sábado, 29 de dezembro de 2012

Leia a primeira reportagem de capa da 'Folhinha', sobre pescoço da girafa

FOLHA DE SÃO PAULO

DE SÃO PAULO


A reportagem de capa da primeira "Folhinha", em 8 de setembro de 1963, é sobre um menino que foi medir o pescoço de uma girafa. Leia a seguir a íntegra do texto
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Quando menino resolve medir pescoço de girafa, de nada adianta contrariá-lo. Acaba medindo mesmo. A primeira experiência de Marcelo, 4, como repórter da FOLHINHA DE S.PAULO resultou na interessante descoberta das medidas do pescoço de Chuca e na sua alimentação.
Assim que Marcelo chegou ao Zoológico da Água Funda, foi recebido pelo diretor dr. Mario Autuori e sua esposa, dona Beatriz.
- Que é que tem ai in dentro? - foi logo perguntando Marcelo, assim que avistou a primeira jaula.
- Chimpanzé - respondeu dona Beatriz.
- Chimpanzé não, eu quero é girafa mesmo.
E foram ver a girafa. Marcelo a princípio ficou um pouco assustado, também pudera! Nunca tinha visto uma girafa de verdade em toda sua vida, ora.
- É linda - exclamou extasiado - Como é que ela se chama?
- Chuca.
- Por quê?
- Porque sim - exclamou dona Beatriz - Já veio da Alemanha com esse nome.
- E por quê?
- Porque sim.
- E por que é que é porque sim?
Aí, dona Beatriz disfarçou. Arranjou um molho de capim e disse ao pequeno repórter:
- Se você quer medir o pescoço da Chuca, dê-lhe um pouquinho de capim que ela fica quietinha.
Marcelo obedeceu. Para ficar do tamanho de Chuca, subiu na cerca. Ficou muito comovido quando a girafinha de cinco anos veio comer capim na sua mão, e seus olhinhos se encheram de lágrimas: metade medo, metade comoção.
- Come, Chuquinha, come.
E, na falta de maçãs, a girafa papou todo o capim da mão de Marcelo.
Chuca na passarela
Com a classe de um verdadeiro manequim francês, Chuca desfila com arte e elegância, transformando em passarela o amplo território de sua habitação.
Dengosa e meiga, quando percebeu a intenção a intenção do repórter, inclinou o pescoço com aquela paciência de girafa acostumada com a imprensa.
Marcelo ajeitou o metro e mediu.
- Nossa! Um metro e quarenta tem o pescoço dela.
Aí, diz Marcelo que a girafa sorriu dengosa. E, se o repórter diz que sorriu, é porque sorriu mesmo. Isso de girafa rir é coisa que só criança entende. Na certa, minha gente, foi orgulho de modelo que sabe ter medidas exatas para concorrer a qualquer título de "a mais bela do mundo".
O que é que a girafa come, hein?
- O que é que girafa come, hein?
Não sabemos quem teve mais paciência, se a girafa ou se dona Beatriz, que levou Marcelinho pela mão até a cozinha, onde a alimentação de todos os animais do zoo é preparada mediante tabelas. E lá estava tudinho que girafa come:
1 quilo de casca de banana (para substituir maçã) - 1 quilo de alfafa - 800 gramas de farelo - 1 quilo e meio de milho picado - 500 gramas de cenoura - 300 gramas de pão - 2 feixes de capim - 20 gramas de sal - 700 gramas de aveia em grão - 1 litro de chá preto - água à vontade.
Chuca recebe essa refeição duas vezes ao dia. Às 9h, o almoço. E às 13h, o jantar.
Afirma Marcelo que a girafa come com bons modos e não é nada mal-educada como o hipopótamo Baby, que, enquanto durou essa entrevista, ficou espirrando capim molhado na gente.
Reprodução
ORG XMIT: AGEN1011230406184393 ORG XMIT: 280501_0.tif Capa da primeira edição do suplemento infantil Folhinha, do jornal Folha de S.Paulo, publicado em 8 de setembro de 1963. (Foto: Reprodução) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Capa da primeira edição da 'Folhinha'

Quadrinhos

FOLHA DE SÃO PAULO

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

Charge

FOLHA DE SÃO PAULO

Charge

João Montanaro

Minha namorada pegou HPV anal com seu ex-namorado, mas fez tratamento e hoje está sem verrugas.Corro o risco de pegar o vírus ao fazer sexo

FOLHA DE SÃO PAULO

SAÚDE RESPONDE
Mande sua pergunta para saude@uol.com.br ou al. Barão de Limeira, 425, São Paulo, CEP 01202-900
Minha namorada pegou HPV anal com seu ex-namorado, mas fez tratamento e hoje está sem verrugas. Gostaria de saber se corro o risco de pegar o vírus ao fazer sexo com ela.
M.R.N.
SÃO PAULO
O HPV (Papilomavírus Humano) é altamente contagioso e pode ser transmitido mesmo sem sintomas por meio do contato da pele ou das mucosas -a relação sexual, porém, é a principal forma de transmissão do vírus na região genital. Segundo Carlos Alberto Petta, professor de ginecologia da Unicamp, é difícil predizer o risco de pegar o vírus, até porque cerca de 50% dos adultos já tiveram contato com o HPV. Nem todos desenvolvem as lesões. O médico diz que o uso de camisinha diminui a chance de transmissão, mas o mais importante é a mulher ter recebido tratamento e ser acompanhada. "Ninguém está isento de ter o vírus, mas não se pode ficar neurótico."

    Walter Ceneviva

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Um marco na Justiça de 2012
    Foi o semestre de Joaquim Barbosa, ministro relator do mensalão, que empenhou-se em finalizar as condenações
    Nos assuntos jurídicos é muito difícil afirmar que um semestre de decisões judiciais define as mudanças no rumo do direito aplicado. O enquadramento é discutido, em breve balanço do que houve de mais relevante neste ano de 2012, nas lutas pelo direito e por direitos.
    Quem se arriscar a selecionar um período de seis meses em um ano do século 21, dificilmente escapará do semestre que termina segunda-feira próxima. As sessões nas quais o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou acusados no mensalão concentraram a atenção do país.
    Foi o semestre de Joaquim Barbosa, ministro relator do processo, hoje presidente da corte. Empenhou-se em finalizar as condenações formalizadas. Dentre seus colegas, do decano Celso de Mello à recém-chegada Rosa Weber, com Gilmar Mendes e Marco Aurélio, também vigorosos na defesa de suas convicções.
    Carmen Lúcia brilhou duas vezes, nesse caso e nos muitos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sob sua presidência. A contribuição do revisor no STF (hoje seu vice-presidente) Ricardo Levandowski não pode ser esquecida, em votos nos quais atuou como se fosse mais um relator. Remou, destemido, contra a boa parte dos colegas e, de acordo com a mídia, contra a maior parte do povo. Toffoli o acompanhou. Luiz Fux chegou à corte atento e participativo e Teori Zavascki não atuou nesse processo.
    O ano também trouxe a presença de Eliana Calmon nas competências do CNJ (Conselho Nacional da Justiça). Grandes e pequenos tribunais se impressionaram com seu trabalho, tanto que as resistências amainaram no curso dos meses. Já o próximo ano será percorrido com o CNJ sob nova direção.
    A débito do Poder Legislativo, houve o passivo do esquecimento dos milhares de vetos presidenciais, que subsistem sem serem discutidos, aprovados ou repelidos. A tentativa de ultrapassagem por fora da pista da Constituição e do bom nome das duas Casas foi obstada na bacia das almas desse julgamento.
    Ao menos impediu o agravo final da desmoralização parlamentar. Foi marca no semestre, mas precisa ser retomada com a quebra dos atrasos na avaliação final de cada veto. Apesar do saldo devedor dos congressistas, seria pior a votação simultânea, sem mínima avaliação de mérito nos temas vetados.
    O enfrentamento sério da principal missão do Congresso será a criação de leis fundamentais, que passou longe das duas Casas em 2012. Está prometido para 2013 o encaminhamento de reformas necessárias. Tomo o exemplo das questões penais que assustam a cidadania, com a colcha confusa de retalhos da legislação criminal, nos delitos mais repetidos. Alguma forma de legislação apta a unificar aspectos das leis comerciais e dos negócios a elas vinculados parece imprescindível depois que o código de 1850 (sim, 1850) foi posto a nocaute.
    Falta uniformizar as normas eleitorais e também enfrentar os problemas resultantes da lentidão gerada pelo processo criminal, cuja principal fonte originária ainda vem do tempo do Estado Novo de Getúlio Vargas.
    O ano próximo colocará os poderes da República em foco, ante perspectivas de momentos mais difíceis da economia. Lembremos que as condições sociais se agravam, quando se torna mais difícil, sob leis confusas, a conquista do pão nosso de cada dia.

      LIVROS JURÍDICOS
      Dos 350 livros citados neste ano, maioria é de teses da USP e PUC-SP
      DO COLUNISTA DA FOLHAEm um universo no qual a palavra crise aparece com frequência, é contrastante a constatação de que esta coluna examinou obras publicadas por mais de 200 fontes durante este ano. Em maior número, de editoras especializadas, mas também escolas, entidades profissionais da advocacia ou judiciais.
      Foram 350 volumes percorridos. É inviável a leitura anotada de cada obra noticiada na semana. Nem é o objetivo visado. Preocupa mais a divulgação gratuita de criações na área do direito.
      O tempo passado entre a saída da obra e a divulgação por vezes desaponta os autores. Não é, porém, necessariamente um mal, ante o espaço que vai da divulgação à distribuição nacional.
      A variedade de temas foi desde os princípios fundamentais do direito a textos de consulta e coleções publicadas de uma só vez.
      A limitação espacial, medida por toques na conformidade com o espaço da página, força o equilíbrio possível dos assuntos enfocados na medida do interesse do leitor, no que se busca a maior variedade encontrada.
      A compatibilização do espaço com a qualidade da obra ou o âmbito de seu enfoque nem sempre se mostra viável. Foi mantida, porém, a preferência por teses de mestrado e doutorado, na perseguição natural da ponderação científica do direito atualizado.
      Foram mais numerosas as publicações por autores da Faculdade de Direito da USP e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fora daqui, assinalem-se trabalhos editoriais de Minas, Paraná, Pernambuco e Rio.
      A coleção da Revista dos Tribunais, denominada "Doutrinas Essenciais" marcou este ano com sua linha de pareceres, comentários e estudos jurídicos em geral, publicados desde 1912, em comemoração ao centenário da editora.
      É de lembrar ainda a série de oito volumes de "Direito Empresarial", organizada por Arnoldo Wald. Na série "Direitos Registrais", organizada por Ricardo Dip e Sergio Jacomino, foram sete volumes do repositório reunido.
      Em síntese: nunca se produziu tanto na área do livro impresso. O texto eletrônico não o afastou.

        Os idosos, os jovens e a Aids [Plantão Médico]

        FOLHA DE SÃO PAULO

        PLANTÃO MÉDICO
        JULIO ABRAMCZYK - julio@uol.com
        PARA O ano de 2013, que se inicia dentro de três dias, os votos são para que os idosos assumam a sua sexualidade com os mesmos cuidados com que os jovens o fazem atualmente: usando camisinha.
        Estudo publicado na revista "Brazilian Journal of Infectious Diseases" assinala que a mortalidade por Aids entre idosos é 15% maior do que entre os jovens.
        A explicação para a morte desses pacientes, segundo a professora Marise Oliveira Fonseca e colaboradores, é que eles iniciaram o tratamento tarde demais.
        Muitos idosos não só desconhecem que estão infectados como também nem chegam a suspeitar que são portadores do vírus HIV.
        O estudo analisa estatisticamente quase 550 mil casos de Aids no Brasil, de 1980 a junho de 2009.
        Desse total, 90% estavam entre os 18 anos e 59 anos de idade; cerca de 2,5% (13.657) acima dos 60 anos. Entre esse segundo contingente de pacientes, a maior parte recebeu o diagnóstico entre os 60 anos e os 69 anos.
        No Brasil, somente a notificação de Aids era obrigatória até este mês. A decisão das autoridades sanitárias para a notificação compulsória, a partir de janeiro, para os infectados pelo HIV, terá os dados mantidos em sigilo. Eles serão usados apenas para fins estatísticos e controle da epidemia.
        Essa medida permitirá iniciar precocemente o tratamento, atualmente eficaz, e evitar tanto a morte de jovens quanto a de idosos.

          Ingleses listam bobagens científicas ditas por famosos

          FOLHA DE SÃO PAULO

          FOCO
          Evan Agostini/Associated Press
          A atriz January Jones, que disse tomar pílulas de placenta
          A atriz January Jones, que disse tomar pílulas de placenta
          DA REUTERSO jurado de programas musicais Simon Cowell carrega cápsulas de oxigênio; a atriz americana January Jones, da série "Mad Men", prefere pílulas de placenta seca para se embelezar, e a estrela britânica Patsy Palmer esfrega grãos de café em sua pele.
          Celebridades não costumam ter pudores em propagar ideias erradas sobre ciência e saúde, e 2012 não foi uma exceção.
          Em sua lista anual dos piores abusos contra a ciência, a organização inglesa Sense About Science também lembrou o ex-candidato à presidência dos EUA Mitt Romney por fazer declarações absurdas sobre janelas de aviões e o nadador campeão olímpico Michael Phelps, que divulgou justificativas falsas para urinar na piscina.
          A organização, que se dedica a ajudar as pessoas a compreender melhor a ciência, convidou cientistas renomados para responder às opiniões e declarações pseudo-científicas feitas por famosos.
          Mitt Romney, que em setembro perguntou por que simplesmente não se abrem as janelas de um avião quando há um incêndio a bordo, teve sua dúvida respondida pelo engenheiro aeronáutico Jakob Whitfield.
          "Infelizmente, Mitt, abrir uma janela em grande altitude não é uma boa ideia. De fato, se você conseguir abrir uma janela durante o voo, o ar sairá de dentro do avião, mais pressurizado, para fora, onde há menos pressão atmosférica."
          A atriz January Jones admitiu em março que tomou pílulas de placenta seca após ter seu filho. A especialista em dieta do Hospital St. George, em Londres, Catherine Collins, responde:
          "Nutricionalmente, não há nenhum ganho em comer placenta, seja ela crua, cozida ou seca. Fora o ferro, que pode ser obtido facilmente de outras dietas, a placenta pode conter toxinas e outras substâncias desagradáveis que ficam retidas nela para não atingir o bebê."
          A afirmação de Michael Phelps de que não há problema em urinar dentro de uma piscina pois "o cloro mata" foi rebatida pelo bioquímico Stuart Jones, que lembra que "em primeiro lugar, a urina é essencialmente estéril, portanto, não há nada ali para ser morto".
          Gary Moss, cientista farmacêutico, assinala que enquanto a cafeína pode ter efeitos contra a celulite, é improvável que esfregar café na pele funcione, já que a substância não consegue sair do grãos e penetrar na pele.
          Ao hábito de Cowell, a médica Kay Mitchell responde que níveis altos de oxigênio, na verdade, podem ser tóxicos, principalmente nos pulmões, onde o nível já é alto.
          "As afirmações implausíveis e perigosas das celebridades sobre como evitar o câncer, melhorar a pele ou perder peso estão se tornando cada vez mais ridículas. E infelizmente elas têm mais penetração no público que pesquisas sérias e evidências científicas", disse Tracey Brown, diretor da ONG.

            Índia divulgará nome e foto de condenados por estupro

            FOLHA DE SÃO PAULO

            Índia divulgará nome e foto de condenados por estupro
            Vítima do ataque que foi estopim de protestos morre após 13 dias de internação
            Governo adota medidas visando conter revolta no país contra abuso de mulheres; adolescente se suicida após violação
            Saurabh Das/Associated Press
            Manifestante acende vela em protesto por estupro, na Índia
            Manifestante acende vela em protesto por estupro, na Índia
            DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASO governo da Índia anunciou ontem que vai divulgar nomes, fotos e endereços de milhares de condenados por estupro, em uma tentativa de conter os protestos relativos à violência sexual contra as mulheres no país que já duram mais de uma semana.
            Ontem, a estudante de fisioterapia de 23 anos que foi vítima de estupro coletivo num ônibus da capital, Nova Déli, morreu no hospital de Cingapura onde estava internada. Ocorrido 13 dias atrás, seu caso fez eclodirem as manifestações em todo o país.
            Segundo o ministro indiano de Assuntos Internos, RPN Singh, comandantes da polícia, ativistas e especialistas vão se reunir na próxima semana para discutir o esquema de divulgação dos nomes.
            "Planejamos começar o processo de identificação em Nova Déli. Os nomes, fotos e endereços dos estupradores também serão colocados no site da polícia da capital", afirmou o ministro ontem.
            Apoiada por entidades de defesa dos direitos das mulheres, a decisão é controversa. Alguns comentaristas temem que a identificação dos condenados por estupro provoque linchamentos.
            Outros argumentam que o alcance da medida será limitado, já que apenas 25% das acusações de estupro na Índia resultam em condenação -além disso, muitos casos demoram a ser resolvidos pela Justiça, e outros tantos não são nem sequer denunciados.
            "É verdade que o risco desses ataques existe. Mas, hoje, é a vítima que sofre com a vergonha e a rejeição social", afirmou Ranjana Kumari, diretora do Centro de Pesquisa Social de Nova Déli, ao jornal britânico "The Guardian".
            "A medida vai garantir que o estuprador seja objeto de repulsa. Ele não conseguirá emprego nem moradia e será afastado do convívio com a sociedade. Funcionará como um meio poderoso de intimidação", acrescentou ela.
            Morta ontem, a vítima do estupro coletivo em Nova Déli não teve o seu nome divulgado, mas parte da mídia indiana a chama de "Amanat", palavra da língua urdu (falada na Índia e no Paquistão) que significa "tesouro".
            Violentada e jogada do ônibus em movimento no dia 16 de dezembro, a jovem fora transferida pelo governo indiano para o hospital Mount Elizabeth, em Cingapura (sudeste da Ásia), para receber tratamento especializado.
            SUICÍDIO
            Ontem, a imprensa da Índia divulgou um novo caso de violência: uma adolescente de 17 anos se suicidou no Estado de Punjab, no noroeste do país, depois de ter sido estuprada por dois homens no mês passado e ter tido sua queixa ignorada pela polícia.
            Antes de se matar ingerindo veneno, a adolescente gravou um vídeo em que, com o rosto coberto, denunciava o caso e a omissão da polícia.
            Em entrevista a uma emissora de TV, a irmã da vítima acusou os policiais de pressionar a adolescente a fazer acordo com os estupradores ou se casar com um deles.
            Um dia depois do suicídio, a polícia deteve os acusados de estupro e uma mulher que presenciou o ataque. Também suspendeu o delegado que não deu andamento à queixa.

            O silêncio e as palavras - João Paulo‏

            Ao decidir parar de escrever, Philip Roth envia contundente sinal ao mundo contemporâneo. O mercado literário deixa a reflexão de lado e prefere apostar em públicos pouco exigentes 

            João Paulo
            Estado de Minas: 29/12/2012 
            O grande fato literário de 2012 foi, na verdade, um gesto. Mais que isso, um antigesto. O romancista norte-americano Philip Roth declarou que não vai escrever mais. Para quem acompanha um dos mais importantes escritores do século 20 – que desde 1959, com Adeus, Columbus, retratou a saga de méritos e pecados da América –, a declaração não é só motivo de tristeza. Roth vinha ensinando em seus últimos livros como era difícil a aproximação com a decadência física, com a melancolia do fim e com a certeza da morte. Sua decisão de não escrever mais é, como tudo o que ele fez em sua carreira, a afirmação de uma coerência pessoal inegociável e do diagnóstico amargo dos nossos tempos: quem, hoje, tem tempo para a leitura? Não é que Roth não tenha o que dizer, é que já disse muito e, por ora, as pessoas não parecem interessadas em continuar ouvindo.

            O silêncio voluntário de um dos poucos gênios em ação rivalizou em importância midiática com o barulho de outra turma, os novos. A publicação da revista Granta, edição de inverno, foi dedicada aos “melhores jovens escritores brasileiros”. A publicação selecionou 20 nomes, todos nascidos a partir de 1972, repetindo a estratégia que já se tornou marca da publicação. Como toda lista, sobretudo de jovens e ligados à indústria cultural, a repercussão foi grande e apontou muitas variáveis para o futuro da literatura brasileira. A maior delas: literatura agora é trabalho de profissionais. Granta é um sintoma, mais que uma antologia: ela aponta, como profecia autorrealizada, para os escritores sobre os quais deverá recair a atenção do sistema literário.

            Entre a retirada lúcida e a invasão bárbara, 2012 foi um ano de centenários (Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Lúcio Cardoso), dos 110 anos de Drummond, dos 90 da Semana de Arte Moderna. Tudo isso repercutiu em livros, coleções, reedições e publicações especiais.

            Foi também um ano de perdas. A literatura brasileira ficou sem Bartolomeu Campos de Queirós (ganhador póstumo do Prêmio São Paulo de Literatura), Affonso Ávila, Autran Dourado, Décio Pignatari e Lêdo Ivo. Carlos Nelson Coutinho, que ajudou a arejar o pensamento de esquerda no Brasil, também se foi, assim como o mais influente historiador marxista do nosso tempo: Eric Hobsbawn. O mundo, independentemente da ideologia, ficou bem menos inteligente sem Gore Vidal, Carlos Fuentes e Ray Bradbury.

            Verdade e política Em tempos de Comissão da Verdade, a memória dos anos de chumbo voltou à tona com vários títulos, quase sempre fruto de intensa pesquisa. Personagem histórico que ganhou biografia jornalística de peso foi Carlos Marighella, em trabalho de Mário Magalhães. Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras) é também um livro bem informado sobre o movimento de esquerda no Brasil. No outro espectro, Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia (Companhia das Letras), de Leonencio Nossa, recupera com documentos e entrevistas um dos conflitos mais sangrentos da história recente do país.

            As duas guerras de Vlado Herzog (Civilização Brasileira), de Audálio Dantas, retoma a vida do jornalista Vladimir Herzog – da vinda de sua família da Europa, fugindo da perseguição nazista aos judeus, à sua prisão, tortura e morte pela ditadura civil-militar, seguido da torpe tentativa de mascarar o assassinato em suicídio. O livro, necessário, chama a atenção para o papel da imprensa em cenário de opressão e seu dever com a verdade e a crítica. As formas de pressão e censura que marcaram a trajetória de Herzog não são página virada na história. Anda faltando coragem de divergir.

            Outro personagem que ganha resgate é o desaparecido político Carlos Alberto Soares de Freitas, assassinado na Casa da Morte, em Petrópolis. Seu amigo esteve aqui (Jorge Zahar), de Cristina Chacel, investiga a história do guerrilheiro Beto, nascido em Belo Horizonte, colaborador das Liga Camponesas e um dos fundadores da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Entre os militantes recrutados e treinados por Beto esteve uma jovem secundarista de 16 anos, Dilma Rouseff, que se lembraria do amigo em seu primeiro discurso como presidente da República.

            Jabutis e micos Em matéria de distinções literárias, o ano foi confuso e polêmico. O Prêmio Nobel dado ao chinês Mo Yan começou, como de hábito, com um espanto: afinal, quem é Mo Yan? Mas terminou com a triste constatação de um equívoco, com as declarações do romancista em defesa da censura. Os prêmios brasileiros também foram objeto de polêmica, sobretudo o Jabuti, com a nota zero conferida a Ana Maria Machado – medalhão que costuma ser incensada pela crítica –, dada por um integrante da comissão que teve seus 15 minutos de fama como “jurado C”, e pela premiação de um infantojuvenil com o Jabuti de melhor obra do ano, para A mocinha do Mercado Central, da escritora mineira Stella Maris Rezende.

            Foi também o ano de um fenômeno comercial: os romances eróticos para mulheres, na trilha de 50 tons de cinza, que deram origem a uma indústria de emulação. Mal escritos e pouco excitantes, ficam mais como signo de uma época pouco exigente em termos de criação e mesmo de sexualidade, com a regressão das mulheres ao estágio de eternas devedoras do macho alfa que as pegue no colo, jogue no solo e as faça gemer.

            Quando o melhor escritor do mundo prefere se calar, é hora de prestar atenção nas coisas que de fato interessam. 

            Quando alguém se vai - Beth Fleury‏


            O professor Milton Santos e o escritor Alcione Araújo, inteligências voltadas para o destino do Brasil, deixaram o legado da coragem a seu país 

            Beth Fleury
            Estado de Minas: 29/12/2012 
            Dois homens impressionantes, duas velas acesas que um dia se apagaram. Um dia, não. Dois dias. Duas velas que se apagaram em momentos diversos – no espaço talvez de 15 anos de diferença. Mas a morte de meu amigo Alcione Araújo, dramaturgo mineiro, roteirista de cinema, romancista e cronista do jornal Estado de Minas, lembrou-me a imagem das velas acesas.

            Bachelard, filósofo francês, usa muito bem essa metáfora ao falar do raciocínio profundo e analítico daquelas mentes que nos instigam a pensar o mundo como velas acesas. Estes dois homens marcantes estiveram de várias maneiras ligados ao destino de todos os brasileiros: Alcione Araújo e o grande professor baiano Milton Santos, geógrafo, ambientalista, negro, intelectual e pensador das grandes causas. 

            Ambos sonharam as utopias da humanidade, mesmo sem ter dormido no sleeping bag, como diz a canção de Gil. Sem dúvida, sonharam. Mas certamente sem adotar os sleeping bags (colchões de dormir ao relento muito usados em happennigs undergrounds do Farol da Barra e outras platitudes no Brasil ao longo dos anos 1970). Não. Esses dois homens jamais cruzariam umbrais da contracultura. Tinham em comum o jeito contido de certos intelectuais que pensaram as grandes causas, viveram e lutaram por elas. Nada de alegrias expansivas, sorrisos muito rasgados, nada de vozes alteradas. Com eles, o raciocínio e a palavra caminhavam juntos a serviço da profundidade e da crueza. Doesse ou não doesse – e a crueza cortava primeiro na própria carne antes de chegar até nós. 

            De voz profunda e forte, Alcione não fazia concessões à alegria. Isso nos idos dos anos 1970, depois de já ter passado por detenção política que deixou muitos companheiros seus marcados como ele mesmo – de forma indelével e concisa. Não anunciada, mas permanente. Já o professor Milton Santos sabia ser cortante, de uma inteligência capaz de traduzir para grandes plateias heterogêneas os jogos das organizações internacionais na luta pelo lucro a despeito da saúde e do meio ambiente. Mas era capaz de fazer tudo isso levando um discurso carregado de doçura – doçura africana, por certo. 

            Por que a morte de Alcione Araújo, ocorrida em novembro, traz de volta a história desses dois homens? O que unia os dois intelectuais brasileiros, embora, para o grande público que os conheceu, talvez não houvesse elo entre as duas experiências? A imagem deles me veio à lembrança quando soube do infarto fulminante que Alcione sofreu ao fim de uma visita a Belo Horizonte. Pensei na tristeza que deviam estar sentindo os amigos do antigo grupo de teatro do Senac de Belo Horizonte – atualmente, todos atores conhecidos e reconhecidos no Rio de Janeiro: José Mayer, sua mulher, Vera Fajardo, e Antônio Grassi, atual presidente da Funarte.

            Lembrei-me do sucesso dos espetáculos que estreavam no antigo Teatro Senac da Rua Tupinambás, numa Belo Horizonte que agora parece tão distanciada de nós. Foi uma jogada inteligente dos meninos naquele momento e naquela BH precária em termos de arte e cultura, onde tudo se resumia ao Teatro Marília e ao velho Chico Nunes, no Parque Municipal. Montagens com direção inovadora e, ao mesmo tempo, apelo à diversão e ao espetáculo – inovação que “deu certo” numa época em que viver de teatro era ficção. Mayer ensinava francês; Alcione era professor na Faculdade de Engenharia da UFMG; Grassi, estudante de sociologia na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, a Fafich. 

            Encravado em uma região popular e pouco afeita à diversão mais cultural, aquele teatro se propunha a ser não apenas político ou engajado do modo que todos nós sabíamos ser e fazer. Propunha-se a interagir com o grande público, a ter boas bilheterias e atender apelos do público por diversão. Mas uma diversão inteligente, crítica e, sobretudo, “diversão divertida”. Ou seja, inteligência que não rimava com a negligência do prazer que a arte pode proporcionar a grandes plateias – sem a qual, inclusive, não há grandes plateias. Numa época em que a gente lutava contra a ditadura com diligência e aplicação e nos exigíamos isso como carteirinha de pertencimento a um certo grupo de pessoas que, a despeito de prisões, torturas, exílios e censura, seguia resistindo por democracia.

            Naquela época, achávamos que devíamos nos manifestar conforme certo manual de procedimento que nos aproximava de nossos companheiros e nos identificava na grande noite escura. Mesmo assim, Mayer, Alcione e Grassi nos ensinavam que não havia nada de errado em oferecer teatro que divertisse o público, desse bilheteria razoável, fizesse pensar e, de quebra, pudesse manter o grupo unido pela sobrevivência da arte.

            Bem, o que ligava aqueles dois homens dos quais falava no início deste artigo? Em dado momento de sua carreira no Rio de Janeiro dos anos 1990, Alcione Araújo preparava para enviar à editora os originais de seu romance Nem todo o oceano. Naquele momento, em que já nos alcançavam as sombras (ou as sobras?) do fenômeno econômico, político e cultural denominado globalização, intelectuais e pensadores se organizavam e discutiam tentando compreender como se movia esse fenômeno, como ele operava dentro e fora do Estado-nação. Alcione havia organizado uma série de debates no Teatro Casa Grande, no Leblon, dando seguimento aos memoráveis encontros que ali haviam ocorrido nos anos 1970.

            Pouco antes disso, na Fundação Oswaldo Cruz, onde trabalho até hoje, pesquisadores e professores, preocupados com o mesmo tema, organizaram importante seminário internacional sobre questões envolvendo saúde e meio ambiente. A conferência de encerramento foi proferida pelo professor Milton Santos, experiente intelectual com trânsito e visibilidade no cenário científico e político do Primeiro Mundo. Todos empenhados em deslindar o que a “nuvem” da globalização nos trazia. Várias pessoas pediram a palavra ao final da conferência do professor.

            A última pessoa a se manifestar no auditório lotado da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz foi uma mulher, poetisa, que declamou seu poema sobre a globalização. Não por acaso intitulado “Saaras”. O professor se emociona. O público aplaude. Milton Santos pede (e ganha) uma cópia. 

            Semanas depois, o mesmo professor participava da série de conferências que Alcione e outros organizaram no Planetário da Gávea. Ao final, assoberbado e rodeado de amigos e curiosos, Alcione é abraçado pela amiga, a poetisa daquele seminário internacional. Ela lhe segreda que pensa igualzinho ao professor Milton Santos. Cético por natureza, Alcione balança a cabeça e lhe devolve um sorriso irônico. 

            Algumas semanas se passam, Milton Santos falece. A poetisa pensa na tristeza do dramaturgo pela partida do velho professor. Telefona ao amigo cético, que se divertira com a história de sua amiga achar que um PhD da Sorbonne pudesse se interessar pelo que uma brasileira pensava de suas teses sobre a globalização. Ela o conforta, conta a história de sua declamação e da emoção do professor. E declama novamente o poema, agora confortando o dramaturgo. Ele se emociona e lhe pede que repita aqueles versos. “Mesmo que eu bebesse/ todo o oceano/ e seu sal/ inventasse/ Saaras pelo meu corpo// Mesmo que eu/ empunhasse /aquela funda de Davi/ ainda assim,/quando o grande mar em desordem/ tu avistasses/de mim duvidarias/ e me esquecerias.// Mesmo que de ti/ eu resguardasse/ o vaso (oculto)/ das perguntas/desenhadas todas /feito hieróglifos/nos rostos das pessoas// Mesmo que eu pensasse/ mas não te dissesse/ tu me perguntarias/aquilo que conheces/ e tu me dirias/ que há tanto sal/ que há tanto sal/ que há tanto sal/ feito quem não sabe!”

            Ao final do telefonema, Alcione comenta de seu livro novo, que está preparando para enviar à editora. O livro é publicado. A poetisa o lê com a emoção do professor e com a emoção do dramaturgo, agora ficcionista. O título é uma resposta aos primeiros versos daquele poema. “Mesmo que eu bebesse/ todo o oceano”, disse a poetisa. “Nem todo o oceano”, respondeu-lhe o dramaturgo, agora ficcionista.


            Aquele foi o último dia em que a poetisa falou com o dramaturgo.
            Enfim, são memórias que nos assaltam quando alguém se vai.     


            Beth Fleury é jornalista, poetisa e mestranda de sociologia 
            na UFMG. Em 2005, publicou o poema “Saaras” em Palavra possuída (Orobó).

            Thatcher admitiu surpresa por invasão 'estúpida' das Malvinas

            FOLHA DE SÃO PAULO

            Arquivo Nacional britânico libera aproximadamente 3.500 documentos secretos sobre conflito
            Reino Unido ameaçou romper com a França por causa de venda de mísseis Exocet para latino-americanos
            BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRESEstúpida, absurda e ridícula. Assim a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher descreveu a decisão da ditadura militar argentina de invadir as ilhas Malvinas, num depoimento mantido em sigilo durante 30 anos.
            A ação pegou a Dama de Ferro de surpresa e deu início a uma guerra que mataria mais de 900 pessoas entre abril e junho de 1982. Suas tropas conseguiram retomar as ilhas, que são chamadas de Falklands no Reino Unido.
            Ontem, o Arquivo Nacional britânico liberou cerca de 3.500 arquivos secretos sobre o conflito. Entre eles, o depoimento em que Thatcher justificou o susto com a invasão a uma comissão independente que investigou a guerra.
            "Eu nunca, nunca esperei que os argentinos fossem invadir as Falklands. Era uma coisa tão estúpida... era estúpido até mesmo para se imaginar", disse a primeira-ministra. "Eu achava que seria tão absurdo e ridículo que eles jamais fariam isso."
            Depois, quando a invasão se consumou, Thatcher disse ter vivido "o pior momento" da sua vida. Ela afirmou que não sabia, na madrugada em que foi avisada da ação militar, se conseguiria reconquistar o território dos argentinos.
            "Ninguém podia me dizer se nós poderíamos retomar as ilhas. Ninguém podia", frisou. "Nós não sabíamos."
            Outro documento liberado ontem mostra que Thatcher ameaçou romper relações com a França para pressionar o então presidente François Mitterrand a suspender a venda de mísseis Exocet ao Peru. Ela afirmou que o armamento poderia cair nas mãos da ditadura argentina.
            "Isso teria um efeito devastador na relação entre os nossos países, que são aliados", disse a primeira-ministra num telegrama secreto.
            Os papéis do governo britânico também mostram que Thatcher chegou a admitir a possibilidade de ceder para evitar um conflito depois da invasão militar das ilhas.
            Seus planos não incluíam abrir mão da soberania sobre o território, mas previam medidas como a entrada de representantes da Argentina na administração local.
            A proposta foi recusada pelo governo do general Leopoldo Galtieri (1926-2003), que forçou o início da guerra. Ele renunciaria após a derrota militar para o Reino Unido, que selou o fim da ditadura militar na Argentina.
            Em discussões internas do governo britânico, Galtieri chegou a ser descrito como um alcoólatra que não devia ser levado a sério. Mas o embaixador em Buenos Aires, Anthony William, advertiu que o país não era uma "república de bananas".
            A lei britânica prevê a divulgação de papéis secretos do governo depois de 30 anos. Para pesquisadores, o depoimento de Thatcher sobre as Malvinas foi um dos documentos mais importantes a serem liberados no país nos últimas décadas.
            "A guerra já foi tema de muitos livros e pesquisas, mas isso nunca tinha vindo à tona. O depoimento de Thatcher, em linguagem muito emocional, deixa claro que ela realmente foi pega de surpresa e estava insegura sobre as chances de vitória", disse à Folha Simon Demissie, historiador do Arquivo Nacional.
            As Malvinas ainda causam atritos entre o Reino Unido e a Argentina. Em junho, durante reunião do G20, o premiê David Cameron se recusou a receber carta em que a presidente Cristina Kirchner pedia a devolução das ilhas.

              Papéis mostram ação do Brasil para pôr fim a conflito
              DE LONDRESEm telefonema para Margaret Thatcher, o então presidente americano Ronald Reagan (1981-89) disse ter apoio do Brasil para negociar a interrupção da Guerra das Malvinas antes da "humilhação total" da Argentina.
              A conversa entre a Casa Branca e Downing Street, sede do governo britânico, ocorreu no fim da noite de 31 de maio de 1982. A ditadura argentina anunciaria a rendição duas semanas depois.
              Segundo um documento divulgado ontem pelo Arquivo Nacional britânico, o telefone de Thatcher tocou às 23h30, horário de Londres.
              Reagan disse a ela que o então presidente brasileiro, general João Figueiredo, concordava que era preciso parar logo o conflito. Os dois presidentes haviam se encontrado duas semanas antes.
              O americano sugeriu a Thatcher decretar o cessar-fogo e passar o controle das Malvinas para uma tropa de paz internacional. Ela recusou com o argumento de que o Reino Unido foi atacado e perdeu muitos soldados na guerra.
              Na conversa, Reagan argumentou que os EUA queriam evitar a volta de um governo peronista na Argentina. Washington apoiou o Reino Unido, mas mantinha aliança com as ditaduras militares que dominavam quase toda a América do Sul.
              O governo Figueiredo deu apoio velado a Galtieri na guerra, mas manteve posição formal de neutralidade.
              Em outros papéis liberados ontem, o então embaixador britânico em Brasília, George Harding, acusa o governo brasileiro de fazer vista grossa ao tráfico de armas da Líbia de Muammar Ghaddafi para a ditadura argentina.
              Ele relata uma viagem sigilosa a Recife, onde teria ouvido de um informante que os argentinos escondiam mísseis em caixas de madeira dentro de Boeings 707 da Aerolineas Argentinas.
              TRÍPOLI
              Os aviões tiveram permissão da Aeronáutica para reabastecer em território brasileiro no caminho entre Trípoli e Buenos Aires.
              O caso veio à tona em março deste ano com a liberação de documentos da ditadura guardados no Arquivo Nacional em Brasília.
              Os papéis liberados ontem em Londres ainda registram a intensa pressão da diplomacia britânica para liberar um bombardeiro Vulcan que ficou retido na base aérea do Galeão, no Rio, após invadir o espaço aéreo brasileiro.
              O avião militar sofreu uma pane sobre o Atlântico e teve que fazer um pouso de emergência no Brasil.
              Em telegrama confidencial, o embaixador Harding disse que a demora em liberar o Vulcan refletia a proximidade entre as ditaduras do Brasil e da Argentina.
              PROMESSA
              O impasse foi resolvido depois de alguns dias, e o avião teve autorização para decolar sem armamento e mediante a promessa de que não seria mais usado na guerra.
              (BMF)

                Jornais dos países abordam tema de forma diferente
                DE LONDRESOs jornais do Reino Unido e da Argentina deram enfoques bem diferentes ontem aos documentos secretos do governo britânico sobre a Guerra das Malvinas.
                A imprensa inglesa, que teve acesso prévio aos papéis sob a condição de só divulgá-los ontem, deu prioridade ao depoimento da primeira-ministra Margaret Thatcher à comissão independente que investigou o conflito.
                Mantido em segredo há 30 anos, o documento foi tema das principais reportagens dos jornais e da BBC, a rede pública de rádio e TV.
                Os ingleses também dedicaram bastante espaço às negociações entre Thatcher e o presidente americano Ronald Reagan. Os dois políticos conservadores foram os líderes mais importantes de seus países na década de 1980, na fase final da Guerra Fria.
                Já a imprensa argentina preferiu dar destaque aos documentos secretos que registram o almoço no qual Thatcher determinou o ataque ao cruzador Belgrano. O naufrágio causou a morte de 323 soldados argentinos e é considerado um crime de guerra pelo país.
                Os sites da mídia argentina também abordaram a ameaça da britânica de atacar a Argentina continental (não apenas o arquipélago disputado).

                  RETROSPECTIVA 2012 LIVROS » Os fatos e a ficção - João Paulo‏

                  Mercado editorial brasileiro diversifica a oferta e aposta em vários segmentos, da autoajuda às biografias históricas. Fusão de empresas reforça o monopólio 

                  João Paulo
                  Estado de Minas: 29/12/2012 
                  Há duas verdades que parecem contraditórias, mas que se complementam: o brasileiro lê pouco, mas está lendo cada vez mais. A percepção do aumento da leitura vem dos números e da consagração de formas consideradas populares, como livros de fantasia, romantismo açucarado e sexo, que dominaram as listas dos mais vendidos ao lado dos trabalhos ligados ao mercado religioso e de auto-ajuda.

                  Como todas as classificações, a divisão da lista de mais vendidos entre “ficção” e “não ficção” esclarece pouco. Por isso, ao passar em revista os principais livros lançados em 2012, talvez fosse mais conveniente e esclarecedor adotar outras categorias, como livros sobre o Brasil, biografias, ensaios, ficção internacional, literatura brasileira e traduções. Mesmo ampliando o espectro, ficam de fora muitas possibilidades, como a literatura para jovens, os livros científicos e as obras de natureza e consumo mais acadêmico. 

                  Na esfera do mercado, a associação entre editoras parece ter se sedimentado como tendência, monopolizando o cenário. Na semana passada, a Editora Record, que já tem 15 selos, anunciou a compra da Paz e Terra, titular de catálogo de 1,2 mil títulos e de 500 autores, entre eles Paulo Freire, Norberto Bobbio, Eric Hobsbawm, Celso Furtado, Manuel Castells e Kenneth Maxwell. O e-book deixou de ser novidade e já ocupa parcela que começa a fazer diferença num mercado competitivo e em crescimento. O barateamento dos equipamentos de leitura e a chegada dos gigantes da distribuição do setor devem aprofundar essa tendência em 2013.

                  » Brasil na  cabeça

                  A safra de ensaios sobre temas brasileiros teve momentos marcantes. Antonio Risério publicou A cidade no Brasil (Editora 34), análise antropológica e histórica do fenômeno urbano no Brasil. Um ensaio escrito com erudição e mão de poeta, que o coloca na linha dos grandes intérpretes do país. Análise profunda, corajosa e que gerou controvérsias foi Os sentidos do lulismo – Reforma gradual e pacto conservador (Companhia das Letras), de André Singer. Estudo refinado, foge da ideologia para caracterizar a constituição de um novo pacto político na sociedade brasileira, com a reordenação das forças sociais e econômicas. Trabalho surpreendente sobre a ditadura militar foi A política dos quartéis – Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar (Editora Jorge Zahar), da francesa Maud Chirio, que expõe e analisa os bastidores da vida política nas Forças Armadas. Sidney Chalhoub, com A força da escravidão – Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista (Companhia das Letras), prova que para entender o país de hoje é necessário dissecar os mecanismos que vêm impedindo a liberdade dos brasileiros desde os tempos da escravidão. O ensaio é um tapa na cara de nossa leniência em aceitar a injustiça em nome das conveniências. O que não é de hoje.

                  » Vida real

                  As biografias continuam em alta. O mais importante lançamento do ano foi Getúlio – 1882-1930 – Dos anos de formação à conquista do poder (Companhia das Letras), de Lira Neto. Primeiro volume de uma trilogia, o estudo biográfico da maior figura política brasileira do século 20 é primoroso em informação, análise e linguagem, revelando um Getúlio menos conhecido, dos tempos da infância e juventude no Rio Grande do Sul, com direito a passagem controvertida por Ouro Preto. A grande biografia do ano, no entanto, sai do terreno da política para entrar na história da arte: Van Gogh – A vida (Companhia das Letras), de Steven Naifeh e Gregory White Smith. Traz tudo o que você sempre quis saber da vida e obra do pintor holandês (com análises inteligentes das pinturas mais importantes), além de propor nova interpretação para a morte do artista. Ainda no campo das artes visuais, outro grande trabalho lançado este ano foi Matisse, uma vida (Cosac Naify), de Hilary Spurling. A obra contextualiza as tentativas de resposta das vanguardas modernistas à perplexidade de duas guerras mundiais e apresenta personagens pouco conhecidos do grande público, como os pintores Ambroise Vollard, Albert Marquet e André Derain, contemporâneos de Matisse.

                  » Mundo das letras

                  No campo da ficção contemporânea, os destaques foram Os enamoramentos (Companhia das Letras), do espanhol Javier Marías, história de amor, ciúme, desejo e fastio entremeada por outras narrativas literárias; O sentido de um fim (Rocco), do inglês Julian Barnes, exercício armado sobre os frágeis andaimes da memória e da paixão; e A trama do casamento (Companhia das Letras), do americano Jeffrey Eugenides, um retrato dos EUA nos anos 1980 perpassado por todas as formas de arrogância e descaminhos, entre o pós-modernismo e as ilusões românticas. Para completar, três romances de dicção mais pop, com um pé no cinema e outro na sociedade de consumo. Do Japão vem 1Q84, primeiro volume da trilogia de Haruki Murakani, com personagens sugados para um mundo de duas luas controlado por uma organização religiosa. O americano Tom Perrota surpreende com seu Os deixados para trás (Intrínseca), sobre uma época em que as milhões de pessoas desaparecem sem motivo aparente, deixando aos que ficaram a tarefa de entender a razão da catástrofe ao mesmo tempo em que precisam levar a vida adiante. Uma metáfora das mudanças da sociedade americana pós-11 de setembro. Para completar, A visita cruel do tempo (Intrínseca), de Jennifer Egan, uma narrativa caleidoscópica, apresentada por muitas vozes e pontos de vista, gerando a radiografia de uma geração que não aprendeu nada com seus sonhos de liberdade.

                  » Babel decifrada

                  No âmbito da literatura internacional, é bom começar com destaque para grandes traduções. O Brasil finalmente conheceu parte importante da obra de Nicolai Leskov (Editora 34, por Denise Salles, Noé Oliveira e Policarpo Polli); ganhou uma edição completa da ficção de Bruno Schuz (Cosac Naify, por Henryk Siewierski); conheceu finalmente um dos maiores romances do século 19, Oblómov (Cosac Naify, por Rubens Figueiredo), de Ivan Gontcharóv. Ainda entre os russos, dois volumes de Dostoiévski ganharam versão diretamente do original, O sonho do tio e Sonhos de Petersburgo (Editora 34, por Paulo Bezerra) e A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes (Editora 34, por Lucas Simone). O leitor brasileiro foi brindado ainda com novas traduções de clássicos como Ulysses, de James Joyce (Penguim Companhia, por Caetano Galindo), e Don Quixote, de Cervantes (Penguin Companhia, por Ernani Ssó). Uma das mais aguardadas traduções, o quarto e último volume do Livro das mil e uma noites (Globo), feita diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche, completou o ano em que os clássicos estiveram em alta.

                  » Mundo de ideias

                  O melhor de 2012 não ficou com a literatura de invenção, mas com os ensaios, sobretudo aqueles escritos com intenção de chegar ao público não especialista. Sério candidato a melhor livro do ano lançado no Brasil é O chapéu de Vermeer – O século XVII e o começo do mundo globalizado (Editora Record), de Timothy Brook. Partindo dos quadros pintados pelo holandês Johannes Vermeer, o especialista em história chinesa traça um panorama da Europa e de suas trocas, simbólicas e materiais, no rico século 17. Cada cor, elementos e sombra ganham sentido num livro de muita perspicácia, beleza e informação. Na linha dos ensaios de divulgação científica, merece destaque o impressionante O imperador de todos os males – Uma biografia do câncer (Companhia das Letras), de Siddartha Mukherjee, livro de história da ciência, sobre a evolução da medicina e acerca do imaginário e realidade do mais ameaçador dos males a afligir a espécie humana. Uma saga de dor e superação, na qual todos vão se sentir de alguma forma implicados. Mais que doença, o câncer surge como personagem. No campo da história das ideias econômicas, destaque para A imaginação econômica – Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história (Companhia das Letras), que ilumina a gênese do debate entre intervenção e liberalismo. Pode parece um livro técnico, mas não faltam histórias saborosas e até picantes de nem tão vetustos economistas.

                  » Ficção nacional

                  Entre os romances brasileiros, o de maior impacto foi Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras), de Daniel Galera. Mergulho corajoso de um homem que se recolhe numa casa de praia para dar conta do passado, num misto de livro de mistério e sondagem psicológica. Ricardo Lísias lançou O céu dos suicidas (Alfaguara), outro périplo em busca da própria alma, numa trama recheada de culpa e remorso. Em seu segundo romance, José Luiz Passos confirma a sofisticação narrativa em O sonâmbulo amador (Alfaguara), livro confessional de um homem no limite da razão, sempre marcado pela dor e pelas perdas. Vem também dos limites da loucura o romance Carbono pautado (Record), de Rodrigo Souza Leão, escritor que morreu em 2009 deixando obra controversa e rica, que ainda desafia a crítica e os leitores. O livro, em meio ao absurdo das situações, é perpassado de doses de obsessão e humor. Com Desde que o samba é samba (Planeta), Paulo Lins desencanta depois de Cidade de Deus, numa história sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 habitado por sambistas, tias, capoeiras, poetas modernistas e malandros. Por fim, o veterano Francisco Dantas abandona a temática rural que vem caracterizando sua literatura no romance Caderno de ruminações (Alfaguara), história de um médico em plena crise dos 50, às vésperas de um casamento fadado ao fracasso. 

                  A prisão do corpo - João Paulo‏

                  "O corpo é moldado de acordo com os interesses do mercado de sensações" 

                  João Paulo
                  Estado de MInas : 29/12/2012


                  La mujer parada, escultura de Fernando Botero: lição da arte à "neura" pós-moderna

                  Entra ano, sai ano, uma das promessas mais comuns é a disposição em cuidar do corpo. Atitude inteligente e sensata, a atenção com a saúde do organismo aparece como o ponto zero a partir do qual outros desejos se tornam possíveis. No entanto, mais que um conjunto de cuidados, a relação com o corpo se tornou uma espécie de doença contemporânea, marcada por episódios cada vez mais profundos de frustração. O corpo pós-moderno é matéria de neurose e insatisfação. Até mesmo a busca da saúde como meta fica em segundo plano em favor de outros objetivos, como certo padrão inviável de beleza e esqualidez.

                  O que poderia ser apenas um episódio corriqueiro e banal do comportamento ditado pelo consumo, ainda que perigoso e portador de infelicidade, o exagero em relação ao trato com o físico se revela muito mais simbólico e significativo do que sugere o primeiro olhar. Nosso tempo está trocando a saúde pela boa forma, a liberdade pela autocoerção, o prazer real pelas expectativas de coleta de sensações, a convivência pelo isolamento. “O corpo pós-moderno é, antes de tudo, um receptor de sensações”, alertou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Com isso, ele desvendou a grande equação sobre a qual se amparam as disciplinas corporais e seus sucedâneos: a capacidade de traduzir a felicidade em matéria de consumo. O corpo passa a ser moldado de acordo com os interesses do mercado de sensações.

                  Na verdade, os sinais dessa inversão de valores (sai o corpo livre e em seu lugar entra um organismo disposto à disciplina exterior) estão por todos os lados. O primeiro deles se dá em relação ao tempo. Hoje, todo mundo quer ter tempo livre para fazer ginástica, atividade física ou, sem metáfora, malhar. Cultivar o corpo com formas violentas de atividade repetitiva se tornou um dos objetivos da vida. As pessoas não se queixam de falta de tempo para ler um livro, namorar, jogar bola, meditar, ficar à toa ou procurar os amigos. Mas se sentem em dívida com seu corpo. O maior dos bens, o tempo, é hoje encarado na coluna dos débitos, de nossos defeitos de alma, de nosso complacente modo de existir aquém das expectativas dos vencedores.

                  Outro sinal que ronda as consciências é o excesso de informação interessada em torno do corpo e de suas medidas. Privatizado pela indústria, o organismo humano se torna objeto de duplo vínculo: ele tem tudo o que precisamos para alcançar a felicidade, por um lado; e é o sinal de nossas incapacidades, por outro. Somos plenos e falhos. A indústria da boa forma nos lembra a toda hora desses dois limites. Programas de televisão alardeiam formas de emagrecer (sempre com sacrifício, é claro), humilham as pessoas para depois dar a elas a chance de redenção, propagandeiam fórmulas infalíveis, vendem produtos, inflam a frustração.

                  A saga do jogador Ronaldo para emagrecer foi acompanhada em horário nobre, aos domingos, com direito a repetições durante a semana e vendida como ação de utilidade pública, um exemplo moral. Outro programa de televisão ameaça as pessoas com a morte próxima e, depois do esforço de algumas semanas, com dietas, exercícios e exames de laboratório, premia o personagem com alguns anos de vida a mais. Na mesma linha, um concurso de meninas dispostas a entrar na profissão de modelo usa com desassombro categorias como altura e peso como se se tratasse de juízos humanos. Ter menos de 180 centímetros ou pesar alguns gramas a mais que um esqueleto é condenação para as jovens. Da mesma forma, ter esses atributos é uma abertura para o futuro brilhante feito de nada mais que levar o corpo de um lado a outro de um tablado, com olhar metafisicamente perdido no horizonte.

                  As listas de livros mais vendidos ou de reportagens de revistas semanais também são atravessadas por essa situação de ambiguidade, que promete o prazer e cobra em troca a obediência de padrões. Sempre que a política está em baixa ou se torna repetitiva e chata demais – o que acontece cada vez com mais regularidade –, entram em cena pautas de reportagens sobre emagrecimento e gastronomia. De um lado, a confirmação de nossa incapacidade para alcançar a forma ideal; de outro, o estímulo a prazeres corporais diretos cada vez mais sofisticados e metidos à besta. Essa esquizofrenia é constitutiva de um tempo que depois de privatizar o que era público resolveu tornar preocupação pública o que há de mais privado no indivíduo: cabeça, corpo e membros. 

                  Quando Foucault criou o conceito de biopoder, não imaginava aonde poderia chegar a capacidade de subjugar o corpo aos ditames da política e da economia. Mais que de elementos exteriores de opressão, o corpo sofre do próprio sujeito cobranças impossíveis de serem cumpridas. Os mecanismos de consumo, que antes tangenciavam o corpo, hoje se realizam na própria matéria. Não precisamos ser magros e atraentes para sermos felizes: a magreza e o poder de atração são a felicidade em si. Mesmo que isso signifique trocar todo o nosso repertório de méritos pelo mais tangível e singelo deles. 

                  O corpo pós-moderno, dessa forma, não é o corpo saudável. Saúde é um signo que se define pelas possibilidades que inaugura. As pessoas com saúde estão livres para exercer todas as dimensões de sua vida: a criatividade, o amor, o prazer, o trabalho, a espiritualidade. A saúde, na concepção pós-moderna, não é uma condição de possibilidade, mas um atributo. Assim, no reino da boa forma, interessa que o corpo seja estimulável, capaz de absorver as cotas de prazer que podemos vir a possuir. Quanto mais “saudável”, mais eficiente o corpo pós-moderno será na tarefa de fruição do gozo. Por isso, a obsessão permanente em termos de medidas e comparações. Se tanto esforço é despendido para alcançar, por exemplo, o prazer sensual ou gastronômico, é preciso turbinar o desejo com medicamentos e exotismos para diferenciar as pessoas especiais dos comuns dos mortais (já que todos transam e comem). O sexo e a alimentação do homem saudável pós-moderno precisam ser maiores, sem o que ele se sentiria burlado em seus investimentos de tempo e dinheiro. 

                  Não é um acaso que as drogas da juventude de hoje sejam destinadas a ampliar a capacidade física, da mesma forma que nos anos 1960 se buscava abrir as sendas da percepção. É sintomático que o que já foi amor livre hoje seja o descompromisso com o outro. É mais que simbólico que um corpo, que, para outras gerações, era belo por ser natural (sem aumentos artificiais e excesso de depilação), atualmente seja definido como “sarado”, com tudo de retificador e objetificador que a palavra carrega.
                   
                  Política aeróbica Todo exagero evidencia uma franja da realidade. É claro que homens e mulheres estão descuidados da saúde e teriam muito a ganhar com atividade física e boa alimentação. Esse é o lado mais arejado da questão. Mas há outro, igualmente importante, que vem sendo deixado de lado em favor do que é mais visível e operativo. Podemos mudar algumas circunstâncias do cotidiano, sobretudo as que dizem respeito a atitudes individuais, mas a coisa se torna muito mais difícil quando se trata de temas mais amplos. O corpo também é político.

                  Assim, as grandes ações em nome da saúde – pelas quais nenhuma celebridade ainda se dispôs a comprar briga – estão localizadas na forma de produção de alimentos, com o uso abusivo de venenos; nas péssimas condições laborais da maioria dos trabalhadores; na carga de propaganda de substâncias danosas ao bem-estar, como o arsenal de porcarias coloridas destinadas às crianças; no estímulo ao consumo de medicamentos por conta própria; na falta de espaços de lazer de qualidade em todos os quadrantes das cidades; no preconceito que aponta o dedo para as singularidades como se elas fossem desvios, o que atinge a autoestima e, muitas vezes, as oportunidades de trabalho, escondidas sob a falsa atribuição da “boa aparência”, um tipo muito peculiar de racismo à brasileira.

                  O ano que começa merece de todos atenção com a saúde e com o corpo. É legítimo que todos queiram se sentir bem para que possam fazer da vida o que merece ser feito. Mas é sempre bom ter em mente que nosso corpo não é espelho da alma nem a carcaça de um coletor de estímulos negociados no mercado. Somos muito mais que mercadorias e insatisfação. Saúde para todos.

                  CIÊNCIA » Cérebro de idosos é mais suscetível a golpes - Paloma Oliveto‏

                  Pesquisa americana mostra que ativação de região relacionada à interpretação das intenções alheias fica prejudicada com o passar dos anos 

                  Paloma Oliveto
                  Estado de Minas: 29/12/2012 

                  Notícias sobre idosos que caíram em golpes conhecidos, como o falso bilhete de loteria premiado, são cada vez mais comuns. No Brasil, não há estatísticas, mas nos Estados Unidos estima-se que pessoas com mais de 60 anos tenham perdido US$ 2,9 bilhões somente em 2010, devido a fraudes que vão de pequenas trapaças a complexos desvios financeiros. Depois de ver o próprio pai e a tia serem enganados por desconhecidos, a neuropsicóloga Shelley E. Taylor, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), resolveu investigar por que os idosos são o alvo mais fácil dos bandidos. Os resultados foram publicados na revista da Academia Nacional de Ciência dos EUA.

                  O problema não tem a ver com inteligência, mas com uma área do cérebro envolvida com o julgamento. Em idosos, ela é pouco ou nada ativada diante de rostos que não inspiram confiança. “Julgamentos afetivos ou que envolvam a confiança são processados nas regiões límbicas, que incluem a ínsula anterior. Fizemos dois estudos para ver se o fato de os idosos serem mais vulneráveis que os jovens está relacionado a uma alteração nos padrões de ativação dessas regiões neurais e constatamos que isso é verdade”, relata Taylor. Para descartar diferenças cognitivas, todos os participantes, independentemente da faixa etária, tinham nível de escolaridade semelhante.

                  Na primeira pesquisa, os voluntários viram diversos retratos e tiveram de classificar os rostos como nao confiáveis, neutros ou de confiança (veja infografia). Como esperado, os jovens demonstraram uma percepção mais aguçada, enquanto os idosos não apresentaram a mesma habilidade. “A maior parte dos adultos mais velhos deixou passar dicas faciais que geralmente são bem fáceis de distinguir em pessoas desonestas, como o tipo de olhar e de sorriso”, conta Taylor.
                  O outro estudo examinou o comportamento do cérebro por meio de um exame de ressonância magnética funcional. Quando os mais jovens viam as fotos de pessoas que pareciam não ser de confiança, a ínsula anterior era fortemente ativada. “Esse padrão era perceptível mesmo quando eles olhavam para faces honestas. É como se, só de saber que terá de julgar alguém, essa rede neuronal fique de sobreaviso. Quanto aos mais velhos, os sinais cerebrais foram muito fracos. 

                  Aparentemente, o cérebro não lança nenhum sinal de aviso”, explica Elizabeth Castle, aluna de graduação que analisou as imagens geradas pelo exame. “Uma das funções da ínsula anterior é captar os sentimentos corporais e interpretá-los para o cérebro. De certa forma, ela regula o que chamamos de intuição. Nos idosos, a comunicação visual não gerou uma resposta significativa nesse sentido”, diz.

                  Alarme fraco De acordo com Shelley E. Taylor, quanto mais velha uma pessoa, mais vulnerável ela fica. As duas pesquisas mostraram que mesmo quem não é idoso já começa a perder a capacidade de julgamento de honestidade. “A partir dos 50 anos, esse sistema de alarme no cérebro fica mais fraco. Não é à toa que o perfil das vítimas de fraude financeira são pessoas por volta de 55 anos, com experiência na área de investimentos”, afirma. A neuropsicóloga explica que isso não significa que o indivíduo fique menos inteligente. “O problema é que, como o julgamento sobre honestidade deteriora, a habilidade de fazer bons negócios pode cair.”

                  Taylor conta que, há pouco tempo, o pai dela, de 75 anos, entregou US$ 6 mil para um desconhecido porque achou que se tratava de uma “pessoa do bem”. “O homem passou uma conversa, meu pai acreditou”, relata. A tia da neuropsicóloga também foi vítima ao comprar uma joia falsa de uma pessoa que conheceu pela internet. “Era um brinco de vidro no lugar de diamante.”

                  Uma das explicações para o declínio desse tipo de julgamento é o fato de que idosos geralmente são menos estressados do que os mais jovens e tendem a enxergar a vida de forma mais positiva. Diversos estudos mostram que eles se recuperam melhor de eventos negativos, não se irritam muito com situações desagradáveis e memorizam mais experiências boas do que as ruins. “Essa sensação de bem-estar é muito boa, mas, ao mesmo tempo, diminui o estado de alerta. Quando se é muito otimista, a tendência é acreditar mais nos outros”, resume Taylor. Ela aconselha que os mais velhos tomem algumas precauções. “Não é preciso ficar paranoico e pensar que todo mundo é mau-cárater. Mas também não saia por aí dizendo que tem dinheiro, evite passar informações pelo telefone ou pela internet e só feche um negócio em instituições sérias”, enumera.

                  Para Peter Finn, psicólogo e professor da Universidade de Indiana, pesquisas como a da UCLA têm implicações não apenas nos casos de fraudes financeiras. Finn, que estuda o processo de tomada de decisões em idosos, afirma que o declínio da capacidade de julgar pode afetar os indivíduos também em relação a vícios. “À medida que envelhecem, muitas pessoas se tornam dependentes de álcool e de jogo, por exemplo. Parte disso se deve porque elas estão em desvantagem na hora de tomar decisões”, avalia.

                  Não seja enganado

                  Veja quais são os principais golpes aplicados em idosos

                  Conto da aposentadoriaA vítima não é contribuinte da Previdência Social. O golpista se identifica como fiscal do INSS e, demonstrando bom conhecimento de assuntos previdenciários, prontifica-se a conseguir aposentadoria para a vítima. Esta aceita a proposta e paga várias parcelas em dinheiro pelo serviço.

                  Reajuste atrasado
                  O golpista se identifica como funcionário de algum sindicato ou associação e age na saída de bancos ou próximo a entidades de classe. Ele aborda as vítimas dizendo que elas têm direito a receber por reajustes atrasados do benefício previdenciário, oferecendo-se, imediatamente, para agilizar o processo. Para isso, pede alguns documentos e, para cobrir as despesas, um depósito de 10% do valor ao qual, segundo ele, a vítima terá direito.

                  Cartão engolido
                  O golpista, usando um produto aderente, faz com que o cartão magnético do banco utilizado pela vítima fique preso no caixa eletrônico. O estelionatário fica a distância observando a vítima digitar a senha do cartão. Após várias tentativas, a vítima desiste de usar a máquina e deixa o cartão. O golpista retira o cartão e saca todo o dinheiro disponível na conta-corrente.

                  Recadastramento bancário
                  O golpista liga para a vítima e diz ser representante do banco no qual ela tem conta. Na conversa, induz o correntista a fazer seu recadastramento bancário, digitando os números da sua agência, da sua conta e da sua senha. Com equipamentos capazes de identificar os números digitados, os golpistas conseguem ter acesso a essas informações e sacar o dinheiro da vítima.

                  Golpe do cartão eletrônico
                  Semelhante ao golpe do cartão engolido. Em primeiro lugar, o golpista coloca no caixa eletrônico um dispositivo que prende o cartão magnético do cliente. Logo depois, os estelionatários esperam a vítima. Um deles fica em frente ao caixa eletrônico e coloca um aviso com o logotipo do banco e o telefone para informações. A vítima, ao ver seu cartão retido, pede informações ao golpista. Este afirma que o caixa deve estar com defeito, pois foi colocado um aviso do lado de fora da cabine. A vítima decide usar o telefone e é atendida por outro estelionatário, que se faz passar por funcionário do telemarketing do banco. A vítima fornece dados como o número da sua conta e a sua senha numérica e é orientada a procurar uma agência bancária para formalizar o extravio do cartão. Com a senha e o cartão em mãos, os golpistas sacam o dinheiro da conta.