quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Diagnóstico bom para cachorro

Estadão

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
No passado, médicos usavam todos os sentidos para o diagnóstico. Pôr urina do paciente sobre a língua e constatar que ela estava doce era um método de diagnosticar diabetes. Problemas hepáticos eram descobertos cheirando o hálito, pois moléculas chamadas corpos cetônicos têm cheiro característico e são produzidas em grande quantidade pelo fígado doente. Com os laboratórios de análises clínicas, esses testes foram abandonados. Hoje o médico ainda usa audição, tato e visão, mas paladar e olfato foram praticamente excluídos da prática médica.
Mas parece que olfato voltará aos hospitais. Não o humano, mas o de cães, cem vezes mais poderoso. Na Holanda, médicos demonstraram que um beagle pode identificar pacientes infectados por Clostridium difficile. Na Europa, 50 em cada 100 mil pacientes entram no hospital com essa bactéria, que causa diarreia contagiosa. Por isso, é preciso identificá-la logo. Mas não é a toa que ela se chama C. difficile: é difícil de identificar. Métodos seguros levam dias para dar resultado. Um extrato das fezes do paciente é purificado e posto em contato com células humanas. Se o extrato tiver a toxina da bactéria, as células morrem. Esse método, associado a testes em que a bactéria é cultivada e identificada, são usados na maioria dos hospitais. Mas leva de 2 a 3 dias e custa caro. Por isso, em média os pacientes só são tratados após 8 a 11 dias. E nesse período acabam contaminando outros pacientes no hospital.
Há anos enfermeiras contam que as fezes desses pacientes têm cheiro peculiar (parecido com o de fezes de cavalo), mas mesmo enfermeiras com muita prática têm dificuldade de saber quem está infectado. Então, médicos holandeses tiveram a ideia de recrutar a ajuda de um cão. O beagle Tiff, de 2 anos, foi treinado por dois meses para detectar o cheiro da bactéria nos mais variados ambientes. Quando o localizava, ele deitava ou sentava próximo à origem do cheiro.
Tiff então foi desafiado no seu primeiro teste clínico. Amostras de fezes de 50 pacientes infectados e de 50 pacientes normais ou com outras formas de diarreia foram submetidas ao "Laboratório de Diagnóstico Tiff". Eles acertou o diagnóstico em 100% dos casos. No passo seguinte, o cheiro das fezes foi colocado em materiais como metais, roupa de cama, luvas cirúrgicas, gaze, etc. Novamente Tiff acertou 100% dos diagnósticos.
Então foi feito o teste final. Tiff recebeu uma roupa amarela, foi examinado por um veterinário, tomou banho e foi passear nas enfermarias de dois grandes hospitais na Holanda. Ele somente passeava entre as camas, sempre com uma coleira e não era permitido que ele tocasse nos móveis ou nas pessoas. Em várias sessões, ele visitou 300 pacientes, dos quais 30 estavam infectados. Nem o treinador nem os médicos sabiam quem estava infectado. Tiff acertou quase todos os casos. Dos 30 pacientes infectados Tiff localizou 25 (sentou na frente das camas de maneira definitiva). Entre os 270 pacientes normais, 265 foram identificados corretamente (desprezados por Tiff).
A taxa de acerto de Tiff é igual ou melhor que os testes de laboratório - que, na Holanda, custam de US$ 250 a US$ 1 mil cada um. Mas o melhor é que Tiff faz o diagnóstico em 1 minuto. A ideia é criar uma empresa que treine cachorros para isso, além de testar outros usos para o faro dos cães, como a detecção de câncer de bexiga na urina de pacientes. Se funcionar, os laboratórios vão logo possuir uma divisão de diagnósticos caninos.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,diagnostico-bom-para-cachorro-,982535,0.htm

Museus incomuns

FOLHA DE SÃO PAULO

Matemática em Nova York, erotismo em Paris, joias em Teerã... Conheça acervos inusitados de oito instituições em três continentes
Seth Wenig/Associated Press
Em uma das atrações interativas do museu, as figuras geométricas mudam de acordo com o movimento das crianças

DE SÃO PAULONo que diz respeito a museus, Nova York é muito mais que o Metropolitan e o MoMa. Paris não se esgota em Louvre, d'Orsay e Pompidou. Impossível resumir Londres a lugares como British Museum, Tate e National Gallery.
Mas se o tempo é curto em uma primeira visita, o recomendável é se ater mesmo ao óbvio: opte pelo roteiro-padrão dos guias de turismo.
No entanto, se surgir uma folga na viagem ou se estiver voltando à cidade pela segunda, terceira vez, aventure-se por museus fora do lugar-comum. Aí sim, fuja do óbvio.
Correspondentes e colaboradores da Folha em três continentes -América, Europa e Ásia- visitaram alguns dos acervos mais inusitados e interessantes do mundo.
Em Manhattan, adultos e crianças brincam com a alta tecnologia do Museu da Matemática. Na capital francesa, adultos -e só eles- se divertem com arte erótica.
Os turistas saem assustados do Ateliê da Morte Negra, em Barcelona, mas espanto mesmo é se deparar com uma coroa com quase 1.500 diamantes no Museu das Joias, em Teerã.
Leia sobre esses e outros museus incomuns nas páginas a seguir. No site do "Turismo" (folha.com/turismo), confira galerias com dezenas de imagens desses lugares.

    Quadrinhos

    FOLHA DE SÃO PAULO

    CHICLETE COM BANANA      ANGELI

    ANGELI
    PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

    LAERTE
    DAIQUIRI      CACO GALHARDO

    CACO GALHARDO
    NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

    FERNANDO GONSALES
    MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
    ADÃO ITURRUSGARAI
    BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

    ALLAN SIEBER
    MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

    ANDRÉ DAHMER
    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS

    Líderes sem-teto dizem que só irão deixar prédio após a construção de moradias populares na cidade

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Saia justa no PT
    Líderes sem-teto dizem que só irão deixar prédio onde será instalado o Instituto Lula após a construção de moradias populares na cidade
    GIBA BERGAMIM JR.CAROLINA LEALDE SÃO PAULO"Não concordamos que primeiro o Lula tenha o memorial dele e depois venha a moradia popular... Só saímos daqui com moradia para todas as famílias."
    A frase é de Nelson da Cruz Souza, 52, que é filiado ao PT e coordenou a invasão ao prédio da rua General Couto Magalhães, na Luz, centro paulistano, bem no terreno cedido pelo município ao Instituto Lula -ali será a sede do Memorial da Democracia, um museu.
    Na última segunda-feira, sétimo dia da gestão Fernando Haddad (PT), o grupo de sem-teto liderado por Souza invadiu o edifício, criando uma saia justa no partido logo no início do mandato.
    Anteontem, o prefeito recebeu lideranças de movimentos de luta por moradia, incluindo Souza, que pertence ao Movimento de Moradia da Região Central.
    "Chegamos aqui achando que era uma piaba. Na verdade, era um tubarão", afirmou Souza ontem à Folha.
    Ele usou a metáfora para dizer que não sabia que a área pertencia ao instituto ligado ao PT, partido que sempre defendeu o movimento sem-teto e sua política de invasões.
    "A prefeitura instalou o escritório do consórcio Nova Luz. Foi desativado no dia 23 de novembro e ficou vazio. A conversa que já tinha era que iam ser reformados os apartamentos em 2009. Agora, a conversa é que vai ser demolido para ser instalado o memorial para o Lula."
    Souza diz que não é contra o instituto, mas que, diante do deficit habitacional para pessoas de baixa renda, o museu deveria ficar em segundo plano. Ele declarou, sem citar nomes, que vem sendo pressionado por integrantes da prefeitura para deixar o local.
    ISOLADO
    O edifício na Luz é o único que sobrou após uma operação da prefeitura na região, que lacrou e demoliu prédios que serviam de abrigo a usuários de crack.
    Na fachada, há uma imensa bandeira vermelha. Dentro, há alguns colchões espalhados no andar térreo, onde dormem adultos e crianças. Uma menina compartilhava com o irmão e primos um laptop.
    Há pelo menos 15 prédios ocupados pelos sem-teto no centro da cidade, segundo a Frente de Luta por Moradia (FLM), que informa ser "simpatizante" do PT.
    O Instituto Lula afirma que não cogita pedir a reintegração de posse da área e que ainda depende de documentos para poder ocupá-la.
    Políticos do PT, como o deputado federal Paulo Teixeira, o ex-vereador Ítalo Cardoso e o atual presidente da Câmara de São Paulo, José Américo, que sempre apoiaram os sem-teto, evitaram comentar essa invasão.
    A prefeitura diz que dialoga com os sem-teto e que a meta é construir 55 mil novas unidades até o fim da gestão. E nega fazer qualquer tipo de pressão para que eles deixem o local.

      É necessário ver a calçada como o espaço mais importante da cidade

      FOLHA DE SÃO PAULO

      ANÁLISE

      FERNANDO SERAPIÃOESPECIAL PARA A FOLHA
      O que é mais importante para a cidade: a calçada ou a rua? Desde o tempo em que, por segurança, foi necessário segregar pedestres e veículos, o pódio cabe à calçada.
      Trata-se do espaço democrático onde ocorrem as relações humanas públicas. Ali, o cidadão caminha em velocidade civilizada, olha nos olhos do outro, observa árvores e vitrines.
      As melhores cidades do mundo são aquelas onde diferentes classes sociais caminham juntas. Isso implica manter ao alcance de quem caminha as principais necessidades e calçadas contínuas, que deem uma ideia de ambiente público uno.
      Infelizmente, isso não ocorre em São Paulo. A prioridade é da rua, ou seja, dos veículos -o governo cuida do asfalto e renega a calçada.
      A calçada paulistana sempre foi privatizada. A responsabilidade da construção e manutenção é dos proprietários. Arquitetos talentosos estenderam o piso para o ambiente particular -caso exemplar do Conjunto Nacional, na avenida Paulista.
      Mas, afinal, o que era valorizado? O espaço público, que invadia o privado, ou o privado, que adentrava o público?
      No restante da cidade, reinou o caos: falta de padrão no piso e no mobiliário urbano. Se isso ocorreu entre ricos, a barbárie da periferia leva o caminhar para rua.
      Na gestão Serra, um decreto criou o padrão com divisões de faixas para pedestres e vegetação, mas deixou para o proprietário a escolha entre quatro materiais. Se desse certo, essa ideia torta levaria décadas para florescer.
      Em paralelo, iniciativas públicas e privadas construíram trechos com padrão regular. Exemplo dos comerciantes das ruas Oscar Freire e Clodomiro Amazonas e do governo, quando reformou as avenidas 9 de Julho e Rebouças (na gestão Marta), a rua Augusta e a avenida Paulista (gestão Kassab).
      O governo deve assumir o problema. A questão é chave: enquanto não existir a percepção de que a calçada é o espaço público mais importante da cidade, São Paulo não será um bom lugar para se morar.
      FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito"

        Um ano após lei, calçadas continuam esburacadas

        FOLHA DE SÃO PAULO

        Em janeiro, prefeitura triplicou valor da multa, mas situação não mudou
        Pedestre enfrenta piso solto, buracos e rampas incompletas até em área sob responsabilidade do poder público
        JAIRO MARQUESDE SÃO PAULONa rua da Consolação, é preciso enfrentar buracos na calçada. Na praça da República, o piso está quebrado e tem pastilhas soltas. No largo do Paiçandu, o risco vem de uma rampa.
        Em novembro, a reportagem constatou a situação precária dos passeios no trajeto entre o centro e os Jardins, na zona oeste, tanto de responsabilidade pública como de particulares. Dois meses depois, refeito o percurso, os mesmos problemas persistem ou se ampliaram por falta de manutenção.
        Apesar de a prefeitura ter endurecido a lei e dobrado, no ano passado, o número de multas aplicadas a cidadãos que não conservam ou não padronizam suas calçadas, a degradação continua, mesmo em áreas que deveriam ser mantidas pelo poder público.
        O valor da infração por não cuidar bem das calçadas foi triplicado em janeiro de 2012. No ano, ao menos 6.038 imóveis foram multados devido às más condições dos passeios. Na capital paulista, é o proprietário o responsável pela manutenção do calçamento.
        No período, a prefeitura também afirma ter concluído, por conta própria, a reforma de passeios em 23 pontos que considerava de interesse estratégico para a cidade, como a avenida Faria Lima e a rua Amaral Gurgel.
        O ritmo da aplicação das punições perdeu força, segundo a Folha apurou, nos meses finais do ano passado, com o período eleitoral e com o aumento da resistência da população à medida, que gera punição de R$ 300 por metro linear de calçada que não esteja dentro das normas.
        RAMPAS INCOMPLETAS
        Parte das áreas esburacadas flagradas é de responsabilidade da prefeitura e havia sido padronizada e arrumada nos últimos anos, como o largo do Arouche, a praça da República e a rua Amaral Gurgel, no centro.
        Outros pontos importantes para o pedestre, como o largo do Paiçandu, uma das esquinas das avenidas Ipiranga e São João, a rua da Consolação e a alameda Santos, nos Jardins, possuem rampas incompletas, irregularidades no piso e também buracos.
        PRESA EM CASA?
        Na Consolação, um trecho de calçada destruída, e que pode botar em risco os pedestres, fica em um ponto com passagem contínua de pessoas, próximo à estação de metrô Paulista e de comércio.
        "As calçadas não são seguras, infelizmente, e já escorreguei algumas vezes. Mas vou fazer o quê? Ficar presa em casa?", disse a aposentada Margarete Ferreira dos Anjos, 63, ao passar ontem pela região do Arouche, no centro.

          SEM OBSTÁCULOS
          Secretarias querem criar rota acessível
          Um projeto das secretarias de Coordenação das Subprefeituras e da Pessoa com Deficiência pretende criar trajetos que facilitem o deslocamento de cadeirantes e demais pessoas com dificuldade de mobilidade. A ideia do "Rotas Estratégicas de Acessibilidade" é mapear trechos de demanda desse público e padronizá-los com rampas e sem obstáculos.

          Marina Colasanti - A tomar com reverência‏

          Hoje não é apenas um bar, é uma holding com filiais no mundo inteiro

          Marina Colasanti
          Estado de Minas: 10/01/2013 
          Ainda é tempo de pêssegos. E que safra suculenta temos tido! Para comemorar essa fartura, nada como tomar um Bellini, a bebida mais elegante que o verão possa oferecer, duplamente oportuna neste momento, quando se anuncia que a família Cipriani deixa a gerência do Harry’s Bar, onde ele foi criado.

          Passei diante do Harry’s Bar quando jovem, sem cacife para entrar. Agora volto a ele alongando a mão, e colhendo em minha estante o livro Il mio Harry’s Bar.

          O Harry’s de hoje não é apenas um bar, é uma holding com filiais no mundo inteiro. Mas em Veneza é muito mais que um bar, é uma tradição, que com o festival de cinema, os cavalos de bronze da Praça São Marcos e o chapinhar de gôndolas e lanchas, forma uma coisa só. 

          Certo, não é tão antigo quanto os canais, nenhum doge teve o prazer de sentar-se a uma de suas mesinhas para um aperitivo ou um almoço, mas houve um dia, em 1935, em que em mesas diferentes estavam instalados quatro reis. Ali erguiam copos e empunhavam garfos Alfonso XIII da Espanha, Guilhermina da Holanda, Paulo I da Grécia e Pedro II da Iugoslávia.

          Havia começado bem, pela mão de Giovanni Cipriani, em 1931. No primeiro e único livro de assinaturas do bar constam Marconi, Toscanini, Chaplin, Somerset Maugham, Barbara Hutton, Hemingway, Truman Capote e tantos outros que naquele tempo eram pessoas ilustres e hoje rebaixaríamos para a categoria de famosos.

          Só ficou fechado durante a Segunda Guerra, quando, requisitado para tornar-se refeitório da Marinha, foi obrigado a mudar de nome. Harry não servia para um país em luta contra ingleses e americanos. Tornou-se Bar Arrigo, as autoridades fascistas não se deram conta, ou se deram e lhes pareceu suficiente, que Arrigo era a tradução italiana de Harry.

          Naqueles anos duros, quando as mulheres da família Cipriani desafiavam as metralhadoras para ir ao campo em busca de alimentos, muitos clientes continuaram indo por volta do meio-dia bater à porta da casa de Giovanni para tomar seu aperitivo. 

          O cliente do Harry’s Bar até hoje mais citado é Hemingway. Apareceu no bar pela primeira vez no inverno de 1949 e, a partir de então, teve mesa fixa, a um canto. A foto dele com Giuseppe e uma fileira de copos vazios ainda está junto à entrada. 

          Tomava dry Martini, que chamava Montgomery, e que devia obedecer a uma proporção precisa, segundo ele a mesma com que o general inglês gostava de guerrear: um por 15. Uma dose de Martini dry para 15 doses de gim, ou, no caso da guerra, 15 soldados ingleses contra um soldado inimigo. 

          Para tomar Martini ia ao Harry’s Bar, e para caçar patos selvagens hospedava-se na Locanda, numa das ilhas da laguna, também da família Cipriani. Ali Hemingway tinha um pequeno apartamento, e ali escreveu Do outro lado do rio, e entre as árvores. 

          Agora, Arrigo Cipriani, o filho, entrega a gerência da holding ao fundo de investimentos que detém 20% da empresa. Ficam a história, a tradição, e as receitas. A do Bellini é assim:

          Pêssegos maduros, de casca rosada. Prosecco, melhor se for de Conegliano, ou mesmo champanhe. Os pêssegos devem ser espremidos no chinois, no espremedor de batatas ou na centrífuga, nunca no liquidificador. São 3/4 de prosecco e 1/4 de suco de pêssego. A tomar gelado, com reverência.

          Guerrilheiro da palavra (Torquato Neto) - Ângela Faria‏

          Torquato Neto, multiartista que fez parte da linha de frente da Tropicália e se suicidou aos 28 anos, tem dois livros de poemas inéditos lançados com a produção literária da juventude 

          Ângela Faria
          Estado de Minas: 10/01/2013 
          Torquato Neto (1944-1972) nem sequer publicou um livro. Quando se suicidou, o jovem letrista e poeta deixou três dúzias de canções gravadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Edu Lobo, Nana Caymmi e Jards Macalé, entre outros nomes da MPB. Quarenta anos depois de sua morte, porém, esse piauiense bate ponto nos iPods da moçada do século 21. “Só quero saber/ do que pode dar certo/ Não tenho tempo a perder”, dizem os versos do poema “Go back”, que ganhou melodia de Sérgio Britto, em 1984, e faz sucesso nos shows dos Titãs.

          Em seus 28 anos de vida, Torquato não desperdiçou tempo. Compositor, poeta, ator, roteirista, jornalista e agitador cultural, veio dele a ideia de lançar o disco-manifesto Tropicália ou Panis et circenses. Embora poucos se lembrem disso – sobretudo nestes tempos de revival tropicalista –, o multiartista piauiense nunca foi mero coadjuvante dos astros Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ideólogo do movimento, escreveu as letras de canções emblemáticas: Geleia geral, Mamãe, coragem, Louvação e Marginália II.

          Torquato Neto se destacou tanto na MPB tradicional (são dele os versos de Pra dizer adeus, parceria com Edu Lobo) quanto na vanguarda. Sua coluna “Geleia geral”, publicada no jornal Última Hora, instigava o leitor a se despir de preconceitos para compreender o arrojo estético setentista. Inquieto, juntou-se ao artista plástico Hélio Oiticica, ao cineasta Ivan Cardoso, ao multicriador Rogério Duarte e ao poeta Wally Salomão para gestar a revolução experimental das artes brasileiras.

          Obra
           “Como Buda, Confúcio , Sócrates ou Jesus, Torquato não deixou livros”, constatou o escritor paranaense Paulo Leminski. Há quem diga que dele não ficou uma obra propriamente dita. Há controvérsias: o multiartista de Teresina escreveu muito – e bem –, trabalhou na TV, protagonizou Nosferatu no Brasil, filme cult de Ivan Cardoso. Depois de sua morte, chegaram a público duas edições de Os últimos dias de Paupéria (com diários, poesias avulsas e textos jornalísticos), Navilouca (publicação-manifesto de poesia que ele coordenava quando morreu) e dois volumes de Torquatália, com textos e poemas. Tema de documentários, curtas-metragens e dissertações, Torquato ganhou a biografia Pra mim chega, de Toninho Vaz (2005). Em 2002, o compositor Ronaldo Bastos lançou o disco Todo dia é dia D (selo Dubas), com canções do velho amigo.

          Mas faltava o livro “de” Torquato Neto. E ele surgiu no fim do ano passado, em Teresina, graças a um primo, o publicitário George Mendes, guardião de seu acervo. O fato e a coisa foi organizado pelo próprio autor, com índice e poemas inéditos escritos de 1962 a 1964. George lançou também Juvenílias, com poesias inéditas escritas dos 17 aos 19 anos. Modestas e bem-cuidadas, as edições da UPJ Produções contam com análises elucidativas dos jornalistas Paulo José Cunha e Aderval Borges.

          “O fato e a coisa é o único livro de poesias de Torquato concebido como tal”, ressalta Borges. Nele se anunciam características de sua produção futura, como a agressividade mordaz, a precisão vocabular, a utilização enfática, porém controlada, a ironia, a metalinguagem e o experimentalismo de vanguarda. “Já se encontra um autor na trilha radical da poesia de invenção, no sentido oswaldiano de raiz, de ir ao essencial”, registra o jornalista, referindo-se a Oswald de Andrade, mestre dos tropicalistas.

          Juvenílias, destaca Paulo José Cunha, traz pistas do raro DNA daquele culto rapazinho: “Fundamentalmente, um drummondiano com traços de Manuel Bandeira, Gonçalves Dias e de outro piauiense, o poeta Mário Faustino”. Se ali não está a genialidade do poeta radical e explosivo, já é possível encontrar a fumaça do vulcão que uma década depois iria entrar em violenta erupção, garante Cunha.

          Paulo e Aderval rejeitam estereótipos associados a Torquato, frequentemente reduzido a artista atormentado, a anjo gauche que bebia e se drogava. “Ao correr sua obra com atenção, a imagem do tsunami existencial não corresponde ao que o poeta idealizou – com todo rigor das escolhas – e realizou. Ele foi um dos artistas inventores mais centrados no que se propôs”, assegura Borges. 

          “Torquato não estabelecia diferença entre vida e estética. Provou isso com a morte, questão transversal em toda a sua obra. O suicídio foi um projeto em processo, não um ‘momento de desequilíbrio’, nem o resultado do desespero em função do sufoco político causado pela ditadura militar. Nada mais falso. A morte sempre esteve na raiz de tudo: anunciada, premeditada, consumada”, defende Paulo José Cunha.

          George Mendes tem muitos planos para o precioso acervo que recebeu da viúva do poeta, Ana Duarte, há dois anos. O projeto de torná-lo público já chegou ao Ministério da Cultura. “Espero que aprovem, mas tenho lá minhas dúvidas...”, preocupa-se o publicitário. Ele quer lançar dois CDs com letras inéditas, um documentário e a revista Almanaque Torquatália – Segredos Dantes, Secretos Dentes. Outro sonho: montar um espaço dedicado ao poeta em Teresina. “Nada de museu. Será um espaço vivo”, avisa Mendes. 


          Três perguntas para...
          George Mendes
          publicitário

          O que há no baú do poeta Torquato Neto?
          Letras de música, projeto de um disco autoral, poemas da juventude, uma pequena biblioteca, pôsteres, fotografias, fotolitos, roteiros de shows e de um livro sobre a bossa nova, cartões-postais, cadernos de anotações, desenhos, originais de próprio punho ou datilografados. Meu primeiro susto é que a obra musical de Torquato, muito restrita, de 30 e poucas canções que fizeram sua fama, poderia ser ampliada para quase 100. Encontrei letras em que ele dividia parceria com Caetano, Gil, João Bosco, Luís Melodia, Toquinho, Luís Carlos Sá, Geraldo Azevedo, Carlos Pinto, Carlos Galvão. Há outras sem destinação, mas de grande beleza, com Torquato falando de amor, romântico, bem diferente do ícone da Tropicália. 

          Poetas costumam rejeitar os primeiros versos. Não seria “traição” trazê-los à tona?
          Realmente, pensei e repensei a questão com muitas pessoas e resolvi correr o risco. O poeta que se apresenta nos dois livros não é o da Tropicália, do cinema marginal nem dos concretistas de Sampa. Aceito o rótulo sem dor: pode-se chamá-lo de poeta ainda da província, que ousou colocar no papel emoções e sentimentos partindo de Teresina para Salvador, chegando ao Rio. Por que não se pode revelar esse Torquato? Sendo pragmático, diria que nem tempo de vida ele teve para decidir o que deveria ou não ser publicado. O que fizemos foi uma homenagem ao Torquato e à sua memória.

          Os dois livros recém-lançados trazem o Torquato pré-tropicalista. O que chama a atenção nos versos desse poeta quase adolescente? 

          O vigor e a abrangência de suas criações e de suas preocupações. Ao ler esses textos, é fácil concluir que antes até da Tropicália ele já era tropicalista. Um poeta. Pronto, acabado, definitivo. E com a mesma fixação entre o fim e o começo. A vida e a morte. Como diria o Waly Salomão, um poeta no seu voo rasante de pássaro de fogo.

          O FATO E A COISA
          106 páginas

          JUVENÍLIAS
          162 páginas

          UPJ Produções. Informações: (86) 3232-0432 e contato@upjproducoes.com


          Poemas de Torquato Neto

          Hai-kaisinho

          Caminho no escuro
          O que é 
          Que eu procuro?


          23/12/61


          À parte

          tenho andado um bocado
                            abobalhado,
                            alucinado,
           à procura não sei o quê.
                          por que não acho?    

          amigos, 
          amores,
          alegrias
          amanhãs,
          e o pior:
                      ontens.
          cadê o presente?


          31/10/61

          Pasquale Cipro Neto

          FOLHA DE SÃO PAULO

          "Não somos cão raivoso"
          "Não caberia o 'sic'?", perguntaram alguns. Outros não perguntaram; afirmaram que faltou
          O texto da semana passada deu o que falar. Foram muitos os leitores que escreveram para agradecer-me por eu tê-los feito "descobrir" o significado da palavra latina "sic", que, como vimos, significa "assim, deste modo". Um médico (Valfrido Zacarias da Silva) informou que, na linguagem médica, "s.i.c." se usa com o sentido de "segundo informações colhidas". Registro feito, caro Dr. Valfrido.
          Leitores escreveram para citar este título da mesma edição de "Cotidiano": "Não somos cão raivoso, diz novo comandante da PM". "Não caberia o 'sic'?", perguntaram alguns. Outros não perguntaram; afirmaram que faltou o "sic". Um terceiro grupo quis saber se foi "proposital" ou "ato de delicadeza" a omissão do "sic".
          Posto isso, vamos ao caso. O caro leitor já ouviu falar do "plural de modéstia" ou "plural majestático", que não são exatamente a mesma coisa, mas muitas vezes se confundem? "O plural de modéstia" consiste no uso do pronome "nós" no lugar do pronome "eu". Com essa troca, o emissor tenta, modestamente, diminuir a importância de sua participação em determinado fato ("Lutamos muito para conseguir a solução definitiva do problema"). A luta em questão foi só do emissor da frase. A modéstia expressa pode ser sincera ou não.
          O "plural majestático" normalmente é usado por uma autoridade, em sinal de respeito aos interlocutores.
          Bem, se lermos a matéria com o novo comandante da PM, veremos que o emprego do pronome "nós" (subentendido na forma verbal "somos") não se encaixa em nenhum dos casos explicados e explicitados acima, ou seja, nem no plural de modéstia, nem no plural majestático, já que tudo leva a crer que o comandante não falava apenas em seu nome, mas no de toda a corporação. Moral da história: o comandante teria feito melhor se tivesse dito "Não somos cães raivosos".
          A esta altura, alguém talvez esteja pensando nos fenômenos da concordância ideológica. Bem, antes que algum desses tontalhões que passam o dia na internet escrevendo besteiras sem tamanho sobre os textos publicados aqui e ali saia dizendo (a ignorância é atrevida!!!) que a ideologia nada tem que ver com a concordância verbal, vou logo dizendo que a "concordância ideológica" nada tem que ver com a ideologia política.
          A concordância ideológica diz respeito à concordância feita pelo sentido e não pela forma. Em "...pusemos mão diligente neste trabalho, que ora entregamos receoso à mocidade..." (de Eduardo Carlos Pereira, citado por C. Cunha e L. Cintra), por exemplo, vê-se o adjetivo "receoso", que concorda com o "eu" do emissor, que empregara o plural de modéstia (evidente em "pusemos" e "entregamos").
          Será esse o caso da fala do militar? Não, caro leitor; não é. Convém repetir: ele falou em nome da corporação, por isso teria sido melhor optar pelo plural ("cães raivosos"). Quanto ao "sic", a questão é de sutileza ou delicadeza de quem reproduz uma declaração. Em se tratando de texto jornalístico, há três caminhos: publicar o original, sem alteração; publicar o original, com o "sic"; corrigir, sem cerimônia, o texto (ou a fala) original.
          Quanto à declaração em si, espero mesmo que ela tenha saído do fundo da alma do novo comandante da PM. Nas minhas quase seis décadas de vida neste triste e sombrio Brasil, ainda não consigo apagar do meu repertório musical a genial "Acorda, Amor", de Leonel Paiva e Julinho da Adelaide, pseudônimos de Chico Buarque ("Chame o ladrão, chame o ladrão"). Do fundo da minha alma, boa sorte, comandante! Tomara mesmo que Vossa Excelência consiga dotar toda a nossa PM de altos níveis de civilização (já assimilados por parte de seus integrantes, é bom que se diga).
          Estarei em férias nas próximas duas semanas. A coluna volta em 31 de janeiro. É isso.
          inculta@uol.com.br

            Tereza Cruvinel - A política e a energia‏

            Os problemas no setor elétrico tendem a aumentar a crispação entre os empresários e a presidente. A indústria precisa de segurança energética para produzir e investir 

            Estado de Minas: 10/01/2013 
            Há um elemento na conjuntura política que não constitui segredo, mas não é claramente explicitado: a relação dos empresários com a presidente Dilma Rousseff crispou-se nos últimos tempos e eles procuram, ora em Aécio Neves, do PSDB, ora em Eduardo Campos, do PSB, o candidato que seja ao mesmo tempo confiável e competitivo para concorrer com ela em 2014. Embora o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, tenha afastado enfaticamente ontem o risco de desabastecimento ou racionamento, os problemas que o país enfrenta no setor jogam água no moinho político, elevando a indisposição dos empresários com a presidente.

            O grande capital nunca morreu de amores pelos governos petistas mas, no tempo de Lula, havia contradições entre eles. Os bancos ganharam muito dinheiro, a indústria surfou nas altas taxas de crescimento e o agronegócio viveu seu grande momento, com saltos espetaculares nas exportações, ganhando com o cenário internacional e a diplomacia presidencial do ex-presidente Lula, que lhes abriu novos mercados.

            Dilma, pelas medidas e pelo estilo, acabou angariando a insatisfação de todos eles. Travou uma queda de braço com os bancos e conseguiu uma redução inédita e necessária nas taxas de juros do país. Os capitães da indústria, beneficiados com a queda nos juros e as linhas de crédito do BNDES, foram ainda socorridos com medidas de estímulo ao consumo sob a forma de desonerações tributárias. Nem por isso, ficaram satisfeitos. Apontam a indústria automobilística como grande beneficiária das desonerações e reclamam do que seria um elevado intervencionismo da presidente na economia. O agronegócio, por sua vez, teve as exportações reduzidas pelo baixo preço do dólar, que só recentemente cruzou a barreira dos R$ 2, embora a crise externa é que tenha sido decisiva para a retração. O “pibinho” de apenas 1% em 2012 deu a senha para a elevação do tom das críticas ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e à política econômica.

            Em busca de alternativas a Dilma, o empresariado teve um “encantamento” por Eduardo Campos, do PSB, logo que ele emergiu como grande vitorioso na eleição municipal. Diante de suas reticências em ser ou não ser candidato em 2014, e do pré-lançamento de Aécio Neves pelo PSDB no fim do ano passado, voltaram os olhos para o tucano. Faz parte desta conexão a aproximação do senador mineiro com os economistas mais importantes da era Fernando Henrique, com a mediação deste. Pedro Malan, Edmar Bacha e Gustavo Franco já atuam como formuladores do discurso econômico de Aécio. Eles expressam o pensamento econômico de parcela importante do PSDB e refletem a insatisfação dos empresários.

            Os problemas no setor elétrico tendem, naturalmente, a aumentar a crispação. A indústria precisa de segurança energética para produzir e investir. No ano 2000, o Brasil cresceu acima dos 4% mas, com o racionamento em 2001, o índice caiu para a casa de 1%. A situação de hoje é bem diferente. Se em 2001 houve falha no planejamento, agora existem as termelétricas de segurança, acionadas quando a produção hidrelétrica cai por falta de água nos reservatórios. Isso tem custos mas, se as chuvas caírem para valer, como prometeu o ministro ontem, confiando em São Pedro, as “termo” poderão ser dispensadas gradualmente. Mesmo assim, o sobressalto energético, que setores do governo dizem estar sendo superdimensionado, vai contra o principal objetivo de Dilma (e do Brasil) este ano, que é retomar a trajetória de crescimento da era Lula. Seus efeitos econômicos terão uma tradução política para a presidente e sua reeleição. A dimensão desses efeitos, por surrealista que pareça, depende muito agora do comportamento das nuvens. As do céu do Brasil, não ainda as da política, que mudam rapidamente de forma, na definição famosa de Magalhães Pinto, que alguns insistem em atribuir a Tancredo Neves.

            Peixes de Crivella

            Quando ele assumiu o Ministério da Pesca, assegurando a participação do PRB na base parlamentar dilmista, confessou que não sabia colocar isca no anzol. Apanhou como minhoca no cardume. Menos de um ano depois, o ministro Marcelo Crivella fala de piscicultura com a desenvoltura de um peixe n’água. Conseguiu instituir um Plano Safra para o setor, com metas, linhas de crédito e garantia de um salário mínimo para mais de um milhão de pescadores durante a piracema e a procriação, quando a pesca é suspensa. A produção brasileira aumentou para 1,35 milhão de toneladas de peixe: 1,3 milhão vem da pesca extrativista, 500 mil da criação em tanques e represas. Em dois anos, projeta uma elevação para 2 milhões de toneladas.

            Na pescaria política, ele diz ter duas metas. Ajudar a presidente a se reeleger e o PRB a ampliar sua bancada na Câmara.

            Receios infundados

            Os afagos da presidente Dilma Rousseff no governador Eduardo Campos (PSB) levantaram receios de algum estimulo governista à candidatura de Julio Delgado, também do PSB, a presidente da Câmara. Fontes próximas a Campos garantem que, embora ele tenha apreço por Delgado, não entrará em combate para derrotar o peemedebista Henrique Eduardo Alves. Deve-lhe apoio decisivo à aprovação do nome de sua mãe, Ana Arraes, para ministra do Tribunal de Contas da União (TCU).

            CIÊNCIA » Nova estratégia contra o câncer-Roberta Machado‏

            Pesquisadores observam em ratos que tratar melanoma pode ser mais eficaz se quimioterapia for aplicada em intervalos. Descoberta abre portas para outras formas de combater tumores 

            Roberta Machado
            Estado de Minas: 10/01/2013 

            Brasília – Um dos grandes temores dos pacientes com câncer é ter de retomar o tratamento depois da primeira rodada de remédios. Além do sofrimento e dos inúmeros efeitos colaterais causados pela quimioterapia, essas pessoas precisam lidar com a possibilidade de que as drogas usadas anteriormente tenham perdido o efeito esperado. Isso ocorre porque os tumores costumam desenvolver uma certa resistência aos medicamentos, assim como uma bactéria deixa de responder às ações dos antibióticos.

            Para evitar esse beco sem saída, oncologistas costumam optar por tratamentos mais agressivos, que dispensem um retorno aos remédios. Mas há chances de que a solução esteja justamente no caminho contrário: uma terapia com pausas programadas poderia adiar o desenvolvimento do tumor resistente. A conclusão é resultado de um estudo norte-americano publicado ontem na revista Nature, que observou a resistência à medicação em um grupo de ratos com câncer de pele.

            Os cientistas submeteram um grupo de cobaias cancerosas a uma terapia direcionada por oito semanas e notaram que, depois de dois meses de tratamento, 20% deles desenvolveram resistência às drogas. Os tumores que permaneceram nesses animais foram implantados em outros ratos, nos quais o câncer resistente se desenvolveu. Como se esperava, esses bichos não responderam ao tratamento tão bem quanto o primeiro grupo.

            Ao comparar os tumores dos dois tipos de cobaia, os pesquisadores notaram que ambos tinham quantidades similares do gene prejudicial que o remédio tentava destruir. Conhecido como BRAF, ele é responsável pelo crescimento das células. “O BRAF sofre mutação para assumir uma forma superativada em aproximadamente 50% dos tumores de melanoma. Tumores com essa mutação são extremamente sensíveis a inibidores, mas a resposta dura apenas alguns meses, quando a resistência se desenvolve”, explica Meghna Das Thakur, autora do estudo e pesquisadora no Instituto Novartis de Pesquisa Biomédica, nos Estados Unidos.

            O estudo, no entanto, foi capaz de mostrar que os genes dos ratos menos suscetíveis ao tratamento produziam uma quantidade muito maior de proteínas que os outros. Essa diferença mostrou aos cientistas que esse gene continuava muito ativo, e que poderia estar até mesmo sendo beneficiado pela ação dos remédios.

            A grande surpresa do experimento ocorreu alguns dias depois que os pesquisadores suspenderam o medicamento. Os tumores resistentes deram sinais de regressão, o que para eles mostrou que o gene BRAF havia se tornado dependente da droga, fazendo com que algumas células cancerosas morressem na ausência do medicamento. “No entanto, esse efeito parece ser passageiro, e as células do tumor se reestabeleciam na ausência da droga e começavam a proliferar”, ressalta Meghna. A partir dessa suposição, eles criaram dois tipos de tratamento: um contínuo, como o usado hoje em hospitais, e um intermitente.

            Depois de 100 dias, as cobaias tratadas normalmente já mostravam sinais de resistência ao medicamento. Já os ratos que tinham pausas de alguns dias entre uma dose e outra da terapia ainda mostravam resposta às drogas passados 200 dias do início do tratamento. Para os pesquisadores, os resultados mostram que a terapia pode ser mais eficiente quando administrada com intervalos.

            Referência Esses resultados, ressaltam os autores, são válidos apenas para o tratamento do melanoma pelo remédio vemurafenib. Mas a pesquisa pode ser usada como referência para o aperfeiçoamento do tratamento de outros tipos de câncer que também mostram resistência aos medicamentos voltados especialmente para combater cada um. Grande parte dos pacientes costuma sofrer com a falta de resultados mesmo depois de os tumores apresentarem uma diminuição drástica na primeira dosagem dos remédios.

            Resistência Há várias formas de os pacientes de câncer se tornarem resistentes à terapia, e muitas delas envolvem alterações na expressão ou na atividade dos alvos das drogas. Dessa forma, o medicamento ainda afeta a pessoa doente, pois a resistência é formada diretamente nas células cancerosas, e não pelo organismo do paciente em si – um quadro que torna o tratamento mais sofrido que benéfico. Até hoje, as formas mais eficazes de evitar a resistência dos tumores é iniciar o tratamento ainda no início da doença ou usar várias drogas, que podem ser combinadas ou alternadas.

            “Quase todos os pacientes, eventualmente, se tornam resistentes a drogas como o vemurafenib. Há vários tipos de mecanismos de resistência, que vão desde novas mutações à superexpressão de proteínas como a BRAF. Não há uma forma simples de explicar esse problema, mas suspeito que o melanoma avançado com diferentes mutações genéticas tenha mais chances de se tornar resistente a inibidores”, reflete o imunoterapeuta Jeffrey Weber, do H. Lee Moffitt Cancer Center & Research Institute.

            De acordo com o especialista, que não participou do estudo, a suspensão do tratamento em pacientes humanos tem poucas chances de resultar numa regressão expontânea de tumores. Contudo, a ideia de testar uma terapia direcionada com intervalos poderia ter resultados positivos. “Em pacientes com o perfil desse artigo, a ideia de dosar o inibidor BRAF de forma intermitente faz sentido e devia ser formalmente testada. Eu suspeito que a resposta seria baixa em pacientes não selecionados, mas o artigo fornece um guia para a seleção de pacientes que podem se beneficiar da dosagem intermitente”, arrisca Weber. Ele ainda aponta que alguns oncologistas já haviam observado que o câncer pode voltar a responder ao medicamento quando há uma pausa de três meses no tratamento.
            O experimento com ratos, no entanto, ainda não mostra qual seria o ritmo ideal de tratamento para uma terapia mais eficaz para humanos – um aspecto que deve variar para cada paciente. “É muito importante enfatizar que simplesmente não é possível comparar a duração da sobrevivência observada dos ratos com o que poderia ser observado em pacientes humanos numa dosagem intermitente”, alerta Martin McMahon, coautor do estudo e pesquisador da Universidade da Califórnia. “Esses resultados não são definitivos para humanos, até que as ideias sejam testadas em experimentos clínicos cuidadosamente controlados.”