segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Roberto Pompeu de Toledo - Síndrome de Pascoal Palumbo

Revista Veja - 26/11/2012

Em honra à nova fase do Supremo Tribunal Federal, agora sob o comando do ministro Joaquim Barbosa, a coluna vai puxar do baú o humorista italiano Pitigrilli (1893-1975), muito popular no período anterior à guerra, depois esquecido, inclusive pela mancha da colaboração com o fascismo — e autor de um texto quem sabe útil à reflexão dos integrantes de nossa ultimamente festejada Corte. Pitigrilli conta que na escola seu professor de redação propôs à turma o seguinte tema: “Chegou-lhes uma carta da Alemanha: como não conhecem a língua alemã, escrevam a um amigo pedindo-lhe o obséquio de traduzi-la“. Ele (Pitigrilli) achou fácil, e escreveu: "Caro amigo, peço-lhe que traduza esta carta em italiano. Pelo que agradeço“. O professor indignou-se. Ele não se dava conta de que o desenvolvimento era menor que o enunciado do tema? "Julgava ter dito tudo“, responde o aluno. "Mas você não julgou necessário nem sequer se desculpar pelo incômodo que causava ao amigo?” "Se pensasse que lhe causaria algum incômodo, não lhe teria feito o pedido. “ O professor exaspera-se, chama-o de ‘respondão”.

"Você não percebe que não faz nem referência ao conhecimento que o amigo tem do alemão?” "Mas isso estava implícito.”

Foi a gota d’água. Levou uma nota zero, uma semana de suspensão, e ficou com a fama, na escola e na família, de achar que tudo está "implícito“. Para piorar, foi forçado a ler em voz alta para a classe a composição do primeiro da classe, um certo Pascoal Palumbo, a qual começava com as seguintes sublimes palavras: "Caro amigo, a você que tem a fortuna de conhecer o idioma de Armínio, já que seu nascimento se deu "ao pé do Quarnaro, que a Itália fecha e seus limites banha", como disse o Divino Poeta que está a cavaleiro de duas eras, se bem que nas veias lhe corra latino sangue gentil; a você, caro amigo, peço vênia se, roubando um pouco de seu tempo, que é tanto mais precioso porque o perder tempo a quem mais sabe mais desgosta, apelo à sua bem conhecida cortesia para um favor de não pequena monta“.

Os anos passam e eis que um dia o antigo aluno rebelde recebe uma carta de Estrasburgo escrita em alemão (a Alsácia, na juventude de Pitigrilli, era alemã). O jeito era pedir a um amigo para traduzi-la. Escreveu-lhe: "Caro amigo, peço-lhe que traduza esta carta. Felicidades”. Arrependeu-se. Voltou- lhe o terror do zero, da suspensão, do xingamento de "respondão”, da fama do "implícito”. Veio-lhe ao mesmo tempo à lembrança a redação de Pascoal Palumbo, que por sorte ainda conservava entre velhos guardados. Copiou todos os seus catorze robustos parágrafos. O segundo dizia: "Esta manhã me achava ainda sonolento, tendo demorado um tanto no rescaldo do tálamo, quando — quem é, quem não é? — toc, toc. toc. bateram à minha porta e me entregaram... adivinha o quê? Uma carta que, pelo selo berlinês, compreendi que vinha da Alemanha”. Seguiam-se alusões a Goethe e Schiller, mais Dante e Shakespeare, reminiscências da vida de Catão. Sócrates e Plutarco, uma citação em latim (“Nil volentibus arduum”), e promessas de no futuro aprender alemão e "compreender também as belezas dos monumentos literários dessa nação tão culta, sem no entanto descurar da Itália, que. como cultura, a ninguém se pospõe".

Passam-se os dias, e nenhuma resposta. Que teria havido? O missivista resolve ir em pessoa ao escritório do amigo, onde fica então sabendo do ocorrido. O amigo pegou a carta, leu algumas linhas do princípio, pulou para o fim, voltou para o meio, perguntou-se, "Que diz ele? Que quer?”, e afinal a jogou ao lixo. Quando soube, agora de viva voz, o que ao fim e ao cabo ela continha, disse: "Mas era tão simples. Por que não escreveu: ‘Caro amigo, peço que traduza esta carta em italiano“?”

Já se adivinha a moral desta história. Os ministros do Supremo Tribunal estão há mais de três meses julgando o processo do mensalão. O caso é complexo e os réus são muitos, mas a demora também se deve aos votos longuíssimos, tantas vezes repetitivos, outras inchados de erudição e de retórica. O novo presidente, Joaquim Barbosa, provou ser homem destemido: que tal encarar a causa do voto enxuto e direto? O coabitante deste espaço, J.R. Guzzo, propôs na semana passada que os ministros falassem o português corrente no Brasil. Se além disso o fizessem de maneira concisa o lucro seria em dobro. O ministro Joaquim Barbosa terá uma passagem inesquecível pela presidência da Corte se, dada a máxima vênia aceitar o duplo desafio que, unida, esta página, com a humildade devida, mas também com os melhores sentimentos, lhe propõe.

A boa vida de Micarla

Revista Veja - 26/11/2012

Afastada do cargo pela Justiça desde o dia 31 de outubro, a prefeita de Natal tinha gastos mensais que superavam seu salário anual
Marcelo Sperandio
Folha salarial de dezenove funcionários domésticos, como motorista, faxineira, governanta e secretária: 21500 reais. Gastos com roupas e relógios: 5 800 reais. Viagens internacionais: 35000 reais. Reparos na casa: 11600 reais. Esses são alguns dos gastos mensais de Micarla de Sousa (PV), afastada da prefeitura de Natal no mês passado sob acusação de desviar dinheiro de contratos públicos. A conta chegava a 180000 reais por mês — mais do que todo o ganho declarado por Micarla durante um ano, de 168000 reais (seu salário era de meros 14000 reais).

A investigação do Ministério Público do Rio Grande do Norte começou em 2011 e detectou problemas em várias áreas da prefeitura. Os primeiros indícios de irregularidades surgiram em contratos da Secretaria de Saúde, que somavam 65 milhões de reais — e, segundo os promotores, eram superfaturados. O episódio alcançou, por acaso, a pasta da Educação. Em apreensões feitas nas casas de secretários municipais, foram encontradas planilhas sobre distribuição de propina. Esses documentos informavam que Micarla ficava com 10% do valor total dos contratos de uniformes escolares e merenda. O marido da prefeita. Miguel Weber, levava 5% dos uniformes e 2% da merenda, de acordo com as planilhas. Só nesse caso, concluiu o Ministério Público, o casal amealhou 194000 reais. Foi nesses arquivos que os promotores localizaram as tabelas com os gastos pessoais da prefeita afastada de Natal totalmente incompatíveis com os seus rendimentos - ao menos os oficiais.

A irregularidade típica do dinheiro sujo — que não cai todo mês na conta, como o salário dos funcionários honestos — ajuda a explicar o malabarismo que assessores de Micarla tinham de fazer para lidar com os problemas bancários da chefe. Francisco de Assis, coordenador da Secretaria de Saúde, mas na prática secretário particular da prefeita, era um dos mais atarefados. Em uma das interceptações autorizadas pela Justiça, Micarla lhe enviou a seguinte mensagem de celular: "Assis, dá uma olhada na minha conta e nos meus cartões. Me diga quanto eu "tenho disponível e veja se minha conta tá o.k. ou se voltou algum cheque". Em seguida, Assis respondeu: "Saldo devedor de 27 500 reais. Temos que resolver essa situação, pois os cartões estão no momento bloqueados". Em outra, ele ligou para a gerente da prefeita no Banco do Brasil. Perguntou como estavam os saldos da conta-corrente e dos cartões de crédito de Micarla, porque ela viajaria para Miami. A gerente informou: "Entrou um cheque hoje e faltaram 200 reais. O total do saldo devedor é 32 900 reais. O cartão dela está com restrições". Em algum momento, pressupõe-se, a conta deixou o vermelho, já que Micarla continuou com crédito. Mas só no banco. Entre a população, não se pode dizer o mesmo: a rejeição é de 92%. Descrédito total.

História mal contada - Marcos Coimbra

Revista Carta Capital - 26/11/2012
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os comentaristas da "grande imprensa" estão tão satisfeitos uns com os outros e tão felizes com a história que montaram sobre o "mensalão" que nem sequer se preocupam com seus furos e inconsistências.

Para os cidadãos comuns, é daquelas que só fazem sentido quando não se tem muito interesse e basta o que os americanos chamam de bigpicture. Quando, por preguiça ou preconceito, ficam satisfeitos com o que acham que sabem, mesmo que seja apenas uma "impressão geral".

A história faz água por todos os lados.

Se fosse preciso apresentá-la de forma simplificada (e dipensando as adjetivações raivosas típicas dos comentaristas de direita), ela conta que José Dirceu e José Genoino criaram um "esquema" entre 2004 e 2005 para desviar recursos públicos, comprar votos no Congresso e assim "perpetuar o PT no poder". Para secundá-los, teriam montado uma "quadrilha".

Mas, e se alguém quisesse entendê-la melhor? Se perguntasse, por exemplo, em que sentido a noção de recursos públicos é usada? Se fosse além, tentando perceber o que os responsáveis pelo plano fariam com os votos que pagassem? Se solicitasse uma explicação a respeito de nosso sistema político, para compreender a que esse apoio serviria?

Em qualquer lugar do mundo, a ideia de "desvio" implica a caracterização inequívoca da origem pública c da destinação privada do dinheiro. Alguém, indivíduo ou grupo, precisa ganhar - ou querer ganhar - valores surrupiados do Tesouro. Senão, o caso muda de tipificação e passa a ser de incompetência.

A história do "mensalão" não faz sentido desde o primeiro postulado. Só com imensa forçação de barra se podem considerar públicos os recursos originados da conta de propaganda do Visanet, como demonstra qualquer auditoria minimamente correta.

A tese da compra de apoio parlamentar é tão frágil quanto a anterior. O que anos de investigações revelaram foi que a quase totalidade dos recursos movimentados no "mensalão" se destinou a ressarcir despesas partidárias, eleitorais ou administrativas, do PT.

Todos sabemos - pois os réus o admitiram desde o início - que a arrecadação foi irregular e não contabilizada. Que houve ilegalidade no modo como os recursos foram distribuídos.

Só quem vive no mundo da lua ou finge que lá habita imagina, no entanto, que práticas como essas são raras em nosso sistema político. O que não é desculpa, mas as contextualiza no mundo real, que existia antes, existiu durante e continua a existir depois que o "mensalão" veio à tona.

A parte menos importante desses recursos, aquela que políticos de outros partidos teriam recebido "vendendo apoio", é a peça-chave de toda a história que estamos ouvindo. E a única razão para condenações a penas absurdamente1ongas.

Não há demonstração no processo de que Dirceu e Genoino tivessem comprado votos no interesse do governo. Simplesmente não é assim que as coisas funcionam no padrão brasileiro de relacionamento entre o Executivo e o Congresso. Que o digam todos os presidentes desde a redemocratização.

Os dois líderes petistas queriam votos para aprovar a reforma da Previdência Social? A reforma tributária? É possível, mas nada comprova que pagassem parlamentares para que o Brasil se modernizasse e melhorasse.

A elucubração mais absurda é de que tudo tinha o objetivo escuso de "assegurar a permanência do PT no poder" (como se esse não fosse um objetivo perfeitamente legítimo dos partidos políticos!).

Os deputados da oposição que ficaram do lado do governo nessas votações são uma resposta à fantasia. Votaram de acordo com suas convicções, sem dar a mínima importância a lendas sobre "planos petistas maquiavélicos".

E o bom senso leva a outra pergunta.

Alguém, em sã consciência, acha que o resultado da eleição presidencial de 2006 estava sendo ali jogado? Que a meia dúzia de votos sendo hipoteticamente "comprados" conduziria à reeleição?

O que garante a continuidade de um governo é o voto popular, que pouco tem a ver com maiorias congressuais. E a vitória de Lula mostra quão irrelevante era o tal "esquema do mensalão", pois veio depois do episódio e apesar do escândalo no seu entorno.

Os ministros da Suprema Corte, a PGR e seus amigos se confundiram. A vez de comprar votos na Câmara para permanecer no poder tinha sido outra.

Mais exatamente acontecera em 1997, quando, sob sua benevolente complacência, a emenda da reeleição foi aprovada.

Muito barulho por nada - Vladimir Safatle

Revista Carta Capital - 26/11/2012

Poucos políticos despertaram tanta simpatia ao aparecer quanto Barack Obama. Sua figura, formação e experiência de vida pareciam anunciar o advento de um novo perfil de lideranças mundiais. Um perfil mais compreensivo em relação às demandas de um mundo multipolar, mais comprometido com causas sociais e necessidades de redistribuição de riquezas. Figura carismática e de boa oratória, Obama foi capaz de despertar esperanças.

Tais esperanças não eram sem fundamento. Diante de uma crise econômica e social semelhante àquela de 1929, vários foram os analistas que insistiram na necessidade de uma segunda versão do New Deal rooseveltiano. Nesse sentido, ninguém nunca esperou de Obama algum tipo de ação radicalmente inovadora, simplesmente uma seqüência de ações racionais. Racionalidade daqueles que são capazes de compreender o verdadeiro tamanho dos problemas e do esforço em superá-los. Seu slogan da primeira campanha, "Sim, nós podemos", parecia, nesse contexto, indicar a consciência de quem sabe claramente a necessidade de recolocar, na mesa de discussão, um campo mais largo de possibilidades de ação, isso se não quisermos nos afogar nos impasses contínuos da política contemporânea.

Foi, porém, sintomático que sua segunda vitória tenha sido muito mais o fruto do medo causado pelos delírios conservadores de seu oponente do que das suas próprias virtudes. Se sua primeira campanha foi embalada por um "Sim, nós podemos", a segunda poderia muito bem ser resumida por um "Não, eles não podem". Ou seja, paradoxalmente, sua campanha não era mais baseada na esperança, mas no medo dos estragos que o Partido Republicano mostrou-se capa/. de produzir com seu discurso sobre a supremacia norte-americana e um liberalismo econômico puro e duro.

Agora cada vez mais acumulam-se signos de que o segundo mandato de Obama será brutalmente igual ao primeiro. A despeito de sua promessa de taxar mais os ricos, a fim de garantir o mínimo de subvenção pública para um país que, cada vez mais, vê crescer sua fratura social, não há nada de novo sob o céu. Diga-se de passagem: tal necessidade de taxação é algo tão aceito que milionários como Warren Buffett escreveram artigos em jornais pedindo para pagar mais impostos.

Lembremos, por exemplo, quão miserável foi sua política externa. Sua promessa de fechar Guantánamo e acabar de , uma vez com o vazio jurídico que ela representa foi simples- 5 mente esquecida. Ninguém acredita que Obama voltará a esse ponto. Seu governo continua a servir-se das mesmas práticas brutais que seriam efetivadas por um governo republicano, se bem que com algumas inovações próprias, como o uso de drones para patrulhar o Paquistão. Lembremos que, a despeito de seu Prêmio Nobel da Paz, a maior realização diplomática de seu primeiro mandato foi assassinar Osama bin Laden.

Como se não bastasse, acabamos de ver mais uma vez em ação a mesma política em relação ao conflito palestino. Apesar de Benjamin Netanyahu ter demonstrado claramente sua preferência por Mitt Romney e ignorado soberanamente os pedidos para parar de uma vez por todas com a construção de novas colônias na Cisjordânia, nada parece demover Obama de sua tendência em apoiar qualquer ação do governo israelense.

Israel tem a estranha crença de estar imbuído do direito de eliminar seus opositores de qualquer forma, estejam onde estiverem. Para o governo, não há nada parecido a um direito internacional, tanto que ignora sistematicamente qualquer jurisdição do Tribunal Penal Internacional (a exemplo dos EUA). Assim, conforme o script de sempre, um líder do Hamas foi assassinado (o que não parece uma boa maneira de tentar dar continuidade a um processo de paz). Os palestinos, na seqüência, lançaram centenas de foguetes em represália. Por fim, Israel fez centenas de incursões em Gaza, nas quais matou 161 cidadãos.

O que diz Obama? Chama os dois lados à razão e lembra o caráter intolerável da situação dos palestinos, um povo sem pátriaesem direito sequer a ter documentos normais como qualquer outro povo? Usa sua força para exigir uma negociação definitiva (como fez, vejam vocês, George Bush pai ao forçar os Acordos de Oslo)? Não, Obama apenas diz que reconhece o direito israelense de se defender (posição que, se seguida à risca, deveria prever também a legitimidade dos palestinos em se defender) e promete ajudá-los financeiramente na construção de escudos antimísseis. Um republicano não faria melhor.

Mas, exatamente por causa disso, Obama entrará para a história como realmente queria, ou seja, como o protótipo do líder mundial do século XXI: alguém com imagem simpática, sensibilidade humana e capacidade nula de ação real.

Na Alemanha, parlamentar gay não vê problema em fazer parte do partido conservador


Na Alemanha, parlamentar gay não vê problema em fazer parte do partido conservador

Jornais Internacionais - Der Spiegel 
 Fritz Stockmeier

  Jens Spahn é um parlamentar conservador de 32 anos. Ele também é gay. Em uma entrevista para a “Spiegel”, o membro da União Democrata Cristã conservadora descreve como isso moldou sua carreira política e avalia quão longe a Alemanha avançou nos direitos civis de gays e lésbicas.


Spiegel - Sr. Spahn, há dois anos nós lhe perguntamos pela primeira vez se estaria disposto a nos conceder uma entrevista sobre sua vida como membro gay do Parlamento por um partido político conservador. O que o fez hesitar por tanto tempo?
Spahn - Porque meu lado gay não tinha nada a ver com a forma como me defino como político. Eu não me concentro em temas gays em detrimento de outros assuntos políticos. Em vez disso, como especialista em saúde, eu busco resolver os problemas atuais. Eu não queria que meu modo de viver e amar exercesse um papel maior do que a substância do meu trabalho.


Spiegel - E o que o fez mudar de ideia a respeito de falar conosco?
Spahn - Eu quero enviar um sinal. Há muitos gays entre os conservadores da Alemanha que estão descontentes com seu partido. Todavia, essa será minha primeira e última entrevista a respeito de minha sexualidade.


Spiegel - O senhor é membro do Parlamento há 10 anos. Colegas já lhe perguntaram com frequência se você tinha uma parceira feminina em sua vida?
Spahn - Para todos aqueles que perguntaram, eu respondi de modo honesto que tenho um parceiro masculino. Eu nunca fiz segredo da minha homossexualidade.


Spiegel - Isso exerceu um papel quando você buscou a indicação por seu distrito para concorrer a uma cadeira no Bundestag há 11 anos?
Spahn - Quando se trata dos procedimentos internos de indicação de um partido político, as pessoas sempre procuram por áreas onde um candidato possa ser vulnerável. Minha orientação sexual e minha idade –eu tinha apenas 21 anos naquela época– certamente não agradaram a todos na ocasião. Vários indivíduos tentaram transformar minha homossexualidade em tema de debate. Eu reconhecidamente achei isso incômodo.


Spiegel - Que tentativas foram feitas?
Spahn - Em alguns casos, membros do partido expressaram preocupação. Eles perguntavam: “Como poderemos vencer em um distrito fortemente católico com alguém como ele?”


Spiegel - Na época, você considerou subir ao palanque e dizer: “Eu sou gay”?
Spahn - Não! Isso não tem nada a ver com minha política e com minhas convicções políticas. Consequentemente, eu não queria ficar exibindo isso – especialmente não no meu discurso de indicação. Hoje, uma declaração dessas não impediria ninguém na minha região natal de Münsterland, no oeste da Alemanha, onde gays ocupam altas posições cobiçadas em associações locais.


Spiegel - “Desde que ele não tente tocar em mim, eu não me importo.” Foi isso o que o primeiro chanceler alemão do pós-guerra, Konrad Adenauer, disse em resposta ao rumor de que seu ministro das Relações Exteriores, Heinrich von Brentano, era gay. Essa ainda é a postura básica da União Democrata Cristã (CDU) – eles aceitam formalmente a homossexualidade, mas a consideram um tanto desconcertante?
Spahn - Eu preciso perguntar em resposta, não é essa a postura de grande parte de nossa sociedade? Os conservadores são apenas uma parte dessa sociedade. É claro que ainda há pessoas que têm reservas. Mas eu acho que um membro da CDU em Münsterland está em melhor posição de promover a tolerância do que um funcionário público de esquerda do Partido Verde da cidade de Colônia. Afinal, há uma boa chance de que ninguém dê ouvido a ele lá.


Spiegel - Quando você percebeu que sentia atração por homens?
Spahn - Na puberdade, aos 15 ou 16 anos, quando desenvolvi minha sexualidade. Felizmente eu tenho pais maravilhosos. Eu não tive que fazer muito esforço para me explicar –mães têm um bom instinto para essas coisas. Meus pais logo disseram: está tudo certo do jeito que é. Meus amigos também reagiram bem. Você tem que entender, eu vim de uma cidade pequena de 3.700 habitantes, e mesmo assim houve um alto grau de aceitação desde o início. Isso me ajudou a ter uma atitude relaxada a respeito.


Spiegel - Em 1995, você ingressou na organização jovem da CDU, a União Jovem. Na época, a CDU era ainda mais tensa em relação à homossexualidade do que hoje. O que levou você a entrar para o partido?
Spahn - Você também poderia perguntar: um acumulador de milhagem aérea pode fazer parte do Partido Verde? (Nota do editor: isso é uma referência a um antigo escândalo envolvendo o uso por importantes membros do Partido Verde de benefícios de acúmulo de milhas aéreas.) Ou um empresário independente ser um membro do Partido Social Democrata? Eu me envolvi na política devido ao conflito em torno da energia nuclear. Na época, o professor nos perguntava toda segunda-feira porque não participamos da manifestação contra usinas nucleares no domingo. Isso provocou um reflexo saudável em mim. Eu não quis permitir que meu professor ditasse o que eu supostamente deveria pensar. Ingressar na CDU foi a decisão certa –eu não me arrependo até hoje.


Spiegel - Seu colega Volker Beck, um parlamentar assumidamente gay pelo Partido Verde, certa vez disse a respeito de políticos gays: “Qualquer um que inicie sua carreira com a decisão de manter isso em segredo, nunca conseguirá deixar isso para trás”. Você concorda?
Spahn - Essa declaração certamente era mais válida 20 anos atrás do que hoje. Na época, a homossexualidade era um grande problema para os políticos e eu sou grato a Volker Beck e outros pelo que lutaram para conseguir. A Alemanha em 2012 é diferente da Alemanha em 1995. Qualquer pessoa que hoje sinta que precisa viver uma vida dupla por ser gay é movido por um medo que considero infundado.


Spiegel - Ao digitar seu nome no Google, a primeira sugestão do autocompletar é “Jens Spahn gay”. Isso incomoda você?
Spahn - Não. Minha impressão é de que muitos políticos jovens são pesquisados no Google com esse termo, especialmente se forem magros. Experimente! Eu considero notável o fato disso aparentemente permanecer tão interessante. Mas, honestamente, eu não me importo com o que aparece associado a mim no Google.


Spiegel - Você se sentiu grato ao prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, do Partido Social Democrata (SPD) de esquerda, quando ele cunhou sua famosa frase em 2001: “Eu sou gay e está tudo bem”?
Spahn - Eu acompanhei isso de perto quando era jovem e sou grato por isso. A verdade é que ser gay não é uma realização política por si só. Não é suficiente para constituir uma plataforma política.


Spiegel - Seu companheiro de partido, Ole von Beust, diz que, pelo menos entre os conservadores da Alemanha, um político gay poderia ascender no máximo a governador estadual.
Spahn - Governador certamente é um cargo que não pode ser desprezado! Mas eu não acho que existam limites. Um gay poderia supostamente se tornar chanceler.


Spiegel - Por que a CDU enfrentou dificuldades por tanto tempo para chegar a um acordo com a questão da homossexualidade?
Spahn - Na condição de partido cristão, a CDU nunca esteve na vanguarda da mudança social, e também não precisa liderar essas mudanças. Nossa missão é diferente. Nós incorporamos várias posições e trabalhamos para promover uma aceitação mais ampla.


Spiegel -Você sabe o que a chanceler de seu partido, Angela Merkel, disse em 2000 em reação ao plano de introduzir uniões civis para casais de gays e lésbicas, apresentado pela então coalizão de situação, do SPD e do Partido Verde?
Spahn - Não.


Spiegel - Ela disse que era uma “aberração sociopolítica”.
Spahn - Bem, sabe como é...


Spiegel - Soa estranho, não?
Spahn - Isso ocorreu há quase 13 anos. De lá para cá, toda nossa sociedade, incluindo os conservadores, avançou muito. E o aspecto positivo é que nenhum partido apresentou maior progresso nesse assunto do que os conservadores.


Spiegel - Você quer dizer que a CDU e o casamento gay seriam uma boa combinação atualmente?
Spahn - O primeiro-ministro britânico, David Cameron, fez a seguinte declaração admirável: “Eu não apoio o casamento gay apesar de ser conservador. Eu apoio o casamento gay porque sou conservador”. Como conservadores, nós ficamos felizes quando duas pessoas assumem legalmente a responsabilidade uma pela outra, nos bons e nos maus momentos. Há modo de vida mais consistente com os valores tradicionais?


Spiegel - Qual é a sensação de estar em um grupo parlamentar com colegas como Norbert Geis, que considera ser gay como sendo uma “perversão da sexualidade” e diz: “O apóstolo Paulo considera isso um pecado. Eu vejo da mesma forma”?
Spahn - É claro que me irrita mais do que quando um colega diverge em suas opiniões sobre a construção de uma estrada. Mas os conservadores também refletem nossa sociedade neste assunto –e posições, como as de Norbert Geis, ainda podem ser encontradas na Alemanha. É preciso se envolver nesses debates e persistir. Eu não posso chegar até essas pessoas dando as costas e me permitindo ser insultado.
Tradutor: George El Khouri Andolfato        

Procurado [John McAfee] - Cassiano Elek Machado


Acusado de envolvimento em assassinato no Caribe, o criador de uma bilionária empresa de antivírus John McAfee foge da polícia de Belize, se diz inocente e usa um blog e uma HQ para contar sua versão da história
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULORespire fundo antes de ler: esta história envolve um assassinato, uma prostituta de 17 anos, envenenamento de cachorros, um comando antiguerrilha treinado pelo FBI, traficantes e um barão da tecnologia norte-americano, refugiado da polícia. Tudo isso num país de 350 mil habitantes chamado Belize, no calcanhar do México.
O protagonista se chama John McAfee, e se você usou um computador nos últimos 25 anos talvez reconheça seu sobrenome.
Em 1987, um ano depois de dois irmãos paquistaneses terem criado o primeiro vírus para computadores, McAfee desenvolveu um software que leva seu sobrenome para combater as pragas digitais.
Em cinco anos, a empresa iniciada na sala de sua casa na Califórnia valia US$ 80 milhões na Nasdaq. Em 2010, a McAfee Associates foi comprada por US$ 7,7 bilhões. O criador já estava longe - da empresa, da qual havia se desligado, e dos Estados Unidos. Dois anos antes, havia liquidado de um mês para o outro quase tudo o que tinha no país, incluindo um avião, um aeroporto no Novo México e um terreno equivalente a um bairro no Havaí.
Após fuçar na internet e se encantar por um terreno inspecionado por meio do Google Earth, mudou-se para Belize, na América Central.
Desde o dia 12 de novembro, McAfee, hoje com 67 anos, está foragido das autoridades belizenses, que querem interrogá-lo sobre a morte de um vizinho dele, um americano encontrado com um tiro na testa numa casa a 300 metros de sua principal propriedade no país.
O "guru do antivírus", como o trata a imprensa americana, alega não ter nada a ver com o crime e que fugiu porque está sendo perseguido pelo governo, pela polícia e pelos traficantes locais. Ele já vinha tendo embates com as forças policiais.
Na madrugada de 30 de abril, 31 homens de um grupo policial de elite do governo, treinado pelo FBI, haviam entrado em sua casa, rendido seus dez seguranças (o chefe deles já foi condenado 28 vezes) e levado McAfee num furgão para um presídio apelidado de A Casa da Urina.
A polícia suspeitava que ele estivesse fabricando drogas -o que não conseguiram comprovar. McAfee diz ter ficado detido numa cela de três metros quadrados.
A AMANTE DE 17 ANOS
Joshua Davis, repórter especial da revista "Wired", foi a Belize conversar com McAfee em junho. Desde então, continuou investigando as peripécias dele no país, descritas no e-book "John McAfee's Last Stand", que colocou à venda na Amazon há uma semana.
Em entrevista à Folha, Davis diz que McAfee vivia nos últimos tempos com cinco mulheres belizenses em seu rancho de 10 mil metros quadrados. Todas aparentavam ter menos de 20 anos, e uma delas, uma prostituta de 17 anos chamada Amy Emshwiller, andava armada e já atirara contra o próprio McAfee.
Davis relata que ouviu uma conversa da garota na qual ela dizia que faria qualquer coisa contra quem mexesse com os cachorros da casa.
Gregory Viant Faull, o americano morto, era um dos vizinhos de McAfee que já havia prestado queixas formais na polícia contra os latidos dos 11 cães do empresário. Semanas antes de seu assassinato, quatro animais tinham morrido envenenados.
No blog que criou durante sua fuga, onde descreve episódios como o dia em que se escondeu na areia para fugir da polícia, McAfee tem criticado Davis. Diz que o jornalista traiu sua confiança e fez sensacionalismo ao publicar fotos dele segurando armas.
Nas imagens, o homem magro e alto de 67 anos aparece sem camisa, com tatuagens tribais à mostra na pele craquelada de sol, portando uma escopeta.
À ESPERA DE HOLLYWOOD
Uma versão "autorizada" por McAfee de suas aventuras em Belize está sendo feita em história em quadrinhos pelo desenhista Chad Essley, que também tem ajudado o empresário com seu blog.
Essley ainda está desenhando e escrevendo "The Hinterland", mas enviou à Folhaalgumas imagens inéditas condizentes com cenas descritas por Joshua Davis, como a imagem em que Emshwiller dispara contra McAfee em sua cama.
O quadrinista conta que conheceu o empresário por acaso, num fórum virtual, e que foi convidado por ele para passar um mês em Belize. McAfee queria que ele registrasse, em desenhos, as hostilidades que vinha sofrendo.
"Não aguentei ficar mais do que dez dias lá. Era tudo muito perigoso", diz Essley. Ele afirma já ter recebido ofertas de agentes literários e de estúdios para adaptar a HQ.
Não se sabe como a história vai acabar, já que o empresário se recusa a se entregar ou a sair do país, mas McAfee é, desde já, um personagem à espera de Hollywood.


VIDA EM BELIZE O CASO MCAFEE
MUDANÇA
John McAfee vende suas propriedades nos EUA e, em 2008, muda-se para Belize. Compra imóveis em Ambergris Caye e Orange Walk.
DETENÇÃO
Em busca de armas e drogas ilegais, a polícia de Belize prende McAfee em sua casa em Orange Walk, no dia 30 de abril deste ano. Horas depois, ele é solto, livre de acusações.
SUSPEITA E SUMIÇO
Gregory Viant Faull, 52, é encontrado morto dentro de sua casa em Ambergris Caye, em 11 de novembro. McAfee, seu vizinho e desafeto, passa ser considerado suspeito e a ser procurado pela polícia. Em uma entrevista, McAfee diz estar escondido dentro de sua própria casa. A polícia, porém, não o encontra lá.
BLOG E TWITTER
No dia 17, McAfee inaugura seu blog (whoismcafee.com). Depois, abre uma conta no Twitter (@officialmcafee).

    Gestão por indicadores - Renato Janine Ribeiro


    Cidadãos precisam acompanhar avanços do Estado


    Duas histórias, para começar. Na década de 1920, o escritor e político Humberto de Campos visita, no Maranhão, um hospital de leprosos. Fica impressionado com o atendimento, apesar da escassez de dinheiro. Procura o presidente da República, Washington Luiz (vejam o simbolismo: o último mandatário da República Velha), e lhe pede cem contos de réis para o leprosário. O presidente reconhece o mérito, mas recusa. Humberto baixa o pedido, e Washington Luiz: "Nem cinco [contos]. Porque, se der para um Estado, tenho que dar para todos".

    A outra história: conta-se que José Serra, ao assumir a pasta da Saúde - onde teve a realização mais prestigiada de sua carreira - teria pedido aos assessores uma planilha, mostrando as doenças que maiores males causam (mortes, sofrimento etc.) e quanto o governo gasta com cada uma. Dessa maneira, fica mais fácil ver onde o dinheiro público, sempre limitado, rende mais. A gestão dá um salto de qualidade.

    As duas histórias, separadas por setenta anos, mostram duas formas opostas - mesmo que ambas bem intencionadas - de atuar o governo nas áreas sociais. Na primeira, só sai dinheiro com padrinho. Por sorte do leprosário, um homem ilustre o conheceu. (Por azar, o presidente não foi convencido da prioridade do gasto...). Na segunda, não precisamos de padrinhos. O sistema de dados do governo já indica o que se deve priorizar. Mais que isso: no primeiro caso, o cobertor é sempre curto. Sem o favoritismo, nada funciona. Com ele, funciona só para alguns. No segundo caso, o cobertor é ajustado para evitar, ao menos, que se morra de frio. Há a intenção, mais que isso, a possibilidade de garantir uma cobertura social universal - ou quase.

    Em outros tempos, só conhecia as coisas quem as enxergasse. Hoje, com o avanço nas comunicações e, finalmente, a Internet, podemos ter dados adequados sobre educação, saúde, estradas, enfim, sobre quase tudo o necessário para a gestão. Se Humberto de Campos não visitasse o hospital, ninguém saberia dele. Hoje, saberia mesmo a distância. No passado, não era só questão de favor ou proteção. Era questão de simples conhecimento. Hoje, podemos conhecer tudo o que importa. E além disso, ao contrário do presidente para quem a questão social era um caso de polícia, ela se tornou central na missão do Estado.

    A chave para sair da miopia, do clientelismo, do favor e do tratamento desigual é antes de tudo um sistema de dados. É preciso o poder público ter informações corretas para agir. Depois disso, é definir as prioridades e ir à luta. Vejam os programas sociais. Substituem, com vantagem, as cestas básicas que os governos davam por meio de políticos locais. Hoje, cada vez mais os programas de complementação de renda informatizam dados e os aplicam segundo critérios definidos. Ou vejam o que os auditores do Tribunal de Contas descobriram em 2009: que 1700 beneficiários do Pro-Uni eram donos de carros novos. Para chegarem a esse dado, cruzaram os nomes do Pro-Uni com os do Renavam, o cadastro nacional de veículos. Obviamente, essas pessoas não mereciam ser bolsistas. Seguramente, os gestores do Pro-Uni não foram desonestos ao lhes darem bolsas, mas o TCU mostrou competência raras vezes vista ao criticar erros na concessão.

    Isso não é tecnocracia. Os critérios continuam sendo políticos. Mas têm de ser explicitados. Por exemplo, a complementação de renda pode exigir que os filhos estudem, que as grávidas façam exame pré-natal, que o desempregado ou subempregado faça treinamento. Essas condições são políticas, mas não partidárias ou politiqueiras. E os portais de transparência permitem ver se estão sendo seguidas - ou não. Esses são avanços monumentais na gestão e, também, na democracia.

    O importante é que esses progressos não são de um partido só. Ocorrem na esfera federal, em muitos Estados e municípios. Foram se tornando regra, creio eu, desde o governo FHC. O PT deu-lhes continuidade. Vejam o exemplo do Provão, o exame nacional de cursos universitários, que permite que os vestibulandos e suas famílias saibam a qualidade da faculdade tentada. O PT se opôs a ele enquanto era oposição, mas aprimorou-o, com o Enade, uma vez no governo. Os avanços de que falo constituem políticas de Estado.

    Mas há um grande senão nisso tudo. Ou dois. O primeiro é que nem sempre a mídia acompanha o que acontece. O segundo é que a sociedade não acompanha mesmo. A imprensa por vezes usa os dados para avaliar avanços e recuos do Brasil. Os grandes jornais são atentos aos mapas da exclusão social e da violência. O Valor vai mais longe, na avaliação fundada em dados, talvez por ter um público que entende de economia e, portanto, de planilhas. Mas o debate essencial na mídia, sobre os governantes eleitos, não leva em conta os dados de melhora ou piora da saúde e educação.

    O pior mesmo é que os eleitores mal têm ideia disso tudo. Quem sabe do Ideb, o indicador de desenvolvimento da educação brasileira, talvez o maior feito do governo passado na educação? É mais fácil falar de corrupção. Então, ficamos com uma visão impressionista e maledicente da política, por parte de quem deveria controlá-la, os eleitores; um acompanhamento limitado da gestão, pela mídia; e um Estado - insisto, não só o federal, mas nas três instâncias de governo - que a sociedade nem sabe direito o que ele faz. Nosso Estado é provavelmente melhor do que imaginamos. Mas, para saber disso e controlá-lo, precisamos nos esforçar por entender o que ele está fazendo. Ele avançou mais do que nós. Meios para conhecê-lo há. Temos que nos dar a este trabalho.

    Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

    Duas telas para a vitória - André Conti


    As primeiras horas com o Wii U foram mais que divertidas; a Nintendo está no caminho certo
    Quem jogava na década de 80 dificilmente escapou do Game & Watch, da Nintendo. Precursor dos portáteis, cada Game & Watch rodava apenas um jogo, mas o grande barato era a tela dupla.
    Com todas as limitações técnicas da tela de LCD, a Nintendo conseguiu espremer o máximo possível da tecnologia, usando seu maior diferencial: a criatividade.
    Assim, em "Donkey Kong", por exemplo, as telas eram continuações uma da outra, formando o prédio atacado pelo gorila. Já em "Oil Panic", você controlava um sujeito tentando conter as goteiras na tela de cima, enquanto despejava as panelas na tela de baixo, tentando não acertar os transeuntes.
    Foram quase 25 anos até que a Nintendo voltasse à tela dupla, desta vez com o portátil DS. Por fora, ele parecia exatamente um Game & Watch. Mas o sucessor do Game Boy Advance adicionou à fórmula uma tela sensível ao toque, e se tornou um dos consoles mais vendidos de todos os tempos.
    Ainda acho o DS a grande ideia da Nintendo. A variedade de jogos era aterradora. Alguns usavam a tela de baixo como mero apetrecho (para itens, mapas etc.). Em outros, tudo era controlado por baixo, usando a caneta. Em alguns jogos, como "Hotel Dusk", o usuário virava o DS de lado, como um livro. E por aí vai.
    Agora, com o Wii U, sucessor do Wii, a Nintendo aposta numa radicalização do conceito de tela dupla. O novo videogame, feito para ser usado em televisões, incorpora uma segunda tela ao próprio controle, sensível ao toque como a do DS.
    A vantagem imediata é a possibilidade de se jogar qualquer título na própria tela do controle, liberando a televisão. Nesse sentido, a tela é bastante competente: embora não seja HD, a imagem é nítida e colorida, e não há atraso na ação, tornando a experiência bastante fluida.
    Mas o que vai determinar o sucesso do Wii U é o uso que os jogos podem fazer da segunda tela.
    Em um dos minigames de "Nintendo Land", que acompanha a versão Deluxe do console, até cinco jogadores disputam uma partida de pega-pega. O jogador que fica com o controle com tela é capaz de ver o mapa da imagem geral, enquanto os perseguidores ficam com um campo de visão limitado.
    Claro que a Nintendo sempre sabe explorar seus apetrechos. Os jogos de outras empresas, no entanto, ainda não encontraram o caminho, pelo menos nesses lançamentos iniciais.
    O problema para a Nintendo é que o Wii U é menos óbvio que o Wii. "Wii Sports" era um jogo simples mas imediatamente divertido, que ainda mostrava bem o funcionamento do console. Os jogos de "Nintendo Land" são mais complexos e menos imediatos, o que pode afastar o público casual.
    Ao mesmo tempo, os gráficos melhores e os acordos com as produtoras de fora, parte da estratégia que visa trazer de volta o usuário assíduo -hoje em PCs, PS3 e Xbox 360-, não podem ficar no meio do caminho, como esses títulos iniciais indicam.
    Mesmo assim, minhas primeiras horas com o Wii U foram mais que divertidas. Nos melhores momentos, lembrou que telas duplas só são tão boas quanto os jogos. Se souber equilibrar os dois públicos, a Nintendo está no caminho certo.

    Quadrinhos


    CHICLETE COM BANANA      ANGELI

    ANGELI
    PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

    LAERTE
    DAIQUIRI      CACO GALHARDO

    CACO GALHARDO
    NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
    FERNANDO GONSALES
    MUNDO MONSTRO      ADÃO

    ADÃO
    PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

    ALLAN SIEBER
    GARFIELD      JIM DAVIS

    JIM DAVIS
    MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

     

    ALCIONE ARAÚJO - Vale a pena?

    20/09/2010
    Estado de Minas

    Dia desses, zapeando canais na TV, dei com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, sendo entrevistado ao vivo no programa Roda viva, da TV Cultura/SP. Lúcido e sereno aos 75 anos, falou do início da carreira, ainda garoto, da longa trajetória como executivo de emissoras de televisão, das estratégias para implantar um modelo de programação em rede nacional, dos métodos para alcançar a audiência que tem hoje a TV Globo, da qual está afastado desde 1997.

    Embora o entrevistado estivesse inspirado, as perguntas dispersivas tiravam o foco ou ficavam redundantes, ao menos para quem conhece o ramo.

    Mas, no final, surgiu o inesperado, a fagulha de poesia e humanidade –o que interessa, enfim! Indagado se,com a idade, estaria mais alegre ou mais triste,Boni responde mais ou menos o seguinte: “A alegria seria um processo de mascarar a realidade; estando vivo, você pode ter,e deve ter, momentos de alegria e tristeza. Mas, a vida, como um todo,é assustadora. Outro dia, estava falando com minha mãe, que tem 94 anos,e ela me disse: ‘Meu filho,não quero me queixar de nada. A vida foi maravilhosa.

    Mas não vale a pena.’”Seu humor não exclui pungente emoção.A poesia e a filosofia nascem do choque do banal com o transcendental.

    As inesperadas falas finais lançaram sem querer um programa trivial ao cerne de uma questão filosófica. Espanta num executivo afeito a decisões rápidas à luz de pesquisa de opinião, no fogo da guerra de audiência, atado a orçamentos, visão estratégica e limites de programação! Função para alguém sovado em gestão de crise, com energia, disposição, nervos de aço, coragem, ousadia e truculência. Mas, quando a vida se acumula, a reflexão é espontâneaenatural, vem no olhar.

    Difícil discordar que a vida é assustadora. Basta pensar no imponderável absurdo de dois momentos apenas. Entre o nada-anterior e o óvulofecundado, entre o não-ser e o ser. É assustador não consultar o-que-virá se ele quer vir. Consulta de resto impossível por não ter a quem fazê-la. E se, por absurdo, tivesse,comque critério o-que-virá iria responder? Passamos por essa etapa, e aqui estamos, à espera do segundo momento: entre a vida-presente e o nada-que-virá, entre o ser e o exser.

    É assustador não nos consultar se queremos ir.

    Consulta de resto impossível, por não ter quem a faça.Ese, por absurdo, tivesse, por que nos perguntaria? É assustador estarà mercê de, súbito, mudarmos de etapa. É também assustador que, há zilhões de anos por aqui, não tenhamos assimilado nossa finitude,e chamarmos de assustadora a uma etapa de ciclo sabido natural.

    A vida vale a pena, a dor,o sofrimento de viver? Avaliar, do alto de 94 anos, que,embora maravilhosa, a vida não vale a pena, diverte e, ao mesmo tempo, deixa embatucado, entre surpreso e desapontado.

    É engraçado viver tanto e, afinal, achar que não valeu a pena. Sugere que foram grandes as expectativas e enormes as exigências de quem, comparativamente, parece ter sido privilegiada. Ou, quem sabe, não oculta sutil pedido de compensação em eventual vida futura! Comparações e aparências nada significam nesse caso. Nascimento, vida e morte são pessoais, e de percepções subjetivas. Somos ilhas num mar que nos separa. Mas desaponta quando se vai cedo de uma vida que nem sempre foi maravilhosa, sem sequer ter tempo de saber se valeu a pena – prova de que a vida não é justa! A vida é assustadora e, por isso, maravilhosa.

    Uma vez vivo, é só vivê-la. O instinto vence o medo e a vivemos quase como se fosse eterna – até que o fim a surpreenda. E quando ele chega, a perda é tão absoluta que já não vive o único ser capaz de a avaliar. Por isso, não faz sentido indagar se a vida vale a pena! E, convenhamos, há alguma alternativa a essa vida, por mais assustadora que seja?

    Escancarando a alma - Sérgio Rodrigo Reis‏

    Nome do primeiro escalão da música popular brasileira, a cantora Marina Lima abre o coração no livro Maneira de ser. Esta é sua primeira experiência com a literatura 

    Sérgio Rodrigo Reis
    Estado de Minas: 26/11/2012 

    Uma noticia ruim para os fãs: Marina não pensa em gravar

    A cantora Marina Lima confessa que nos últimos anos viveu numa zona de desconforto. “Precisava produzir, tinha várias coisas ruminando e não via perspectiva”, diz. “Foi quando abri uma porta e fui”, conta, falando do momento em que resolveu mudar-se do Rio de Janeiro para São Paulo, e encontrou o que procurava: novos e velhos amigos, outros assuntos e, acima de tudo, trabalho. O clima favorável veio junto a um desafio: escrever um livro. “Tentei que fosse de partituras, mas não quiseram. A mudança e as pessoas ao meu lado me encorajaram e resolvi fazer.” Maneira de ser (232 páginas, R$ 53), título da primeira canção da artista, batiza sua estreia na literatura.

    O livro, lançado pela Editora Língua Geral, é uma publicação diferente. Marina Lima aparece em capítulos, em grande parte apresentados pelos títulos de suas canções: Criança, eu sei; Charme do mundo; Um homem pra chamar de seu e Pra terminar. Também se revela em textos confessionais que falam da mãe, pai e irmãos, imprensa, moda e, é claro, sua música. Mas é bom deixar claro que não se trata de uma biografia. Não era a intenção. O desejo da cantora era criar um caderno íntimo, filtrado pelo afeto. “Desde pequena entrei em contato com a angústia, o limite, a falta e o medo. Isso se traduziu numa sensação de não pertencimento a lugar algum. (...) E essa se tornou uma questão central na minha vida.”

    Polêmicas – ou melhor verdades – fazem parte da vida da artista. O livro não evita assuntos delicados. “O que menos se deseja, tanto homossexuais quanto, acredito, negros também, é um sentimento de piedade. O jogo virou”, avisa. Também não ignora temas ásperos, como quando foi acusada de se vender ao mercado fonográfico ao gravar Uma noite e meia. “Essa música, de certa maneira, foi precursora do axé. Uma coisa totalmente vira-lata, que o povo adorou, mas muitos jornalistas viraram a cara. Acharam vulgar. E me vi tantas vezes justificando o fato de tê-la gravado, que comecei a encher o saco. Não fazia sentido ter que provar, a cada entrevista, que não estava me prostituindo ou que não era uma aproveitadora musical.”

    Marina está feliz com a fase escritora. Está satisfeita com a repercussão do livro e cuidando pessoalmente de trabalhar este outro lado da carreira. Pelo menos de imediato não espera lançar novo disco. “Não estou bem certa de que as pessoas estão querendo novamente me ouvir”, resigna-se. Porém, adianta que não deve demorar tanto. Sobre o momento atual, resume numa imagem: “Se fosse um cachorro, neste instante estaria abanando o rabo (ri)”. 

    COM A PALAVRA
    A artista se define e conta o que a motivou a escrever


    PERFIL
    “Marina Correia Lima, carioca, cantora e compositora brasileira, nascida em 1955, filha dos piauienses Ewaldo e Amélia. Autora de inúmeros sucessos na música brasileira. Morou grande parte da vida no Rio de Janeiro e, atualmente, reside em São Paulo. Maneira de ser é o título da primeira canção que compôs, e também do seu primeiro disco.”

    ALTERNATIVAS
    “Não sou a típica carioca e tenho a ver com o lado atípico da cidade. Tem pessoas como eu que acabam sem espaço lá. São Paulo se abriu para mim e me mantém excitada. O lugar que busquei encontrei. Mas tinha alguns detalhes que, na prática, não sabia, como conviver com a poluição. Fico chateada porque os paulistas e nós que vivemos aqui não merecemos. Alguém tem que cuidar disso e tem jeito. As pessoas passam à margem, como se não tivesse saída. Claro que tem!”

    MEDOS
    “Hoje, o que me dá medo é não mais me perder. Não voltar a amar. É me sentir só demais. Por enquanto ainda não devo voltar com a parceria musical com o meu irmão Cícero. Mas já existe uma aproximação entre nós. O livro permitiu isso. Não gostaria de falar da intimidade porque não quero cometer uma indiscrição que ele possa não gostar. Não tenho nada a queixar dele em público: é a única pessoa que restou em minha família.”

    SAUDADE
    “O mais difícil ao escrever o livro foi encontrar o tom certo para a carta que escrevo para minha mãe, que morreu há alguns anos. Ali queria ser somente filha. Não queria ser piegas, não me interessava. Ao mesmo tempo, tenho uma loucura por ela.”

    A vida nas telas - Ana Clara Brant‏

    Cinema brasileiro aposta no filão das biografias. Sucesso de produções como 2 filhos de Francisco e Gonzaga - De pai para filho justificam o investimento 

    Ana Clara Brant
    Estado de Minas: 26/11/2012 
    Provavelmente, um dos primeiros filmes biográficos feitos no Brasil é Tico-tico no fubá, de 1952, sobre o compositor Zequinha de Abreu. Produzido pela Companhia Vera Cruz e com direção de Adolfo Celi, o longa-metragem tinha Anselmo Duarte no papel do protagonista e Tônia Carrero como Branca, a grande paixão de Zequinha. Desde então, vez por outra as chamadas cinebiografias apareciam nas telas pelo país, mas nos últimos anos, especialmente depois da retomada do cinema nacional, em 1994, com Carlota Joaquina, princesa do Brazil – apesar da forma polêmica que retratou a família real portuguesa e narrou a trajetória da espanhola que se casou com o herdeiro do trono, dom João VI –, esse gênero passou a ser mais explorado. O público do cinema já pôde conhecer mais a fundo personalidades como Cazuza, Heitor Villa-Lobos, Chico Xavier, Zuzu Angel, Olga Benário, Garrincha, Heleno de Freitas, o ex-presidente Lula e até Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha. 

    Responsável por um dos filmes biográficos de maior sucesso da história do cinema brasileiro, 2 filhos de Francisco – A história de Zezé di Camargo e Luciano, o diretor Breno Silveira lançou recentemente Gonzaga – De pai pra filho, que mostra a conturbada relação entre Gonzagão e Gonzaguinha e que já bateu o público de 1 milhão de espectadores. E o diretor avisa: sua próxima empreitada deve ser mais uma cinebiografia, mas ainda não definiu sobre quem. “Tenho vários projetos interessantes. Algumas biografias estão comigo há anos, como a do navegador Amyr Klink, que pretendo fazer algum dia e que, inclusive, cheguei a escrever o roteiro, assim como a do Éder Jofre; e tem também a história do Lampião, que me fascina bastante”, diz.

    Breno conta que, quando filmou 2 filhos de Francisco, não queria produzir algo semelhante tão cedo, mas começou a perceber o quanto o assunto é instigante e como é importante para um país conhecer a sua própria história e seus personagens. “E a biografia serve a esse propósito. O Brasil é um país muito novo e carente disso. O cinema mundial investe nesse filão há muito tempo e acho extremamente válido esse movimento por aqui. É bom pra gente se entender”, acredita. 
    O cineasta acrescenta que há muitos desafios quando se embarca em iniciativas como a de Gonzaga ou 2 filhos de Francisco, até porque cada um narra o seu ponto de vista e o aprofundamento é mais intenso. Mas o que deve importar é mostrar o personagem da maneira como ele realmente é. “Biografia é sempre mais complicado de fazer do que outro tipo de filme. É difícil ser completamente fiel às datas; tem sempre um questionando se aconteceu em tal dia ou não. Todo mundo tem a sua própria história na cabeça.” 

    “No caso de 2 filhos de Francisco“, lembra Breno Slveira, “o Zezé contava de um jeito, o Luciano de outro, o seu Francisco tinha uma versão totalmente distinta. Não que eles estejam errados, mas as pessoas têm visões diferentes sobre a mesma coisa. O que conta é entender um pouco o conteúdo e a alma desses personagens. É isso que a gente não pode trair. Os detalhes não importam”, destaca.

    Emoção Quem também está envolto com uma grande história é o diretor, produtor e roteirista Antônio Carlos da Fontoura que acaba de finalizar Somos tão jovens, ainda sem data de estreia, e que vai mostrar como Júnior se transformou em Renato Russo, o maior mito do rock brasileiro. A produção, que tem Thiago Mendonça como protagonista – o ator já interpretou outra figura da vida real, o sertanejo Luciano – mostra a Brasília de 1976 a 1982, quando começaram a surgir bandas como Aborto Elétrico e Legião Urbana, e o papel de Renato Manfredini nesse processo. 

    “Ele é o motor de toda aquela turma da capital federal que tinha gente como Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá, Dinho Ouro Preto”, justifica Fontoura. “Já tivemos documentários sobre ele, mas é o primeiro e único filme já feito sobre o Renato Russo até hoje. Sinto uma responsabilidade e um desafio enormes, porque é impressionante como o Renato abraçou todas as gerações. Os fãs já estão em polvorosa com o lançamento do filme; jovens que nem conheceram o Renato vivo. É a história de um mito.”

    A ideia do longa partiu do empresário musical Luiz Fernando Borges, um dos amigos mais próximos do roqueiro e que, aliás, também assina o roteiro de Somos tão jovens. Antônio Carlos da Fontoura ressalta que Borges foi quem o uniu aos Manfredini e isso foi essencial para o resultado final da produção, que conta com o aval da família. “A mãe, dona Maria do Carmo, a irmã Carmem Teresa e o filho Giuliano assistiram a algumas cenas e se emocionaram, principalmente com a performance do Thiago, que está impressionante. Ele canta, toca de verdade e incorporou o Renato. Todos ajudaram, e a Carmem e o Giuliano fazem até uma pontinha no filme”, revela Fontoura. 

    POLêMICAS
    Um projeto de lei de autoria do deputado Newton Lima (PT/SP) pode permitir que o leitor brasileiro tenha acesso irrestrito 
    a informações biográficas de figuras públicas. A proposição, aprovada pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e que está na agenda para ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça, visa ampliar a liberdade de expressão, a informação e o acesso à cultura e alterar os artigos 20 e 21 do Código Civil, que hoje permitem a parentes, herdeiros ou qualquer pessoa citada no texto requerer a não publicação de informações consideradas indevidas. O tema tem provocado controvérsias. O diretor Breno Silveira acredita que o assunto deve sim ser debatido, mas admite não ter opinião formada. “A questão do direito autoral ainda está meio confusa, é complexa. Temos que debater sim, mas não sou nem a favor do atual formato e nem do que está sendo proposto”, resume.

    O QUE VEM POR AÍ
    Renato Russo (Somos tão jovens)
    Marina Silva (Marina e o tempo)
    João Carlos Martins (João)
    Irmã Dulce (Irmã Dulce)
    Zé do Caixão (Maldito)
    Tim Maia (Tim Maia)
    Elizabeth Bishop e Lota de Macedo     de Moraes (Flores raras)
    Frank Aguiar (Os sonhos de um sonhador – A história de Frank Aguiar)
    Joãosinho Trinta (Trinta)
    Nise da Silveira
    Elis Regina
    Pixinguinha
    Ayrton Senna

    História de uma pioneira 
    Ana Clara Brant
    Outro projeto que deve chegar às telas em breve é a ficção baseada na vida de Nise da Silveira (1905–1999). Discípula de Carl Jung, a médica alagoana dedicou sua vida à psiquiatria e manifestou-se radicalmente contra as formas agressivas de tratamento de sua época, como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque e lobotomia. A dra. Nise da Silveira foi a primeira mulher a assumir o cargo de psiquiatra no Hospital da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. 

    A produção marca a estreia de Roberto Berliner em longa-metragem de ficção, ele que é conhecido por seu trabalho com documentários. O filme ainda não tem título, mas no papel principal está a atriz Glória Pires. “A história dela merecia esse registro porque é sensacional. É uma heroína que desenvolvia um trabalho pioneiro na psiquiatria em uma sociedade extremamente machista”, resume o cineasta, que também foi produtor de outra cinebiografia, Bruna Surfistinha.

    Berliner diz que, como é um documentarista, gosta muito do real e de histórias das pessoas que realmente existiram e que muitas vezes são tão incríveis que nem os roteiristas seriam capazes de criar personagens tão intensos e completos. “Acho que a gente precisa exaltar as grandes figuras da nossa história. Os filmes permitem isso, e a plateia acaba ficando encantada com o que vê. Nem imagina que existam pessoas tão fantásticas e que de fato existiram”, afirma.

    Palavra de especialista
    Literatura contribui
    Paulo Sérgio Almeida
    cineasta e diretor da empresa Filme B

    “Filmes baseados em biografias sempre deram bons resultados. De uns anos para cá, esse fenômeno se intensificou devido ao sucesso de livros que se tornaram verdadeiros best-sellers. O roteirista já pega praticamente pronta uma história. O cinema vem acompanhando os lançamentos editoriais. A vida de uma pessoa conhecida sempre atraiu público porque geralmente ela já tem um séquito de fãs e uma histórica rica. É um filão muito bem explorado tanto no cinema brasileiro como no norte-americano. Produzir cinebiografias faz um bem enorme à memória nacional e ao país porque possibilita tornar pública a vida e a obra de figuras que muitas vezes ficariam no ostracismo. Ou até mesmo permite revelar um lado pouco conhecido de ídolos, como Gonzagão e Gonzaguinha, citando um exemplo mais recente. Temos uma dívida enorme com outros personagens importantes e por isso acho que o cinema deve explorar ainda mais esse filão. O mercado e o público sempre aprovam e agradecem.”