensa, como o Jornal do Brasil, o Jornal dos Sports, Jornal da Tarde, Correio da Manhã, Intervalo e as revistas Isto É, Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro. Também brindou, com sua irreverência, um dos mais importantes jornais da imprensa alternativa, O Pasquim. Sem falar do cinema (com o filme Tanga, deu no New York Times) e da televisão (com o programa TV Mulher, da Rede Globo). Hemofílico, morreu em 1988, vitimado pela Aids (contraída por meio de uma transfusão de sangue), depois de brigar feroz e obcecadamente pelo fim do regime militar, da tortura, dos exílios, pela democracia, pelo voto direto, pelo fim da fome e da miséria, pela educação, pelo direito à vida – mas não a qualquer vida. Só valia a vida digna. 

Cartunista, quadrinista, escritor e jornalista, Henfil era dessas figuras que militam incansavelmente, cansando aqueles que se recusavam a pensar em liberdade. Atribuía a seu próprio desenho (e também à própria escrita) a marca de um jornalismo socialmente engajado, que se ocupava da crítica social, política e cultural. Não por mero acaso, chegou a integrar o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, como suplente, e a Associação Brasileira de Imprensa, como vogal. Nos anos 70, participou ativamente do movimento grevista dos jornalistas e, segundo o ex-presidente do sindicato da categoria em São Paulo Audálio Dantas, queria “comer o fígado” dos donos de jornais. Mais tarde, reuniria desenhistas como Laerte, Nilson, Chico Caruso, Paulo Caruso e Angeli para integrar a Oboré, a pequena empresa de comunicação criada para divulgar os movimentos de resistência ao governo e as injustiças praticadas pelo regime contra as bases operárias do ABC paulista. A partir dos quadrinhos – e sem receber por isso – o grupo de cartunistas dedicou-se à conscientização política dos operários. 

Adepto da palavra e do desenho capazes de traduzir, Henfil se empenhava para ser compreendido pelas classes populares, e não apenas pelos intelectuais. Queria provocar reflexão, indignação e, a partir daí, ação. “O humor pelo humor é sofisticação, é frescura”, bradava aos amigos, explicando que, para ser levado a sério, o humorismo deveria ser “jornalístico, engajado, quente”. E sofrido – faltou dizer. Henfil fazia rir, mas também fazia doer. Foi assim, por exemplo, quando a Graúna, personagem mais famosa da Turma da Caatinga, revelou os três mitos alimentados pelos brasileiros nas regiões castigadas pela seca: Papai Noel, cegonha e leite. Ou quando ela se gaba a outros dois personagens (o cangaceiro Zeferino e o Bode Orelana) de pertencer a um lugar como a caatinga, “a maior exportadora de crianças para o céu”. 

As histórias da caatinga tomavam o Nordeste como metáfora dos mais pobres. Nos desenhos, um outro social ganhava rosto através dos personagens e mostrava aos brasileiros a cara do analfabetismo, da mortalidade infantil, da seca e da fome. Era assim que os desenhos burlavam a censura à imprensa imposta pelo regime, denunciando problemas que acometiam grande parte dos brasileiros. Marcados por uma ironia aguçada, os traços questionavam o poder público e a reação – ou não reação – das pessoas. Cada personagem era uma frente de batalha: os fradinhos Baixim e Cumprido, inspirados nos frades dominicanos de Belo Horizonte, questionavam, num humor ácido e direto, o comportamento de uma sociedade apática, por vezes cúmplice. Estavam lá, nos diálogos entre os frades, as críticas mais ferrenhas aos preconceitos raciais e de gênero, ao poder público e seu descaso para com as classes mais pobres e, sobretudo, às contradições da Igreja Católica como instituição de fé. 

Sempre rebelde O traço e a palavra faziam as vezes de espada num cenário que não oferecia tréguas. A campanha pela anistia aos exilados políticos é outro bom exemplo. Tema recorrente nos quadrinhos e textos de Henfil, o movimento, iniciado em São Paulo, tentava fazer com que o governo militar cessasse as perseguições aos condenados por crimes políticos, acusados de manifestações e ações contra a ditadura. Nesse caso específico, a luta de Henfil sustentava-se no sentimento de solidariedade aos brasileiros perseguidos, mas sobretudo na situação do próprio irmão – o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, também exilado. A luta de Henfil dava, assim, contornos singulares aos sentimentos de muitas famílias separadas de entes queridos, forçados ao exílio. Famílias que, ao fim e ao cabo, só faziam representar o Brasil que sonhava com a “volta do irmão do Henfil”, como rezavam, na voz de Elis, os versos da canção O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc. Para o cartunista Nilson, a campanha pela anistia não teria a mesma força sem as Cartas da Mãe – aquelas que Henfil escrevia à mãe, dona Maria, e que, naquele período, eram publicadas semanalmente pela revista Isto É. Argumenta que elas davam um rosto a cada exilado. “Os 10 mil exilados, que ninguém sabia que existiam, fora os mais conscientizados, de repente tinham uma cara: era o Betinho, o filho da dona Maria”, avalia o desenhista em depoimento a Dênis de Moraes, autor da biografia do cartunista, O rebelde do traço, lançado pela editora José Olympio em 1996. 

Naqueles anos, Henfil dedicou-se inteiro à campanha pela anistia. Segundo Dênis de Moraes, ele produziu desenhos para comitês de anistia, compareceu a uma série de atos púbicos, fez questão de assinar manifestos pela “anistia ampla, geral e irrestrita”. Esse empenho, tão direcionado aos direitos humanos, chamou a atenção do núcleo mineiro do Comitê Brasileiro pela Anistia, que chegou a conceder ao cartunista, em abril de 1979, a Medalha Vladimir Herzog.

Sim, é bastante provável que as histórias contadas por Henfil – pelo traço ou pelo texto – sejam calcadas em utopias, todas elas inspiradas em desejos e sonhos de cidadãos de outro tempo e lugar. Mas talvez por isso também estejam tão presentes nas ideias que deram corpo à Comissão da Verdade. Porque uma boa história não se limita à arte da narrativa. A boa história permite mudanças, possibilita novos desfechos, inaugura novos rumos. Até que se anuncie um novo tempo.


Hila Rodrigues é jornalista, doutora em ciências sociais e professora da Universidade Federal de Ouro Preto. Jamylle Mol é bolsista de iniciação científica do curso de jornalismo da Ufop

João Paulo -Liberdade, liberdade‏


João Paulo
Estado de Minas: 02/02/2013 

Lincoln foi um presidente que gostava de falar: crença no valor da palavra

A grande novidade dos filmes Lincoln, de Steven Spielberg, e Django livre, de Quentin Tarantino, é que não se trata de filmes históricos, que falam do passado. São filmes sobre a escravidão e a busca da liberdade. Em outras palavras, sobre nossos tempos sombrios.

Quando Steven Spielberg decidiu filmar Lincoln havia uma justa expectativa de que ele mergulharia na emoção, no patriotismo e até na aventura que cercou a Guerra Civil. Emoção, patriotismo e aventura haviam sido seus caminhos até então. O cineasta, maduro e pessimista, preferiu fazer um filme sobre a única saída possível dos nossos impasses: a política. 

Curiosamente, em seu melhor filme em muitos anos, a repercussão da crítica tem sido mais calorosa que a do público. Não é incomum ouvir dos espectadores que o filme é longo, lento e cheio de palavras. O que lembra a resposta de Mozart ao crítico que acusava sua música de ter notas demais: “Mostre as que estão sobrando para que eu possa cortá-las”, provocou. 

Spielberg não fez um filme com palavras demais, mas com palavras certas. O cenário é de guerra fratricida. As armas não vinham resolvendo os impasses. A escravidão manchava o ideário que havia visto surgir a nação. Só restava a Lincoln convencer pela força das palavras em suas múltipla possibilidades: a razão contra o preconceito, a verdade contra a mistificação, a beleza contra o discurso tacanho, o humanismo acima dos ódios.

Em Lincoln, o roteirista Tony Kushner (que já havia colaborado com o diretor em Munique, outro drama político real fundado em dilemas éticos) elege, na longa trajetória do presidente, o curto período em que se debate a aprovação da emenda que daria fim à escravidão nos Estados Unidos. Tudo o mais fica em torno desse elemento, que surge como um sol ao contrário, um buraco negro que traga todos os debates e disputas.

A guerra segue sua sanha destruidora, a família de Lincoln sofre seus dramas íntimos, lobistas precisam agir para conquistar congressistas renitentes. No entanto, mesmo extemporânea (afinal a guerra era muito mais urgente), a questão se torna central para os destinos da nação. E só há um instrumento capaz de mudar os rumos da história: mais uma vez, a palavra.

O cinema, sobretudo o cinemão norte-americano, sempre apostou mais na inteligência das imagens. O que fez com que as produções do país se tornassem hegemônicas por muitas décadas foi exatamente a capacidade de arregimentar argumentos visuais, sonoros e cinestésicos, criando mais pathos que logos. O cinema americano convence pela emoção.

Em política, a emoção é combustível e resultado, no meio do caminho está o exercício do discurso, com sua crença fundamental na racionalidade e na capacidade de convencimento. A filosofia liberal, antes mesmo de se tornar política e economia, tinha como fundamento a ideia iluminista de que todo mundo podia saber tudo. 

Nesse cenário igualitário, vence sempre o melhor argumento. É a base, por exemplo, da defesa da liberdade de expressão: todo mundo pode dizer tudo, cabendo a cada um, no exercício livre de sua razão, escolher o melhor caminho. Lincoln  é um filme para quem gosta de política e liberdade. 

O espectador precisa ficar atento, tudo que é dito tem segundas intenções. Nada é o que parece. Ao defender a palavra e sua expressão livre, nem por isso se pode relaxar da vigilância da inteligência. No jogo da política vale tudo, menos a ingenuidade. Quando o presidente Lincoln convence com pequenas histórias e parábolas, não está abaixando o nível da argumentação, mas operando em outro registro. Igualmente válido e possivelmente mais operativo.

Muito se comparou o processo de aprovação da emenda intentado por Lincoln com os jogos baixos da corrupção. Não há, em história, risco maior que o anacronismo. Podemos comparar circunstâncias, mas não julgar o passado com conceitos que não faziam parte de seu repertório intelectual e moral. O inverso também é perigoso: achar que tudo que vivemos hoje é resultado de processos atávicos que vêm de muitos séculos atrás. 

O que o filme de Spielberg mostra é que os jogos de poder sempre existiram, que os instrumentos de convencimento são muitas vezes marcados pelos interesses menores, que o ceticismo deve comandar a inteligência, embora a ação deva brotar da vontade. Ganhar a confiança ou comprar as consciências não é um dilema universal, mas uma situação que se traduz diferentemente a cada tempo.

Steven Spielberg tinha muitos caminhos para contar sua história. Escolheu o mais difícil e se saiu muito bem. Ele recupera a política, a primazia do humanismo e o reino da moral no campo das grandes ações humanas, mesmo que sejamos todos anjos caídos. Mais caídos que anjos. Ao falar de política no cinema, o diretor realiza um filme político na medida das necessidades de nosso momento crítico. 

Na conversa de Lincoln com soldados na trincheira da guerra, que abre o filme, o nome de Obama surge como uma elipse poderosa (que viria depois de os negros ganharem salários iguais, conquistarem posições de destaque no Exército e alcançarem o voto em 100 anos). Às vezes as melhores palavras são ditas em silêncio.

Molho de tomate Django livre, de Tarantino, com igual força, coloca em cena outro tratamento da escravidão. Aqui, em vez da palavra, o que domina é a ação e a revolta. Tarantino pega pesado. Transforma a servidão em violência pura, propõe comparações com o nazismo, banaliza a vida no limite do impensável. Ao reciclar o filmes de faroeste em sua vertente italiana, com seus excessos e mau gosto, deixa de fora dos seus maneirismos o núcleo que alimenta sua indignação. 

O filme opera com os instrumentos que sempre foram manejados pelo diretor, da música à coreografia absurda da violência, dos personagens arquetípicos às situações mais inusitadas (como se o cinema pudesse reescrever a história, como fez em Bastardos inglórios), mas em nenhum momento baixa a guarda para a escravidão.

O diretor, cínico em alguns momentos de sua obra, parece ter encontrado o grau zero de sua revolta na alma cativa dos negros. O ódio à escravidão é manifesto em todos os quadrantes do humano. Tarantino não aceita a servidão legal, a servidão voluntária, a servidão cultural. A única saída – num terreno em que a palavra não existe e os negros são calados à força – é mandar bala.

Spielberg faz um diagnóstico. Tarantino indica o tratamento. O grande desafio que nos cabe, talvez a única saída, é inverter os sinais.

Walter Ceneviva

folha de são paulo

A justiça dos homens
A resposta da justiça humana não será rápida. Será muito mais lenta do que desejarão ver os parentes das vítimas
Nas manifestações públicas, especialmente no Rio Grande do Sul e em outras partes do país, foi forte o traço comum. Estava nos cartazes referentes à morte de mais de duas centenas de jovens, na boate incendiada. Letras maiúsculas traziam a palavra "JUSTIÇA!". Era o claro anseio de que as mortes resultem na condenação de todos os culpados. Por ação ou omissão. De entes públicos ou privados. Todos os que deram causa ao resultado pavoroso (Constituição, art. 5º, incisos 35 a 37 e 40).
Trata-se, como evidente, de fazer a justiça dos homens, da lei escrita, para o processo punitivo dos responsáveis e absolutório dos inocentes (Constituição, art. 5º, inciso 57). Serão penas compatíveis com as circunstâncias agravantes, não acolhida a alegação de imprevisibilidade do resultado ou outra que as defesas criarem.
Para os familiares das vítimas, nenhuma punição lhes trará de volta os seres queridos, mas a gravidade do efeito sugere a equiparação da conduta dos responsáveis às alternativas de crime doloso (Código Penal, art. 18, ao fim). Os controladores da boate, direta ou indiretamente -segundo as informações divulgadas- agravaram o resultado, por omissão, ou se impediram os frequentadores de saírem (sem que pagassem pelo consumo), se adotaram fogos de artifício no espaço interno. Ou se admitiram o ingresso de clientes acima do possível. A prova das agravantes há de ser cabal.
A resposta da justiça humana não será rápida. Será muito mais lenta do que desejarão ver os parentes das vítimas. O resultado almejado, da resposta em tempo breve, poderia sacrificar o direito de defesa dos que o quiserem defender? Essa é a pergunta mais comum, ouvida quanto aos fatos. É sempre respondida pela última alternativa possível: não. Não poderá. Na área da segurança pública a apuração inclui a polícia civil, à qual incumbe o levantamento do que aconteceu antes, durante e depois dos fatos, na produção do inquérito. Haverá cooperação da polícia militar quanto aos banheiros.
O julgamento é centrado no Poder Judiciário. Vai do juiz de direito (na comarca local) passar pelas cortes intermediárias, até os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O Ministério Público tem autonomia para a promoção da ação penal (Constituição, arts. 127 e 18, inciso II). A Carta Magna inclui, ainda, o advogado (privado ou público), assim como o defensor público para atuarem imprescindivelmente em favor dos acusados.
No processo, os elementos técnicos serão definidos em laudos, por peritos nomeados pelo juiz e por assistentes das partes.
O leitor pode acompanhar o desenvolver dos fatos, até -no fim do processo- saber o resultado com as condenações e absolvições. Trilhas diversas acolherão ações cíveis, movidas pelas famílias das vítimas, contra os responsáveis, sejam eles privados (empresários da boate e seus contratados) ou públicos (autoridades encarregadas do controle administrativo das condições do local e de sua fiscalização).
Quanto tempo se passará, com os procedimentos envolvidos da apuração à condenação ou à absolvição? É impossível prever. A experiência permite arriscar um mínimo de dez anos. A previsão pode parecer exagerada, mas é muito pouco provável que o fim do processo chegue antes.


LIVROS JURÍDICOS
RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DIREITOS HUMANOS
AUTOR Gustavo Gonçalves Ungaro
EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
QUANTO R$ 68 (210 págs.)
Nina Stocco Ranieri, orientadora desta dissertação de mestrado (Fadusp), diz no prefácio que "a doutrina dos direitos humanos", sustentada pelo autor, é pressuposto do Estado. Ungaro diz que "já vai longe o tempo do arbítrio absoluto", reafirmando o Estado de Direito.
A GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
AUTORA Marina França Santos
EDITORA Del Rey (0/xx/31/3284-5845)
QUANTO R$ 60 (179 págs.)
Dissertação de mestrado da UFMG foi distinguida por Humberto Theodoro Júnior, ao dizer que "assiste razão à autora", quando enuncia com clareza que o contraditório se completará "pelo controle de legalidade e justiça da sentença". O ensaio dá contribuição à visão do tema e de seus consequentes.
NORMAS GERAIS SOBRE DESPORTO
AUTOR Irany Ferrari
EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
QUANTO R$ 30 (77 págs.)
Irany, um craque no campo do Direito do Trabalho, examina a Lei n. 9.615/98, na versão oriunda da Lei n. 10.891/04, que reformulou a regulamentação do desporto brasileiro. A avaliação de cada artigo é acrescida de jurisprudência atualizada. Trata dos contratos especiais do trabalho desportivo, a contar do art. 27.
DIREITO DE AUTOR E COPYRIGHT
AUTOR João Henrique da Rocha Fragoso
EDITORA Quartier Latin (0/xx/11/3101-5780)
QUANTO R$ 62 (256 págs.)
Fragoso centrou seu interesse nos "fundamentos históricos e sociológicos dos temas". Partindo de sete séculos antes de Cristo, avança lenta, mas inexoravelmente até a atualidade, com todos os cruzamentos de permeio. Atinge o copyright, recorda o droit d´auteur, até os direitos morais e conexos.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
AUTORES Marco Antonio Marques da Silva e Jayme Walmer de Freitas
EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
QUANTO R$ 215 (1.038 págs.)
Fundada no processo penal democrático, esta obra traz análise atualizada e moderna, envolvendo a jurisprudência com muitos exemplos.
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA FORENSE
ORGANIZAÇÃO Aline T. Bruni, Jesus A. Velho e Marcelo F. de Oliveira
EDITORA Millennium (0/xx/19/3229-5588)
QUANTO R$ 136 (400 págs.)
Obra, com 23 autores colaboradores, é fiel ao subtítulo: a análise prática da química que soluciona crimes.

    Bambam e Quixote(Shows de realidade) -Mozahir Salomão Bruck e Jeane Moreira

    Shows de realidade, como Big brother Brasil, mostram seus limites com o passar dos anos e parecem cobrar reinvenção permanente para produzir interesse no público 

    Mozahir Salomão Bruck e Jeane Moreira
    Estado de Minas: 02/02/2013 

    De vendedor de coco a DJ, Bambam, vencedor da primeira edição, não aguentou o tranco na temporada atual do reality


    Foi inspirado no pensador norte-americano William James, uma das referências do pragmatismo, que Alfred Schütz cunhou a noção de múltiplas realidades. Para ele, tal perspectiva permitiria estudar formas de racionalidade diversas, como a noção de que o lugar de integração e de socialização seria também espaço de exercício de poder e de exclusão. Schütz destacou que o conhecimento em termos do senso comum, próprio de um grupo, de uma comunidade, aparentemente possui coerência, clareza e consistência para os que ali estão inseridos, apesar de que, eventualmente, possa estar coberto com um “manto de suposições e de ignorância” .

     Ainda seguindo os passos de James, Schütz avançou na noção de subuniversos e estruturou o conceito de províncias finitas de significado. Sendo cada província composta por significados compatíveis entre si, as experiências que se dão em determinada província de significado apontariam para um estilo particular de vivência – indiciariam um particular estilo de construção de saberes. Com isso, configurariam uma instância dentro da qual todos os pressupostos se encaixariam. Porém, é na finitude das províncias de significado que suas verdades se encerram – por isso, Schütz as nomeou províncias finitas de significado. Não há espaço para a estranheza dentro da província. Como assinalou Schütz, somente as evidências valem.     

    Partindo de James e Schütz, é que se pergunta: o que existe de realidade nos reality shows? Muita coisa, certamente. Aliás, pode-se dizer que há muitas realidades, ou melhor, múltiplas realidades: o real da inscrição narrativa característica desse tipo de programa; o real das circunstâncias econômicas e também culturais que o envolvem, viabilizam e influenciam; o real dos jogos de relacionamento e de poder entre os participantes a partir de regras e definições de quem comanda o reality show; o real do que é selecionado, editado e levado ao ar do que “acontece na casa”; o real proto-oracular do apresentador do reality; o real da vinculação do telespectador com aquilo a que assiste e o real das reverberações do programa no conjunto da sociedade. 

    Este tipo de atração televisiva, praticamente presente em todo o mundo, oscila entre picos elevados de audiência e agudas curvas descendentes de interesse. A exemplo de outros países, também aqui o modelo Big brother Brasil (BBB) enfrenta, há alguns anos, perda significativa de audiência. Haja vista que o programa de estreia da atual edição teria amargado o pior nível de audiência de todas as suas edições, tendo ficado próximo da metade daquela registrada do BBB de 2002, quando a estreia alcançou 49 pontos. No caso do BBB, a curva é descendente – vem caindo, pelo menos, nos três últimos anos. 

    Depois de 13 anos, o Big brother Brasil parece ter como principal desafio reinventar-se. Independentemente dos perfis dos participantes, tudo já parece ser muito previsível para o público: afetos, paixões, intolerâncias, as grandes amizades que se criam, os ódios que se constroem, venenos que se destilam, destilados que se ingerem com excesso, as calúnias, as injustiças, as incompreensões... quando será o primeiro beijo entre os participantes... o histrionismo dos emparedados nos dias de eliminação ao verem seus familiares pela tela, em meio a um grupo enorme de pessoas outras, que ninguém sabe quem são e por que estão ali. 

    O Big brother tem recebido atenção e análise de estudiosos de diversas áreas de conhecimento, com destaque para o modo de categorizá-lo – se como um entretenimento ou como realidade. Como saída para este desafio conceitual, a tendência tem sido tratá-lo como uma hibridização. Outros autores, porém, o entendem como algo próximo a uma pararrealidade e alguns teóricos optam por percebê-lo como exclusiva ficção – em que tudo é tramado, enredado. 

    Na edição de 2013, na tentativa de inovar, a produção do programa apostou na volta ao passado e convocou ex-participantes para comporem o grupo. Dentre eles, estava Kléber Bambam, o primeiro a vencer o BBB, em 2002. Pode-se dizer que Bambam foi um dos participantes que mais marcaram a história do reality. O brother criou uma boneca feita com pedaços de sucata, que ele batizou de Maria Eugênia. Bambam fez dela a sua mascote dentro da casa. Importante ressaltar que, no momento em que construiu a boneca, ele enfrentava sérios problemas de relacionamento com os demais confinados. Quando a produção do programa decidiu retirar Maria Eugênia da casa (possivelmente porque já provocava algum tipo de disfunção no desenvolvimento da trama), Bambam desesperou-se e chorava intensamente, dizendo que, por estar isolado, ela era sua única companhia. O episódio criou uma comoção entre os telespectadores e a boneca acabou sendo devolvida a Bambam. 

    Devaneios 
    O caso de Maria Eugênia é exemplar na proposta desta reflexão de pensar o BBB a partir das províncias finitas de significado de Schütz. O fenomenólogo austríaco, em sua brilhante análise de Dom Quixote (ver “Dom Quixote e o problema da realidade”, traduzido no livro Teoria da literatura em suas fontes), apresenta a sofisticada teia de sentidos armada por Cervantes para conectar o mundo idealizado/imaginado pelo herói com o mundo real das demais personagens, que, apesar de, a princípio, não compartilharem da “loucura” do cavaleiro, em algumas das aventuras acabam por mergulhar nas mesmas águas, experimentando, em profunda crença, os fantásticos, alegóricos e ilusórios devaneios quixotescos.

    O público, ao que parece, se apiedou de Bambam, que, conscientemente ou não, conseguiu agendar, pela sua crença, uma denúncia de exclusão e garimpagem de empatia para si – ou seja, o lugar de integração é também de poder e de exclusão. Maria Eugênia materializou essa nova dimensão de realidade. A boneca se transformou, comparando-se com o romance de Cervantes, no seu “escudo de Mambrino” (que no caso de Quixote tratava-se de uma bacia velha roubada de um barbeiro). 

    Ao fazer com que distintas dimensões de realidade – e suas “verdades”, mesmo as mais facilmente refutáveis – ganhassem importância, Bambam promoveu uma transposição de significados entre províncias finitas distintas – o que, segundo Schütz, constitui uma operação de encantamento. Maria Eugênia passou a encarnar os papéis de causalidade e de motivação. Ganhou tal relevância que acabou sendo decisiva no desfecho do programa. O verdadeiro e o falso, o imaginário e o concreto, o ilusório e autenticável não mais se negavam. Como assinala Schütz, é como falar em uma dialética não hegeliana.

    Vencedor do BBB 1, Bambam diz ter estendido sua “amizade” com a boneca, mesmo depois de encerrado o confinamento, guardando-a até hoje em casa. Além disso, o brother tatuou uma caricatura de Maria Eugênia em seu braço direito. Reconvocado em 2013 para novamente estar no programa, Bambam desistiu logo na primeira semana da participação. Ao que tudo indica, Bambam já não é o mesmo e o Big brother Brasil também não. A televisão e os contratos de leitura que esta enseja, muito menos o são. As províncias de significado parecem ter se alterado drasticamente desde a primeira edição do programa. Afinal, nenhuma província vivida ou mesmo imaginada o seria. “Dinheiro não é tudo”, justificou Bambam ao deixar o BBB 2013 – o oposto do que alardeava, em sua primeira participação, o ex-vendedor de coco, confinado reincidente e hoje autointitulado DJ. 
     
    * Mozahir Salomão Bruck é professor da PUC Minas. Jeane Moreira é graduanda de jornalismo da PUC Minas.

    ENTREVISTA/MÁRIO ALVES COUTINHO » Literatura em celuloide-João Paulo‏

    Livro reúne entrevistas com principais especialistas franceses na obra do cineasta Jean-Luc Godard 

    João Paulo
    Estado de Minas: 02/02/2013 

    O crítico, ensaísta e tradutor Mário Alves Coutinho sempre teve uma relação intensa com o cinema de Jean-Luc Godard. Das sessões de filmes e debates no Centro de Estudos Cinematográficos (CEC) à pesquisa detida da obra do cineasta, que resultou em doutorado defendido na França e no livro Escrever com a câmera: a literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard, a trajetória de Godard ocupou muitos anos da atenção do crítico. O livro que Coutinho está lançando pela Editora Crisálidas é mais uma etapa nesse percurso sem fim. Godard, cinema, literatura reúne entrevistas com nomes de ponta da crítica e da pesquisa acadêmica sobre a obra do cineasta franco-suíço. O tema que constitui o núcleo dos debates é a relação de Godard com a literatura. Não se trata de uma pesquisa do uso da ficção e das narrativas literárias nos filmes do cineasta, mas da forma como, por meio de elementos cinematográficos, linguísticos e retóricos, Godard faz literatura e, mais especificamente, poesia com a câmera. 

    Mário Alves Coutinho colheu consensos e polêmicas em diálogos com especialistas, quase todos autores de livros canônicos sobre Godard. A partir de um roteiro prévio ele se abre a outras questões, de acordo com o perfil do entrevistado. O resultado é um livro que se acompanha como a uma boa conversa, que vai ganhando consistência à medida que o leitor vai se assenhorando dos temas e da linguagem dos críticos. 

    Além de Godard, cinema e literatura, as conversas de Coutinho com seus interlocutores atravessam outros temas, como a crítica de filmes e o jornalismo cultural, emergindo daí um retrato sociológico sobre as publicações francesas do período da Nouvelle Vague e dos Cahiers du Cinéma. Não faltam observações finas sobre intelectuais como Lévi-Strauss e Jean Cocteau, que ampliam o espectro do tema central do livro. Os entrevistados foram Jacques Aumont, Phillipe Dubois, Alain Bergala, Michel Marie, Jean Douchet, Jean-Louis Leutrat, Jean-Michel Frodon, Marie-Thérèse Journot, Francis Ramirez, Jean Collet e Marie-Claire Ropars-Wuilleurmier. Confira a seguir trechos da entrevista de Mário Alves Coutinho ao Pensar.

    O livro é resultado de suas pesquisas sobre a presença da literatura na obra de Godard. Como chegou aos nomes escolhidos para os diálogos?
    O critério para escolher os entrevistados foi simples: competência no tema que eu queria abordar, que era exatamente a presença ou não da literatura na obra cinematográfica de Jean-Luc Godard. Ele é autor de vários livros: roteiros dos seus filmes, críticas de cinema, entrevistas, os textos de Histórias do cinema, que editou em quatro volumes pela Galimard; mas eu queria examinar a literatura nos seus filmes, e não nos seus livros. Quase todos os entrevistados escreveram livros sobre Godard – desde Jean Collet, que publicou o primeiro da extensa bibliografia godardiana, passando por Jacques Aumont e Philippe Dubois, até Alain Bergala, que escreveu sobre e editou obras do próprio Jean-Luc – ou então, ensaios importantes sobre sua obra e seus filmes. Francis Ramirez, por outro lado, era especialista em literatura e Jean Cocteau: ora, é conhecida a influência especial de Jean Cocteau em Godard. Já Jean-Michel Frodon, por exemplo, entrevistei-o devido à posição que ocupava: diretor de redação da revista Cahiers du Cinéma, lugar onde Godard escreveu, e onde conheceu André Bazin (ninguém passava pela órbita de Bazin impunemente). Além disso, quase todos eles eram professores na Paris 3, Sorbonne Nouvelle, universidade na qual fiz minhas pesquisas, e onde segui alguns cursos.


    Quais as principais conclusões de seu trabalho sobre a relação entre a literatura e o cinema em Jean-Luc Godard?
    Que Godard teve o desejo de fazer literatura primeiro, quando adolescente, mas que adotou o cinema, talvez por este ser, para sua família (altamente literária, com contatos diretos com Paul Valéry, André Gide e Rainer Maria Rilke), uma arte vulgar e interdita. Segundo ele, tentou escrever um romance, antes de dirigir qualquer filme, mas não passou da primeira frase. A literatura que ele quis publicar na Galimard, ele a imprimiu no celuloide. Além disso, com a minha tese de doutorado e meus livros Escrever com a câmera: a literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard e agora Godard, cinema, literatura, cheguei a algumas outras conclusões, que venho confirmando, estendendo e escrevendo em trabalhos posteriores: realmente existe um cinema moderno que faz literatura e poesia através das imagens e das palavras, e cujo exemplo mais radical (mas não o único) é Jean-Luc Godard. Outros exemplos, até mesmo óbvios: grande parte da Nouvelle Vague, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman, Jean-Marie Straub e Danielle Huillet, Abbas Kiarostami, Satyajit Ray... 

    Esse tema tem ressonância no cinema brasileiro? Que cineastas você destacaria como participantes dessa tradição?

    Apresentei um trabalho em outubro, no Memorial da América Latina, em São Paulo, exatamente sobre como se faz literatura no cinema brasileiro. Vou me ater a alguns poucos nomes. Glauber Rocha fez literatura no cinema, e da maior qualidade. Como? Não estou me referindo ao seu romance, Riverão Sussuarana, lançado em 1977, pela Record, enquanto ele ainda estava vivo. Nem ao seu livro Poemas eskolhydos, póstumo, editado pela Alhambra, em 1989. Estou me referindo a Deus e o diabo na terra do sol, esta suntuosa ópera poética. Desde a concepção até a efetiva realização do filme, Deus e o diabo transpira literatura, em todas as sequências, em todos os planos, em todas as cenas, em todos os detalhes. A começar pelos diálogos, que são uma verdadeira partitura verbal, com a fala cadenciada, ritmada quase no metrônomo, de todos seus personagens e com a música das palavras tudo comandando: podemos falar de uma dicção abertamente poética. Nelson Pereira dos Santos foi mais convencional, mas não menos genial: simplesmente adaptou, com a mesma qualidade, a obra-prima de Graciliano Ramos, Vidas secas. Luis Rosemberg tem uma obra que também é escrita com a câmera: Crônica de um industrial, e mais recentemente, O discurso das imagens, Desertos e As últimas imagens de Tebas são filmes soberbos, poesia escrita com palavras e imagens. Um outro que atua nesta área é Ricardo Miranda: seu Djalioh, baseado numa novela juvenil de ninguém menos do que Gustave Flaubert, é o que todas as adaptações deveriam ser e raramente são: tão inteligente, sutil e criativa como a própria obra literária. Ricardo Miranda está prometendo, aliás, um outro filme, baseado noutra novela juvenil de Flaubert.   

    Por que, em sua avaliação, não temos hoje revistas e centros de estudos de destaque na crítica cinematográfica, como em outros momentos relativamente recentes da cultura brasileira?

    Editar revistas e manter centros de estudos na crítica cinematográfica nunca foi uma tarefa fácil, mas um esforço de poucos e abnegados produtores culturais. Como por exemplo a Revista de Cinema e o CEC, Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais, que sempre tiveram períodos difíceis, quando as suas atividades tinham que ser paralisadas, por falta de dinheiro e condições mínimas. Pode-se dizer, por isso mesmo, que nenhuma dessas atividades teve uma história de vida sem problemas: sempre teve uma fase em que elas estavam fechadas. Não sei se isto é exatamente positivo, mas tudo agora passa pelo computador: filmes que nunca veríamos nas telas, ou então muito dificilmente, estão a um toque de dedo na internet. Igualmente, inúmeras revistas e jornais virtuais (do mundo inteiro, em várias línguas), com crítica e ensaios de cinema, podem ser acessados por qualquer um, a nenhum custo. Isso, por um lado, é muito positivo. Por outro lado, o debate presencial e o filme de celuloide na tela do cinema são uma experiência insubstituível. O ideal era contar com todas estas maneiras de ver, discutir, ensinar e aprender cinema. 

    É possível, hoje, com as pressões da indústria e da mídia, fazer poesia no cinema? Que autores você destacaria como herdeiros de Godard, na Europa, nos EUA e no Brasil?

    É plenamente possível. A indústria em geral e a indústria cinematográfica em particular sempre existiram, assim como as pressões para a estandardização de todos os produtos e produções. A indústria é necessariamente assim... O que não impediu que sempre existissem poetas e poesia no cinema, desde os seus começos. Basta lembrar os inventores do cinema, os irmãos Lumière, seguidos de perto por Georges Méliès... Neste ponto sou dogmático: basta haver desejo, competência e coragem, e teremos poesia, em qualquer circunstância, mesmo na mais desfavorável. Aliás, diria que os tempos sombrios são os que mais precisam de poesia, e talvez por isso mesmo, os que mais a produzem. Quanto aos cineastas que fazem (ou fizeram, recentemente) um cinema digno de Jean-Luc Godard, eu diria que são Jean-Marie Straub, Theodoros Angelopoulos, Béla Tarr, Jacques Rivette, Wim Wenders (Europa), Jim Jarmusch, Terence Malick, Woody Allen (Estados Unidos), Luís Rosemberg, Ricardo Miranda, Julio Bressane, Andrea Tonacci, Geraldo Veloso, Nelson Pereira dos Santos (Brasil). 

    Você concorda que os novos cineastas parecem ter muita cultura visual, mas não o mesmo potencial em termos filosóficos e literários dos artistas de linha godardiana?
    Quando me lembro do cinema de Tarantino e de Spielberg, tendo a concordar com você: um conhecimento muito grande do cinema e um brilhantismo visual inegável, mas ao mesmo tempo um pensamento muito raso, para dizer o mínimo. O cinema, as imagens e o visual somente não bastam, e isto está sendo dito por alguém que já foi crítico de cinema por muitos anos e que sempre amou um certo cinema americano (Nicholas Ray, Vidor, Samuel Fuller, Walsh, Preminger), que foi descrito predominantemente como um cinema de imagens, o que não era muito correto: Fuller, por exemplo, era escritor e jornalista, e levou esta capacidade para seus filmes... 
     
    O mundo está precisando dos filmes de Godard?

    O mundo sempre precisou dos filmes de Godard: altamente inventivo, formalmente, ele foi aquele cineasta que sempre falou da atualidade, fazendo sempre reportagens etnográficas altamente filosóficas e sofisticadas, não só analisando e mostrando os temas mais relevantes de cada momento que viveu e vive, mas muitas vezes antecipando-os. Os melhores exemplos são A chinesa e Week-End à francesa: realizados em 1967, eles antecipavam, com exatidão inacreditável, o que seria o Maio de 68 na França. Além do mais, por definição, ele é um poeta, e os poetas, como disse Ezra Pound, são as antenas da raça. Finalmente, eles são ao mesmo tempo inexplicáveis (por mais explicações que tenhamos sobre suas obras) e insubstituíveis: suas obras sempre pressupõem a liberdade, a participação e a interpretação do público. Talvez seja este, finalmente, o grande segredo de Jean-Luc Godard.

    Parcerias em surdina(Livros sobre a música brasileira)-João Paulo‏

    Livros sobre a música brasileira mostram como a mais popular das artes contribuiu para definir os traços marcantes da nacionalidade, além de abrir diálogo com o mundo 

    João Paulo
    Estado de Minas: 02/02/2013 

    Capa da partitura do samba Olh%u2019Abacaxi!, de F. Soriano Robert, compositor popular pouco lembrado, que teve sua peça citada em O boi no telhado, de Darius Milhaud
    ‘‘O Brasil tem ouvido musical que não é normal”, cantou Caetano Veloso. Curiosamente, ao saudar nosso talento brasileiríssimo, o poeta o fez numa canção que se chama Love, love, love. É nesse terreno, sempre complexo, que permite desde a exaltação nacionalista até a crítica mais iracunda contra a invasão cultural, passando pelos processos maleáveis de intercessão e antropofagia, que a música brasileira vem se afirmando como espaço de construção da nacionalidade. Somos o que somos, um pouco, por causa da música popular. A música popular é o que é, talvez, porque somos como somos.

    A crescente onda de livros sobre a música popular – de biografias a estudos históricos, de análises sociológicas a sínteses jornalísticas bastante informadas – vem construindo um patrimônio de reflexões importantes na linha da chamada “interpretação do Brasil”. 

    A contemporaneidade entre a fixação do gênero musical urbano e a República é um exemplo de como a política e o imaginário andam juntos, em processo de diálogo em mão dupla. Quando Chico Buarque compõe Vai passar, o samba-enredo do indivíduo vítima do desamor em meio às demandas da política de uma sociedade em festa/mobilização, dá sequência a uma tradição que merecia ser honrada. 

    A estante de livros sobre a música brasileira acaba de ganhar três títulos importantes, de estilos e propósitos distintos. O primeiro deles é Boi no telhado – Darius Milhaud e a música brasileira no modernismo francês, organizado por Manoel Aranha Corrêa do Lago, uma recuperação preciosa de um episódio marcante da história das relações culturais entre o Brasil e a França. 

    Outra publicação de cunho histórico é a reedição de Pequena história da música popular segundo seus gêneros, de José Ramos Tinhorão, que estuda as relações entre a música e contexto econômico e social do país. Completando a prateleira, a biografia Divino Cartola, uma vida em verde e rosa, de Denilson Monteiro.


    Orquestra e choro


    A obra O boi no telhado (Le boeuf sur le toit), de Darius Milhaud (1892-1974), é resultado do encantamento do compositor francês com a música brasileira do começo do século 20. Milhaud, uma das mais importantes personalidades da música do século 20, chegou ao Brasil em 1917, aos 25 anos, para trabalhar como secretário da embaixada francesa no país, conduzida pelo poeta Paul Claudel. Viveu dois anos no Rio de Janeiro, onde se familiarizou com saraus e salas de concerto, mas sem perder o contato com as ruas, em jornadas regadas a samba, tangos e maxixes. O jovem compositor erudito era apaixonado por Ernesto Nazareth, que ele ia ouvir nos cinemas durante a exibição de filmes mudos.

    Ao voltar para a França, Milhaud compõe obras inspiradas na música brasileira, como Saudades do Brasil e O boi no telhado, um balé que seria depois desenvolvido cenicamente por Jean Cocteau, com cenário de Raoul Dufy. A peça ganhou o público e chegou a batizar uma boate, que depois se espalharia em franquias pelo mundo. Boi no telhado passou a ser uma expressão ligada ao jazz e à improvisação. 

    Em termos musicais, Boi no telhado era uma hábil compilação de 14 temas da música popular brasileira, citando compositores como o próprio Nazareth, ao lado de Chiquinha Gonzaga, Marcelo Tupinambá, João de Souza Lima, Catulo da Paixão Cearense, Alberto Nepomuceno e José Monteiro, numa coleção de ritmos e harmonias, citações diretas e indiretas, música local e composição de vanguarda.

    A peça gerou polêmica. Alguns críticos não entenderam a homenagem (nem a forma habitual de utilização de material já composto na suíte) e acusaram o músico de plágio. E é para recuperar a riqueza dessa história que o pesquisador Manoel Aranha Corrêa do Lago organizou o volume lançado pelo Instituto Moreira Salles.

    A publicação, com lupa histórica e musicológica, reúne seis ensaios escritos por especialistas do Brasil, França, Estados Unidos e Itália. Neles estão analisadas desde questões técnicas referentes à estrutura da composição, até um relato saboroso do clima cultural do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 20. Há ainda um levantamento detalhado de cada um dos compositores brasileiros citados, com pequenas biografias, e até uma reflexão original sobre a origem do swing. Completam o volume dois textos de época, um retrato do Rio de Janeiro por Paul Claudel e a pantomima criada por Jean Cocteau para a estreia parisiense do Boi. 

    Para quem ficou com água na boca, a edição traz um disco com duas gravações de O boi no telhado, uma com orquestra que segue a partitura sinfônica de Darius Milhaud, com regência de Kent Nagano, e outra arranjada para formação de choro, com o conjunto Caldereta Carioca. As duas são ótimas.


    Samba e sociedade

    A reedição da Pequena história da música popular segundo seus gêneros, do historiador José Ramos Tinhorão, é um livro que merece atenção. O autor iniciou sua carreira como jornalista e com o tempo se tornou o mais importante pesquisador da história da música popular brasileira, sobre a qual já escreveu 25 livros, recuando sua pesquisa às origens portuguesas da modinha. O que Tinhorão traz de informação, no entanto, nunca retirou dele a pecha de passadista, inimigo da guitarra elétrica, do rock e da bossa nova.

    Somadas as duas partes, o melhor é sempre deixar o preconceito de lado e ir ao texto. Autor marxista, Tinhorão tem sempre o interesse de contextualizar suas análises sobre a história da música a partir da infraestrutura social e econômica. 

    Pequena história… é sua obra mais conhecida, pela abrangência temporal (na sétima edição vai da modinha à lambada) e pela diversidade de gêneros. Cada um dos 21 capítulos trata de uma manifestação: modinha, lundu, maxixe, tango brasileiro, choro, marcha, samba, marcha-rancho, frevo, samba-canção, samba-choro, samba de breque, samba-enredo, música sertaneja, baião, bossa nova, canção de protesto, tropicalismo, gêneros nacionalizados, guarânia brasileira e lambada.

    Se nos primeiros capítulos avulta a pesquisa histórica e a busca do contexto, com muita informação garimpada em primeira mão, não obstante algum esquematismo sociológico (sobretudo na análise da urbanização da canção popular), à medida que o livro avança para os gêneros mais recentes a mão do autor ganha em juízos menos científicos e mais ideológicos. Tinhorão não aceita a parceria entre artistas da classe média e criadores “das camadas mais baixas do povo” presente na bossa nova, que para ele é apenas jazz adaptado aos trópicos; vê oportunismo na internacionalização proposta pelo tropicalismo; e considera politicamente gratuita “a insistência em cutucar o poder militar com a vara curta das canções de protesto”.

    Livro de referência, Pequena história… é um Tinhorão autêntico. E ninguém pode acusar o historiador de não prezar sua autenticidade. Para ler, aprender e discordar, o que de resto é o destino de todos os livros que valem a pena.

    Por fim, merece atenção a biografia sintética de Cartola escrita por Denilson Monteiro, que já havia publicado o original e bem pesquisado A bossa do lobo: Ronaldo Bôscoli. O livro sobre Angenor de Oliveira, o Cartola, traz informações sobre a vida e a obra do compositor, conta histórias sobre as canções e confirma a afirmação do próprio sambista de que sua vida era um filme de mocinho e que ele só venceria no final. 

    Além dos sambas, Divino Cartola, uma vida em verde e rosa se inspira nas histórias de vida do compositor, suas dores de amor, a boemia, a criação da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, as amizades, a experiência como proprietário do Bar Zicartola ao lado da mulher, a juventude como pedreiro, a elegância natural. Uma vida que daria um samba. Mais que isso, um buquê de rosas que cantam, se as rosas falassem. Para completar, a edição dá direito a registro inédito da última apresentação do sambista.


    O BOI NO TELHADO – DARIUS MILHAUD E A MÚSICA BRASILEIRA NO MODERNISMO FRANCÊS
    • Organizado por Manoel Aranha Corrêa do Lago
    • Instituto Moreira Salles, 304 páginas, R$ 60


    PEQUENA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA SEGUNDO SEUS GÊNEROS
    • De José Ramos Tinhorão
    • Editora 34, 352 páginas, R$ 49

    DIVINO CARTOLA – UMA VIDA EM VERDE E ROSA

    • De Denilson Monteiro
    • Editora Casa da Palavra, 208 páginas, R$ 80

    Torniquete e ferroadas (História da caricatura brasileira) - Ângela Faria‏

    Primeiro dos sete volumes da monumental História da caricatura brasileira, de Luciano Magno, recupera os pioneiros do humor nacional e revela a obra de mais de 300 chargistas e desenhistas 


    Ângela Faria
    Estado de Minas: 02/02/2013 


    Manoel de Araújo Porto-Alegre se autodesenhou, de chapéu de penas, ao lado de dois amigos: Carlos Miguel Lima e Silva, irmão do duque de Caxias, e o poeta Gonçalves de Magalhães


    História da caricatura brasileira (Gala Edições de Arte), obra de Luciano Magno – pseudônimo do pesquisador carioca Lúcio Muruci –, funciona como um guia pelo proverbial bom humor nacional. O volume de estreia da coleção vale quanto pesa: seus 3,5kg carregam 528 páginas e 700 imagens de trabalhos dos pioneiros do ofício que fez a fama de Henfil, Millôr Fernandes, Lan, Ziraldo e Angeli, entre outros mestres do traço.

    “Nosso projeto procura resgatar e revisar a história da caricatura brasileira, mapeando essa produção gráfica. Vamos enfatizar a expressiva criação gerada fora do eixo Rio-São Paulo, vinda de estados como Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Minas e Paraná, entre outros”, explica Luciano Magno. 

    O autor aposta em um novo marco fundador da caricatura verde-amarela. Até o primeiro volume de sua série ser publicado, o gaúcho Manoel de Araújo Porto-Alegre era considerado o pioneiro, autor da charge A campainha e o cujo, de 1837. Magno garante: o marco, na verdade, é o desenho estampado em 1822 pela gazeta pernambucana O Maribondo. A caricatura traz um corcunda (representando os portugueses) aos pulos, acossado pelo enxame de marimbondos (os brasileiros).

    Entretanto, o pesquisador enfatiza: se a publicação pernambucana ostenta o “marco inaugural”, de autoria de um desenhista anônimo, coube ao gaúcho o “marco oficial”, 15 anos depois. “Porto-Alegre tinha a noção clara de seu papel e de seu pioneirismo. Seu trabalho vinha acompanhado de um texto que dizia: ‘Saiu à luz o primeiro número de uma nova invenção artística’. Ele foi o patrono, o primeiro profissional dessa arte no Brasil. Os anteriores a ele eram anônimos, além de não se colocarem propriamente como caricaturistas”, explica Luciano Magno. Artista completo, o gaúcho criava tanto charges – ou seja, caricaturas políticas – quanto caricaturas pessoais, o retrato fisionômico. Também lançou a primeira revista especializada do país: A Lanterna Mágica.

    O projeto de Luciano Magno é ousado: além de propor novos marcos históricos, promete trazer à luz talentos até agora ignorados – inclusive por clássicos como História da caricatura no Brasil, publicada em 1963 pelo cearense Herman Lima. Sociólogo, Magno iniciou suas pequisas aos 15 anos. Há duas décadas e meia fuça antigas publicações na Biblioteca Nacional e no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, além de vasculhar acervos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, do Arquivo Público Jordão Emerenciano, no Recife, e da Fundação Cultural de Curitiba.

    Os sete volumes focalizarão vida e obra de cerca de 300 desenhistas. Com o tempo, muito se perdeu – inclusive imagens anteriores àquela publicada em O Maribondo. “Caricaturas feitas na Revolução Pernambucana de 1817, por exemplo, não sobreviveram”, lamenta o pesquisador. No início da década de 1820, explica Magno, aflorou o sentimento nativista na imprensa brasileira. A autonomia de opinião passou a marcar publicações cariocas, pernambucanas, baianas e maranhenses.

    Política e caricatura, aliás, são irmãs gêmeas – para não dizer xifópagas. Imagem tem poder. Que o diga o jornalista ítalo-brasileiro Angelo Agostini, nome emblemático de nossa imprensa no século 19. Em 1876, ele fundou a Revista Ilustrada – semanário republicano e abolicionista que circulou no Rio de Janeiro até 1898. “Trata-se da figura mais emblemática de nossa caricatura oitocentista.”

    “Agostini teve papel fundamental nas grandes campanhas políticas da época: a abolicionista, a republicana e a da questão religiosa”, relembra Luciano. Esse italiano naturalizado carioca revolucionou a caricatura brasileira. “Um de nossos maiores abolicionistas, Agostini mereceu de Joaquim Nabuco esta lapidar definição: ‘A Revista Ilustrada é a bíblia da abolição do povo que não sabe ler’.” 

    Agostini, Porto-Alegre e outro craque, o português Bordalo Pinheiro, ficaram para a história. O mesmo não se pode dizer de nomes não menos importantes. “Meu livro resgata artistas não contemplados ou mencionados em estudos anteriores. É o caso de Leopoldo Heck, Carneiro Vilella, Luiz Távora e Maurício Jobim”, conta Luciano. Ele buscou também resgatar as primeiras aparições do desenho de humor no Brasil, por meio da obra do curitibano João Pedro, O Mulato (que não chegou a ser publicada), além de analisar a produção pioneira pernambucana.

    “Chamou-me a atenção A. P. Caldas, editor e autor de caricaturas para o jornal O Torniquete, que teve tiragem de nove números, em 1878. Essa obra autoral inclui composições bizarras geniais, como a surreal “Página enigmática”, com originalíssima mistura de natureza e retrato. Caldas revelava traço de tendência cartunística ou caricatural avançado para uma época em que os cânones impunham regras e qualidades estéticas bem definidas”, destaca. Os caricaturados por Caldas se metamorfoseavam entre plantas e arbustos, “num grau de delírio criativo que lembra os surrealistas”, encanta-se Magno.

    Depois do livro dedicado aos precursores, Luciano Magno – cuja coleção foi viabilizada pelo Programa Petrobras Cultural – vai lançar volumes dedicados a caricaturistas em meio às guerras, à diplomacia e às questões nacionais do século 19; à geração do alvorecer do século 20 (com nomes emblemáticos da belle époque brasileira); ao período entre a Primeira República e a Revolução de 1930; ao humor gráfico de 1925 a 1960; e ao humor gráfico contemporâneo. O sétimo volume abordará fatos e personalidades da cultura brasileira.

    HISTÓRIA DA CARICATURA BRASILEIRA

    Os precursores e a consolidação da caricatura no Brasil. 1º volume
    De Luciano Magno
    Gala Edições de Arte, 528 páginas
    O livro é vendido pelo preço promocional de R$ 89 no sitewww.historiadacaricatura.com.br ou pelo e-maillucio.muruci@ig.com.br
    Preço médio nas livrarias: R$ 130

    Três perguntas para...

    Luciano Magno
    pesquisador

    Vários autores abordados no livro vieram da Europa. Fizeram daqui uma espécie de “sucursal” da produção europeia ou já apresentam características brasileiras?

    De fato, nos séculos 19 e 20 a caricatura brasileira tem muita influência europeia, sobretudo francesa. Mas há de se destacar o nativismo latente na obra de artistas como o catarinense Rafael Mendes de Carvalho, assim como na produção de jornais pernambucanos na década de 1840, como Arara, O João Pobre e A Grande Tempestade. Produções xilográficas de origem nordestina, com brasilidade latente, mesclaram-se à tradição da caricatura brasileira. De forma geral, conteúdo e enredos das charges e caricaturas, desde o século 19, sempre foram nacionais.

    Como se dá essa brasilidade?

    O próprio patrono da caricatura brasileira, Manoel de Araújo Porto-Alegre, que recebeu influência europeia, tinha estilo com bastante originalidade. Apresentava sentimento autônomo e referências nacionais, se comparado a seus confrades europeus. No século 19, Angelo Agostini já demonstrava ser um autor muito brasileiro. Fez As aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma viagem à corte, série mundialmente pioneira em histórias em quadrinhos, publicada em capítulos a partir de 1869. Foi a primeira novela gráfica brasileira. As aventuras de Zé Caipora dá prosseguimento a esse projeto e mostra notoriamente a brasilidade do autor. Índios e a natureza brasileira, com seus bichos, marcam essas séries.

    A caricatura perdeu seu espaço, outrora nobre, nos jornais. Como elas enfrentam a crise da imprensa escrita em meio ao avanço da internet?

    Mudanças sempre ocorrem. Desde o advento do rádio, da televisão e agora da internet, afetando o jornalismo gráfico e fazendo artistas migrarem do cartunismo jornalístico impresso para outros veículos. É natural que caricatura e cartum ocupem esses novos veículos. Acho que a caricatura se reinventou. Continua recorrente o nível de excelência de nossos artistas, a capacidade de retratar o país e sua inserção em termos políticos e culturais, exercendo função crítica. A tradição do humor é muito forte no brasileiro. Podemos contar a história de nosso país por meio da caricatura.

    Oposição também deu aval a Renan, mas outra crise virá


    Folha de são paulo
    ANÁLISE
    VERA MAGALHÃESEDITORA DO PAINELRenan Calheiros esperou até a undécima hora para lançar oficialmente sua candidatura à presidência do Senado. Ignorou discursos pedindo para desistir do posto.
    Manteve silêncio olímpico e sorriu diante dos [poucos] colegas que subiram ao plenário para condenar sua volta ao comando da Casa. No discurso depois de já eleito, ignorou a denúncia do Ministério Público Federal, esmiuçada pelo site da revista "Época" horas antes, e preferiu falar em transparência e modernização da Casa e fazer uma defesa inflamada da liberdade de imprensa.
    Por quê? Simples: porque ele sabia desde sempre que seria eleito por uma margem consagradora de votos. E, de novo, por quê? Porque os que votaram nele protegidos pelo escrutínio secreto sabem dos favores que deviam ao alagoano, chamado de "Mandacaru" pelos colegas pela pele grossa e espinhenta.
    O governador tucano Marconi Perillo explicitou o dilema ao se mudar para Brasília na última semana pedindo votos para Renan -seu desafeto na crise de 2007, mas que articulou a derrubada do relatório final da CPI do Cachoeira, que pedia o indiciamento de Perillo, no ano passado.
    Assim como Perillo, senadores de PSDB, DEM e PSB, que em público se rebelaram contra a recondução de Renan, em privado foram confrontados com anotações em seu nome na caderneta dos favores. E deram ao "despachante" da Casa uma vitória consagradora, com mais votos que a eleição anterior.
    O aval suprapartidário vai garantir a Renan fôlego para enfrentar as críticas até que o STF se pronuncie sobre a denúncia do procurador-geral, Roberto Gurgel. Atarefado com os embargos do mensalão e a pauta congestionada, o Supremo deve levar alguns meses para decidir se torna réu o terceiro nome na linha sucessória do país.
    Quando isso ocorrer, nem a camaradagem evitará que o Senado viva nova crise institucional, com consequências também para a presidente Dilma Rousseff, que lavou as mãos na eleição de ontem.

      Quebra-cabeça de problemas( Fórum Mundial de Ciência ) -Marinella Castro‏

      Brasil sediará Fórum Mundial de Ciência, que busca equacionar complexas questões do desenvolvimento sustentável com apoio do meio científico e da sociedade em geral 

      Marinella Castro
      Estado de Minas: 02/02/2013 
      As desigualdades sociais, que funcionam como barreira para o desenvolvimento do conhecimento e da ciência, mas que também se materializam em desafios para a sustentabilidade do planeta, vão ocupar lugar central nos debates do Fórum Mundial de Ciência, que ocorre em novembro, no Rio de Janeiro. Cientistas de todo o mundo, entre eles estrelas premiadas com o Nobel – como o médico japonês Shinya Yamanaka, que descobriu que células-tronco adultas podiam ser reprogramadas e voltar a ter características semelhantes às embrionárias – vão tentar desvendar os caminhos para um mundo mais aberto ao crescimento da ciência e do conhecimento. Na tese dos cientistas, a redução das desigualdades é o grande passo para inovar.
      Durante três dias, eles vão tentar montar um quebra-cabeças em que as peças são questões complexas, como a erradicação da pobreza e o uso adequado dos recursos naturais, equações ainda abertas no mundo, com soluções que desafiam os governos, e o pensamento, das ciências exatas às humanidades. Desde 1999, o Fórum Mundial vem debatendo questões relevantes para alavancar a ciência nos continentes.
      Esta será a primeira vez que pesquisadores vão apontar soluções para os desafios do planeta fora de Budapeste, na Hungria. Desde que foi criado, o encontro ocorre na cidade europeia, e a vinda do debate para o Brasil é motivo de orgulho e responsabilidade. “O fórum sempre aborda diferentes temas de caráter global. Ao final teremos uma declaração bem objetiva com as diretrizes propostas durante o encontro no Brasil”, diz Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC) que, juntamente com a Academia de Ciências da Hungria npromove o fórum, que conta ainda com a participação de outras entidades internacionais e nacionais, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
      Para preparar a comunidade científica, sociedade civil organizada e a população para o Fórum Mundial de Ciência estão ocorrendo pré-conferências em todo o país. Em março é a vez de Recife (PE), e em maio a sessão será em Porto Alegre (RS). Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pré-conferência ocorreu no fim do ano passado. As conclusões de todos os encontros serão reunidas em um documento único levado ao fórum. Na conferência de Belo Horizonte os cientistas debateram os reflexos da crise financeira mundial em países europeus e nos Estados Unidos na produção científica. Marisa Cotta Mancini, pró-reitora adjunta de Pesquisa da UFMG, aponta outros temas que fizeram parte da pré-conferência em Minas, como a produção de alimentos nos trópicos e a preservação dos recursos hídricos, passando pelo desenvolvimento urbano sustentável, educação e aceso ao conhecimento até a ética na ciência.
      A vinda do evento para o Brasil é um reconhecimento do trabalho desenvolvido pela América Latina e um bom sinal para a região, que tem o desafio de vencer problemas antigos. Resultados de investimentos feitos na pesquisa, o Brasil mostra como a ciência pode contribuir positivamente para o desenvolvimento das nações. O país se destaca em setores como a indústria aeronáutica, tecnologias para a exploração do petróleo, produção do etanol, e avanços importantes nas ciências agrárias, doenças tropicais, medicina e odontologia. “Nossa ciência é recente, mas temos polos de excelência em todo o país”, observa a presidente da SBPC, Helena Nader.
      BOM DESEMPENHO O Brasil atingiu sua meta de reduzir pela metade a pobreza até 2015. A população que vive em média com R$ 70 ao mês caiu de 25% em 1990 para 4,8% em 2008. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no ano passado o percentual da população brasileira vivendo na pobreza era de  3,4% dos cerca de 190 milhões de brasileiros. Mundialmente a meta também foi alcançada. Segundo relatório do Banco Mundial, houve uma redução absoluta e relativa da extrema pobreza no mundo. Em 1981, existiam quase dois bilhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 ao dia nos países em desenvolvimento, representando 52,2% da população. Em 2008, o percentual era de 22,4% da população dos países em desenvolvimento, e a estimativa é de que esse percentual caia para perto de 15% até 2015.
      Na esteira da redução da pobreza, a SBPC considera que a produção científica brasileira também avançou nas últimas décadas, se destacando com excelência em áreas como doenças tropicais, odontologia, medicina e também nas ciências agrárias para produção de alimentos. Dados do Tratado de Cooperação em Patentes (PCT, na sigla em inglês), mostram que o Brasil se posiciona na 24ª posição no ranking de pedidos de patentes, atrás de outros Brics: a China (4º lugar), a Índia (17º lugar) e Rússia (21º lugar). Os Estados Unidos permanecem sendo o país que mais solicita patentes, seguido por Japão e Alemanha.
      Este ano, como resultado do avanço da ciência e inovação, o país está no campo para colher mais uma safra recorde. No ano passado foram 162,1 milhões de toneladas e a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é de que em 2013 o percentual cresça 9,9%.
      CONSUMO GERA MAIS LIXO Ainda assim, o avanço nos índices de educação e qualidade de vida das populações não só do país, mas do mundo, continuam a ocorrer de forma desigual e desordenada. Os níveis de consumo também são distintos, ameaçando todo o globo. “Poucos ainda acreditam que a interferência do homem na sustentabilidade do planeta seja tangencial”, observa Helena Nader. Prova disso é um relatório do Banco Mundial que indica que o lixo produzido pelas populações urbanas aumentará 70% até 2025 e os custos do tratamento dos resíduos sólidos urbanos deverão aumentar.
      De acordo com o estudo, a quantidade de resíduos sólidos urbanos subirá do atual 1,3 milhão de toneladas por ano para 2,2 milhões de toneladas/ano, um aumento provocado sobretudo pelas cidades em rápido crescimento nos países em desenvolvimento. Os dados constam do relatório “Que desperdício: uma revisão global de gestão de resíduos sólidos”, publicado ano passado. Os países desenvolvidos figuram entre os maiores produtores mundiais de lixo. A liderança é dos Estados Unidos. A concentração da pobreza provoca níveis desiguais de desenvolvimento econômico, trazendo um ciclo negativo de baixos investimentos na ciência e na educação. “Os indicadores da ciência também são desiguais, com grande concentração das tecnologias nos países ricos, conhecidos como Primeiro Mundo”, observa Helena.
      Para os cientistas, quando as desigualdades são vencidas a ciência tem mais chances de deslanchar. Por aqui, Helena cita como exemplo a grande parcela da população que ainda convive com a falta de saneamento básico. O fórum vai abordar desde questões elementares, como o abastecimento de água e esgoto para as populações, até discussões recentes, como o uso renovável das florestas. “É preciso que se crie uma condição especial de política pública para construir essas urbanizações, da mesma forma que se criaram condições especiais para a construção dos estádios que vão sediar os jogos da Copa do Mundo”, acrescenta ela.
      Jacob Palis reforça o caráter global dos temas do fórum, que vão focar a ciência como caminho para inovação e sustentabilidade. Para Helena Nader, a ciência deste século tem como característica o desenvolvido entrelaçado do conhecimento entre as humanidades, biológicas, exatas e as ciências tecnológicas, e por isso todas as áreas terão representantes no fórum.
      O secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Elias, defende que o programa Ciência sem Fronteiras – que busca a expansão e internacionalização do conhecimento oferecendo bolsas para brasileiros no exterior e para estrangeiros estudarem aqui – tem contribuído para a criação de laboratórios de ponta em todo o país, incluindo as regiões do Norte e Nordeste, desenvolvendo a ciência inclusiva, em uma espécie de círculo virtuoso. “Nas regiões de floresta a biodiversidade é um agente integrador, onde a floresta em pé contribui para a valoração da biodiversidade que traz o desenvolvimento.”
      Para este ano, segundo Elias, a pasta de Ciência e Tecnologia terá garantido um orçamento sem cortes de R$ 4,4 bilhões. Ele aponta que a articulação dos estados brasileiros também vem crescendo, com recursos para pesquisas. Em 2006, a verba dos estados que era de R$ 1,2 bilhão, saltou para R$ 2 bilhões este ano. Desse percentual, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) fica com aproximadamente R$ 900 milhões e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) com cerca de R$ 350 milhões.

      Fórum mundial de ciência

      Abertura: 24 de novembro
      Conferências: de 25 a 27 de novembro
      Local: Rio de Janeiro – Brasil
       
      Confira a programação:
       
      24 de novembro

      Cerimônia de abertura
      Entrega do Prêmio Unesco
       
      Sessões plenárias
       
      25 de novembro 

       Iniquidades como barreiras para o desenvolvimento global sustentável
      Política para ciência e governança – Inventando o futuro
      Integridade na ciência
       
      26 de novembro

      Ciência para recursos naturais
      Ciência e educação em engenharias
      O papel fundamental da ciência na inovação
       
      27 de novembro

      Cerimônia de encerramento