domingo, 11 de novembro de 2012

PERFIL: Eduardo Leite


 PREFEITO QUE FICOU CÉLEBRE
POR EXIBIR SEU TORSO NU NA
INTERNET QUER COMO ALIADA
A FAMA GAY DE PELOTAS





MAIÁ MENEZES
maia.menezes@oglobo.com.br


Incógnito na profusão de políticos que desbravaram as ruas do país atrás de votos, nas últimas eleições, Eduardo Leite (PSDB), de 27 anos, alçou voo nacional uma semana depois de escolhido prefeito de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Protagonista inconformado do frisson digital causado pela publicação, na web, de uma foto sua, sem camisa, tomando chimarrão, Dudu, como é chamado em família, já tem fan page, não para de ser perguntado sobre o assunto e ganhou a alcunha de “prefeito perfeito”. A boa notícia para seus eleitores: vai, duas vezes por mês, abrir seu gabinete para receber pelotenses. Aviso: exclusivamente para ouvir e falar sobre questões da cidade.

No momento da foto, retirada do Facebookantes da eleição, Eduardo estudava para um concurso do Senado, jura. Era, segundo ele, o dia mais quente em Pelotas em cerca de 40 anos. Os amigos o convidaram para sair, ele disse que não, uma amiga passou para conversar, e ele se deixou fotografar. Do que se arrepende? De ter postado a foto.

— Eu decidi tirar (da rede social) porque expunha demais o corpo. Apesar de não achar nada de mais. A questão é que, depois que entra lá, a imagem não é mais nossa — lamenta.

Ali está o resultado de um investimento que o prefeito eleito começou a fazer no ano passado, quando procurou uma nutricionista, em busca de equilíbrio alimentar. Preocupação com a saúde, não com a estética, ressalva.

A dieta foi interrompida na campanha, mas os 30 minutos de corrida diários foram substituídos por caminhadas de até cinco horas ao lado de aliados. O chocolate ele só se permitiu no dia do último debate com seu adversário, o petista Fernando Marroni.


A vida mais reservada que a política agora impõe é o ônus por uma conquista que ele vem perseguindo desde a infância. Aos 7 anos, lembra o pai, José Luis Marasco Cavalheiro Leite, Dudu via programa eleitoral como se fosse desenho animado. Foi presidente do grêmio da escola e, na campanha para o cargo, ensaiava o talento que depois levou para as telas da TV gaúcha este ano, nos 12 minutos de programa eleitoral: com um amigo, Nede Santana Jr., seu vice na eleição do Grêmio, estrelava o programa de entrevistas “Nedu na minha casa”. Eduardo, que fazia teatro e danças tradicionais gaúchas, ficou popular entre os alunos ao propor um modelo de uniforme mais moderno, igual para meninos e meninas.

— Ele era um grande organizador de festas de garagem na campanha para o grêmio. Nós éramos os DJs — lembra Nede, hoje assessor do gabinete de Eduardo.

Dudu chegou a estudar saxofone, dos 14 aos 18 anos, mas, apaixonado por samba, se desenrola bem no acordeom e no banjo, nas apresentações com a banda da família.

— É uma banda para consumo interno — diz o prefeito, que está solteiro “no momento”. Teatro, TV, festas, nada preparava Eduardo para a vida de celebridade pós-eleitoral.

— Eu disse que iria mudar inteiramente a vida dele, que ele teria que abdicar dessa fase da juventude, em que se pode cometer excessos. A história da foto é uma demonstração disso. Uma coisa que um jovem faria normalmente, ele não pode mais — sentencia o pai.

— Esse desgaste me deixou apreensiva. Não gosto de exposição — completa a mãe, a cientista política Rosa Eliana de Figueiredo.

Mesmo sem a foto do prefeito eleito descamisado, em uma semana a fan page “50 tons de Eduardo Leite” recebeu 1.300 curtidas. É fruto de uma brincadeira: dez mulheres na faixa dos 30 viram uma foto dele com terno e gravata cinza e começaram um lobby pró-Dudu como protagonista do filme “50 tons de cinza”, inspirado no livro.

— Estamos providenciando um presente para ele, que tem sido simpático com nosso assédio — tieta Graziela Silva, de 31 anos, corretora de seguros de São Bernardo do Campo. A vice Paula Mascarenhas prefere capitalizar a popularidade de outra forma:

— Mal terminou a campanha, e ele virou um sucesso nacional. Então eu disse: vamos fazer do limão uma limonada. Estão dizendo que ele é bonito. E é verdade. Pelo menos os olhares estão voltados para cá. De repente a gente bota Pelotas no cenário nacional.

Lidar com o estigma da cidade, ele já tira de letra. Alvo de estudo acadêmico, a propalada fama de cidade gay começou no final do século XIX, quando os charqueadores locais, riquíssimos, enviavam os filhos para estudar em Paris. Os então rústicos gaúchos voltavam refinados, com novo jeito de vestir e se comportar socialmente. Eram taxados de efeminados. Criava-se ali a lenda urbana. Pesquisa do IBGE, de junho do ano passado, mostra Pelotas, conhecida como Princesa do Sul, em 252º lugar no ranking de cidades do país mais escolhidas por casais gays para viver. Eduardo é categórico: vai usar a fama para atrair turistas.

— Combater a fama de Pelotas seria homofobia. Isso não é ofensa. Pode ser aproveitado, com projetos turísticos. É um público que faz um turismo rentável — diz.






Colunista Convidado: Frei Betto - Arte de ser criança


“O melhor da infância é o mistério.
Povoa a criança com uma
força imponderável, superior a
todas as realidades sensíveis.
O mistério seduz e, tecido em
encantos, assusta ou atrai”


No jardim de infância, em Belo Horizonte, nossas tarefas consistiam em sonhar, imaginar, colorir, desenhar, moldar em argila estranhas figuras, empilhar cubos de madeira que, sobrepostos, se transformavam em casas, pontes, prédios e castelos. Dispostos em linha reta, viravam ferrovias, carruagens, estradas. Em círculos, arenas circenses, represas ou lagos.

Esse entrelaçar de tato, visão e imaginação organizava meu mundo interior. Bastavam poucos apetrechos para meus sentimentos encontrarem expressão nos objetos manipulados ou nas linhas de meus desenhos. Ao fazêlo, adquiria uma certa distância relacional: os pássaros falam linguagens que só eles entendem; dragões, bruxas e duendes, que povoavam o meu imaginário, não eram pessoas como meus pais, nem coisas como os paralelepípedos que calçavam as ruas, e sim entidades espirituais, como Deus e anjos, com as quais mantinha relações de temor, reverência e fascínio.

O melhor da infância é o mistério. Povoa a criança com uma força imponderável, superior a todas as realidades sensíveis. O mistério seduz e, tecido em encantos, assusta ou atrai ao não mostrar o rosto nem pronunciar o próprio nome. Habita aquela zona da imaginação infantil tão indevassável quanto impronunciável. Nela, as conexões rompem limites e barreiras, o inconsciente transborda sobre o consciente, o sobrenatural confunde-se com o natural, o divino permeia o humano, e o insólito, como dragões e piratas, é de uma concretude que só a cegueira dos adultos é incapaz de enxergar.

Os adultos devem manter-se à distância quando a criança se encontra mergulhada em seu universo onírico. Ela sabe que carrega em si um tesouro de percepções que os olhos alheios não podem perscrutar. Recolhida a um canto, deitada em sua cama ou brincando em companhia de seus pares, deixa fluir os seres virtuais que habitam o seu espírito e com quem estabelece um diálogo íntimo, livre das amarras de tempo e espaço. Tudo flutua dentro dela, graças à ausência de gravidade que a caracteriza.

Se um adulto interfere, quebra-se o encanto. Tudo se torna pesadamente aritmético, como se a ave, aprisionada no chão, ficasse impedida até mesmo de sonhar com o voo, reduzida aos movimentos contidos de seus passos.

Por tanta familiaridade com o mistério, as crianças são naturalmente religiosas, como se a natureza suprisse quem se encontra biologicamente mais próximo da fonte da vida de percepções holísticas contidas na vitalidade das células, na mecânica das moléculas, na identidade quântica dos átomos, onde matéria e energia são apenas faces de uma mesma realidade.

Privar a criança do mergulho no mistério é amputá-la da infância. É mutilar o ser, abortando a criança para apressar, de modo cruel, a irrupção irreversível do adulto.

Ao sorriso sucede o travo amargo de quem já não logra mirar a vida como maravilha — dentro e fora de si. A insegurança aflora, denunciando carências e tornando-as vulneráveis aos sonhos químicos das drogas, já que o melhor da infância foi sonegado — sentir-se um ser amado.

Falar em público - Martha Medeiros


“Sempre falei rápido, e nessas ocasiões, aí
é que virava uma metralhadora: tinha pressa
em acabar logo com aquilo. E havia a tosse”

Uma amiga me pede socorro: foi convocada a falar por 20 minutos num evento profissional, ela que nunca palestrou ou participou de qualquer debate com plateia. Está assustada e me pede uns truques para combater o nervosismo. Sei que há cursos de oratória para ajudar as pessoas a relaxarem nessas situações, mas não há tempo hábil para tomar aulas. O evento é pra já – a essa altura, já foi, inclusive.

O que se diz a uma amiga nessa hora? Procure ter segurança sobre o conteúdo da sua fala, não se preocupe com o que os outros estão pensando (eles também não estariam à vontade no seu lugar) e, principalmente, tenha consciência de que uma palestra é só uma palestra, não serão por esses 20 minutos que você será avaliada no Juízo Final.

Mas é fácil falar. Melhor dizendo: não é fácil falar, não em frente a outras pessoas. Depois de anos de prática, hoje em dia já não me estresso, mas, no início, madrecita, era um castigo. A boca secava num grau que me impedia de articular as palavras com desenvoltura. No meio da conversa, eu ficava em pânico com a possibilidade de perder o fio da meada, e acabava perdendo, claro. Tinha pavor de estar sendo analisada pelo que estava dizendo, e mais ainda pelo que não era o assunto em pauta: minha excessiva gesticulação, por exemplo. Sempre falei rápido, e nessas ocasiões, aí é que virava uma metralhadora: tinha pressa em acabar logo com aquilo. E havia a tosse. Assim como as pessoas sentem compulsão de tossir durante peças de teatro, eu, lá pelas tantas, começava a sentir a garganta arranhar e a expectoração tinha início. Na maioria das vezes, eram pigarros inocentes, mas teve uma vez em que estava dando uma entrevista pra tevê e tive que encerrá-la por absoluta incapacidade de seguir adiante. Vexame, vexame.

Algumas pessoas se sentem mais seguras se há algum conhecido no recinto: a esposa, o marido, um colega. Eu, ao contrário, me sinto mais tranquila – ou menos aflita - diante de estranhos. Sempre me apavorou a ideia de decepcionar meus afetos mais íntimos. Logo, pode-se imaginar o meu estado de nervos quando, em 1999, recebi uma homenagem da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre e na plateia se encontrava pai, mãe, irmão, cunhada, madrinha, tias e todas as melhores amigas: a máfia reunida. Na hora de agradecer os discursos feitos em plenário, falei por cronometrados dois minutos, nem um segundo a mais – e entre gaguejos. Vexame, vexame, vexame.

Não era timidez, e sim imaturidade. Não tolerava a ideia de errar, o que é uma autoexigência absurda. Ora, erramos. Trememos. Dizemos bobagens. Não somos doutores em nada, e sim pessoas esforçadas, o que já é um valor. Se alguém tem interesse no que temos a dizer, isso, por si só, já deveria tranquilizar: estamos apenas atendendo a um gentil convite para dividirmos nossa opinião e nosso conhecimento com os outros. Palco, púlpito e microfone são intimidantes, mas não passam de instrumentos para facilitar a comunicação. O segredo, que nem é segredo, é procurar se divertir e não levar esses poucos minutos de visibilidade tão a sério.

Minha amiga acabou se saindo muito bem. Já esqueceu o sofrimento e está pronta para outra. Sabia. Depois que os fantasmas são exorcizados, a vida destrava.

Haitianos foram os mais castigados pela passagem da tempestade Sandy


Haitianos enfrentam inundações e desabastecimento pós-Sandy

RENATO MACHADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PORTO PRÍNCIPE
SandyMesmo sem estar na rota direta do Sandy --que acabou atingindo a Costa Leste dos EUA, incluindo Nova York, que sofre até hoje as suas consequências--, o Haiti foi outra vez o país mais prejudicado do Caribe pela passagem de um furacão pela região.
As chuvas e ventos fortes deixaram um total de 54 mortos e destruíram parte da já precária infraestrutura local. E mesmo agora, duas semanas após o furacão, os haitianos ainda enfrentam inundações, além de desabastecimento e do risco de cólera.
O Sandy seguiu uma rota no Caribe passando por Jamaica, Cuba e Bahamas --antes de seguir para os Estados Unidos. Mas o furacão de categoria 2 também provocou chuvas fortes durante três dias no Haiti. Como o país tem milhares de pessoas vivendo à beira de encostas ou junto ao mar e aos rios, as tempestades causaram um forte impacto na população.
Thony Belizaire/AFP
Pacientes com cólera aguardam atendimento em clínica da ONG Médicos Sem Fronteiras, em Delmas (Haiti)
Pacientes com cólera aguardam atendimento em clínica da ONG Médicos Sem Fronteiras, em Delmas (Haiti)
"Nosso problema não eram os ventos. Nosso grande problema foram as chuvas fortes que atingiram diversos lugares do país, provocando inundações e destruição da infraestrutura e das plantações. Há ainda hoje algumas comunidades que estão inundadas", disse Joseph Edgar Celestin, do Escritório de Proteção Civil do Haiti.
O número de mortos em decorrência do furacão deve aumentar nos próximos dias, uma vez que 21 pessoas continuam desaparecidas. O governo decretou estado de emergência por um mês.
As fortes chuvas e inundações também danificaram dezenas de trechos de rodovias e chegaram a provocar quedas de pontes. Também houve problemas em hospitais, e cem escolas continuam fechadas por terem sido danificadas. A falta de aulas é ainda agravada porque muitas delas foram transformadas em abrigos de emergência para pessoas que moravam em situação de risco.
ABRIGOS
Folha esteve anteontem na comunidade de Croix de Bouquet, que havia sido uma das mais atingidas pelas inundações na região de Porto Príncipe. Com o fim das chuvas, a vida começou a voltar ao normal, com ruas já limpas e movimentadas.
No entanto, é possível ver casas vazias e com rachaduras e alguns campos de deslocados --onde pessoas que perderam suas casas no terremoto passaram a viver em tendas-- estão menores, pois muitas famílias ainda estão nos abrigos de emergência.
Além dos prejuízos de infraestrutura, o governo haitiano e os organismos internacionais também solicitam ajuda estrangeira porque praticamente toda a colheita agrícola foi perdida.
E isso acontece em um momento em que o Haiti explodia em protestos de norte a sul do país, em razão da alta dos preços dos alimentos.
"Pode não haver produção de alimentos até março, devido à combinação desses dois furacões. O Isaac atingiu todas as plantações do norte há alguns meses. E agora o Sandy destrói as plantações no sul, em um período de colheita. Isso tudo pode aumentar a instabilidade política", afirmou Johan Peleman, chefe do escritório da Ocha (Escritório da Organização das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários).
Peleman disse que o Haiti necessita, em um primeiro momento, de US$ 39 milhões para atender a questões envolvendo abrigos de emergência, moradia, saúde e alimentação. O governo haitiano e organismos internacionais lançaram na semana passada um apelo aos países para levantar esses recursos.
"Há também o problema da água e do saneamento, e é por isso que receamos um pico de cólera", disse Périclès Jean-Baptiste, porta-voz da Cruz Vermelha haitiana. A doença é uma grande preocupação no país, porque já vitimou 7.400 pessoas desde o terremoto de 2010.
Para piorar, 61 centros de tratamento de cólera foram destruídos ou danificados com a passagem do Sandy.

Hora do café - Mandrake


HORA DO CAFÉ      MANDRADE

MANDRADE

Quadrinhos


CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO

ADÃO
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER 
HAGAR      DIK BROWNE

Fim de semana - Dionisio Neto


IMAGINAÇÃO
prosa, poesia e tradução
Fim de semana
Cena 8
DIONISIO NETO(Mozart - Lacrimosa. Todos estão ao redor dela, abanando-a. Ela toma um suco de bacuri.)
Mulher - Desculpas, desculpas, mil vezes desculpas.
Homem 2 - Você não tem absolutamente nada do que se desculpar.
Mulher - Que gostoso este suco.
Homem 2 - É bacuri.
Mulher - Deslumbrante. A gente pode falar isso de um suco? Deslumbrante?
Homem 2 - Deslumbrante é você. Deslumbrante!...
Homem 1 - Cuidado que o marido dela é atirador de facas!
Mulher - Eu não me alimentei direito, eu não dormi direito... A vida de uma mulher do atirador de facas de circo não é nada fácil.
Homem 1 - A vida de um caixa de pedágio também não é nada fácil.
Menino - A vida de um atirador de facas é fácil, é muito fácil, é só treinar bastante.
Homem 2 - Está melhor?
Mulher - Pra eu melhorar mesmo só se eu for pro Japão!
Homem 2 - Você está toda roxa...
Mulher - Eu caí. Eu tenho labirintite.
Menino - Meu pai brigou com minha mãe porque ele bebeu cerveja. Minha mãe odeia cerveja e cigarro, não é, mamãe?
Homem 2 - Se vocês quiserem descansar, eu moro logo ali.
Mulher - Imagina, nós precisamos mesmo ir. Como eu disse, hoje temos apresentação. O show não pode parar.
Homem 1 - É muito bonito o circo de vocês.
Mulher - Não é nosso, nós somos apenas os artistas. Nós precisamos muito dele.
Homem 2 - Apenas? Não é o circo que faz os artistas e sim os artistas que fazem o circo!
Mulher - (Sorri.) Vocês não me deram os desejos. (Todos entregam os papéis pra ela.) Serão devidamente amarrados nos bambus e queimados no ritual. As estrelas apaixonadas atenderão, mas só se vierem do fundo, bem do fundo do coração. Eu estava aqui, olhando para este pasto onde os cavalos correm nos finais de semana e levam as crianças de domingo para a liberdade, para a alegria... Nós passamos bilhões, trilhões de anos sendo pó de estrela. E nesses poucos anos tão frágeis que passamos aqui, neste planeta perdido nesta galáxia gigantesca, perdemos o pouco tempo que nos resta hipnotizados com as ilusões de felicidade que o ego da nossa insignificante existência cria. Talvez a vida também seja uma ilusão. Uma doce ilusão. Realmente chegou nossa hora. Foi um prazer inesquecível conhecê-los, cavalheiros. O dever nos chama. Eu espero vocês no circo. Vamos lá, fazer de cada dia uma obra-prima! Arigatô.
Menino - Arigatô.
Homem 2 - Nenhuma existência é insignificante. (Pega os balões.)
Homem 1 - O que você está fazendo?
Homem 2 - Estes balões são para o palhaço Bombom.
(Solta os balões. Beethoven - Tempest Sonata mvt. 3. Blecaute.)

    [memórias que viram histórias] Renée Gumiel, um caso de amor - Inês Bogéa


    ARQUIVO ABERTO
    memórias que viram histórias
    Renée Gumiel, um caso de amor
    São Paulo, 2006
    INÊS BOGÉAConheci Renée Gumiel (1913-2006), figura fundamental da dança moderna do Brasil, dois anos depois de me mudar de Belo Horizonte para São Paulo. A dança paulista era para mim um território novo, com personagens conhecidos e ao mesmo tempo distantes.
    Vi no nosso encontro a chance de ouvir sua história e um pouco da história da dança na voz de quem a viveu e continuava na ativa. Lancei-me ao desafio de criar uma homenagem a ela em vídeo, que pudesse contar um pouco de sua carreira. E também para eu aprender com ela uma coreografia de outra ordem, costurada por suas lembranças e pelo meu olhar.
    Nosso primeiro encontro foi em fevereiro de 2003, na casa dela. Sua imagem -marcante- era forte e frágil, misteriosa, simpática, mas dura. Ofereceu-me uma taça de vinho e quis saber como eu chegara a ela, fazendo muito mais perguntas do que as respondendo -quem era eu, por que queria fazer o documentário, quem faria o vídeo comigo-, enquanto eu buscava um equilíbrio para mudar de lado e entender o fio do seu pensamento.
    Foi um mês de muitos encontros, sem que ela desse muitas pistas nem liberasse imagens e recortes de jornais de sua trajetória. Boa parte do tempo falávamos de dança, e Renée me desafiava com seu jeito irrequieto e provocante.
    Pouco a pouco, passou a me falar sobre a dança moderna e sua chegada ao Brasil, na década de 60. Lembranças soltas, que aos poucos foram se juntando num quebra-cabeça, ordenado por traços da história da dança paulista. Então surgiram caixas e caixas com recordações, livros, vídeos, recortes, fotos, programas. Renée passava conceitos, lia seus escritos, contava casos -e assim fomos construindo uma amizade.
    Em outubro, com outros artistas, organizei no aniversário dela uma homenagem: um espetáculo no Sesc Vila Mariana, sob coordenação de Susana Yamauchi. Exibimos um pequeno vídeo sobre sua trajetória, que fiz com Sérgio Roizenblit e Jorge Grinspum. Foi o início da minha carreira como documentarista de dança.
    Desde então passamos todos os seus aniversários juntas. Íamos a espetáculos, eu sentia sua energia e aprendia com ela. Renée nesse tempo atuava no Teatro Oficina e seguia desafiando padrões estabelecidos. Mantinha o culto à sensualidade e ao prazer. Sua autoimagem desvelava o quanto para ela o presente era vivo: "Tenho braços, pernas e pescoço looongos... e não me descuido" (ela era miúda, franzina). Reclamava se me via sem batom: "Maquiar-me é cuidar de mim para o outro".
    Renée sempre me surpreendia. Numa noite, em 2006, fomos assistir "Mapplethorpe", um solo de Ismael Ivo, no Sesc Consolação. Era uma noite clara, e ela havia cuidado em detalhes de sua roupa, trocando de modelito e perguntando o que eu achava. Por fim, escolheu um vestido preto bordado com beija-flores que ganhara de Ronaldo Fraga.
    Estávamos as duas curiosas para ver como Ivo havia transformado em dança seu encontro com o grande fotógrafo americano que dava nome ao espetáculo. A apresentação nos marcou muito pelas cenas fortes, quase fotografias em movimento. Saímos devagar do teatro, pensativas; só pouco a pouco começamos a comentar o que tínhamos visto. Várias pessoas cruzavam nosso caminho. De repente ela parou, me interrompeu e perguntou: "Você viu esse moço? Ele estava olhando para você ou para mim?"
    "Pra mim? Não...", respondi.
    "Bem que eu percebi. Ele estava me paquerando..."
    Sorri e procurei ver o moço de quem falava. Ele parara mesmo no meio da rua, olhando para minha amiga. Passamos depois por ele, com Renée jogando charme.
    Essa era Renée, com mais de 90 anos. Ninguém mais viva do que ela, naquela hora e para sempre.

      Picasso em tons de cinza - Guggenheim mostra a gênese de 'Guernica'


      DIÁRIO DE NOVA YORK
      o mapa da cultura
      Picasso em tons de cinza
      Guggenheim mostra a gênese de 'Guernica'
      RAUL JUSTE LORESDUAS EXPOSIÇÕES investigam a preparação de algumas das maiores obras da arte ocidental.
      Em cartaz até janeiro, "Bernini: Esculpindo em Argila" (bit.ly/berninimet), o Metropolitan exibe 50 modelos originais em argila e 30 esboços feitos por Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), grande escultor do barroco italiano.
      Seus rascunhos em miniatura preparavam as grandes obras em mármore que virariam ícones de Roma, como a colunata da praça de São Pedro, no Vaticano, e a fonte dos Quatro Rios, na Piazza Navona.
      A exposição ainda mostra painéis gigantes com as fotos das obras em Roma para que o visitante possa comparar rascunho com a arte final. Entre as muitas atividades paralelas, em 1º de dezembro haverá uma demonstração de dois artistas que vão trabalhar lado a lado, um em argila, o outro usando ferramentas digitais, para mostrar o processo de esculpir e dos esboços de Bernini.
      PICASSO PRETO E BRANCO
      Na outra exposição, no Guggenheim -que deixou para trás a fase de exibir carros, motos e realizar outras mostras de aluguel-, Pablo Picasso (1881-1973) aparece em todo o seu esplendor preto e branco. Com 118 obras feitas pelo espanhol entre 1904 e 1971, metade delas em mãos privadas (cinco jamais expostas em público), o banquete monocromático remete a todo trabalho que permitiu o surgimento do "Guernica", apesar de jamais ter havido uma fase "preto e branco" do pintor, como houve a azul ou a rosa.
      Como disse Gertrude Stein, em frase destacada no catálogo da exposição, "há uma variedade infinita de cinza nesses quadros, e pela vitalidade da pintura, o cinza vira uma cor". "Picasso em Preto e Branco" também fica em cartaz até janeiro.
      EFEITO PÓS-SANDY
      Manhattan e Brooklyn poderiam ter margens verdes, com mangues e parques alagadiços capazes de absorver a continuada elevação dos oceanos e ilhotas artificiais que contenham a fúria do mar.
      Uma semana depois do ciclone pós-tropical Sandy que paralisou boa parte de Nova York, já há uma enxurrada de projetos para reinventar a cidade, prepará-la para mudanças climáticas e devolver à natureza a área concretada nas beiradas de Manhattan por vias expressas e construções.
      Cinco décadas depois que a jornalista Jane Jacobs (1916-2006) liderou uma batalha que acabou engavetando um minhocão e uma via expressa que mudariam para sempre o Village e o Soho, a cidade já não sofre com a falta de ativistas, nem com vozes que apresentem planos urbanísticos para a prefeitura.
      Das veteranas Regional Planning Association e Municipal Arts Society a mais recente e tecnológica Open Plans, não faltam organizações da sociedade civil debatendo como proteger a cidade e criar ruas mais absorventes.
      Como aconteceu com o Tolerância Zero ou o High Line, as ideias anti-enchentes de Nova York têm tudo para inspirar cidades que precisam lidar melhor com as águas.
      COMO SOBREVIVER
      O Occupy Wall Street, o movimento que queria reformar o capitalismo, mas que se reduziu a um punhado de anarcopunks na Union Square em menos de um ano, teria muito a aprender com o documentário "Como Sobreviver a uma Praga", de David France (trailer em bit.ly/comosobreviver).
      O filme, que foi exibido no Brasil durante o último Festival de Cinema do Rio, recorda os primeiros anos da epidemia da Aids e uma ONG formada por portadores do vírus que conseguiu pressionar governo e laboratórios farmacêuticos a investigar a doença.
      Enfrentando uma questão de vida ou morte, os líderes da organização Act Up precisaram virar mais que ativistas -aprender conhecimentos científicos para contra-argumentar preconceitos e criar uma máquina de relações públicas de alto impacto, que comprou variadas brigas, do presidente George Bush (o pai, 1989-92) ao Vaticano.
      Com grande arsenal de imagens -até as assembleias eram filmadas- o filme emociona com discursos e protestos muito originais -como a gigantesca "Camisinha cristã" que quase invade a Catedral de Saint Patrick. Uma luta iniciada em Nova York conseguiu mudar a história de uma epidemia e, mais uma vez, inspirar o mundo.

        Coreia, pré-sal, Rock'n'Rio e Cuiabá são alguns dos enredos do Carnaval carioca de 2013


        O jingle pede passagem
        Coreia, pré-sal, Rock'n'Rio e Cuiabá são alguns dos enredos do Carnaval carioca de 2013
        ALVARO COSTA E SILVARESUMO Série de livros sobre as escolas de samba do Rio discute as transformações do Carnaval carioca, em especial os impasses ligados ao patrocínio. Entre a ilegalidade do jogo do bicho e o merchandising escancarado, escolas tradicionais perdem competitividade e veem carnavalescos históricos virarem as costas para Momo.
        NO UNIVERSO TÃO visual das escolas de samba, há vista grossa, do mesmo tipo da que não permite enxergar, nas esquinas do Rio, o movimento dos pontos de jogo do bicho, atividade ilegal -e, paradoxalmente, quase uma instituição- que guarda incestuosas relações com os desfiles do Sambódromo.
        Nem sempre se admite oficialmente, até porque o regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) proíbe a exposição da propaganda, mas todo mundo sabe que as agremiações são patrocinadas por empresas, governos e até personalidades -em 2012, o publicitário Roberto Justus foi enredo em São Paulo.
        Para o Carnaval de 2013, que começa em menos de 100 dias, o merchandising chegou às escâncaras. Um perigoso ponto sem volta, mesmo levando-se em consideração o conceito segundo o qual a essência da festa carnavalesca é a mudança. Aonde vamos parar quando uma escola com o histórico do Salgueiro -a primeira a levar para a avenida, na década de 60, temas relacionados aos negros- topa um enredo sobre a revista "Caras"?
        Como aceitar com naturalidade que a Inocentes de Belford Roxo fale sobre "As Sete Confluências do Rio Han: 50 Anos da Emigração Coreana no Brasil"? Ou que a Mocidade Independente de Padre Miguel cometa um crime de lesa-samba ao exaltar o Rock'n'Rio? A Grande Rio pegou pesado e fundo: vai sair de pré-sal. Ressalte-se que ao menos uma das escolas apresenta um enredo simples, tradicional e, por incrível que pareça, inédito no Grupo Especial: a Ilha do Governador homenageia o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980).
        TRADIÇÃO Três livros recém-lançados, reunidos na coleção Cadernos de Samba, da editora Verso Brasil, ajudam a entender o momento delicado pelo qual passa o desfile carioca. Com seu inegável apelo popular e turístico, a festa continua a fornecer régua e compasso para similares Brasil afora, notadamente São Paulo.
        Com "Maravilhosa e Soberana" [132 págs., R$ 30], o jornalista Aydano André Motta defende a tese de que a Beija-Flor de Nilópolis é o perfeito resultado da conjugação de tradição e modernidade. Depois de quebrar em 1976 a ciranda das quatro grandes -Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro-, a Beija-Flor conquistou mais 11 títulos, praticamente um cada três anos, levando adiante a concepção Joãosinho Trinta (1933-2011) de opulência gigante nas alegorias.
        A escola tem o mesmo intérprete, Neguinho da Beija-Flor, há 37 anos; o mesmo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Claudinho e Selminha, há 17; e uma torcida e componentes tocados por uma intensidade quase messiânica ao participar de ensaios e desfiles. No entanto, para esta temporada, a Beija-Flor apresenta um enredo dos mais esdrúxulos: o cavalo manga-larga marchador.
        "O patrocínio foi o caminho que as escolas encontraram para viabilizar sua sobrevivência nos parâmetros milionários que a festa atingiu. Uma mudança na regra, liberando algum tipo de merchandising (como um 'pede-passagem', inspirado no que fazem os filmes nacionais, com os patrocinadores anunciados no início da projeção), permitiria enredos hoje impossíveis, de temas abstratos ou sobre personalidades do próprio mundo do samba", propõe Motta.
        Para as grandes agremiações, o custo de um desfile pode chegar aos R$ 10 milhões. Apenas manter o barracão na Cidade do Samba não sai por menos de R$ 50 mil por mês. Um carnavalesco de ponta cobra de R$ 750 mil a R$ 1 milhão por ano. Esse orçamento, em boa parte, vem de dinheiro "não contabilizado".
        LEI ROUANET Meses antes do Carnaval, a Riotur, responsável pela organização dos desfiles no Sambódromo em parceria com a Liesa, libera uma verba de cerca de R$ 1 milhão para cada escola do Grupo Especial. Parte considerável do restante dos custos sai do patrocínio, jeitinho utilizado pela primeira vez em 1985 pelo Império Serrano, com "Samba, Suor e Cerveja: Combustível da Ilusão". Hoje, arranja-se o dinheiro via Lei Rouanet, como o Salgueiro anunciou que fez para tratar o enredo "Fama". Captou cerca de R$ 5 milhões.
        "O patrocínio ideal é aquele que não aprisiona a escola em enredos desprovidos de qualidades para sustentar o cortejo e gerar bons sambas. Quando a escola se submete inteiramente ao patrocinador (o ideal seria ocorrer o inverso) abandonamos o universo do samba-enredo e caímos no domínio do jingle-enredo", acusa o historiador Luiz Antonio Simas, autor de "Tantas Páginas Belas" [116 págs., R$ 30], sobre a Portela.
        A escola do bairro de Osvaldo Cruz permanece como a maior campeã da história do Carnaval carioca. Não bastassem seus 21 títulos, é a única a alcançar um impressionante heptacampeonato, entre 1941 e 1947, feito que dificilmente será batido. Mas não conseguiu manter seu protagonismo diante das transformações que a festa sofreu, ficando longe das primeiras colocações em grande parte dos desfiles realizados a partir da década de 70.
        "A Portela, provavelmente, não voltará a ser campeã deixando de ser Portela. Por outro lado, eis o drama, precisa mudar para voltar a triunfar. Até agora, não conseguiu resolver essa equação", explica Simas.
        Na aparência, o enredo da escola para o ano que vem, sobre o bairro de Madureira, faz jus à sua nobre linhagem. Antes, estava decidido que se ia reeditar o tema de 1971, "Lapa em Três Tempos". Mas, segundo se conta à boca pequena no próprio bairro homenageado, o prefeito portelense Eduardo Paes determinou a mudança -e vultosa verba extra- com o seguinte argumento: a Lapa não dá voto; Madureira, sim.
        No jargão carnavalesco, é um típico "enredo CEP", modalidade em que uma cidade, um Estado ou mesmo um país pagam para ser retratados. Em 2013, a Coreia do Sul escolheu a Inocentes de Belford Roxo; a Alemanha, a atual campeã, Unidos da Tijuca. A tradicionalíssima Mangueira, quem diria, teve de contentar-se com Cuiabá, capital de Mato Grosso.
        Jogo feito, quem mais sofre no processo -mais ainda que o carnavalesco que, mal ou bem, terá dinheiro à mão para suas invenções- é o compositor, obrigado a disfarçar o nome de uma marca de iogurte ou de salsicha no refrão.
        A situação reforça a existência dos "escritórios", prática na qual compositores de verdade e testas de ferro formam grupos que disputam o concurso de samba em diversas escolas.
        Autor de "Marcadas para Viver" [128 págs., R$ 30] -que conta a história de cinco importantes pequenas escolas do Carnaval do Rio, Em Cima da Hora, Unidos do Jacarezinho, Unidos de Lucas, Vizinha Faladeira e Tupi de Braz de Pina-, o jornalista e compositor João Pimentel, o Janjão, sofreu na pele a pressão dos escritórios: "Já disputei samba na Portela e no Paraíso do Tuiuti. Foram experiências pesadas. Há quem tenha vencido quatro, cinco vezes, mas nunca fez um verso, uma melodia".
        BLOCOS Por essas e outras é que Fernando Pamplona -que bolou o revolucionário enredo "Quilombo dos Palmares", que deu o título ao Salgueiro em 1960-, quando se aproxima a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo, faz as malas e se manda para Itaipava, na serra fluminense. "Há seis anos não assisto ao desfile. Não ligo nem a televisão. O motivo é essa comercialização desbragada. E olha que eles estão se vendendo barato", critica Pamplona.
        Com a insatisfação, ganha força o fenômeno incontrolável dos blocos de rua. São mais de 500 a ocupar todos os pontos da cidade. É impossível saber um número exato pois, apesar da fiscalização da prefeitura, surge um em cada esquina às vésperas da folia.
        Cerca 6 milhões de pessoas -muitos turistas- os seguem, deixando um rastro de confete, serpentina, latas de cerveja e xixi (os banheiros químicos não dão conta). "O bloco devolveu ao carioca a rua, a crítica, o prazer de se fantasiar", resume Janjão, que também é autor do livro "Blocos: História Informal do Carnaval de Rua" (Relume-Dumará, 2002).
        Na contramão do luxo do Sambódromo ou da bagunça dos blocos, foliões saudosos descobriram a Estrada Intendente Magalhães, em Campinho, zona norte do Rio. É lá que desfilam as escolas do fim da fila no Grupo de Acesso. Na calçada, famílias com cadeiras de praia de um lado, a arquibancada com três degraus do outro.
        Cada agremiação traz apenas um carro alegórico e cerca de 600 componentes, alguns catados a laço no botequim mais próximo. É lindo, emocionante, engraçado. E barato à beça. Você não imagina: com o dinheiro de uma fantasia de destaque no Grupo Especial -R$ 100 mil, em média-, dá para bancar mais da metade desse Carnaval do andar de baixo.

          Keynes, o retorno - Luiz Felipe de Alencastro


          Keynes, o retorno
          Para além dos erros republicanos, política social de Obama consolidou sua nova base eleitoral
          LUIZ FELIPE DE ALENCASTRORESUMO A reeleição de Obama, na terça passada, deveu-se à radicalização conservadora de seu adversário, que selou o apoio aos democratas de imigrantes, mulheres e jovens, mas sobretudo às políticas sociais e à intervenção estatal para enfrentar a crise econômica, devolvendo à pauta as ideias do economista J.M. Keynes.
          Passadas as surpresas de 6/11, parte dos comentaristas banaliza os resultados das eleições americanas. Assim, a campanha de 2012 não teria mudado nada em Washington. Barack Obama permanece na Casa Branca e o Congresso continua dividido como antes: maioria republicana na Câmara e democrata no Senado. Uma manchete do site do "New York Times" resumiu essa interpretação: "Obama obtém uma nítida vitória, mas a balança do poder não mudou em Washington".
          Todavia, outros artigos do jornal nova-iorquino -e da mídia americana- alteram tal perspectiva. Efetivamente, como nas grandes viradas políticas geradas por um forte reposicionamento eleitoral, a vitória de Obama tem uma dupla dimensão: ela provoca a debandada de seus adversários republicanos e reforça o Partido Democrata.
          Para além da contagem dos votos de uns e de outros no Congresso, um Partido Democrata renovado enfrenta agora um Partido Republicano apoplético: a balança do poder mudou, sim, em Washington. As longas e polêmicas primárias republicanas fragilizaram a candidatura Romney.
          Em campanha há seis anos, desde as primárias para a eleição de 2008, o republicano teve primeiro que terçar armas no seu próprio partido. Na sequência da radicalização inaugurada por Sarah Palin em 2008, o sucesso de Rick Santorum entre os partidários do Tea Party e das teses mais conservadoras, levou a campanha republicana muito para a direita.
          Romney teve de correr atrás dos votos de Santorum, fazendo declarações que queimaram seu prestígio junto aos republicanos mais liberais, aos latinos e aos trabalhadores das indústrias socorridas pelo governo federal. Aproveitando essas derrapadas e as controvérsias sobre o passado empresarial de Romney, os marqueteiros democratas pegaram pesado, apresentando-o como um ricaço insensível aos pobres.
          No meio do ano, um anúncio da campanha de Obama na TV responsabilizava Romney pelo fechamento de fábricas e entrevistava metalúrgicos desempregados que o chamavam de "vampiro".
          Houve também uma radicalização de Romney nos temas relativos à política externa e às suas ameaças diretas à Rússia e à China. Sobretudo ficou patente sua hesitação na política interna e sua inexperiência diplomática. Chamando Romney de "volúvel" ("ever-changing"), a revista conservadora britânica "The Economist" declarou seu apoio à reeleição de Obama.
          Perdendo o pé junto aos latinos -que anteriormente pesavam menos no eleitorado e, em boa parte, votavam republicano-, afastados do eleitorado feminino e dos jovens, os republicanos saem das eleições enfraquecidos e desorientados. Para alguns comentaristas, a viabilidade nacional do partido está agora posta em questão.
          OBAMA Tais circunstâncias permitiram que Obama se situasse como um líder mais coerente na política econômica e mais moderado no campo internacional. No discurso da vitória, em Chicago, Obama sublinhou dois pontos que considerava como trunfos de seu primeiro mandato: "a economia está se recuperando" e "uma década de guerras está terminando", referindo-se à retirada das tropas americanas do Afeganistão.
          A força e o vigor do partido democrata nascem do enraizamento da aliança social e política que levou Obama à Casa Branca quatro anos atrás. Como notaram os editorialistas americanos, o erro mais importante da direção republicana consistiu em considerar que Obama havia sido eleito meio por acaso. Para esses dirigentes, o início da Grande Recessão e o estrondo de setembro de 2008, com a bancarrota do Lehman Brothers, teriam baqueado o governo Bush e entregado a Casa Branca de bandeja para Obama.
          Depois disso sua vitória teria virado pó. A prova? Obama sofrera uma pesada derrota nas legislativas de 2010 e, num contexto econômico ainda difícil, não teria condições de se reeleger. A taxa de desemprego beira 8% nos EUA e, desde os anos 1930, nenhum presidente havia conseguido se reeleger com essa taxa acima de 7,2%. A fieira de dirigentes europeus derrubados pela crise nas eleições dos últimos anos parecia confirmar o raciocínio dos republicanos.
          Em maio, o portal de notícias "Examiner", baseado em Denver, perguntou: "A eleição de Obama em 2008 foi um golpe de sorte ("fluke")"? Agora, do jornal "Washington Post", numa análise de escopo nacional, ao "Richdmond Times Dispatch", num balanço sobre a Virgínia (Estado vezeiro no cerceamento do voto das minorias, onde Obama venceu pela segunda vez), a maioria dos editorialistas constata: 2008 não foi um "fluke", a reeleição demonstra que o presidente construiu uma base política consistente.
          As mulheres solteiras, os jovens, os latinos, os negros, os asiáticos, os trabalhadores industriais e setores liberais dos Estados situados nos litorais oceânicos americanos reelegeram Obama. Essa coalizão deu novo impulso aos democratas, até porque a maioria democrata no Senado também evoluiu.
          Conhecido como "Blue Dog", o grupo de senadores democratas conservadores ou moderados reduziu-se, cedendo lugar para senadores mais próximos dos princípios de solidariedade social e de regulação econômica que têm sido esconjurados desde a era Reagan (1981-89). Outros pontos do novo perfil democrata são mais sutis.
          Ainda em maio, numa entrevista exclusiva à rede ABC, concedida a uma jornalista amiga, Robin Roberts, Obama declarou-se favorável ao casamento gay. Ele tomou a iniciativa de caso pensado, sabendo que a militância mais jovem, essencial na sua campanha, apoia amplamente tal declaração. Sabia também que a porcentagem dos americanos favoráveis a essa forma de união passou de 27% em 1996 a 53% em 2012, segundo pesquisa do Gallup, e que os casais gays são importantes doadores do Partido Democrata.
          A análise detalhada dos resultados eleitorais imprime um significado histórico à vitória democrata. Tome-se o caso de dois Estados-chave nesta e noutras eleições, cujo resultado decide a parada no nível nacional, Ohio e Flórida.
          A maioria dos comentaristas concorda que a vitória de Obama em Ohio (nenhum republicano venceu a corrida presidencial sem ganhar neste Estado), e no vizinho Michigan (onde o pai de Romney foi governador, onde ele cresceu e tem parentes) deveu-se à intervenção e aos empréstimos do governo federal para salvar um milhão de empregos da indústria automobilística combalida pela crise.
          Na hora em que escrevo, a contagem de votos ainda não terminou na Flórida e o resultado do escrutínio ali tornou-se irrelevante: Obama ganhou a parada, mesmo perdendo na Flórida. Mas a apuração indica a vitória democrata. Além disso, num referendo estadual, os eleitores da Flórida repudiaram restrições ao "Obamacare", a reforma do sistema de saúde que favorece os pobres e regula as empresas do setor.
          Na Flórida, e mais incisivamente na Virgínia e noutros Estados onde os democratas venceram, pesou o voto dos latinos e de outras minorias assustadas com a política anti-imigratória apregoada por Romney. Mas há camadas sociais mais densas que ajudaram a reeleger o presidente.
          As pesquisas de boca de urna mostraram que Obama venceu entre os eleitores de menor renda (abaixo dos US$ 50.000 anuais) e que sua vantagem é ainda maior entre os mais pobres. Nesse contexto, sua reeleição permite avançar na implementação do novo sistema de saúde, consolidando a reforma e a base social dos democratas.
          O apoio mais amplo do eleitorado às intervenções do governo federal na defesa dos empregos industriais e na proteção social, reabilita os investimentos e as políticas públicas.
          Considerado peça de museu por boa parte dos economistas e dos ideólogos, o keynisianismo está de novo na ordem do dia nos EUA.

            AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Conversando no shopping‏


            Estado de Minas: 11/11/2012 
            Estava no shopping Diamond Mall, em Belo Horizonte, quando uma senhora pediu licença e se assentou à minha mesa. Ora, estava eu exatamente pensando na BH de meu tempo, numa pensão na Avenida Álvares Cabral, da qual quase fui expulso por me assentar para almoçar à mesa de uma senhora que não conhecia. Meu gesto era um atrevimento, naquele tempo.

            Pois estava eu ali considerando o que era a BH de ontem e a BH de hoje. Já havia, de manhã, enfrentado um trânsito infernal e à noite iria enfrentá-lo de novo, indo à PUC Minas para uma conferência sobre minha experiência como ensaísta e crítico. Vivo repetindo para os motoristas que sou do tempo em que havia bondes e árvores na Avenida Afonso Pena e a cidade tinha – acreditem! – 650 mil habitantes.

            Pois estava eu ali naquele shopping me lembrando daquela BH de Drummond (vinha de uma entrevista sobre Drummond no programa Arte no ar, de Thelmo Lins), estava ali recordando a BH de Fernando Sabino (que dizia saber a ordem das casas nas devidas ruas), estava mergulhado na BH que conheci, quando o Maletta e o Bucheco significavam uma revolução sexual, e aparece essa senhora, que era também daquele tempo, na cidade que só existe na memória.

            Pois ela se assentou naturalmente e, depois do silêncio inicial, perguntei-lhe de onde era. Era de Virginópolis (procurem no Google e o no GPS) e a conversa foi se interiorizando. Advogada, estudara aqui nos anos 60 e, tanto quanto eu, frequentava o bandejão da Faculdade de Direito. Perguntei-lhe pelo mítico Alberto Deodato, que eu encontrava na Livraria Itatiaia, e caímos na BH de 40 ou 50 anos atrás, antes de o prefeito Jorge Carone mandar derrubar as majestosas árvores que davam um toque silvestre e tranquilo à Afonso Pena.

            No entanto, voltando ao estabanado presente, olhei uma vez mais o shopping onde estávamos, fervilhando de gente e com lojas de marcas internacionais. Que contraste com a rupestre A Camponesa, aonde se ia para paquerar e tomar ingênuos sucos. Lembrei-me que um dia uma morena portentosa se aproximou de mim... Eu solteiro e desajeitado, me armei todo, mas a bela queria simplesmente me vender uma tômbola de carros. 

            Como imaginar que aquele campo do Atlético daria lugar a esse templo da pós-modernidade!

            Naquele tempo, porteiro não deixava moça, nem irmã, subir ao apartamento de rapazes. Eram guardiães da moral mineira. Por isso, as moças iam pressurosamente passar as férias no Rio... E que férias!

            Era assim: moça de família, até os anos 50, não andava de calça comprida na Avenida Afonso Pena. Só as cariocas e prostitutas. Minha interlocutora contou-me a revolução que foi, quando na agência do banco onde trabalhava, apareceu de jeans. Os próprios colegas ficaram em polvorosa e quem a defendeu foi o gerente. 

            Olho em torno e vejo como as pessoas estão vestidas hoje. Estão seminuas. Nos aeroportos então é um deus nos acuda. O certo é viajar de sandálias e de bermudas. Temos que conviver com o cheiro e o dedão do pé alheio. E as mulheres de shortinho, shortíssimos. 

            Não, não estou reclamando, me entendam, estou constatando.

            De repente, a conversa que estava tendo com minha fortuita interlocutora esbarra no preconceito de certos professores contra as raras alunas no curso de direito. Alguns até judiavam delas. Já na primeira aula, jogavam na cara delas que estavam ali caçando marido.

            Não resisti indagar àquela senhora de Virginópolis sobre uma história que sempre pensei fosse uma lenda urbana. Ela confirmou que era verdade, e me contou: um professor de direito criminal narrava com fartura de detalhes o tamanho do pênis de um estuprador, quando uma aluna, achando que ele estava fazendo aquilo desmesuradamente, retirou-se da sala. Mas no caminho da porta ainda teve que ouvir do mestre: “Minha filha, deixa eu lhe dar o endereço do estuprador...”.


            >>  www.affonsoromano.com.br

            Marcos Coimbra - Lições americanas‏

            As elites brasileiras não acreditam no povo e em sua capacidade de discernir. Daí que inventaram e mantêm instituições para protegê-lo
             

            Estado de Minas: 11/11/2012 
            São tão diferentes os sistemas políticos de Brasil e Estados Unidos que é difícil comparar suas eleições com as nossas. 

            Ainda assim, muito do que acontece por lá pode ser útil para compreender os problemas que temos aqui. Pode nos ajudar a perceber em que dimensões é possível aprimorar nossa democracia. 

            Duas diferenças entre as culturas dos dois países ficaram particularmente visíveis no processo que levou à reeleição de Obama. 

            A pluralidade
            Tirando o bipartidarismo de fato, tudo, na vida política norte-americana, tende a ser muito. Tudo é múltiplo, variado, heterogêneo. 

            O que é bom.

            Aqui, temos um multipartidarismo exagerado, com 30 partidos registrados e 28 com algum tipo de representação legislativa. Fora isso, tudo é pouco e limitado. 

            O que é mau. 

            Lá, cada estado tem suas regras eleitorais. Em alguns, aproveita-se a eleição para fazer plebiscitos e referendos. Em uns, o voto é de um jeito. Em outros, de outro. 

            Não existe uma rede de televisão que monopoliza a audiência. São dezenas os jornais relevantes. São várias as grandes empresas de comunicação, o que as torna mais competitivas e oferece escolha efetiva ao público. 

            Existem muitas empresas de pesquisa e são inúmeras as pesquisas publicadas. Não têm só um grande comprador e só um grande fornecedor. 

            No Brasil, o figurino institucional é imposto centralmente e a indústria de comunicação é oligopolizada. Estamos na idade da pedra em matéria de divulgação de pesquisas. 

            A autonomia
            A cultura política norte-americana é liberal e autonomista. Baseia-se no princípio da liberdade individual e no direito à livre escolha. 

            Vota quem quer, do modo que quiser. Se preferir, vota antes dos outros ou pelo correio. Qualquer cidadão pode se inscrever candidato a presidente (este ano, foram 417).

            Para um americano, não faria sentido que recursos públicos fossem utilizados para ensiná-lo a votar. Uma campanha caríssima de “Vote limpo!”, por exemplo, seria considerada ridícula. 

            Aqui, temos um liberalismo de fachada, usado na hora de defender privilégios e preconceitos. Mas uma cultura política fortemente baseada na noção de tutela. 

            As elites brasileiras não acreditam no povo e em sua capacidade de discernir. Daí que inventaram e mantêm instituições para “protegê-lo”. 

            Não pode isso, não pode aquilo. Campanha, só depois da hora marcada. 

            Criamos até um braço especializado do Judiciário para “tomar conta” das eleições. 

            O grande problema de nossa cultura é que os monopólios e o paternalismo são faces da mesma moeda. É muito difícil enfrentar um sem cuidar do outro. 

            O certo é que, se não os resolvermos, ficaremos sempre aquém do que podemos ser como democracia.

            O melhor da cultura em 7 indicações


            ILUSTRÍSSIMA SEMANA
            O MELHOR DA CULTURA EM 7 INDICAÇÕES
            BRASILEIRO
            EXPOSIÇÃO | UM MUNDO EMBRULHADO PARA PRESENTE
            Como o pintor Júlio Martins da Silva (1893-1978) pode ser praticamente desconhecido?, pergunta-se a galerista Vilma Eid, no texto para a exposição. Com extenso currículo, Martins da Silva é um dos grandes nomes da arte popular brasileira, com trabalhos expostos no Museu Nacional de Belas Artes e na Bienal de Veneza. A exposição exibe 19 obras do acervo da Galeria Estação. Curadoria de Paulo Pasta.
            de quarta (14) a 19/12 | grátis
            ERUDITO
            LIVRO | ESPINOSA
            Confiado pelo filósofo holandês (1632-77) a um amigo no ano de sua morte, desaparecido durante séculos e localizado no século 19, este "Breve Tratado de Deus, do Homem e do seu Bem-Estar" é o texto em que Espinosa "propõe encontrar uma via racionalista para os grandes temas religiosos que preocupam seus amigos mais próximos", escreve a filósofa Marilena Chaui no prefácio.
            Autêntica | 176 págs. | R$ 47
            ESTRANGEIRO
            LIVRO | SETE DESAFIOS PARA SER REI
            O garoto Stach, de 17 anos, órfão e pobre quer se tornar o rei de Katoren, reino criado pelo escritor e político Jan Terlouw, grande nome da literatura para crianças na Holanda, neste romance infantojuvenil de 1971. Com o rei morto, os ministros que formam o governo provisório querem encontrar o candidato mais apto para assumir o trono. Stach se dedica a sete tarefas para ser o novo soberano.
            trad. Tarcísio Lage e Iveline da Costa Lage
            Ática | 168 págs. | R$ 29,90
            LIVRO | 1Q84 - LIVRO 1
            O primeiro de três livros do romance de Haruki Murakami, considerado a melhor obra de 2011 por jornais como "New York Times" e "Washington Post", narra as histórias de Aomame -matadora profissional- e do professor de matemática e pretenso escritor Tengo, que vão trabalhar juntos ao longo da trama. A publicação dos outros dois livros do romance está prevista para maio e novembro do ano que vem. Tradução (do japonês) de Lica Hashimoto.
            Alfaguara | 432 págs. | R$ 49,90
            POP
            EXPOSIÇÃO | O GLOBO DA MORTE DE TUDO
            Os artistas plásticos Nuno Ramos e Eduardo Climachauska montaram na galeria carioca Anita Schwarz uma estrutura com mais de 1.500 objetos, classificados pelas categorias "Cerveja" (vida imediata e cotidiana), "Nanquim" (morte), "Porcelana" (luxo) e "Cerâmica" (coisas arcaicas e ancestrais), que serão destruídos quando motoqueiros passarem a se exibir nos dois globos da morte acoplados às prateleiras que sustentam os objetos.
            de quarta (14) a 17/2/2013 | grátis
            PALESTRA | DIÁLOGOS
            A série de debates promovida pela ESPM e pela Saraiva discute temas como religião, filosofia, arte e literatura nas sedes da livraria dos shoppings Iguatemi, Vila Olímpia e Ibirapuera. No próximo encontro, amanhã, às 19h, o professor da Universidade Metodista Jung Mo Sung media debate sobre a espiritualidade além das religiões. Programação em www.espm.com.br/dialogos.
            até 3/12 | de R$ 160 a R$ 380
            COLEÇÃO | ANTROPOLOGIA HOJE
            A editora Terceiro Nome e o Núcleo de Antropologia Urbana da USP abrem a publicação de títulos da coleção com quatro livros, entre eles "Cultura Surda", de César Augusto de Assis Silva, análise das práticas de evangelização de surdos, e "Da Periferia ao Centro", de José Guilherme Magnani, que aborda as trajetórias de pesquisa em antropologia urbana. A editora prevê o lançamento de outros dois livros para dezembro: "Imagem-Violência", de Rose Satiko Gitirana Hikiji, sobre relação entre cinema e antropologia, e "Jogo, Ritual e Teatro", estudo do tribunal do júri, de Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer.
            "Cultura..": 248 págs. | R$ 36
            "Da Periferia": 352 págs. | R$ 38

              Tereza Cruvinel - Crise federativa‏

              Em algum momento será preciso pôr freio no hiper-multipartidarismo brasileiro. A profusão atravanca o funcionamento do Congresso e torna o Executivo cada vez mais dependente de barganhas e concessões para assegurar a maioria 

              Estado de Minas: 11/11/2012 
              Quando 25 estados resolvem brigar com outros dois, temos uma crise federativa. Quando pegam em armas, como fez São Paulo em 1932, temos a guerra civil. A crise deflagrada pela aprovação de um projeto de lei que reparte os royalties do petróleo entre todas as unidades federadas decorreu, fundamentalmente, da falta de comando, da falta de articulação política e de relativa omissão do poder central. O governo federal é o guardião da unidade federativa, cláusula pétrea da Constituição.
               

              O governo Lula enviou a proposta original ao Congresso em agosto de 2009, pouco depois da boa-nova do pré-sal. Logo ficou claro, pelo apoio à chamada emenda Ibsen Pinheiro-Humberto Souto, que as bancadas dos estados não produtores estavam determinadas a ampliar a irrisória participação que tinham nos royalties, de cerca de 7,5%, via fundos de participação dos estados e municípios (FPE e FPM). O então presidente Lula anunciou seu veto político,  mas o substitutivo foi aprovado em 2010 e encaminhado ao Senado. Em outubro do ano passado, já no governo Dilma, o Senado aprovou, com apoio de quase 80% da Casa, o substitutivo do senador Vital do Rego, que foi além de Ibsen. Ele não só incluiu os estados não produtores na partilha dos royalties dos novos campos de exploração como avançou sobre os contratos de campos já licitados. Estes, localizados quase inteiramente no litoral dos estados do Rio e do Espírito Santo, pela regra (ainda) em vigor garante aos dois estados receitas anuais de R$ 4 bilhões e R$ 900 milhões, respectivamente.

              No Senado, governo, estados produtores e demais interessados podem ter sido surpreendidos. Mas agora, para a aprovação desse texto pela Câmara, e a rejeição do substitutivo do relator Carlos Zaratini, não há explicação, senão a omissão.

              Os governadores Sérgio Cabral e Renato Casagrande parecem ter confiado no poder de fogo do Planalto sobre o Congresso. Só na semana da votação começaram a aparecer declarações preocupadas de ambos. Não foram vistos em Brasília. Só na semana anterior à votação, o ministro da Educação, Aloisio Mercadante, reuniu-se com a bancada do PT para dizer que o governo estava de acordo com o relatório de Zaratini, pedindo apenas a destinação de 100% dos recursos à Educação. O relator acolheu. Sua proposta era técnica e juridicamente correta. Ampliava a distribuição, mas respeitava os contratos já existentes. Em outras palavras, observava o pacto federativo. De resto, o Planalto confiou na lealdade de sua vasta maioria, apesar de todos os sinais prévios de forte aliança entre os estados não produtores. Deu no que deu.

              A correção de um erro aritmético vindo do Senado atrasará o envio do projeto à presidente da República. Ela pode vetar a nova partilha e enviar uma MP ao Congresso, como fez no caso do Código Florestal. Mas bom mesmo seria zerar o jogo, abrindo-se uma discussão mais consequente sobre a partilha e sobre o destino dos recursos. A educação deve ser contemplada, mas também outras áreas, incluindo a ambiental, tão afetada pela exploração petrolífera.

              Reforma de três pontos
              A reforma política mínima que Dilma combinou com a cúpula do PMDB e do PT, no jantar de terça-feira passada, por falta de tempo e de consenso, seria circunscrita a três pontos: introdução do financiamento público de campanhas; proibição das coligações nas eleições proporcionais; e bloqueio temporário da criação de partidos. Ou melhor, poderiam ser criados, mas não teriam acesso ao tempo de TV e aos recursos do fundo partidário. Em compensação, seria aberta uma janela temporária de acomodação, um período em que seria permitida a mudança de partido sem perda de mandato.

              De fato, em algum momento será preciso pôr freio no hipermultipartidarismo brasileiro. A profusão atravanca o funcionamento do Congresso e torna o Executivo cada vez mais dependente de acordos, concessões, barganhas e coisas tais, para assegurar a maioria.

              Mudanças só em abril
              Nesta semana Dilma encontra-se com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que não vê a hora de embarcar na fragata da base governista. E com isso, seu PSD, possivelmente através da sua pessoa, terá seu quinhão no ministério. Mas terá de esperar. Dilma já sinalizou que vai esperar o ano virar, a eleição das mesas da Câmara passar e as comissões técnicas serem compostas. Depois, vem o carnaval. Depois de examinar a nova correlação de forças entre os partidos é que ela remontará sua equipe para a travessia da segunda metade do mandato. Aquela que costuma ser consumida apenas com os preparativos da reeleição.

              Em falta
              O Brasil forma 13 mil médicos por ano mas apenas 5 mil especialistas. Faltam pediatras, oftalmologistas, gastroenterologistas, neurologistas, cardiologistas e ortopedistas. Faltam dermatologistas clínicos, pois a maioria dedica-se à “dermatologia estética”, que cuida de rugas e manchas em peles dos mais abonados. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga, abordou o problema com o ministro Mercadante, da Educação. Ouviu que, recentemente, foram autorizadas mais 1,5 mil vagas anuais. Então foi pouco, disse o líder
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              Música que pulsa - Eduardo Tristão Girão‏

              Instrumento que já fez história na música brasileira, o acordeom atrai novos aficionados e pode ser ouvido em bandas de rock, rodas de choro e em trabalhos de trupes de teatro 

              Eduardo Tristão Girão
              Estado de Minas: 11/11/2012 
              Em termos de sanfona, Minas Gerais pode não ter o mesmo prestígio do Nordeste ou do Rio Grande do Sul, mas tem lá seus encantos. No ano do centenário de Luiz Gonzaga é possível dizer que o instrumento vive boa fase por aqui. Além dos acordeonistas que atendem a enxurrada de duplas sertanejas e forrozeiros, há gente encaixando o fole em bandas de rock, rodas de choro, grupos instrumentais e até trupes teatrais. Fora os alunos de diferentes perfis que procuram aprendê-lo. O Rei do Baião aprovaria. 

              Convencionou-se dizer que até os anos 1950 toda casa brasileira tinha alguém que soubesse tocar acordeom e que a popularidade dele diminuiu a partir da popularização da bossa nova, que teve como principal instrumento o violão. De lá para cá, nenhum gênero musical foi criado por um sanfoneiro e as grandes referências continuam as mesmas (Brasil, Itália, França, Argentina, Leste Europeu, mundo árabe etc.), mas novos talentos continuaram a surgir, expandindo pouco a pouco os domínios da sanfona. 

              “O acordeom é um instrumento nobre, apesar de ter sido colocado no fundo do palco. Poucos têm a chance de fazer papel de solista no Brasil, como Toninho Ferragutti, Borghetinho, Bebê Kraemer, Oswaldinho do Acordeom e Dominguinhos”, diz Célio Balona, de 73 anos, veterano da cena instrumental de Belo Horizonte. O acordeom foi seu primeiro instrumento e “paixão” absoluta: “É tão completo como o piano, pois proporciona fazer solo e acompanhamento, além de registros que alteram a sonoridade”.

              Um dos cruzamentos mais curiosos feitos com a sanfona na cidade é realizado por Sarah Assis, de 34 anos, que atualmente desenvolve trabalhos com as bandas de rock Dead Lover’s Twisted Heart e Proa. “Gosto do gênero e passei a fazer experimentos. Como o acordeom tem captação interna e o plug é igual ao da guitarra, por que não? Ligo distorção, delay e hoje uso também um antigo pedal russo de efeito phaser”, conta ela.

              “Tenho observado o retorno do acordeom com bandas como Beirut e também por conta da trilha sonora do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain. Há também muitos interessados em usar o instrumento no teatro”, observa Sarah. Nesse último caso, ela se refere a músicos como Gabriel Coupe, de 26 anos, membro da trupe teatral e circense Caras Pintadas. Sem estar ligado exclusivamente à música, ele ajuda a manter o público interessado no velho fole. E, por falar em teatro, a velha sanfoninha do Grupo Galpão, que marca presença em Romeu e Julieta, já foi ouvida até mesmo na terra de Shakespeare.

              Elementos teatrais, circenses, musicais e poéticos estão na pauta desse grupo, formado por ele e outros três integrantes há cinco anos para atuar em espaços públicos, bares, restaurantes e eventos. “O acordeom tem muito volume sonoro, tanto que pode ‘falar’ para muitas pessoas, mesmo se for numa praça. Além disso, como ele fica no peito, é impossível olhar para ele enquanto se toca, o que nos coloca sempre em contato com o espectador. Isso é precioso para o teatro”, analisa Gabriel.

              Já Lucas Viotti, 30 anos, perpetua o acordeom atacando em várias frentes musicais. No início do mês, por exemplo, participou da gravação do espetáculo Valencianas, do cantor e compositor pernambucano Alceu Valença com a Orquestra Ouro Preto, no Palácio das Artes, em BH. Paralelamente, toca choro com o cavaquinista Warley Henrique e forró com o grupo Baião Caçula – mas nem sempre um forró qualquer. “É um forró contemporâneo”, ressalta ele, que começou como DJ de forró e zabumbeiro. 

              “Tocamos para o público dançar ou para os que preferem ouvir. Depende da proposta, mas é bem na onda do Dominguinhos”, explica Lucas. O famoso sanfoneiro pernambucano é referência central para ele e o inspira a criar sotaque próprio no instrumento. Ele teve vários professores particulares de acordeom e, num segundo momento, resolveu aprofundar seu conhecimento estudando harmonia com pianistas e guitarristas. “O acordeom enfeitiça as pessoas e é preciso ter cuidado, pois é muito expressivo”, diz.
              Artesão de sons

              Para manter a sanfona em ordem é preciso quem saiba compreender seu complexo funcionamento. Entre os mestres na sua manutenção, conserto e reforma em Belo Horizonte, está Antônio Fortunato de Oliveira, conhecido por sua freguesia como Toninho dos Oito Baixos. Quase metade dos seus 66 anos é dedicada ao ofício, que exerce na pequena oficina mantida em casa. Trabalha com o filho, Antônio Fortunato da Silva, de 27 anos, que segue os passos do pai por pura identificação.

              “Em 99% das vezes procuram a gente para afinar o instrumento”, conta Toninho. Isso é tarefa que requer, além de bom ouvido, paciência, habilidade manual e um bom estoque de material, entre botões, madeira, papelão, pelica e uma infinidade de pequenas peças de metal para as quais não há venda avulsa. Daí a importância de manter na oficina instrumentos que possam ser desmanchados para fornecer peças de reposição.

              Para ter ideia da complexidade do serviço, uma sanfona de oito baixos requer, de acordo com ele, três meses de trabalho para ser montada desde o início. Cada serviço pode levar entre uma semana e, no caso de reforma, 90 dias. O pai e o avô de Toninho eram sanfoneiros, mas ele aprendeu esse trabalho com outros craques, entre eles Antônio Scarpelli, que consertava as sanfonas de Luiz Gonzaga.


              GLOSSÁRIO

              Sanfona
              Designação genérica para instrumentos dessa família.

              Acordeom
              Bastante difundido pelo mundo, tem teclado de um lado e até 140 botões de baixo do outro, além de registros que alteram o som. 

              Bandoneon
              Apesar da origem alemã, tornou-se o instrumento símbolo da música argentina. Não tem teclado, com carreiras de botões dos dois lados.

              Concertina
              Geralmente pequena, também tem botões dos dois lados, úteis à formação de acordes. Ao pressionar o mesmo botão é possível obter notas diferentes de acordo com o movimento do fole.

              Sanfona de oito baixos
               Também conhecida com gaita-ponto, é essencial às músicas nordestina e gaúcha e requer técnicas diferentes para ser tocada em cada região.

              De Michel Teló a Beirut 
              Aprendizado do instrumento atrai alunos de várias idades e preferências musicais. Acordeons chineses dominam o mercado, mas os italianos ainda são os mais prestigiados 

              Eduardo Tristão Girão
              Eunice viaja toda semana de Divinópolis para Belo Horizonte para ter aulas de acordeom. Sem qualquer conhecimento musical, Bruno mergulhou nas aulas de sanfona para relaxar da rotina de médico. Já Humberto aproveitou o gosto pelo sertanejo para fazer da sanfona seu terceiro instrumento. Três alunos de diferentes gerações e com objetivos distintos provam que o interesse pelo fole continua em alta.

              “Comecei a aprender acordeom quando ainda era bem nova, sem professor. Não me desenvolvi muito, porque não tive o esclarecimento total como agora. A música e esse instrumento trazem alegria muito grande. Ainda não toco muito bem, mas sinto que sou artista”, revela a dona de casa Eunice Cunha, 61 anos, que mora em Divinópolis, a 120 quilômetros da capital mineira.

              Ela e os outros dois alunos estão entre os 10 que estudam com a acordeonista Sarah Assis em BH. “Tenho aluno que procurou sanfona por causa do Michel Teló e hoje toca também Beirut e Piazzolla”, conta a professora. Ano que vem, ela abrirá espaço próprio que funcionará como escola e centro de referência do instrumento.

              “O grande desafio do acordeom é o peso. O meu tem 12 quilos, por exemplo. O instrumento exige que se queira muito aprender. O ideal é iniciar com o de 80 baixos, que é leve e tecnicamente suficiente para o aprendizado”, aconselha. De preferência, continua, o primeiro instrumento deve ser comprado usado, já que o preço de um novo é muito mais alto e uma eventual revenda seria mais vantajosa.

              Coordenação 


              O médico Bruno Righi, 36 anos, seguiu o conselho dela e, há três meses, dedica-se a dominar o acordeom. “Por ser de tecla, achei que fosse mais fácil que instrumentos de corda ou sopro. Além disso, dá para tocar qualquer tipo de música nele. Para mim, é tudo novidade e até agora não consegui coordenar a mão direita com a esquerda. Não tenho pressa. Toco para me desligar da rotina, pois esse é um dos poucos momentos que tenho só para mim”, afirma.

              Humberto Luiz Machado Filho, 24 anos, está há mais ou menos o mesmo tempo fazendo aula do instrumento, com a diferença de que já sabe tocar violão e teclado. “Gosto muito de sertanejo antigo e um pouco do mais recente, mas ouço de tudo um pouco”, conta ele. Prova disso é o sorriso que abre ao ouvir a execução de tema do filme O poderoso chefão na sanfona.

              Sertanejos aquecem as vendas

              Além de resistência e persistência, o interessado em aprender acordeom deve preparar o bolso, pois um instrumento usado de boa procedência custa em torno de R$ 3 mil. Entretanto há outras opções de preço em lojas especializadas. Na Serenata, em Belo Horizonte, por exemplo, há oito modelos (todos chineses) que custam entre R$ 350 e R$ 4,8 mil.

              “O material desses instrumentos é diferente daquele dos acordeons italianos. Enquanto uma grande fábrica chinesa faz 2 mil unidades por mês, uma italiana faz 80. A diferença não é proporcional ao preço, pois um italiano de R$ 18 mil não é quatro vezes melhor que o nosso chinês mais caro. Nossos instrumentos são para profissionais, mas valores altos como esse são muito dinheiro para qualquer instrumento. Poucos artistas podem ter um”, diz Rogério Garcia Bousas, diretor da loja.

              Atualmente, a Serenata vende aproximadamente 200 acordeons por ano em suas quatro lojas e por meio de comércio eletrônico – número muito inferior ao referente à venda de violões, que chega a 15 mil unidades anuais. “Hoje, a procura por acordeons é crescente, principalmente por causa da popularidade da música sertaneja. Quem compra geralmente são homens acima de 35 anos”, completa.