sábado, 6 de abril de 2013

A LITERATURA COMO O LUGAR DE “EXISTIR”

No breve A Vida Privada das Árvores, de Alejandro Zambra, é a convivência com a ficção que revela as personagens

VINICIUS JATOBÁ


Al e j a n d r o  Z a m b r a (1975) é um espécime raríssimo. Após quase uma década como crítico l i t e r á r i o em jornais e revistas de seu país, o Chile, ele tomou de assalto a cena literária latino-americana
em 2006 com a repentina publicação de Bonsai pela prestigiosa editora espanhola Anagrama. A repercussão do livro foi imediata. Parte dela se concentrou no questionamento se um livro tão magro e breve poderia ser mesmo considerado de romance.Parte da repercussão também foi uma resposta ao tom algo taxativo de sua obra de crítico literário, reunidaem2010na coletânea No Leer, em que Zambra não apenas aponta aquilo que considera uma boa literatura, como vai aos poucos estabelecendo um programa geral de leitura e de escrita.

Seu segundo romance, no entanto, publicado logo no ano seguinte a Bonsai,mudou a percepção birrenta acerca do autor, e silenciou de vez seus críticos: provou que a concentraçãodeBonsai era uma escolha estética ponderada e precisa,uma vez que AVida Privada das Árvores, que sai agora no Brasil, segue a mesma estratégia narrativa, e forma um díptico com o livro anterior. O novo romance também encorpou a autoridade da voz de Zambra, uma vez que ele pratica em seus livros justamente a literatura que defende em suas críticas e resenhas. Há diante de Zambra um respeito quase “borgiano”: é um escritor cuja imagem pública está relacionada tanto a como se lê, e o que ele pensa de ler, quanto ao modo como se usa a leitura enquanto se escreve. Assim, umdos prazeres em ler Zambra está no fato de que, ao lê-lo, se constrói uma imagem dele escrevendo o texto.

E esse é o grande mistério.Um grande escritor é fruto de seu próprio tempo. Limitado por ele; exponenciado por ele. Zambra escreve seus textos em comunhão com um cenário centrale vitorioso da poética literária de hoje. Narrativas que relatam histórias são rotuladas de “ingênuas”; a construção de um personagem, com um mundo interior próprio, relegada a um momento “vencido” da prática literária. É fatal: apesar de a literatura não evoluir propriamente – não ser essa sua natureza –, a forma por meio da qual se pensa a escrita é evolutiva. E nesse sentido a poética de Zambra, uma literatura que se dobra sobre si mesma, é a mais “evoluída” e vitoriosa dos dias atuais: Coetzee, Calasso, Bitov, Vila-Matas, Levrero, Pitol e, até certo ponto, Bolaño. O livro em que o espaço literário é o próprio protagonista é central ao nosso tempo, assim como toda sua mitologia – o escritor entravado, o bloqueio criativo, o bastidores do livro, a vida transmutada ao universo ficcional. Em uma escassa fatia,tem riqueza,mas em sua maioria é apenas sintoma.

Em A Vida Privada das Árvores, Julián, autor de Bonsai, espera Verónica. Está em casa, com sua enteada. Para distrair Daniela, que está agitada por sua mãe não chegar, Julián conta-lhe histórias de árvores. Na sala, sozinho, ele relembra seu relacionamento com Verónica, pondera seu atraso,encena abandonos,
e imagina sua vida até o dia em que Daniela já é uma adulta. Imagina sua vida comVerónica, sem Verónica. Mas nunca sem Daniela. Em Zambra os mecanismos narrativos estão evidenciados. Como histórias se formam, de onde elas vêm,até como se modificam conforme são escritas (ou imaginadas).

O que destaca os livros do chileno é a prosa esparsa, mínima, e uma descoberta, que é seu investimento central: a de que por trás do universo do literário, um fetiche, o que realmente alimenta as personagens é o desejo por histórias, por narrativas.Em um mundo solitário – outro lugar-comum –, os livros nas estantes são os novos velhos das aldeias. E diante do silêncio dos outros é a imaginação que conjura e especula as vozes por meio dos gestos de afastamento.Em Zambra,a literatura não é um fim: ela opera na vida das personagens, na verdade, como a substituta de uma intimidade perdida – e desejada .Estabelece, inclusive,uma ponte de comunhão:já que é impossível falar do que se sente diretamente ao outro, as personagens de Zambra se revelam pelo que elas dizem que sentem quando leem ou escrevem.


VINICIUS JATOBÁ É CRÍTICO E FICCIONISTA

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