sábado, 26 de janeiro de 2013

A nova batalha de Stonewall

O GLOBO - 26/01/2013

DIREITOS GAYS EM DEBATE

Reino Unido põe em votação casamento de homossexuais; Rússia e Polônia cerceiam comunidade


Quase quatro décadas e meia após gays indignados resistirem a mais uma batida da polícia de Nova York no bar Stonewall Inn, a semana que passou revelou-se um termômetro do atual estágio da luta pelos direitos dos homossexuais, iniciada naquela tumultuada madrugada de 28 de junho de 1969. Os altos e baixos registrados indicam como o tema mobiliza a sociedade em vários países.

Ontem, o governo do Reino Unido — onde até 1967 eram consideradas crime as relações sexuais entre homens — enviou ao Parlamento um projeto de lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora a aprovação não seja garantida, dada a polêmica em torno do projeto e sua rejeição dentro do partido do premier David Cameron, a simples apresentação da legislação por um líder conservador já indica um avanço de mentalidades.

O mesmo ocorreu na terça-feira, quando Barack Obama fez História ao tornar-se o primeiro presidente dos Estados Unidos a mencionar os gays e apoiar seus direitos num discurso de posse. Defensor do casamento gay, ao qual já dera suporte antes, Obama pôs de forma incontestável o peso de seu cargo na promoção dos direitos homossexuais. Nesse mesmo time joga o presidente François Hollande, que enfrenta pesada oposição a seu projeto de mudar a lei francesa ainda este ano para dar a gays o direito de se casar e adotar filhos. Dias atrás, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de Paris para manifestar sua desaprovação à mudança.



Mais ao leste do continente europeu, porém, a luta dos gays por direitos iguais é ainda mais difícil. Ontem, os deputados russos aprovaram por arrasadora maioria legislação que impede a propaganda, na mídia, de eventos relacionados à comunidade. Com mais duas votações, a proibição torna-se lei. E na vizinha Polônia, o Parlamento também desfechou outro golpe na luta dos gays por uma cidadania plena, rejeitando um projeto que daria direitos legais, embora limitados, a casais homossexuais.


Governo de Putin inicia cruzada contra propaganda gay


Polícia reprime com violência 

beijo coletivo de ativistas antes 
de a Duma votar pelo fim da 
divulgação de eventos



-MOSCOU- A Rússia deu o primeiro passo ontem 
para transformar em lei um projeto que prevê a 
proibição de propaganda homossexual na mídia. A iniciativa foi aprovada na primeira de três leituras previstas na Câmara Baixa, a Duma, por 388deputados  - apenas um votou contra, e outro se absteve.
A discussão despertou protestos 
de grupos a favor dos direitos homossexuais, 
que ensaiaram um beijo coletivo em frente ao 
Parlamento antes da votação. Houve confrontos 
entre ativistas gays e partidários da lei — a maioria 
formada por cristãos ortodoxos —, e a polícia 
russa prendeu 20 pessoas.

— Moramos na Rússia, não em Sodoma e Gomorra. 
Esse é um país milenar fundado em seus 
próprios valores tradicionais, e protegê-los é até 
mais importante para mim do que o gás ou o petróleo 
— afirmou momentos antes da votação o 
deputado Dmitry Sablin, do partido Rússia Unida, 
o mesmo do presidente Vladimir Putin.


Caso acabe aprovada na Câmara, no Senado, 
e sancionada por Putin, como tudo indica, a iniciativa 
proibirá a divulgação de eventos gays na 
Rússia, sob pena de multas que podem chegar a 
US$ 17 mil para os organizadores. Simpatizantes 
da medida defendem o fim de paradas gays e 
a aparição de casais homossexuais na mídia 
porque esse tipo de propaganda “afetaria a formação 
dos valores das crianças na Rússia”.


Já os ativistas afirmam que o principal objetivo 
do projeto é frear os direitos dos homossexuais, 
em contraste com o avanço da legislação sobre 
o tema em outros países. A homossexualidade, 
punida com prisão na antiga União Soviética, 
foi descriminalizada na Rússia em 1993, 
mas gays ainda são alvo de preconceitos.

— A animosidade contra gays e lésbicas é generalizada 
na sociedade. A Duma, que já aprovou 
uma série de medidas antipopulares, espera 
resgatar algo de popularidade com essa 
lei — afirmou a ativista de direitos humanos 
Ludmila Alexeyeva.


Opositores de Putin afirmam que a proposta 
é parte de uma estratégia do governo para 
atrair eleitores conservadores, principalmente 
religiosos da Igreja Ortodoxa Russa, e

recuperar a popularidade do presidente,
desgastada desde que ele voltou
ao poder, em maio do ano passado,
sob uma onda de protestos em
Moscou e em São Petersburgo. Leis
similares já estão em vigor em Arkhangelsk,
Novosibirsk e São Petersburgo,
cidade natal do presidente.

POLÔNIA REJEITA MUDANÇAS

Ontem, o Departamento de Estado dos 
EUA criticou a votação da lei antigays 
na Rússia.

— Ninguém deveria ser discriminado 
por causa de quem ama — afirmou 
a porta-voz da pasta, Victoria Nuland, 
segundo a agência AP.


O governo americano anunciou que 
desistiu de estabelecer um diálogo sobre 
direitos civis com a Rússia em protesto 
pela repressão do Kremlin a dissidentes 
e a aprovação de novas leis contra 
organizações não governamentais.


As conversas faziam parte da redefinição 
das tensas relações entre os 
dois países, mas o Departamento de Estado 
americano considera que agora elas “não são 
apropriadas”.

Já na Polônia, os legisladores adotaram posição 
semelhante à dos russos. Acabam de ser rejeitados 
em primeira leitura três projetos de lei 
que concederiam direitos legais a casais que 
não estão casados formalmente — inclusive os 
homossexuais —, em um revés para os liberais 
que tentam desafiar o conservadorismo dominante 
no país de maioria católica.

Antes da votação, ontem, o primeiro-ministro 
Donald Tusk pediu aos legisladores que transformassem 
as iniciativas em lei, “para tornar a 
vida de muitos poloneses, também os homossexuais, 
mais digna”. As medidas buscavam garantir 
os direitos à herança, inclusão no sistema de 
saúde do cônjuge e pensão alimentícia, 
mas foram rejeitadas.

— Não se pode questionar a existência 
dessas pessoas (que vivem em uniões 
homossexuais) e não se pode argumentar 
contra as que decidem viver de 
tal maneira — disse Tusk ao Parlamento 
antes da votação.

O apelo não surtiu efeito. A Câmara 

Baixa votou contra os três projetos, um 
deles do partido do primeiro-ministro, 
a Plataforma Cívica, que foi recusado 
por 228 deputados, contra 211 a favor. O 
fracasso dessa medida em especial foi 
encarada com surpresa, pois ela era tida 
como aceitável para a maioria dos poloneses 
católicos.

Mas a votação demonstrou o contrário: 
46 integrantes do próprio partido 
de Tusk, incluindo o ministro da Justiça 
Jaroslaw Gowin, coincidiram com a 
oposição conservadora. Apesar da 
derrota, o deputado Robert Biedron, 
homossexual assumido e defensor dos 
direitos LGBT, prometeu que continuará 
lutando para ampliar os direitos legais 
de parceiros não casados, sejam homossexuais 
ou héteros.

Esse é um dos temas polêmicos discutidos hoje  
na Polônia. A legalização do aborto e de drogas  
leves, além do papel da Igreja na vida pública,  
também geram debate, mas encontram entraves 
na divisão entre conservadores e partidários 
de uma sociedade secular. 

ADESÃO À CAUSA

OBAMA
Fez discurso
histórico pelo
tratamento
igualitário
CAMERON
A favor do
casamento
gay, mas
adesão é
recente
HOLLANDE
Defendeu o
casamento gay
já na campanha
à Presidência
da
França


Cameron: governo  
conservador apoia  
medida progressista

Proposta do matrimônio gay garante autonomia às Igrejas que se oponham

-LONDRES-
Enquanto Rússia e Polônia demonstram estar longe da ampliação dos direitos gays, o Reino Unido se
aproxima da causa. O governo britânico apresentou ontem ao Parlamento um projeto de lei que pode tornar legal o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A primeira votação da proposta está prevista para o dia 5 de fevereiro.


Em entrevista à BBC Radio 4, a ministra da Cultura, Maria Miller, afirmou que a norma visa a garantir tratamento “igual e justo” aos casais homossexuais, ao mesmo tempo em que garante autonomia às instituições religiosas que não queiram realizar as cerimônias em suas instalações.

— Casamento é uma coisa boa, e devemos incentivar mais pessoas a se casar. É exatamente o que as propostas apresentadas irão fazer — disse. — Mas queremos assegurar que iremos não só reconhecer os direitos de casais do mesmo sexo na vida civil, como garantir que Igrejas não sejam obrigadas a realizar as cerimônias.

O projeto de lei exclui os clérigos da Igreja Anglicana — da qual a rainha Elizabeth II é a chefe oficial — e outras Igrejas da obrigatoriedade de realizar esse tipo de cerimônia, numa brecha que busca apaziguar os ânimos de religiosos que se opõem à ideia.

O bispo de Leicester, reverendo Tim Stevens, disse estar grato pela “forma construtiva” como a Igreja havia sido consultada sobre a nova proposta.

— Reconheço o progresso feito nessa frente, e o compromisso do governo de assegurar que as preocupações da Igreja estejam devidamente consideradas no projeto de lei — afirmou, segundo o “Guardian”.

A iniciativa não se livrou, porém, das críticas de legisladores conservadores, que já avisaram que irão votar contra a medida — e que em ocasiões anteriores justificaram sua rejeição à Lei do Casamento argumentando que ela seria uma “distração” para o objetivo maior de reaquecer a economia.

DA UNIÃO AO CASAMENTO

Desde 2005 o país realiza uniões gays, já tendo sido registradas mais de 106 mil em todo o Reino Unido, número dez vezes maior do que o esperado pelas autoridades quando a lei foi aprovada.

Apenas em 2011, 6.795 casais formalizaram suas relações em cerimônias civis, um aumento de 6,4% em relação a 2010. Mas as uniões realizadas até agora contam apenas com o status de união civil, não de casamento. Há entre eles uma diferença considerada fundamental pelo movimento gay: enquanto a união civil se limita basicamente ao plano patrimonial — como o estabelecimento de uma sociedade de bens e direitos de sucessão — o casamento civil inclui o conceito de família de fato, reconhecendo, além dos direitos, a capacidade de filiação em conjunto e a necessidade de cultivar valores inerentes  
à formação de um lar.

Caso o projeto de lei seja aprovado, os  
casais que contam com o status de união  
civil poderão convertê-la em casamento.

Apesar da oposição dos conservadores,  
as chances de aprovação são  
grandes, já que a proposta conta com o  
apoio do premier David Cameron, de 
grande parte do Gabinete e da maioria  
dos legisladores dos partidos Trabalhista  
e Liberal-Democrata.

















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