terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Marcelo Coelho


ANÁLISE
No fundo, queremos que a igreja pense como nós
O celibato e a ordenação de mulheres também são temas sempre invocados quando se pensa numa agenda de renovação
MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHAA Igreja Católica não muda nada. Tudo precisa mudar na Igreja Católica.
As duas frases provavelmente resumem o pensamento geral sobre o que se espera do novo papa.
Começo a perceber que nenhuma das duas é tão verdadeira assim. Uma primeira surpresa veio ao ler o livro do jornalista John Allen Jr, "All the Pope's Men" (ed. Doubleday), um relato para lá de respeitoso a respeito de como funciona a Santa Sé.
Para dar uma ideia de como as coisas mudam no Vaticano, Allen Jr cita um exemplo notável: a pena de morte.
Embora o discurso "pró-vida" pareça estabelecido desde sempre no mundo católico, os papas não simplesmente apoiavam a pena de morte como a aplicavam até uma data relativamente recente.
O ano de 1868 marca a última vez em que a guilhotina foi utilizada no Vaticano. Pode-se dizer, claro, que os papas demoraram quase dois milênios para se convencerem do seu desacerto.
Uma vez aceita a mudança, entretanto, tudo se passa como se a Igreja Católica sempre tivesse pensado assim.
Não digo com isso que o aborto venha a ser aceito com facilidade nos próximos anos. Mas divergências já foram registradas entre os cardeais ultimamente.
Um dos papáveis, Marc Ouellet, chocou o Canadá quando disse, a respeito de uma gravidez por estupro, que a mãe não deveria cometer um segundo crime só por ter sido vítima do primeiro.
Já o cardeal O'Connor, antigo primaz da Inglaterra, defende posição oposta em caso de estupro. Para um não católico, trata-se de atitude mais razoável.
Tudo precisa mudar na Igreja Católica -sou dos primeiros a concordar com isso. Mas é curioso como no fundo torcemos para que mude no rumo de nossas convicções.
Fosse por uma questão de popularidade, os bispos brasileiros poderiam muito bem abandonar sua crítica à pena de morte e, em especial, sua defesa dos direitos humanos.
Achamos que a igreja perde muitos fiéis ao condenar o uso da camisinha. Pode ser verdade. Mas não sabemos quantos fiéis a igreja descontenta ao falar em direitos humanos -garantia absoluta de perda de votos para candidatos a cargo eletivo na periferia das cidades brasileiras.
O celibato dos padres e a ordenação de mulheres também são temas sempre invocados quando se pensa numa agenda de renovação.
Talvez não sejam coisas tão difíceis de adotar, afinal; sem dúvida, estamos falando de assuntos menos vitais (literalmente) que o aborto.
Argumenta-se com frequência, entretanto, que o celibato e outras chateações são responsáveis pela constante queda no número de padres.
Ocorre que, mundialmente, o número de padres (e seminaristas) cresce desde 2000. Segundo o último "Anuário Pontifício", publicado em março do ano passado, a igreja conta com 1.643 padres a mais, no intervalo entre 2009 e 2010. De 2005 a 2010, o número de seminaristas aumentou 4%.
Verdade que a Ásia e a África são as principais responsáveis por esse crescimento. O decréscimo de padres é visível na Europa e nas Américas; de um ponto de vista global, contudo, faz sentido imaginar que esse não seja o maior problema nas cogitações do Vaticano.

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