quinta-feira, 25 de abril de 2013

Adeus a Gutenberg? - Aldo Pereira - Tendências/debates

folha de são paulo

ALDO PEREIRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Adeus a Gutenberg?
A revolução de Gutenberg como que antecipou o vendaval internético que hoje desfolha jornais e revistas e os confina ao acesso pago
Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (c. 1398-1468) não inventou a imprensa. Técnica de carimbar escritos em papel já existia na China cinco séculos antes de Gutenberg nascer. Em seu tempo, europeus tinham aprendido também a fabricar papel, outra milenar invenção chinesa, como sucedâneo de papiro e pergaminho.
Gutenberg tampouco inventou tipos móveis de metal: coreanos já os usavam no século 8. E a prensa de sua oficina era a mesma que, fazia séculos, espremia uvas para fabrico de vinho.
Donde então provém a glória de Gutenberg? Não apenas de ter integrado esses elementos num sistema eficiente. Também da inteligente transposição de técnicas de ourivesaria para artes gráficas: com martelo, punção, buril e cinzel gravou no ferro os primeiros moldes para fundição de tipos ("carimbos de letras"). Ou seja, de ter inventado a produção em série dos tipos até então entalhados na madeira um a um.
Com ponto de fusão relativamente baixo, sua liga de chumbo, antimônio e estanho (talvez na proporção 70/20/10) conferia aos tipos dureza suficiente para não se deformarem quando premidos contra o papel. Mas era também suficientemente dúctil para assumir forma precisa na fundição. Noutras proporções, essa requintada "receita" metalúrgica subsistiria em vários processos de fundição de tipos (inclusive linotipo) até o século 20.
O que muito favoreceu o sistema Gutenberg foi o livro já ter evoluído, na época, do formato "volumen" para o códex, isto é, do rolo contínuo para a pilha de folhas costurada na margem.
Além de viabilizar a impressão, essa mudança trouxe ao leitor meio prático de fazer buscas na Bíblia, em breviários e noutras obras religiosas que predominavam no mercado livreiro. O códex matou o "volumen" como o disco do computador mataria a fita e como o CD desbancaria cassetes de áudio e vídeo. Códex era já, em termos, o livro de hoje.
Ao baratear a produção de livros, panfletos e outros impressos, Gutenberg democratizou o saber, afrouxou o privilégio aristocrático e clerical de acesso a ideias e fatos.
Quanto Gutenberg teria vislumbrado do futuro cultural, econômico e político de seu sistema, não se sabe. A acuidade de sua visão técnica contrastava com a miopia comercial. Morreu falido, arruinado por contrato leonino firmado com certo agiota que o financiara.
A revolução de Gutenberg como que antecipou o vendaval internético que hoje desfolha jornais e revistas e os confina a refúgios de acesso pago. Ao mesmo tempo, o e-book (Kindle, Nook, Kobo etc., afora improvisações de outras engenhocas eletrônicas) leva à pergunta: hora do adeus às variantes do sistema Gutenberg de carimbar papel?
Talvez, mas até certo ponto.
Muita gente tem referido precedentes análogos: cinema não matou teatro, televisão não matou cinema nem rádio, discos e iPod não mataram o show. Começa a ganhar foco certo consenso de que, passado algum empurra-empurra de acomodação, uma seleção de jornais, revistas e decerto livros de papel continuará a ser impressa por prazo indeterminado. Por quê?
Porque a maior parte da confraria anônima de leitores sempre incluirá aquele que, mesmo sem repelir engenhocas, abre um livro novo e cheiroso com a expectativa juvenil de quem abre de par em par uma janela para o mundo das ideias, do sonho, da poesia e do saber, mundo de todos os mundos, reais e imaginários. Fetiche? Ah, volúpia do pecado inocente!
Seu lugar continua seu, caro Gutenberg --basta chegar um pouquinho para lá.


    RENATO OPICE BLUM
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Por um mergulho seguro na rede
    Não podemos admitir que a proposta de proteção de dados na internet se arraste no Legislativo, como foi com a lei de crimes eletrônicos
    Os debates sobre a proteção eficaz de dados pessoais no Brasil precisam ser retomados. Embora diversos países, inclusive nossos vizinhos da América do Sul, há anos já possuam legislação que trata da matéria, o Brasil ainda parece engatinhar quando qualquer tema relacionado à internet vem à baila.
    Recentemente, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, capitaneou a consolidação de proposta a ser levada e inserida nos necessários debates do Congresso. Falta, no entanto, celeridade na tramitação do tema.
    Ao que tudo indica, o texto sugerido tem clara inspiração nas diretivas europeias existentes sobre a temática, o que é excelente, por serem regras já utilizadas amplamente no cenário internacional.
    O projeto estabelece, entre outros, o direito do cidadão a ser informado sobre a existência de seus dados pessoais em qualquer banco de dados e autorizar ou não sua permanência e uso. Além disso, fixa sanções administrativas em caso de infração.
    Outro ponto a destacar na proposta é a possibilidade de formulação futura de um código de boas práticas pelas empresas responsáveis pelo tratamento de dados. Essa previsão sugere que um conjunto de regras adicionais, debatido por quem tem a experiência do dia a dia, independentemente dos trâmites legislativos, possa auxiliar na atualização permanente do assunto.
    O texto também propõe a criação de uma autoridade de garantia, cujos detalhes serão especificados na regulamentação da lei. Parece que a ideia inicial é que esse órgão analise as medidas preventivas mínimas de segurança, devendo ser informado a respeito de eventuais acessos indevidos, perda ou difusão acidental de dados pessoais.
    Por evidente, a proposta de instituição de regras aliadas às ferramentas garantidoras de seu cumprimento demonstra notória evolução, já que o país tem a sofrível tradição de, primeiro, criar direitos/deveres, para depois, em segundo e muitas vezes tardio momento, estudar as forma de cumprimento, fiscalização e atualização.
    O projeto está bem elaborado; no entanto o encaminhamento da temática precisa de agilidade, dada a indiscutível adesão em massa dos brasileiros aos canais da internet.
    O governo é, inclusive, um dos maiores representantes da nação nesse mergulho de cabeça na rede. Nesse sentido, considerando que muitas informações altamente sigilosas relacionadas a um indivíduo são manipuladas pelo poder público, parece-nos lógico e transparente que este, prioritariamente, impulsione a celeridade dos debates e contribua para o deslinde da questão.
    Não podemos admitir que a proposta de proteção de dados se arraste durante anos nas casas legislativas, como ocorreu com a lei de crimes eletrônicos.
    O fato social em torno da matéria --evidente insegurança no tocante à manipulação de dados pessoais-- é incontestável. A importância que a sociedade dá ao tema também é patente. Portanto só falta mesmo a norma efetiva para que a matéria venha à luz no mundo do direito.
    Logo, sendo impossível conceber qualquer retrocesso tecnológico (o cidadão de hoje não aceitaria menos), conclui-se que a fixação de regras claras sobre a manutenção de banco de dados, compartilhamento de informações, sigilo e responsabilização em caso de desconformidade é o alicerce mínimo para que se possa prosseguir, de forma saudável, nessa imersão tecnológica que tanto fascina a nação brasileira.

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