terça-feira, 2 de abril de 2013

Repórter passa uma semana em spa radical e emagrece 4,5 quilos

folha de são paulo

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
"A dieta daqui é tão restrita que seu corpo vai achar que você está morrendo", disse a enfermeira. E me mandou tirar a roupa para a primeira pesagem, a única em que ela é autorizada a falar o peso do paciente em voz alta.
O ritual da balança deve se repetir todo dia sob pena de o interno ficar sem jantar, avisa a placa no Spa Med Sorocaba Campus, onde passei uma semana vivendo com 300 calorias por dia.
É menos do que uma pessoa normal come no café da manhã. É o mesmo que dois pãezinhos sem margarina.
Famoso por lendas de tráfico de comida, o spa de Sorocaba disciplina gordos à base de regras rígidas, diárias salgadas (partem de R$ 595 e a estadia mínima é de sete dias) e dieta hiperrestrita.

Uma semana no spa

 Ver em tamanho maior »
Victor Moriyama/Folhapress
AnteriorPróxima
Três morangos, opção de lanche da tarde para quem segue dieta de 300 calorias no Spa Med Sorocaba Campus, no interior de São Paulo
Tudo lá é controlado, até folhas de alface. Só escapam refrigerante zero, água, chá, café e suco light, além de picolé de gelo feito com o suco.
Nada mais entra, nem o inocente chiclete sem açúcar que tinha na bolsa, confiscado na revista de boas-vindas.
"Vocês pegam muita comida escondida?", perguntei às moças que me escoltaram até o quarto e fuçaram minha mala. "Sempre", disse uma.
Depois, ouvi de internos (nada de hóspedes por lá) histórias de doce de leite em frasco de xampu e torta de frango no filtro de ar do carro ("Ainda chega quentinha").
HORA FELIZ
Primeiro jantar. Seguindo as instruções da enfermeira terrorista, escolhi sopa. Sábio conselho. Apesar de ter muita água e um cubo de frango de 3 cm, o prato estava cheio. Com salsinha e limão, ficou uma delícia.
A comida do spa não tem nada de sal, açúcar ou gordura. As 300 calorias/dia são repartidas em seis refeições, que de novo são divididas no almoço e no jantar entre entrada, prato e sobremesa. Milagre da multiplicação? Não.
A porção de arroz é menor do que um copinho de café, e a sobremesa, do tamanho de uma caixa de fósforos.
Há quem tenha o privilégio de comer 450 calorias. Dá direito a um café da manhã melhor e ao dobro dos lanches da tarde e da noite (no meu caso, meia fatia de pão com um nada de patê ou três tomates-cereja, você escolhe).
Há ainda a primeira classe das 600 calorias (idosos, grávidas, veteranos e "fracos" em geral), que pode comer dois pratos no almoço.
A mim e aos companheiros de fome restava descobrir qual era a coisa mais bem-servida do dia e sublimar as preferências pessoais.
Aprendi a não cair na cilada dos nomes apetitosos. Disse não ao nhoque (eram oito unidades), ao hambúrguer e à minipizza. Optei por arroz integral com frango ou legumes, os pratos maiores.
Já a decisão de trocar sobremesa por salada era mais difícil. Adotei a tática de sobrevivência de me concentrar na quantidade (o pedaço de doce equivalia só a uma garfada) e esquecer que estava substituindo bolo prestígio por um pouco mais de alface.
A barganha por comida corre solta no refeitório --gigantesco e nada glamouroso. É um bisbilhotando o prato do outro e todos patrulhando a dieta alheia, querendo saber por que a comida do vizinho tem um aspargo a mais.
No café, há quem "estique" sua única fatia de pão cortando-a na horizontal. Outros poupam todos os lanchinhos do dia para um banquete noturno regado a refrigerante zero do frigobar.
Passado o choque inicial, o segundo e o terceiro dias foram tranquilos. Já tinha perdido dois quilos e estava bem. Só sentia fome perto da hora de comer e antes de dormir.
No terceiro dia, quase todo mundo que tinha entrado comigo no spa já havia trocado de dieta. Sim, qualquer um pode pedir para comer mais caso se sinta mal.
Eu, brava, passava duas horas na academia entre esteira, bike, dança e hidroginástica. Nada mal para uma sedentária acima do peso.
Tudo estava sob controle até que, na madrugada do terceiro para o quarto dia, sonhei que fazia um caça-palavras com expressões do spa. E me animei ao encontrar laxante no meio das letras. Era o primeiro sinal de loucura.
Mais tarde, descobri que tinha engordado cem gramas. Quem me contou foi uma companheira de spa que viu um exame meu por engano. Era o que faltava para que eu entrasse na histeria coletiva.
Por que engordei? Cada um tinha uma teoria. Para uns, eu estava bebendo pouca água; para outros, faltava tomar mais chá de gengibre ou trocar de dieta para dar um "choque" no organismo.
Todos contavam a própria via-sacra. O interno, querendo ou não, fica sabendo quem está com intestino preso e quem toma diurético. Para dar mais raiva, sempre tem um homem que diz estar perdendo um quilo por dia.
Na manhã seguinte, decidi ir ao clínico do spa para afastar os palpites e tentar recuperar a sanidade. Segundo ele, eu não precisava de diuréticos ou laxantes e não deveria trocar de dieta porque tinha perdido mais 900 gramas. Ufa. Prometi não olhar o peso até o último dia.
ESTRATÉGIAS DE FUGA
A prisão no spa torna as coisas proibidas mais gostosas. Já as permitidas... "No último dia você vai odiar gelatina", profetizou a copeira que atua como fiscal do lanche e não deixa o posto nem por um minuto. Tinha razão.
Quem sai do spa sob licença médica, permitida depois de sete dias, só pensa em dar uma escapada. O programa preferido é comer a coxinha de uma padaria sorocabana.
De volta da licença, o paciente é pesado. Se tiver ganho mais de 2% do peso, perde o direito à voltinha.
Outro evento é a ida ao cinema. Cercados por monitores e com sacos de pipoca sem sal fomos levados ao shopping num micro-ônibus apelidado de "transbanha".
Notei a falta de duas pessoas na fila. Claro: driblaram a vigilância e foram comprar sanduíches, degustados no escurinho do cinema.
Não cometi nenhuma infração, mas quase. No final, a fome apertou. No quinto dia estava tão faminta que fiquei imóvel na beira da piscina, depois da aula de hidro.
Foi a única vez que precisei de transporte para voltar ao quarto. Mas não desmaiei.
Na consulta final com o médico, a notícia: perdi 4,5 quilos, 3 cm de barriga e 2,5 cm de cintura --não revelo o peso nem sob tortura. Minha taxa de glicemia, que era 108 (pré-diabetes), baixou para 99, o limite da normalidade.
"Se você comer quatro vezes o que comeu aqui, vai continuar emagrecendo", disse o médico. É o truque do spa para tentar deixar você feliz com uma dieta de mil calorias. Tem funcionado.
Não perdi um número no manequim, mas minhas roupas estão mais largas. No mais, descobri que não sou tão molenga para exercícios.
De alta, na volta, minha primeira providência foi comer uma esfirra em uma lanchonete na estrada.
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress


'Dieta radical é tratamento agudo para doença crônica', diz endocrinologista

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
Dietas com baixíssimo valor calórico, como as do Spa Med de Sorocaba, têm o efeito colateral de inibir o apetite, de acordo com o endocrinologista Lucas Tadeu Moura, médico do spa.
Isso ocorre porque a restrição intensa leva o organismo a entrar em cetose --quando o corpo passa a queimar gordura para obter energia.
"Pesquisas já mostraram que uma pessoa que consome 300 calorias diárias sente menos fome do que uma que come 900."
Segundo Moura, a cetose começa até o segundo dia de restrição, quando acabam as reservas de glicose do corpo. Por esse motivo a maioria das pessoas sente mais fome nos primeiros dias de spa.

Tanto a dieta de 300 calorias quanto a de 450 e a de 600 são consideradas muito restritivas e resultam em perda rápida de peso. "A resposta à dieta é muito individual. Muita gente não consegue fazer a de 300 calorias."A mudança no metabolismo, no entanto, não causa um "choque" no organismo, diz o endocrinologista. "O corpo não interpreta que você está morrendo. Não há nenhum sentido fisiológico nisso. Ele interpreta que está saindo mais energia do que entrando e se adapta a isso."
NÃO FAÇA EM CASA
Regimes como os de spa são arriscados e não podem ser feitos sem acompanhamento. "A dieta mínima recomendada para se fazer em casa é de 800 calorias, isso para pessoas muito pequenas, que têm o metabolismo basal de mil calorias", diz Moura.
O nutrólogo Celso Cukier, do Instituto de Metabolismo e Nutrição, explica que uma restrição alimentar muito exagerada pode causar problemas como dor de cabeça, náusea, halitose e mudança de humor.
"O organismo redistribui micronutrientes e usa reservas intracelulares", explica. O problema está na volta à dieta normal. "O corpo produz muita insulina e, no retorno dos nutrientes às células, pode haver a falta aguda de alguma substância."
De acordo com Cukier, a maior parte do peso perdido em um spa é água, principalmente nos primeiros dias.
"Pode servir como estímulo, no máximo. E é preciso voltar à rotina com calma, comendo alimentos mais leves no começo." A longo prazo, a dieta mínima recomendada por ele é de 1.200 calorias.
Para o endocrinologista Bruno Geloneze, do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes da Unicamp, dietas muito restritivas não devem ser feitas nem mesmo em spas.
"Só vejo desvantagens. É um tratamento agudo para uma doença crônica, que é a obesidade. Para perder e manter o peso é preciso um tratamento contínuo", diz.
O mesmo pensa a nutróloga Ana Luisa Vilela. "Os spas só sobrevivem porque as pessoas voltam. Acaba virando problema crônico. A pessoa só emagrece lá porque tem alguém vigiando. Depois sai e engorda de novo. É ilusório."
Segundo Moura, o tratamento serve para derrubar mitos relacionados ao emagrecimento. "Muita gente chega ao spa achando que não consegue emagrecer. E aqui a pessoa percebe o quanto estava comendo e como pode reduzir muito a sua ingestão de calorias."


Para matar a fome, internos já furtaram pato e carpas do lago

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Quem viveu no Spa Med de Sorocaba há mais de 20 anos, como o engenheiro João Renato Albanese, 57, conta que, na época, só existia uma dieta, a de 250 calorias, e o tempo mínimo de internação era de um mês, sem direito a saídas semanais.
A clausura deu origem a lendas que até hoje circulam entre funcionários e internos, no estilo telefone sem fio.
Um dos casos célebres, presenciado por Albanese em 1989, é o do interno que capturou um pato no lago anexo ao spa e tentou cozinhá-lo no quarto. "Essa foi a época dos malucos aqui", diz ele, que já passou várias temporadas na instituição. Sua primeira internação foi de 1987 a 1989, quando entrou com 280 quilos e saiu com 90 quilos.

O engenheiro afirma ter visto quando um grupo de pacientes caçou o pato e o levou para um quarto. "Vi o bicho sendo depenado. Saí de perto, mas soube que tentaram assar o pato no aquecedor. Ficou um cheirão e eles foram descobertos."Era o começo do spa, fundado em 1981. "A gente passava muita fome. Eu comi até flor. Hoje tem muito mais comida", lembra.
As pobres carpas do local também já sofreram ataques. "Um paciente tentou fazer filé do peixe no ferro de passar", afirma Caio Cesar Moura, diretor do spa, sem entrar em detalhes.
Hoje, além de dietas mais "fartas" e saídas semanais, que, de certa forma, contêm o ímpeto dos infratores, a segurança é reforçada. Não dá mais para esconder contrabando no carro, por exemplo. O interno não fica com a chave do seu veículo.
Nada impede, porém, que a comida venha de cima.
Janete Rosa da Silva, coordenadora técnica do centro de estética, está na instituição há 20 anos e diz ter visto um frango assado cair sobre uma paciente que tomava sol na piscina. "Alguém encomendou o frango e jogaram pelo muro", lembra. O crime não foi desvendado.
A história mais maluca e megalomaníaca é a do ex-paciente rico que, depois de ser expulso por tráfico de comida, vingou-se jogando de um helicóptero centenas de bombons por toda a área do spa.
"Eram mais de 50 caixas. Os gordinhos se mataram de comer", diz Albanese, que justo nesse dia não estava lá, mas diz ter ouvido o caso de fontes seguras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário