sábado, 17 de novembro de 2012

Cientista de 80 anos lidera grupo que repensa a computação


Cientista de 80 anos lidera grupo que repensa a computação

JOHN MARKOFF
DO "NEW YORK TIMES", EM MENLO PARK (EUA)

The New York TimesMuitas pessoas citam o aforismo de Albert Einstein "Tudo deve ser feito da maneira a mais simples possível, mas não mais simples do que isso". No entanto, poucas tiveram a oportunidade de discutir essa ideia com o físico durante o café da manhã.
Uma delas é Peter G. Neumann, 80, um cientista da computação que trabalha na SRI International, um laboratório pioneiro de pesquisa em engenharia.
Jim Wilson/The New York Times
Peter G. Neumann, 80, na SRI International, localizada na cidade californiana de Menlo Park
Peter G. Neumann, 80, na SRI International, localizada na cidade californiana de Menlo Park
Como aluno de matemática aplicada na Universidade Harvard, o doutor Neumann teve um café da manhã de duas horas com Einstein em 8 de novembro de 1952. O que ele aprendeu com a experiência foi uma filosofia que é o seu princípio em segurança da computação.
ERROS ANTIGOS
Durante muitos anos, o doutor Neumann disse incansavelmente que a indústria de computadores tende a repetir antigos erros. Como importante especialista em segurança de computadores, ele previu que as falhas de segurança que acompanharam a explosão do computador e da internet teriam consequências desastrosas.
"Sua maior contribuição é salientar a natureza sistêmica dos problemas de segurança e confiabilidade", disse Steven M. Bellovin, diretor de tecnologia da Comissão Federal de Comércio. "Isto é, os problemas ocorrem não por causa de uma falha, mas por causa do modo como muitas peças diferentes interagem."
Bellovin disse que foi Neumann quem lhe deu a percepção de que sistemas complexos falham de maneiras complexas e de que a crescente complexidade dos hardwares e softwares modernos tornou virtualmente impossível identificar as falhas de vulnerabilidade nos sistemas de computadores e garantir sua segurança.
A consequência é uma epidemia de malwares e crescentes preocupações sobre se uma guerra cibernética será uma ameaça à segurança global.
SOLUÇÕES SUJAS
Neumann lidera uma iniciativa para repensar completamente como tornar os computadores e as redes seguros, um projeto financiado pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa do Pentágono (Darpa, na sigla em inglês).
"A maioria das autoridades não querem ouvir falar em complexidade", disse Neumann. "Elas estão interessadas em soluções rápidas e sujas."
Hoje a segurança da computação é uma indústria de bilhões de dólares, mas de competência dúbia. Neumann diz que a única solução funcional e completa para a crise de segurança dos computadores é estudar a pesquisa do último meio século, apanhar as melhores ideias e então construir algo novo a partir do zero.
Richard A. Clarke, um ex-diretor de contraterrorismo americano, concorda que a iniciativa "Clean Slate" de Neumann é essencial.
O programa do doutor Neumann inclui dois esforços relacionados: o Crash (sigla de Projeto a Partir do Zero de Anfitriões Seguros Adaptativos Resistentes) e o MRC (Nuvens Resistentes Orientadas para Missões).
DO ZERO
A ideia é reconsiderar totalmente a computação, desde as placas de silício em que os circuitos são gravados até os aplicativos acionados pelos usuários, assim como os serviços que colocam cada vez mais dados privados e pessoais em centros de dados remotos.
Para combater a uniformidade em software, os projetistas agora seguem uma variedade de abordagens que tornam os recursos de sistemas de computação alvos móveis. O projeto Clean Slate está criando um software que muda de forma constantemente para iludir os supostos atacantes.
O fato de a internet permitir que quase qualquer computador do mundo se conecte diretamente a qualquer outro possibilita que um atacante que identifique uma única vulnerabilidade possa quase instantaneamente comprometer um vasto número de sistemas.
Mas o doutor Neumann nota que as entidades biológicas têm diversos sistemas imunológicos. Não apenas existem as barreiras iniciais, mas um segundo sistema que consiste em sentinelas como as células T, que podem detectar e eliminar invasores e então lembrar-se deles para fornecer proteção no futuro.
Jim Wilson/The New York Times
"Autoridades não querem falar em complexidade. Estão interessados em soluções rápidas e sujas", diz Neumann
"Autoridades não querem falar em complexidade. Estão interessados em soluções rápidas e sujas", diz Neumann
Uma abordagem que a equipe do doutor Neumann está seguindo é conhecida como arquitetura rotulada ("tagged"). De fato, cada pedaço de dado no sistema experimental deve conter um código criptográfico, garantindo que é confiável para o sistema. Se os dados ou os papéis do programa não estiverem em ordem, o computador não os processará.
Para Neumann, uma grande frustração é ver problemas que foram solucionados há quatro décadas ainda perturbarem o mundo da computação. Sua conversa com Einstein foi o início de um romance durante toda a vida com a beleza e os perigos da complexidade.
"O que o senhor acha de Johannes Brahms?", o doutor Neumann perguntou ao físico. Einstein respondeu: "Acho que Brahms estava trabalhando até tarde tentando ser complicado".

Quadrinhos


PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE


CASO BRUNO JULGAMENTO » Apoio na hora decisiva - Paula Sarapu‏

Parentes dos réus acusados da morte de Eliza Samudio vão acompanhar o julgamento que começa segunda-feira. Quanto a Bruno, apenas sua noiva, Ingrid Calheiros, estará presente 

Paula Sarapu
Na contagem regressiva para o julgamento mais esperado de Minas Gerais, testemunhas, acusados e seus familiares já começam a se preparar. Ontem, Fernanda Gomes de Castro, ex-namorada do goleiro Bruno Fernandes, acusada do sequestro e cárcere privado de Eliza Samudio e do bebê Bruninho, se hospedou em Contagem, onde ocorre o júri a partir de segunda-feira. Apesar do direito de ter dois parentes no auditório do Fórum, Fernanda veio do Rio de Janeiro acompanhada apenas da mãe, Solange de Jesus Gomes de Castro. Os dois filhos adolescentes da moça ficaram no Rio, onde ela mora. A noiva do goleiro, Ingrid Calheiros, também já desembarcou na capital mineira. Segundo o advogado Rui Pimenta, que representa o ex-craque rubro-negro, Bruno pediu que a família dele não acompanhasse o julgamento.

“Estive com ele no presídio ontem (quinta-feira) e ele achou melhor só a Ingrid ir ao Fórum. A avó dele, que foi quem o criou, é muito idosa e Bruno quis evitar mais exposição da família”, disse o advogado. “Mas ele está otimista e vai sair de lá pronto para comemorar”. Se depender da mãe de Eliza, Sônia Moura, isso não vai acontecer. Ela chega a Belo Horizonte na madrugada de segunda-feira, acompanhada de sua advogada. O bebê Bruninho ficará na casa dos sogros de Sônia, em Mato Grosso do Sul. “Quero que paguem pelo que fizeram e ainda tenho esperanças de recuperar os restos mortais da minha filha para enterrá-los”, disse Sônia, que será ouvida em plenário.

Da casa de Luiz Henrique Romão, o Macarrão, que carrega uma tatuagem nas costas em homenagem ao goleiro - feita inclusive no dia em que Eliza foi sequestrada - vão todos. Pais, avós e a esposa foram cadastrados pelo advogado Leonardo Diniz e eles vão se revezar. “Será um julgamento muito longo, não tinha como negar. Cada um ficará um pouquinho”, explicou Diniz. Segundo ele, Macarrão está tranquilo.

A ex-mulher de Bruno, Dayanne Rodrigues de Souza, que responde em liberdade por sequestro e cárcere privado do bebê Bruninho, deverá ir ao júri acompanhada de dois irmãos. Já a defesa do ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos criticou o número restrito de familiares. Bola está preso em São Joaquim de Bicas e, semana passada, foi absolvido no processo sobre o assassinato de um carcereiro, em 2000. “Sugerimos que eles se resolvessem entre eles, mas consideramos um absurdo que apenas dois parentes possam acompanhar o fim do processo e o recomeço da vida dele, por causa do grande número de jornalistas credenciados”, reclamou o advogado Fernando Magalhães.

Os advogados do ex-policial arrolaram como testemunha o perito Jorge Sanguinetti, contratado pela defesa durante as investigações para fazer perícia na casa de Bola. Ele afirma que não encontrou sinais de execução nem restos mortais da modelo. 

Na ausência das principais testemunhas, os primos do goleiro Sérgio Rosa Sales, morto em agosto, e J., que cumpriu medida socioeducativa e hoje integra um programa de proteção a pessoas ameaçadas de morte, três delegados que participaram das investigações e ouviram os depoimentos dos primos de Bruno serão ouvidos pelo juízo: Edson Moreira, que chefiava o Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa, e as delegadas Alessandra Escobar Vieira Wilke e Ana Maria dos Santos Paes da Costa. A acusação também requereu o depoimento do preso Jaílson Alves de Oliveira, que dividia cela com Bola e denunciou um plano do ex-policial civil de matar a juíza e outras autoridades envolvidas no caso. Segundo Jaílson, Bola teria admitido o crime.

 Do amor a morte em 14 meses


O goleiro Bruno Fernandes e Eliza Samudio se relacionaram por pouco mais de um ano, período suficiente para que eles passassem do amor ao ódio. Foram 14 meses de uma história de ameaças, extorsões e violência que culminou com o desaparecimento e a morte de Eliza e a prisão e indiciado de Bruno como mandante e coautor desses crimes.

Número um do mundo e tiete, Djokovic enfrenta 'experiência' de Guga no Rio


Número um do mundo e tiete, Djokovic enfrenta 'experiência' de Guga no Rio
Wagner Meier/Agif/Folhapress
Djokovic e Guga, em evento no Rio
Djokovic e Guga, em evento no Rio

DENISE LUNADO RIOAquele coração riscado no saibro, há 11 anos, é uma lembrança recorrente para Novak Djokovic, tenista número um do mundo. "O que eu mais me lembro é ele desenhando um coração na quadra. Aquilo me emocionou e inspirou muito", disse o sérvio, que está no Rio.
Hoje, ele enfrenta o autor daquela imagem: Gustavo Kuerten, que, na ocasião, desenhou o coração para celebrar seu terceiro título em Roland Garros, em 2001.
Eles se enfrentam às 18h30 (com SporTV 2) em exibição no Maracanãzinho.
Descontraídos, eles iniciaram ontem, na inauguração de uma quadra de tênis na Rocinha, uma maratona de eventos que termina amanhã com um jogo de futebol no Engenhão ao lado de ex-jogadores como Zico e Romário.
Trazido pelo compatriota Petkovic, ex-jogador de futebol, Djokovic deixou clara sua admiração por Guga, a quem conheceu em 2004, aos 17 anos, em Roland Garros: "Tenho até fotos com ele".
Assim como Guga, Djokovic ajudou a popularizar o tênis no seu país e mantém uma fundação para inserir crianças carentes no esporte.
Citando samba e lambada como seus ritmos brasileiros preferidos, Djokovic arriscou poucas palavras em português. Mas cantarolou com perfeição uma música. Ao entoar "Ai, se eu te pego", arrancou gargalhadas de Guga.
Aposentado em 2008, Guga disse saber que está em desvantagem. "Para amenizar a vantagem dele, tem a torcida e o saibro."
Djokovic o tranquilizou lembrando que Guga ganhou três vezes em Roland Garros, título que ele não tem. "Você é muito mais experiente do que eu", afirmou.

    Difícil arte de escolher - João Paulo‏

    Estado de Minas: 17/11/2012

    Quem não se lembra de uma antologia de contos que habitou a infância? Ou dos volumes com seleção de poemas que eram decorados, muitas vezes sem que o sentido fosse decifrado de todo? Caminho quase natural para introduzir os jovens na leitura, as antologias são livros especiais: com sede de universalidade, se alimentam sempre de uma intenção particular. Pode ser a obra de um artista, um gênero literário e até mesmo um tema, como as histórias de piratas, de terror ou de sexo. Os livros nos davam a impressão de que uma porta estava sendo aberta. 

    Pode parecer fácil organizar uma antologia, já que se trata de uma reunião de textos a partir de um elemento unificador. Bastaria juntar contos, trechos de romances ou poemas, deixando para o leitor o trabalho mais difícil, que é perceber o fio que une o sentido, que dá substância a uma ideia, que sintetiza o estilo de um autor. Muitas vezes é essa facilidade vicária que inspira as más antologias. Mas a exigência do leitor tem alinhado o mercado. Alguns exemplos recentes mostram como uma boa coletânea vale muitas vezes por uma obra original.

    Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop, com seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto (Editora Companhia das Letras, 410 páginas) é um volume precioso. A poesia de Elizabeth Bishop (1911-1979) não é fácil em seu sofisticado trato com a língua inglesa, e sua vida, muitas vezes, ficou resumida para os brasileiros à sua estada no país e ao relacionamento com a arquiteta Maria Carlota Costellat Macedo Soares, mais conhecida como Lota. 

    O tradutor Paulo Henriques Britto tinha, assim, um dupla tarefa: verter as poesias mais representativas de Bishop e apresentar aos leitores uma leitura de sua obra e das passagens mais significativas de sua vida. O livro cobre praticamente toda a trajetória poética da escritora, com poemas dos livros Norte e Sul, Uma primavera fria, Questões de viagem, Outros lugares, Obras dispersas, Geografia III, Poemas novos e dispersos e Poemas dispersos. A edição é bilingue, o que permite acompanhar as soluções encontradas pelo tradutor, e com notas sempre elucidativas e sem afetação.

    Completam a edição dois ensaios de Paulo Henriques Britto. O primeiro, “Elizabeth Bishop: os rigores do afeto”, é uma leitura erudita e compreensiva da obra da poeta, com interpretação em profundidade de alguns poemas marcantes da obra bishopiana, com análises sobre elementos técnicos da poética, integrados ao contexto histórico da realidade norte-americana e brasileira. 

    Paulo Henriques não se afasta das dificuldades estuda os poemas surrealistas de Elizabeth Bishop, entre eles o conhecido “The man-moth”. Entre os aspectos analisados estão a relação dos poemas com a materialidade do mundo, com a viagem subjetiva da escritora, com a presença da corporalidade em sua lírica. O tradutor insere ainda a obra de Bishop na tradição do alto modernismo, em diálogo com outros poetas contemporâneos, como Pound, Stevens, Elliot e Marianne Moore. 

    A habilidade em interligar de forma arguta a vida e a obra da escritora faz lembrar outros bons antologistas de poesia no Brasil, como José Paulo Paes e os irmãos Campos, que sempre fizeram a arte de apresentar novos escritores de outras culturas uma tarefa de civilização. Entrar em contato com a boa literatura mundial é uma operação ao mesmo tempo estética e política. 

    O segundo ensaio de Britto que integra a antologia é “Bishop no Brasil”. Trata-se de melhor apresentação da relação entre a escritora e o país, feita de forma sucinta e exata, com informações pessoais, depoimentos de contemporâneos, análise do contexto brasileiro (inclusive da ditadura civil-militar instaurada em 1964) e acerca da relação de amor e estranhamento entre Elizabeth Bishop e o Brasil, sobretudo com o jeito desleixado dos brasileiros, algo a que ela nunca se acostumou. 

    Com a ligação de Bishop com Ouro Preto o ensaio vai se aproximando do fim. A vida da poeta começa a mostrar sinais de instabilidade e sofrimento, coroados com o suicídio de Lota. A poeta volta ao seu país e organiza uma antologia sobre a poesia brasileira. Seus poemas do período são uma súmula da dubiedade de sua relação com o Brasil. Ela sempre se sentiu uma exilada entre nós.

    Prosa e poesia 

    Outras antologias que merecem atenção são A poesia das coisas simples (Editora Companhia das Letras, 254 páginas) que reúne crônicas de Moacyr Scliar (1937-2011), organizada por Regina Zilberman; e Antologia poética de Fernando Pessoa (Editora Casa da Palavra, 332 páginas), com organização, apresentação e ensaios de Cleonice Berardinelli.

    O livro sobre Moacyr Scliar faz justiça a um dos mais importantes escritores brasileiros do século 20 em um gênero no qual ele não costuma ser reconhecido. Mestre da narrativa de invenção, em romances e contos, Scliar ficou marcado por sua imaginação fantástica e pelo apego às formas ligadas à tradição das narrativa judaicas. Tudo isso parecia encaminhá-lo para um terreno que o afastava do cotidiano, como se fosse um escritor atado apenas à ficção e ao passado.

    Mas Scliar foi um escritor completo. Médico de formação e profissão, exerceu quase todos os gêneros literários, com exceção da poesia. Escreveu para jovens, romances históricos, ensaios, contos, ficção fantástica, narrativa realista e textos para a imprensa. Sua prosa sempre límpida e sua sabedoria humilde davam conta de todo tipo de assunto, da medicina à psicologia. Compôs, em seu estilo sempre translúcido, uma obra de mais de 70 volumes.

    O escritor foi também um cronista contumaz por mais de 40 anos. Regina Zilberman propõe em A poesia das coisas simples uma divisão em três grandes blocos. O primeiro, “Leituras, livros e literatura” é um exercício em torno da própria arte literária. Scliar dialoga com o leitor sobre literatura engajada, livros de cabeceira, histórias de guerra, tolerância, carnaval, Bíblia e política. A segunda seção, “Pessoas e personagens”, conversa sobre gente como Woody Allen, Paulo Coelho, George Orwell, Clarice Lispector, Olga Benário e até “o primeiro hippie”. A terceira parte reúne textos com a chancela de “Outras histórias”, e trata de temas variados, da culinária à política internacional. 

    Como todo bom judeu, Scliar acha graça do mundo porque sabe rir de si mesmo. Suas crônicas, mesmo as mais graves, carregam esse saudável hábito da desimportância do ego frente ao mundo. Por isso ele era capaz de ver a poesia das coisas simples. E talvez por isso suas crônicas comecem a ser valorizadas ao lado dos melhores cultores do mais brasileiro dos gêneros literários. A antologia de Regina Zilberman é um passo nesse caminho

    Por fim, é importante destacar a antologia organizada por Cleonice Berardinelli sobre a obra de Fernando Pessoa. Uma das maiores conhecedoras da obra do poeta português, Cleonice além de apresenta uma seleção impecável de toda a trajetória do escritor, ajuda a fixar o texto com seu conhecimento filológico e brinda o leitor com um conjunto de oito ensaios: “Fernando Pessoa: o eu profundo”, Fernando Pessoa: os vários eus”, “A presença da ausência em Fernando Pessoa”, “Pessoa e seus fantasmas”, “A polissêmica felicidade pessoana”, “O discurso inovador de Caeiro e Campos”, “Mestre, meu mestre querido” e “Recuperando um olhar sobre pessoa”. 

    Em três volumes, uma pequena estante que recupera a importância das antologias. 


    jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

    O ar necessário - André di Bernardi Batista Mendes‏

    Sentimental, livro do poeta Eucanaã Ferraz, mostra o talento de um dos destaques da literatura brasileira contemporânea 

    André di Bernardi Batista Mendes
    Estado de Minas: 17/11/2012 
    Bscando, de certa forma, um “entendimento das coisas”, mostrando domínio e serenidade, alegria e fúria, Eucanaã Ferraz lança Sentimental, seu sexto livro de poemas, e prova que é um dos grande nomes da literatura brasileira contemporânea. 

    Eucanaã é dono de uma poesia vigorosa. Como no belo “Les romanciers étrangers”. O escritor, com notável domínio narrativo, esquematiza e monta, com mãos de mestre, quase um conto, micro-história sobre o fim, sobre a dor de um relacionamento que, duramente, acaba. “Diante dela, parecia/ que se convertera em pedra,/ pedra inteiramente não,/ muro inteiramente muro.” Tem certas coisas que só a poesia alcança. E a poesia de Eucanaã reverbera para além do fato, iluminando sobras e sombras. O grave da situação repercute, apesar de ser dor, quando se transforma em verbo, quando o nada, o vazio, se transforma em verso. Sem medidas que adulem, sem vestes, sem definições, a poesia pulsa e transforma.

    Todo poeta deve ser, necessariamente, sentimental? A resposta não pode ser simples. A melancolia, a propensão para o triste, aquela doce tristeza (às vezes desnecessária, forçada) que embala tantos versos (às vezes desnecessários, forçados), tudo isso, para o bem da poesia, não deve tomar de assalto a alma de quem escreve ou lê o poema. O excesso de emoção por vezes pesa – e não acrescenta.

    Não é o caso de Eucanaã. Ele sabe, de sobra, que o buraco é mais embaixo, ele sabe que o mundo é feito de obscuridades. Ele trabalha no cerne do fogo, do instinto, produz e escreve com calma e respeito, pois sabe que a vida é irascível, e também cheia de fúria. O poeta se desdobra, em sol: “O coração// Quase só músculo a carne dura./ É preciso morder com força”. 

    Eucanaã encontra, em cada poema, uma espécie muito especial de síntese para atingir o máximo em termos de sentimento. É preciso, sim, fortes doses de sentimento, é preciso, sim, ser sentimental para enxergar o mundo, com outros olhos. Sofreguidão e avidez. A fome de uns não é a necessidade de outros. Inexistem zonas de conforto. Parir não é fácil. Como se não bastassem as flores, o poeta sabe, o poeta trabalha diante da nossa eterna míngua de víveres. Sentimento é ilha cercada de cinzas, mas poesia é barco e perdição. 

    Não é simples, o poeta vê a transparência da água, o verde da folha, o azul, o fascinante azul, como também soube enxergar o astronauta Yuri Gagarin, que muitos julgavam ser um mero idiota, segundo Eucanaã. É irresistível, incontornável, não se comover com luas e lobisomens, com antigas fotos, com “luvas velhas, furadas, que servem somente para fazer chorar.” “El laberinto de la soledade” é um de nossos grandes poemas. 

    O ato de escrever nunca foi um ato natural. Mas parece que a poesia, para Eucanaã, surge de forma espontânea, é quase inerente a vocação que o impulsiona, que o leva a conhecer, a fundar o mais que novo. “Há quem, secretamente e manso,/ das pedras e das flores ouça a voz.” O poeta empreende o mesmo périplo, tem o mesmo destino dos astronautas. A ciência dirá bem depois o que o artista sempre adivinha. Estrelas não são apenas estrelas. O céu nunca é o mesmo céu (a Terra continua azul), nem a Lua, nem o sal que existe em toda lágrima e no mar. 

    O poeta se vale também do número de obras e construções, vale-se da graça, da beleza e do sangue quente que corre nas coisas vivas. O poeta vale-se do adeus, do amor, vale-se da vida e da obra de muitos. Eucanaã presta bela homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen, quando “todas as palavras eram números mágicos”. O poema cumpre o seu périplo e o poeta, meio tonto, ébrio de nuvens, atinge o alvo: “Repare, Cícero, que os copos se tornam/ mais leves quando cheios de vinho”. 

    Eucanaã é sentimental para atingir o delicado. É preciso dizer tanto da pedra, do ar necessário. É preciso coragem e talento para aceitar as tramelas e querências de um coração sensível ao extremo. A linha que separa o bom do ruim é fina e intransigente. Em seu livro, Eucanaã soube dosar para beber numa fonte limpa, pura em termos de verbo e, claro, puro sentimento. 

    Sem misericórdia
     É preciso dizer e, no caso de Eucanaã, para o bem de todos e dele mesmo, ele o faz de forma sentimental. A poética de Eucanaã não parece que nasce do fácil, ela não vem das superfícies. O poeta, nesse caso, não se rende à comoção gratuita, fácil. Ele provoca o cão/vida para sentir a mordida inexorável, desprovida de misericórdias. Eucanaã busca entender, captar com o poder das mãos, ele busca o gosto que existe e o porquê das cores. O poeta examina, para melhor caber no abismo. 

    O amálgama poético de Eucanaã é feito de ferro e fogo, da “luz feroz do rosto” de certas pessoas, é feito da leveza das gaivotas, daquilo que não pode ser enviado pelos postais. O poeta rouba, pois a vida não dá. A poesia de Eucanaã tem “o rigor da simetria”, a dor afirmativa e forte dos oboés. A poesia de Eucanaã é recheada de mistérios e de dura estranheza. 

    Eucanaã nos ensina que o verso, a pequena palavra é a mínima (quase inexistente) peça pequenina, que, apesar de tudo, faz parte da grande máquina invisível que ordena e desordena todas as coisas e todos os sentidos. A poesia de Eucanaã é, de certa forma, diferente, instigante, sem deixar de ser elegante. Sua poesia incita, indica o algo mais que, ainda, existe, porque existem poetas.

    Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. É professor de literatura brasileira na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escreveu os livros de poemas Martelo (7 Letras), Rua do mundo (Companhia das Letras) e Cinemateca (Companhia das Letras). Organizou o livro O mundo não é chato (Companhia das Letras) com textos em prosa de Caetano Veloso, é coordenador editorial da Coleção Vinicius de Moraes e membro do conselho editorial da Coleção Carlos Drummond de Andrade.

    SENTIMENTAL
    • De Eucanaã Ferraz
    • Companhia das Letras, 96 páginas, R$ 32

    Filho mais velho (Marcelo Rubens Paiva) - Carlos Herculano Lopes‏

    Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, completa três décadas. Escritor lança coletânea de histórias e fala de sua relação com o cinema e o teatro 

    Carlos Herculano Lopes
    Estado de Minas: 17/11/2012 
    Um dos ícones da sua geração, pelo lançamento, há 30 anos, do autobiográfico Feliz ano velho, no qual conta de uma maneira crua e emocionante a história do acidente que o deixou tetraplégico, o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva, obviamente bem mais maduro e experiente, acaba de publicar o livro As verdades que ela não diz, que reúne contos e crônicas dos últimos 10 anos.

    Profissional organizado, que não costuma jogar fora nenhum escrito, Marcelo conta que, da última década para cá, foi colocando num arquivo, chamado Separações, um monte de escritos: trechos de filmes que não foram aproveitados, de peças que não foram encenadas, esboços de contos e crônicas, textos aleatórios e vai por aí, sem pensar muito se, no futuro, poderiam ou não ser aproveitados. 

    Isa Pessoa, da Editora Foz, ficou sabendo do processo e pediu para ler os originais. Não deu outra: gostou muito e propôs a Marcelo publicar um livro a partir daqueles guardados. “O que fiz, então, foi selecionar o que julgava melhor. Deu bastante trabalho para separar tudo aquilo. Algumas poucas histórias, é verdade, tinham sido publicadas na minha coluna no Estado de S. Paulo, no meu blog e algumas revistas. Mas a grande maioria era inédita e algumas coisas me surpreenderam”, conta Paiva.

    Bom para os leitores, que com o lançamento de As verdades que ela não diz poderão desfrutar de ótimas histórias que falam de traição e fidelidade, encontro e desencontro entre as pessoas, separação de casais, buscas e sonhos que podem ou não se realizar. Tudo escrito com bastante humor, numa linguagem moderna e com um diálogo impecável, que é uma das marcas registradas do escritor. 

    Nascido em São Paulo, em 1959, Marcelo Rubens Paiva, antes de sofrer o acidente que o deixou numa cadeira de rodas, com 20 anos, já havia passado por outro trauma terrível, quando tinha apenas 11: o desaparecimento e morte do seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva, que depois de ter sido sequestrado por agentes da ditadura civil-militar, no Rio, em janeiro de 1971, nunca mais foi encontrado. 

    Com 52 anos, autor de vários livros, roteirista de cinema e dramaturgo premiado, Marcelo Rubens Paiva vive em São Paulo.

    Há 30 anos, causando grande furor, você lançou Feliz ano velho, que virou peça de teatro, filme e foi traduzido para diversas línguas. O que o livro continua significando para você?

    Feliz ano velho é um filho que deu mais certo que o pai, ele fez tanto sucesso que o pai tem até um pouco de orgulho dele. Não prevemos nada, mas não é preciso dizer que ele foi muito importante para a minha vida pessoal, já que me introduziu numa carreira deslumbrante, como para uma geração que se viu representada.

    Foi muito doloroso se expor daquela maneira. Depois de Feliz ano velho, como você costuma falar de si próprio?


    Falo de mim através da ficção. Como na peça No retrovisor, em que abordo um deficiente físico que, no fundo, sou eu.

    E sua relação com o teatro e com o cinema, como tem andado? Costuma palpitar muito quando adaptam alguma coisa sua?
    Atualmente, me meto a dirigir minhas peças, uma nova doença que nasce. Não só palpito como sou eu quem escreve os roteiros. Nuns palpito mais, noutros nem acompanho a montagem, depende do coração aberto a palpites do diretor e produtor.

    E da adaptação para o cinema de E aí, comeu? Por que você acha que fez tanto sucesso?

    A peça já tinha sido um grande sucesso, de público e crítica, sabíamos que o filme também seria, porque retrata um ambiente de bar, em que a filosofia de vida é escrita com muito humor. 

    Seus textos são bem elaborados, os diálogos impecáveis. Costuma trabalhá-los muito, reescreve?

    Sim, reescrever é um vício, ainda mais com a facilidade de escrever e deixar textos nas nuvens, posso reescrevê-los até no metrô. Trabalho muito os diálogos, mas também é uma técnica construída na dramaturgia. Venho da escola teatral, onde se conta a trama, a psique dos personagens e os conflitos dramáticos através das falas. O narrador teatral não existe, é o diálogo.

    Como está vendo a sociedade, a relação entre as pessoas, das quais você fala em As verdades que ela não diz? Acha que a moçada anda mesmo perdida?
    Também diziam quando eu era jovem que a moçada era perdida. A tal geração AI-5, ou Coca-Cola, está no poder e provou que fez muita coisa de qualidade no teatro, cinema, literatura e música. Acho melhor não julgarmos a que vem surgindo agora.

    Quais são seus novos projetos?


    Estou fazendo com o diretor Afonso Poyard, de 2 coelhos, o roteiro do lutador de MMA José Aldo, garoto pobre que nasceu em Manaus, morou em favelas cariocas e hoje é um dos ídolos do UFC. O filme se chamará Luta livre. 

    As verdades que ela não diz
    . De Marcelo Rubens Paiva
    . Editora Foz, 190 páginas

    Diálogo possível - Gustavo Fonseca‏

    Ensaio de Paulo Henriques Britto reúne reflexões sobre o trabalho do tradutor de prosa e poesia. Autor é responsável por versões de obras de Charles Dickens, William Faulkner e Elizabeth Bishop 

    Gustavo Fonseca
    Estado de Minas: 17/11/2012 
    Para o senso comum, a atividade de traduzir resume-se em saber o correspondente linguístico de diferentes idiomas, ou seja, como se diz determinada palavra ou expressão na língua em que o texto original será vertido. A ideia é tão corriqueira que nos idos da Guerra Fria o maior centro científico dos Estados Unidos, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), montou um programa com o fim de construir uma máquina de tradução instantânea. Assim, pensava-se à época, seria possível disponibilizar imediatamente aos serviços de segurança americanos mensagens interceptadas em língua russa. Para participar do projeto, o MIT contratou o então jovem linguista Noam Chomsky, que, a bem da verdade, nunca acreditou na viabilidade desse tradutor instantâneo e pouco a pouco deu outra cara ao departamento de linguística do MIT, tornando-o referência mundial nos estudos da linguagem.

    Apenas como exemplo das dificuldades de uma máquina de tradução instantânea, podemos citar as expressões idiomáticas, como bater as botas, chutar o pau da barraca, viajar na maionese... Dá para imaginar que simplesmente traduzi-las aos correspondentes linguísticos de qualquer outro idioma que não o português brasileiro seria um desatino. Se considerarmos os textos literários então, com suas liberdades poéticas, os desafios da tradução se tornam realmente homéricos em muitos casos. Explicitar esses entraves e refletir sobre essa atividade fundamental num mundo cada vez mais globalizado é a tarefa a que se impôs Paulo Henriques Britto em A tradução literária, rica compilação dos saberes acumulados pelo autor ao longo de décadas como tradutor, responsável pela versão em português de mais de 100 livros – em sua maioria obras de ficção –, além de experiente professor, dedicando-se ao ensino de tradução, criação literária e literatura brasileira na PUC-Rio.

    Especializado em língua inglesa, tendo traduzido para o português autores como Charles Dickens, William Faulkner, Elizabeth Bishop e lorde Byron, Paulo Henriques Britto elabora toda a discussão com base nas duas línguas. Isso, porém, não torna dispensável a leitura do livro por tradutores de outros idiomas, já que as dificuldades básicas são as mesmas independentemente das línguas que o tradutor domina. Além disso, o fato de o autor ter se especializado em apenas um idioma estrangeiro denota o preparo que ele se exige para assinar uma tradução, com amplo domínio não apenas de inglês e de português, mas também da cultura e da literatura dos países em que essas línguas são faladas, bem como aprofundado estudo de cada um dos escritores cujos textos foram traduzidos por ele. 

    Exemplos da importância desse preparo não faltam em A tradução literária, como a análise da tradução de um trecho do romance The Princess Casamassima, de Henry James (1843-1916). Em seu comentário, Paulo Henriques Britto chama a atenção não apenas para o que é próprio da língua inglesa e o que é próprio do romancista, mas também como a obra desse autor em particular foi ganhando contornos singulares, abrindo uma linha de experimentalismos que seria aprofundada mais tarde por autores como James Joyce e Virginia Woolf. Dessa forma, o tradutor vê-se obrigado a transmitir ao leitor o estilo literário de Henry James, mas no contexto do século 19, não do século 20 ou 21. Como fazê-lo? Para Britto, um bom ponto de partida seria identificar um escritor da mesma época na língua do texto-meta. Sua escolha foi Machado de Assis (1839-1908). No entanto, como as diferenças entre os dois são muitas (“a sintaxe machadiana é muito mais direta e enxuta que a jamesiana”) e não há escritores brasileiros cuja prosa seja semelhante à de James, a inventividade do tradutor se faz necessária, “de modo a produzir estruturas em português que causem no leitor uma estranheza mais ou menos equivalente à causada pela estrutura original no leitor de língua inglesa”. 

    Essa metodologia, como Paulo Henriques Britto sinaliza mais adiante, é válida também em casos muito diferentes desse de Henry James. Ao explicar, por exemplo, o processo de tradução de um romance policial de Richard Price, autor conhecido pelo talento de reproduzir a fala de pessoas comuns de Nova York, Britto esclarece: “Ao traduzir seu romance, dei uma atenção toda especial às falas dos personagens, tentando recriar em português as características de cada um – artistas frustrados, pequenos marginais, policiais, toda a fauna urbana que povoa a ficção do autor. Ao mesmo tempo, porém, levei em consideração algumas expectativas do leitor brasileiro, que não são as mesmas do leitor norte-americano”. Em seguida, são fartamente detalhadas essas expectativas e as razões das escolhas do tradutor, evidenciando a linha tênue entre o respeito aos originais e a devida adaptação à língua-meta, aspecto que Britto ressalta constantemente no livro.

    Poesia 

    Ao passar ao estudo da tradução de poesia, as coisas se complicam ainda mais. “Poesia é o que se perde na tradução”, dizia o poeta norte-americano Robert Frost, citado e desconstruído por Paulo Henriques Britto, que defende a viabilidade dessa tarefa, como enfatiza logo no início do capítulo dedicado ao tema. Para marcar seu posicionamento, como feito no capítulo dedicado à prosa, Britto recorre a exemplos e neste caso é particularmente interessante a análise da tradução de um poema curto de Emily Dickinson. Como não poderia deixar de ser, além de detalhes linguísticos, sutilezas da versificação em língua inglesa e em língua portuguesa são observadas para justificar os critérios de tradução, um processo quase artesanal, em que as escolhas mínimas modificam substancialmente o resultado. Talvez por isso mesmo, tantos poetas sejam tradutores de poesia e tantos tradutores de poesia tenham se tornado poetas, caso do próprio Paulo Henriques Britto. 

    Seja na prosa, seja na poesia, A tradução literária é permeado das ideias de teóricos e tradutores abalizados, como Boris Schnaiderman, tradutor brasileiro da literatura russa; os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, poetas e tradutores; o poeta alemão Goethe, que comenta o trabalho de Wieland, tradutor de Shakespeare para a língua alemã; o poeta, tradutor e teórico francês Henri Meschonnic, autor de Poétique du traduire; e o filósofo alemão Friedrich Schleiermacher, tradutor de Platão que há 200 anos levantou no texto “Sobre os diferentes métodos de tradução” questões ainda pertinentes à atividade. Além desses e de outros teóricos da tradução, bem como uma lista expressiva de escritores das mais diferentes épocas e estilos, Britto inclui em suas reflexões, direta ou indiretamente, grandes pensadores da linguagem, como o linguista Roman Jakobson, o semiólogo Roland Barthes e o filósofo Ludwig Wittgenstein. Mas sem academicismos ou desfile de erudição vazia.

    Paulo Henriques Britto, na verdade, é bem didático e compartilha com o leitor seu processo de tradução, uma atividade muitas vezes de tentativa e erro que exige não apenas preparo teórico e técnico, mas também boa dose de criatividade, como Britto exemplifica repetidamente. Por se tratar de trabalho tão complexo, é inevitável que o resultado vez ou outra seja contestado, justificando a velha expressão italiana: traduttore, traditore. Quanto a isso, as páginas dedicadas às traduções do poema “Elegie XIX: Going to bed”, de John Donne, assinadas por Paulo Vizioli e Augusto de Campos, são primorosas por mostrar as várias e difíceis decisões que o tradutor tem de fazer, sabendo das limitações inerentes a sua tarefa, muito além da capacidade de uma máquina de tradução instantânea. 

    Um tradutor poeta


    Paulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro em 1951 e morou em Washington de 1962 a 1964 e na Califórnia em 1972 e 1973. É graduado em português e inglês pela PUC-Rio, onde obteve o título de mestre em língua portuguesa. Trabalhou como professor de inglês na década de 1970, época em que começou a fazer traduções. Atualmente, além de tradutor, poeta e ensaísta, ensina tradução, criação literária e literatura brasileira na PUC-Rio, que lhe concedeu em 2002 o título de Notório Saber. Traduz tanto em inglês-português como português-inglês e entre suas principais traduções contam obras de William Faulkner, lorde Byron, Elizabeth Bishop, Don DeLillo, Thomas Pynchon e Henry James. Como escritor, foi contemplado com prêmios como o Portugal Telecom de Literatura Brasileira, pela obra Macau, concedido pela Portugal Telecom em 2004; Prêmio Alceu Amoroso Lima – Poesia 2004, pela obra Macau, concedido pelo Centro Alceu 
    Amoroso Lima para a Liberdade e a Universidade Candido Mendes, também em 2004; Prêmio Alphonsus de Guimaraens na categoria Poesia, pela obra Trovar claro, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional em 1997; e Prêmio Paulo Rónai na categoria Tradução de Autores Estrangeiros para o Português pela obra A mecânica das águas, de E. L. Doctorow, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional em 1995. Seu livro de poesias mais recente é Formas do nada e a última tradução o romance Grandes esperanças, de Charles Dickens, ambos publicados pela Companhia das Letras. 

    A tradução literária
    . De Paulo Henriques Britto
    . Editora Civilização Brasileira, 157 páginas, R$ 34,90

    Quando as luzes se apagam - Marcelo Freitas‏

    Filmes sobre o roqueiro Raul Seixas e acerca da tensa relação entre Gonzaguinha e Gonzagão expõem o lado perverso da indústria do entretenimento em sua busca permanente de novidades 

    Marcelo Freitas
    Estado de Minas: 17/11/2012 


    Dois filmes exibidos este ano mostraram, com muita perfeição, diga-se de passagem, um lado desconhecido da história de dois artistas brasileiros – Raul Seixas, um ídolo do rock, e Luiz Gonzaga, o “rei do baião”. Ainda que tivessem trilhado caminhos muito diferentes na música popular brasileira, suas histórias têm algo em comum. Ambos foram artistas que experimentaram o auge da popularidade, entraram em decadência, foram resgatados para o cenário musical pelas mãos de terceiros e morreram quando suas carreiras estavam novamente em alta.

    A história de Raul Seixas foi contada no documentário Raul Seixas: o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho. O filme mostra o início da carreira, o auge e o ostracismo de Raul Seixas, quando estava mergulhado no alcoolismo e nas drogas e chegou a perder até os dentes. Foi resgatado do mundo-cão pelo músico Marcelo Nova, sobre quem chegaram a pesar insinuações de que teria se aproveitado de Raul Seixas para dar um impulso à própria carreira. Juntos, fizeram shows pelo país afora, de tal forma que quando morreu, em agosto de 1989, Raul Seixas havia voltado a gravar e gozava de prestígio.

    Quem retratou a vida de Luiz Gonzaga foi o diretor Breno Silveira, que levou para as telas, em Gonzaga – De pai pra filho, além da vida do sanfoneiro nordestino, um mundo desconhecido para a esmagadora maioria dos brasileiros: o do abismo que havia entre ele e seu filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, que morreu em abril de 1991, de acidente automobilístico, no Paraná.

    Não sabia que os dois eram brigados. Só com o filme foi que pude entender por que Gonzaguinha nunca havia feito sucesso cantando as músicas do pai. Da mesma forma, não fosse o filme, não teria entendido os fatos que estavam por trás da célebre turnê que os dois – pai e filho – fizeram juntos em 1979 e que marcou o fim da separação. 

    Foi Gonzaguinha quem retirou Gonzagão do ostracismo em que se encontrava. A pedido da mulher de Gonzagão, o filho viajou a Exu, interior de Pernambuco, onde o “rei do baião” vivia, e o convidou a, juntos, fazerem uma turnê. Nascia ali a dupla Gonzaguinha e Gonzagão, que muito sucesso fez no início dos anos 1980.

    Sempre gostei muito das músicas de Raul Seixas, principalmente as de sua fase mais mística. Mas confesso que nunca havia entendido muito por que em determinada época de sua vida ele tinha deixado de ser um cantor de sucesso. O documentário de Walter Carvalho mostrou isso com muita clareza. Raul Seixas estava no fundo do poço. Porém, seu drama pessoal não foi tornado público. Para seu público, o cantor simplesmente deixou de existir por algum tempo.

    As histórias de Raul Seixas e Luiz Gonzaga ilustram muito bem algo que é muito comum nos dias de hoje: o das pessoas que por seus próprios méritos ou mesmo pelos méritos da indústria do entretenimento atingem o auge da fama e depois desaparecem. Deixam de gravar discos, não aparecem mais em novelas, nem fazem filmes. 

    O pior de tudo é que muitas vezes isso acontece sem que os próprios fãs notem sua falta. Confesso que não me importava muito com a ausência de Raul Seixas do cenário musical. Afinal, na indústria do entretenimento, uns são substituídos por outros. Na disputa por um lugar ao sol, há um grande número de bons atores, bons compositores e bons cantores na fila. Basta, muitas vezes, que lhes seja dada uma pequena chance.

    Celebridade instantânea Nos últimos anos, a disputa pelo sucesso se tornou algo ainda mais efêmero. Com a internet, qualquer um pode fazer um vídeo com qualidade razoável e postar na rede. Um blog ou uma fan page no Facebook pode, de uma hora para outra, ter milhares de acessos e virar notícia, como foi o caso da estudante Isadora Faber, que começou a descrever como era a escola onde estudava, no interior de Santa Catarina. Até a última terça-feira, sua fan page havia recebido 442 mil  curtidas. Famosa, virou notícia nos jornais, rádios e TVs. Nas redes sociais, muitos fazem suas postagens na expectativa de que um número sempre grande de pessoas “curta” suas fotos, suas histórias, suas ideias. É a era da fama instantânea, que, vamos ser francos, muitos perseguem nas redes sociais.

    Aposto que ninguém sabe como vivem e o que fazem hoje os “artistas” que “venceram” o Big Brother Brasil. Com raras exceções, como Grazi Massafera, que se tornou atriz contratada da Rede Globo, e Jean Wyllys, que se elegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro tendo como plataforma a defesa dos direitos dos homossexuais, os demais voltaram a ser ilustres desconhecidos. Pelo menos segundo os padrões da indústria do entretenimento. Nenhum deles tem hoje a visibilidade que chegaram a ter na época do reality show.

    O drama de dois grandes artistas brasileiros – Luiz Gonzaga e Raul Seixas – chegou ao cinema. Porém, por todo o país, centenas de outros artistas devem estar passando pelo mesmo que eles passaram – o amargo retorno ao anonimato. Um pouco por culpa, vamos ser realistas, deles mesmos. Porque o sucesso é inebriante. Quem está no auge da fama acredita piamente que a queda está reservada apenas para outros. Não para eles. Esquecem-se que artista é como se fosse uma mercadoria. Ambos têm prazo de validade. 

    Em um campeonato de futebol, como o Brasileirão, o grande desafio não é chegar à liderança. É chegar e, ao mesmo tempo, manter-se em primeiro lugar até o fim do campeonato. No mundo artístico, a indústria do entretenimento precisa de novas caras, novos ídolos, novos ritmos musicais a todo momento. Assim, uns são sempre substituídos pelos outros. Não existem ídolos eternos. Raros são os que podem se dar a esse luxo.

    A rigor, não há muito o que fazer quando as luzes se apagam. Alguns artistas procuram como que tentar barrar o avanço dos anos. Fazem plástica na expectativa de que a preservação dos traços fisionômicos lhes ajudem a preservar a fama. Na música, muitos artistas mudam de estilo acreditando que assim podem passar de uma época para outra fazendo o mesmo sucesso, como se seus fãs fossem também os mesmos. Alguns – poucos – até conseguem. Mas o resultado nem sempre convence.

    Mais sábio talvez tenha sido Pelé, que resolveu abandonar o futebol no auge da fama, quando era tricampeão mundial e era insistentemente cobrado pela opinião pública brasileira para que aceitasse uma quarta convocação para integrar a seleção brasileira de futebol, desta vez em 1974. Em 18 de julho de 1971, para um público de 138 mil pessoas, em jogo contra a Iugoslávia, Pelé despediu-se da Seleção Brasileira.

    Há duas semanas, o mundo da música perdeu Carmélia Alves, que nos anos 1940 e 1950 fez muito sucesso como a “rainha do baião”. Sua trajetória foi muito parecida com a do “rei do baião”. Chegou ao auge da fama e, depois, também caiu no ostracismo. Porém, diferentemente de Luiz Gonzaga e Raul Seixas, Carmélia Alves não teve quem lhe estendesse o tapete vermelho novamente. Morreu pobre e esquecida no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Seus últimos minutos de fama não lhe vieram em vida. Para evitar o dissabor do apogeu e do ostracismo, talvez valesse a pena o ser humano sempre se lembrar de algo do qual acaba se esquecendo quando está sob o brilho dos holofotes: que somos todos mortais.

    Marcelo Freitas é jornalista