domingo, 21 de abril de 2013

Escola particular oferece até iatismo para 'ocupar' aluno

folha de são paulo

SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

As escolas particulares de São Paulo estão cada vez mais criativas na oferta de cursos extracurriculares --a maioria pagos-- para seus alunos.
Entre as tendências do modismo estudantil estão robótica e esgrima. Mas há quem vá além e ofereça até iatismo.
Esse é o caso, por exemplo, do Colégio Humboldt, que trouxe a modalidade no começo deste ano. "A demanda por novidades veio dos próprios alunos", diz Everton Augustin, diretor-geral da escola.
O curso de iatismo, oferecido nas tardes de terças e quintas-feiras, tem 47 alunos de 7 a 18 anos. "Ficamos surpresos com a demanda", diz o coordenador Marcos Biekarck.
Para quem quer fazer universidade na Alemanha e cursa um ano adicional no ensino médio, o iatismo é a atividade esportiva regular.
O equipamento fica por conta da escola. Se o aluno quisesse comprar a própria vela, teria de desembolsar algo entre R$ 4.000 e R$ 6.000.
A maioria das modalidades extras funciona como um "plus" para segurar os alunos por mais tempo na escola.
Das seis escolas ouvidas pela Folha, apenas o Colégio Bandeirantes, que está entre as cinco melhores escolas paulistas de acordo com o último Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), não cobra por nenhum curso a mais.

Aulas de esgrima

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Jorge Araujo/Folhapress
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Escolas particulares de SP têm aulas inusitadas como golfe, esgrima e iatismo; na escola Internacional de Alphaville crianças de várias idades participam
ESPECIFICIDADE
A oferta de cursos como iatismo, diz o diretor do Humboldt, não significa que esportes tradicionais como o futebol, perderam espaço. A ideia é "atender especificidades dos alunos".
É o caso de Yuliette Medina Maldonado, 14. A garota mexicana recém-chegada ao Brasil pinta quadros e gosta de música, como conta o pai. A dedicação aos esportes surgiu nas aulas de esgrima, curso extra da Escola Internacional de Alphaville.
"Ela conseguiu encontrar um esporte que tem afinidade com atividades artísticas", afirma o engenheiro químico Enrique Medina, pai da garota. Ele desembolsa cerca de 10% a mais na mensalidade da filha para o esporte.
Mas não são apenas os esportes que estão na lista das atividades fora do currículo.
No Porto Seguro, uma modalidade que faz sucesso é o curso de análise de notícias."Analisamos textos sob o ponto de vista da história, da geografia e da biologia", diz o professor Rafael Covre.
A maioria dos alunos é composta por estudantes que pretendem fazer curso universitário em humanas.
No São Luís, quem vai prestar exatas tem aprendido robótica com peças de Lego. Segundo a escola, 80% dos estudantes são meninos.

Aulas inusitadas

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Fabio Braga/Folhapress
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Escolas particulares de São Paulo apostam em aulas inusitadas em sua grade escolar; atividades incluem curso de iatismo
Editoria de Arte/Folhapress


ANÁLISE
Atividade deve dialogar com projeto pedagógico
Discutido com os pais, programa delineia objetivos da escola e precisa estar presente também em aulas extracurriculares
ELISABETE MONTEIRO DE AGUIAR PEREIRAESPECIAL PARA A FOLHAToda escola tem um projeto pedagógico em que estão delineados a filosofia da escola, os objetivos e o perfil de egresso que a instituição deseja formar. Isso é apresentado aos pais, que discutem com a equipe pedagógica da escola sobre a sua concordância em relação ao projeto.
Ultimamente a participação dos pais na vida escolar dos filhos está cada vez maior e as escolas também têm se aberto mais a essa participação. Não é uma regra geral, mas há um aumento significativo do entendimento mútuo a respeito da importância dessa participação.
A introdução de aulas extracurriculares tem, necessariamente, de fazer parte desse projeto apresentado e discutido pelas escolas com os pais e pelos pais.
Por outro lado, as escolas têm entendido a importância de formar alunos com entendimentos sobre as mais amplas questões do conhecimento. As instituições têm buscado favorecer o desenvolvimento do aluno em todas as áreas, para além das tradicionalmente trabalhadas na escola.
Se as atividades respondem ao que foi intencionado no projeto pedagógico, elas podem ser consideradas pedagogicamente válidas.
O xadrez, por exemplo, tem sido uma atividade desenvolvida, inclusive, em escolas públicas, pelo potencial de desenvolvimento intelectual, da capacidade de concentração, análise e tomada de decisão. O jogo de xadrez entra em uma nomenclatura atual que é o "esporte-ciência".
O que não pode acontecer é a atividade escolar não estar inserida no contexto do projeto pedagógico.
Há cursos extras que fazem parte das atividades complementares do currículo. Nesses casos, as escolas desenvolvem projetos que integram questões de várias áreas do conhecimento, permitindo às crianças entenderem sua interdisciplinaridade.
Alguns desses projetos podem integrar física, matemática, química, história, cultura, valores sociais, as relações com o cotidiano, com o mundo físico etc. Isso amplia a percepção dos alunos sobre a complementaridade entre as áreas do conhecimento.
Espera-se que outros cursos extras, como iatismo, também estejam estruturados dentro de objetivos educacionais explicitados no projeto pedagógica da escola.

    Pais ocupados alavancam procura por curso extra
    Medo de violência é outro fator que leva a busca por atividades para os filhos
    Para especialista em psicologia da educação, cursos demais podem resultar em sobrecarga dos alunos desde cedo
    DE SÃO PAULOAs famílias estão mais ocupadas e as cidades são ambientes violentos. De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, os dois fatores, juntos, têm motivado a procura dos pais por atividades extracurriculares para seus filhos.
    Não há dados sobre quantas escolas paulistas oferecem as atividades extras. Cada instituição tem autonomia para oferecer os cursos e até para terceirizar as atividades.
    O que se sabe é que a demanda é grande.
    No Colégio Humboldt, em Interlagos, pelo menos dois terços dos 1.243 alunos permanecem na escola à tarde para fazer cursos adicionais como circo, economia, mandarim e até iatismo --que é feito no Yatch Clube, perto da escola, na represa de Gurapiranga.
    A questão é que com pai e mãe trabalhando fora, quanto mais tempo a criança passar na escola, melhor para a organização da família.
    "As atividades extras são uma tendência cada vez mais comum no ensino particular, inclusive em escolas privadas da periferia", explica Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo).
    De acordo com ele, a moda começou em meados de 1990 e ganhou mais intensidade na última década.
    Agora, afirma, com as novas regras trabalhistas para as empregadas domésticas, a procura pelas atividades extras deve crescer ainda mais.
    Além da organização familiar, há a questão da falta de segurança nas cidades.
    "Hoje em dias as crianças não podem mais andar livremente e brincar na rua. As cidades estão violentas e os pais se preocupam com isso", explica Everton Augustin, diretor geral do Humboldt.
    De acordo com ele, atividades extras são comuns também na Europa. "Na escola, o estudante está em um ambiente organizado, controlado. Os pais se sentem mais tranquilos", diz Augustin.
    SOBRECARGA
    O problema é que, se excessivas, as atividades extras podem sobrecarregar os pequenos e os adolescentes.
    "Ficar mais tempo na escola pode ser positivo. Mas o aluno também precisa de tempo livre para brincar e escolher o que quer fazer", analisa a psicóloga da PUC-SP Mariangela Barbato Carneiro, especialista em educação.
    De acordo com ela, a preocupação dos pais com a inserção rápida dos filhos no mercado de trabalho também tem estimulado a procura por cursos extras desde cedo.
    "Isso pode trazer muita pressão para as crianças. Elas podem ficar sobrecarregadas e deixarão de aproveitar a infância, que só acontece uma vez na vida", diz Carneiro.
    Mas, afinal, é possível ter uma infância saudável em um ambiente urbano com os dois pais trabalhando fora? A resposta, segundo a psicóloga, é positiva.
    "As escolas podem manter os alunos à tarde, permitindo que eles escolham se querem estudar, fazer tarefa, brincar ou fazer esportes."
    Para Silva, do Sieeesp, o ensino integral é uma tendência mundial e deve chegar inclusive ao ensino público. "No Brasil, o ensino particular sempre sai na frente."

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