sábado, 3 de novembro de 2012

WALTER CENEVIVA



De Sandy a Deus

Algo me diz que a aproximação de Brasil, África do Sul e Austrália será boa para os três países
SE HOUVESSE um supremo tribunal interplanetário para julgar a culpa pelos efeitos dramáticos do furacão Sandy, gerados pelos habitantes da Terra contra a natureza, talvez a decisão fosse condenatória. As mortes e a destruição decorrentes do Sandy justificariam uma pergunta hoje de uso comum: como ficaria a dosimetria? Quem foi, e em que grau, responsável pelo mau uso da superfície, do ar e das entranhas do planeta no hemisfério norte?
O limite da pergunta se explica. Nós, do hemisfério sul, começamos a intervir na vida dos continentes há menos de 600 anos. Os do norte assinalaram sua presença há uns 12.000 anos -boa parte do hemisfério sul era desconhecida pelo menos até o século 16.
Esses 600 anos marcaram a ocupação de todo planeta. Mesmo assim, só no século 20 surgiram muitas das duas centenas de nações novas, com independência ao menos formal. Desapareceram colônias de países europeus e asiáticos nos cinco continentes.
O avanço dos conquistadores eurasiáticos nessa área marcou a história da Terra. O remanescente apenas alcançou o nível de vida civilizada, segundo os padrões ocidentais, quando conquistadores europeus se instalaram no México e nos Estados Unidos e igualmente com a verificação da terra que se sabia existir na latitude atingida por Pedro Álvares Cabral.
Percebo a pergunta do leitor: por qual a razão uma coluna jurídica precisa dar tantas referências geográficas? Simples: a Constituição brasileira enuncia princípios que, favorecendo relações internacionais, preservam, no art. 4º, a independência nacional; garantem regras de autodeterminação dos povos e de não intervenção. O mesmo resulta do art. 21, I (relações com outros Estados e organizações internacionais), colocando sob o presidente da República a condução do relacionamento externo.
O aprofundamento do exame impõe o conhecimento das áreas envolvidas. Existem três países de grande extensão territorial ao sul do Equador -Austrália, África do Sul e Brasil- com expressão bem marcada no cenário internacional. Os 50 milhões de sul-africanos ocupam 1,2 milhões de quilômetros quadrados, muito menos que os 7,7 milhões da amplitude australiana, mas de população rarefeita e modesta, na casa dos 21 milhões. Ambos menores que o Brasil nos dois quesitos, pois somos 192 milhões espalhados em 8,3 milhões de quilômetros quadrados, com milhares de cidades.
Dois outros pontos diferenciam os três países: hoje se pode dizer que o território brasileiro está inteiramente ocupado. Não a Austrália, nem tanto por ser o país mais plano do mundo, mas pelos seus quatro grandes desertos. A África do Sul ainda vive consequências da política da separação entre brancos a negros, até a segunda metade do século 20.
Dentre os três, se for o caso de composição uniforme dos interesses multinacionais, nosso país tem presença marcante, o que não obsta a associação dos três para percorrer caminho mais adequado para o futuro comum. A composição dos instrumentos legais para viabilizar a aproximação tem a vantagem de facilitar o acesso marítimo, pelo Oceano Atlântico e pelo Indico, só no hemisfério sul. Algo me diz que, de Sandy a Deus, a aproximação do sul será boa para os três na linha reta do trópico de Capricórnio.

LIVROS JURÍDICOS

PROCESSO LEGISLATIVO E ORÇAMENTO PÚBLICO
AUTOR Luiz Gustavo Bambini de Assis
EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
QUANTO R$ 54 (296 págs.)
A tese de doutorado (Fadusp) busca "a mudança na visão que os parlamentares têm do processo orçamentário", assim evitando câmbios "em sua matriz constitucional", segundo seu orientador, Enrique Ricardo Lewandowski. Funções do parlamento e aspectos do processo legislativo completam a obra.
AUTORIA E PLÁGIO
AUTOR Marcelo Krokoscz
EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
QUANTO R$ 33 (168 págs.)
A ideia básica de Krokoscz, em sua definição, está no criar um guia para estudantes, profissionais, pesquisadores e editores. O plágio, doença incurável na construção de tantas obras, surge em seis tempos: modo de acontecer, tipo no âmbito educacional, forma de evitar, o que é e o que não é plágio e, ao fim, exercícios variados sobre o plágio. A bibliografia é ótima.
COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO
AUTOR Leonardo Papp
EDITORA Millennium (0/xx/19/ 3229-5588)
QUANTO R$ 66 (352 págs.)
O autor reconhece, no Código, o defeito no mau processo de utilização da terra, abandonado o critério de preservação. Saúda, porém, a chegada do tempo da aplicação e a correspondente dificuldade. O exame é de artigo por artigo, com seus vetos, especialmente nas áreas de preservação permanente.
MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO
AUTOR Gustavo Bregalda Neves
EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
QUANTO R$ 88 (442 págs.)
Voltado para os candidatos em concursos da magistratura e do INSS, o texto enfoca o direito da seguridade social. O escritor adita, ao fim dos temas avaliados, boa síntese do que ficou exposto. Em cada segmento, oferece gráfico-síntese da exposição, a jurisprudência, mais gráficos e questões propostas para cada tema.
A CONDIÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR IMIGRANTE NO DIREITO BRASILEIRO
AUTOR Pedro Augusto Gravatá Nicoli
EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
QUANTO R$ 40 (173 págs.)
A obra traz dissertação de mestrado apresentada à UFMG, sobre "a questão migratória da atualidade", na súmula do título.
CURSO PRÁTICO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO
AUTOR Reinaldo Couto
EDITORA Atlas (0/xx/11/3357-9144)
QUANTO R$ 48 (176 págs.)
Há modelos, esquemas voltados para o processo administrativo e a sindicância. Tem jurisprudência do STJ, preocupação do curso prático.

    Café a toda prova



    Laertevisão


    LARTEVISÃO

    Nosso fim do mundo - Zuenir Ventura


    O Globo 03/11/2012

    Vizinho do mar, que amo tanto quanto temo, fiquei assustado vendo as imagens do furacão Sandy devastando a Costa Leste dos EUA. A água do mar inundando túneis e estações do metrô, Times Square deserta, a Bolsa fechada, pacientes tendo que abandonar o hospital, apagão, falta de transporte, o caos. Como tudo isso podia estar acontecendo na talvez mais vibrante capital do mundo, transformada em cidade fantasma de um dia para o outro? Um pesadelo me assaltou:
    E se os maias tiverem razão nas suas profecias de fim do mundo? E se um dia uma dessas supertempestades desembestadas resolver varrer a nossa orla? Sei que moro num país tropical abençoado por Deus, que nos poupou desses tormentos — terremotos, vulcões, tsunamis, ciclones, furacões. Mas nunca se sabe até quando.
    Diante do formidável espetáculo das forças da natureza em fúria não havia como não lembrar a crônica “Ai de ti, Copacabana”, de Rubem Braga, uma maldição bíblica em prosa poética com acentos apocalípticos. “Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia.”

    Um meteorologista já avisou que a tendência é piorar. Essas ocorrências fariam parte da crescente onda de desequilíbrios climáticos dos quais ninguém estará livre. Esta semana, em Curitiba, por exemplo, onde eu estava e onde jamais senti calor, a temperatura chegou a 35°, a mais elevada nesta época do ano desde 1936. Em Londrina e Maringá foi pior: mais de 38°. Será que seria um “sinal”, ou seja, a contagem regressiva do que os maias previram para o dia 21 de dezembro? “É chegada a véspera de teu dia”, continua o velho Braga, “e minha voz te abalará até as montanhas. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face.”

    Mas me tranquilizei. Assim como Copacabana sobreviveu incólume às premonições do grande cronista, nós estamos transformando a anunciada tragédia final na comédia “Como aproveitar o fim do mundo”, de Fernanda Young e Alexandre Machado. Aliás, não é a primeira vez que isso acontece. Nos anos 30 houve ameaça parecida, e quem deu a resposta foi Assis Valente na voz de Carmen Miranda no clássico “E o mundo não se acabou”. Ela cantou:

    Beijei na boca de quem não devia

    Peguei na mão de quem não conhecia

    Dancei um samba em traje de maiô.

    Enfim, fez tudo o que era então desatino. “E o tal do mundo não se acabou.” Aqui tudo termina em samba ou em riso, até o mundo. l

    Línguas cruzadas - José Castello



     O Globo - 03/11/2012

    O LIVRO DE TATIANA SALEM LEVY É UMA DELICADA, MAS DENSA REFLEXÃO SOBRE O VALOR DAS PALAVRAS


    Um grande risco ameaça o século XXI: a difusão em massa das verdades peremptórias. Nosso tempo se caracteriza pelo culto da ênfase. É um tempo de gritaria. Vozes enfáticas e cheias de si nos asfixiam com sua veemência. Quase não sobra espaço para a hesitação e para a dúvida. Para o movimento, e vida é movimento, e não estagnação. Resta pouco lugar para a surpresa.

    Daí a alegria que sinto ao ler “Curupira Pirapora”, livro infantil de Tatiana Salem Levy (Tintada- China, ilustrações de Vera Tavares). Tatiana é uma das melhores autoras da nova geração brasileira. Seu primeiro romance, o belo “A chave da casa” (Record), lhe deu o Prêmio São Paulo de autor estreante. Agora transporta seu talento para essa primeira narrativa para crianças.

    O que dizer às crianças que lutam para crescer em um mundo estagnado na ênfase e nas certezas? Como lhes mostrar que a realidade é fluida, que a vida é feita de ventos, e não de pedras? Tatiana
     isso. Seu livro narra o encontro de dois mundos divergentes e as mudanças que ele provoca. Conta a história da menina Janaína, que deixa a cidade grande para uma visita aos avós índios na floresta. Janaína é mameluca: traz, dentro de si, dois sangues. Carrega, em seu interior, o desencontro, mas também a possibilidade do encontro verdadeiro.

    Na floresta, ela encontra um curupira — o anão de cabelos longos e vermelhos, com os pés virados para trás, personagem do folclore brasileiro. Pirapora (em homenagem ao pai, Pira, e à mãe, Pora) é a encarnação do Estranho. Janaína entra em pânico. “Por que você tem os pés pra trás? E por que anda assim, só com uma tanguinha de folhas?”, ela pergunta. Não percebe que, aos olhos de Pirapora, também ela parece estranha e inaceitável. “Por que você usa tanta roupa? Para que esses tamancos na floresta? E essa bolsa tão grande?” A menina exibe os objetos que carrega consigo: um computador, um celular, um batom, um espelho, uma barra de chocolate. A eles contrapondo a beleza da floresta, o curupira a convida para um passeio. Em sua aparente simplicidade, em seu silêncio, a floresta é rica e complexa. Janaína é apresentada a frutas de nomes estranhos: puxuri, buriti, andiroba, bacuri, teperebá, cupuaçu. Começa a perder o medo. Visto de longe, o Estranho é não só ameaçador, mas vazio — como os mortos-vivos que circulam pelos filmes de terror. Basta, porém, aproximar-se um pouco e isso muda.

    A menina se surpreende, em particular, com a quantidade de palavras que desconhecia. “E com as palavras, vinham também as coisas, que ela nem imaginava existirem”. O que não tem nome não existe, embora exista, ela descobre. Assombra-se, ainda, com o silêncio da floresta: “o silêncio é o som das coisas que raramente ouvimos, como o coaxar dos sapos e o pio das corujas”. O silêncio, a rigor, não existe: ele é só uma palavra que encobre o que não somos capazes de ouvir. Até porque, o curupira lhe mostra, “para os sentimentos mais raros não há palavra que chegue”.

    Um barulho seco corta a floresta. É um tiro, disparado por um caçador, que mata uma onça e seu filhote. Revoltados, Pirapora e Janaína resolvem enfrentá-lo. A morte é o inaceitável. Ao deparar com o curupira, é o caçador que, diante do Estranho, entra em pânico. Tenta agradá-lo oferecendo aguardente e fumo, dois prazeres, diz a lenda, de que um curupira nunca abdica.

    Pirapora, porém, resiste. E ameaça pendurar o caçador, de cabeça para baixo, em uma árvore bem alta. O homem pergunta o que ele quer de presente para desistir da ideia. “Leite da Lua”, responde, sem pensar. E lhe ensina como chegar à Lua e como colher esse leite. Pirapora não esperava por isso: o caçador chega mesmo à Lua e, em uma de suas crateras, colhe um leite denso e amarelo. A imaginação do curupira altera e germina o real. “Vai ver que ela (a Lua) me ouviu e começou a produzir leite”, ele medita. Janaína pensa, então, nos poderes do amigo, que “quando inventa a palavra, inventa também a coisa que a palavra diz”. Dizendo de outra maneira: a palavra vem sempre antes da coisa, e não ao contrário. É preciso, primeiro, dar um nome para que algo passe a existir.

    Depois de libertar a floresta, Janaína entende que é hora de voltar para a cidade. “De novo, o silêncio se instalou. Os olhos úmidos dos dois diziam o que as palavras não podiam dizer”. Eles gostavam muito um do outro. Um gostar tão intenso que as palavras falhavam e só com os olhos expressavam esse sentimento. Pirapora explica à menina que será também através dos olhos que, mesmo longe, eles continuarão perto um do outro. Quando quiser senti-lo perto de si, bastará que a menina olhe para a Lua, que ele, o
    curupira, estará olhando também. Esse cruzamento de olhares distantes será uma aproximação. Ao olhar para a Lua, eles não verão a Lua, mas — como em um espelho — a figura do outro. Pirapora lhe explica que essa é uma ótima maneira de ter perto as pessoas que estão longe: colocar outra coisa (uma imagem) em seu lugar.

    Janaína lhe propõe, então, uma segunda maneira de permanecerem juntos mesmo estando separados. Uma palavra ganha novo sentido para os dois: “saudade”. Antes de conhecer Janaína, o curupira vivia “numa escuridão”. Isso mudou: “Agora que ele enfim entendia o significado da palavra saudade, nunca mais seria só”. Só estamos sozinhos se não colocamos uma palavra no  lugar do que nos falta. A palavra não é a coisa, mas a traz de volta ao nomear sua ausência. Saudade quer dizer isso: que algo, que não está ao nosso lado, está efetivamente ao nosso lado.

    O livro de Tatiana Salem Levy é uma delicada, mas densa, reflexão sobre o valor das palavras, que guardam muito mais do que costumamos considerar. É, ainda, um relato a respeito da positividade do Estranho que, em vez de provocar medo, expande nossa visão do mundo. Estranhos um para o outro, falando línguas desconhecidas, Pirapora e Curupira entendem, enfim, que a divergência é a condição primeira do encontro. Aprendem, assim, a amar a diferença. E mostram a seus pequenos leitores que mesmo os sentimentos mais incômodos, como o medo, arrastam atrás de si grandes alegrias.

    ‘A NUDEZ FAZ BEM PARA TUDO’


      O Globo - 03/11/2012

    O POETA JORGE SALOMÃO COMPLETA 66 ANOS HOJE, COM FEIJOADA EM SANTA
    TERESA, E ANUNCIA O LANÇAMENTO DE UM LIVRO SOBRE SEU IRMÃO WALY


    WALY E Jorge Salomão, no Rio, no final dos anos 80




    NA CASA em Santa Teresa: colete indiano comprado em Nova York


    BETY ORSINI
    orsini@oglobo.com.br 

    Não estranhe se você passar por uma rua de Santa Teresa, às cinco da manhã, e der de cara com um homem cor de sapoti, meditando completamente nu. Há muito tempo o poeta, letrista e agitador cultural Jorge Salomão se despiu literalmente de qualquer tipo de censura. Hoje, quando comemora 66 anos bem vividos, com feijoada no Bar do Mineiro, usando sandália de couro comprada na Bahia e roupa estilo marroquino, ele aproveita para anunciar seu novo projeto: um livro sobre o irmão Waly Salomão que, em maio, completa 10 anos de morte: “Duas ou 3 coisas que sei dele ou Waly, Waly”.

    — Não é uma biografia, é um retrato poético com fatos de nossas vidas, um retrato à moda de Gertrud Stein, escritora que gostávamos muito. O livro terá depoimentos de Gil, Bethânia, Gal, Antonio Cícero, Macalé, Melodia e outros. — Você sabia que foi o Waly quem descobriu o Melodia? E que foi ele também quem inventou o nome Dunas do Barato? — conta, orgulhoso.

    Dois anos mais novo do que o irmão que partiu (Waly faria 68 anos em setembro), Jorge é de uma família grande: oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. O pai Moustapha Hage Suleiman era sírio, veio para o Brasil aos 12 anos, mas quando chegou na Alfândega, escreveram o nome dele errado: Maximino Hage Salomão:

    — Ele que era sírio virou judeu (risos). Minha mãe Elizabete Dias Salomão, sertaneja de Nova Itarana, era poetisa, tocava bandolim e tinha um temperamento incrível. Quando o Waly terminou o curso de Direito, ele voltou a Jequié, onde meus pais moravam, e rasgou o diploma, teatralmente, na frente da minha mãe: ‘Meu Deus, tanto esforço para nada...’ e depois mamãe caiu na risada.

    Ele lembra que a infância em Jequié foi deliciosa. Ele e Waly faziam teatro com os primos e liam sem parar.

    — O Waly queria que, aos 12 anos, eu lesse Dostoiévski. Comecei com “Irmãos Karamazov” e quase enlouqueci. Era pesado demais. Eu estava numa onda gostosa lendo romances nordestinos de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz. Minhas primeiras efervescências sexuais aconteceram lendo Jorge Amado — confidencia.

    A morte do irmão deixou sequelas, mas não tirou sua alegria de viver:

    — Depois de três meses a ficha caiu, lágrimas do tamanho de laranjas começaram a brotar dos meus olhos.

    SONHANDO COM HARÉM E FRUTAS


    Quando chegou ao Brasil, o pai trabalhava como mascate. Vendia de panos a remédios. Tempos depois abriu a Loja Samira — batizada assim em homenagem a uma das filhas.

    — Jequié era uma cidade de pequenos latifundiários, mas nossa família era de classe média. Estudávamos em colégio público, mas o que nos ajudou muito é que meus pais adoravam ler e meu pai falava línguas. Ouvíamos rádios estrangeiras, acompanhamos muito esse período da Rádio Nacional. Lá em casa o rádio era disputado.

    Próxima parada: Salvador. Waly foi na frente, Jorge um ano depois.

    — Era uma cidade menor, imunda, mas parecia um embrião a explodir. Foi lá que Waly conheceu Caetano, Gal e Bethânia, que já estavam começando a fazer pequenas apresentações em galerias de arte da cidade.

    Para Jorge, foi uma experiência incrível. Nos primeiros dias, ele ficou hospedado numa pensão, que não fornecia comida e lhe indicaram uma senhora que dava almoços.

    — Bati na porta e quando ela abriu quem estava na minha frente? Glauber Rocha, um dos meus ídolos. E assim conheci e fiquei amigo de dona Lúcia (a tal senhora dos almoços) e sua filha Anecy Rocha. Eu estava no primeiro ano clássico do Colégio Estadual da Bahia, o famoso Central, e no primeiro dia de aula sentei numa cadeira e conheci uma menina que viria a ser Dedé Veloso — conta ele, que tem seis livros publicados, um deles, “Conversa de mosquitos”, em homenagem ao irmão.

    Waly ficou em Salvador até 68 e dirigiu “Gal fatal”. Jorge ficou mais um ano e, na época, dirigiu “A alma boa de Setsuan”, de Brecht.

    — Também ganhei prêmios com o espetáculo “O macaco da vizinha”, de Joaquim Manuel de Macedo, quando inseri música dos Beatles e dos Stones. Foi o maior auê em Salvador. Virei um superstar do teatro baiano — lembra Jorge que, nesse meio tempo, estudava Ciências Sociais e Filosofia.

    Ele conta várias histórias engraçadas de Waly. Entre as preferidas, o fato de o irmão gostar de chamar alguém com o nome de outra pessoa bastante “manjada”.

    — Ele desconcertava qualquer um. Não podia ver o Caetano que dizia, em alto e bom som: “Lá vem Lícia Fábio”, referindo-se a uma bem fornida promoter.

    — O Caetano e todo mundo que estava em volta caíam na risada. Em público dava show com seus trocadilhos engraçadíssimos, mas sozinho era calmo, estudioso, pesquisador, criativo. Era de uma concentração absoluta e também explosivo quando queria.

    Na vida pessoal, ele é um “querido” que, para sobreviver, circula pelas redações de jornais fazendo assessoria de imprensa para outros artistas.
    Das drogas, não quer mais saber.

    — Experimentei tudo: maconha, LSD, mescalina, cocaína, mas nunca entrei em bad trip.
    Com as drogas, senti uma abertura gostosa no universo das percepções, mas hoje não uso mais nada. Enjoei do círculo vicioso das pessoas que trabalham com isso. Agora, minhas liberdades são para outras áreas.

    E afirma que já transou com “meio Brasil” mas que hoje vive mais de paquera e sedução.

    — Mas sempre fui elegante no quesito amor e sexo. Não gosto de disse me disse, acho uma baixaria. Tem gente que já nasce com esse defeito de fabricação, não é o meu caso. Eu gosto de usar o “brinquedo” com discrição. E sempre estabeleço um clima sensual nas minhas conversas.


    Jorge
    Salomão
    -
    “NÃO SE APAIXONAR É
    ESTAR SEM GRAÇA PARA
    A VIDA. NÃO TENDO
    PEDOFILIA, NEM ESTUPRO,
    TUDO VALE A PENA.”


    Como todo mundo, Jorge também teve grandes paixões.

    — Não se apaixonar é estar sem graça para a vida. Claro que as vezes não funciona, vira ilusão, mas esse movimento é da vida. Não tendo pedofilia, nem estupro, tudo vale a pena. Ninguém tem nada a ver com a sexualidade de ninguém.

    Casamento só teve um. Durou 15 anos. Foi com a videasta Sonia Miranda, com quem teve o filho João, de 33 anos, que mora em Nova York, e pilota a banda de rock Andrews Gang.

    — Vou muito para lá. João é a minha paixão e está famoso como grafiteiro, inclusive com exposições em duas grandes galerias.

    Bem-humorado, Jorge se define como “um ser nu”. Adora chegar em casa, arrancar a roupa e ficar andando de cá para lá com os “brincos” ao léo.

    — Andar pelado é melhor para falar no telefone, para meditar, para dormir, para tudo. Por isso nunca mais me casei. Sou meio tarado, tenho tesão o tempo todo e gosto de brincar bastante.
    Ninguém me aguenta na cama.

    Análise? Ele até tentou. Mas uma sessão com o psicanalista MD Magno, deixou Jorge apavorado.
    — Logo que me separei fui nele. O homem me mandou deitar no sofá e ficou me olhando com um jeito terrível. Parecia que ia me devorar. Saí pela porta e nunca mais voltei. Acho que a psicanálise, como diziam os surrealistas, sistematiza o sistema motor dos burgueses.

    Nem o tempo é capaz de derrubar o entusiasmo que Jorge tem pela vida.

    — A idade nos dá um caráter mais bonito de sabedoria. Sinto alguns amigos vendo a idade e o tempo como se fossem um desastre, mas estou cada dia mais jovem, mais integrado com o mundo, sempre disposto a ver onde está o mais novo do novo. E continuo tendo sonhos. Um deles é ter um harém com mulheres e homens bonitos, música o tempo todo, erotismo e frutas à vontade.


    A Rússia e o Brasil - Jonathan Nossiter


    O Globo - 03/11/2012

    Acabo de retornar de uma deliciosa, se não surreal,
    visita à Moscou onde fui convidado a falar durante
    uma feira de vinhos e filmes. Como muitos
    nascidos nos anos 1960, eu cresci imaginando
    que poderia visitar a Rússia livremente. Finalmente
    com a chance de falar a partir do front
    soviético, eu me pergunto se não vi um espelho convexo do
    modo como somos no Brasil, na América do Norte e na Europa
    Ocidental.

    É aceito que na França e na Itália todos têm uma relação historicamente
    ininterrupta com a cultura e o beber vinho (embora
    a realidade seja muito mais complicada desde que a globalização
    criou fissuras culturais nos dois países). Também é dito
    que, no entendimento e no uso do vinho à mesa nos Estados
    Unidos, África do Sul, Austrália, Chile e Argentina, as pessoas
    ainda são um tanto adolescentes. Elas alternam entre momentos
    de maturidade e outros de mal-comportamento infantil.
    Isso se explica pela presença adolescente (em termos históricos)
    da produção e do consumo nesses países: uma média de
    100-200 anos lá, em comparação com os vários milhares de
    anos em muitas partes da Europa Ocidental. Onde isso deixa
    países como o Brasil, a China e a Índia, que são recém-nascidos
    na produção e no consumo do vinho? E o que podemos dizer
    sobre a Rússia, com seu passado singular?

    Até a Revolução de 1917, o hábito de beber vinho pertencia
    exclusivamente à aristocracia, mesmo que o cultivo de uvas no
    Norte do Cáucaso, ao longo do Mar Negro, tenha existido por
    milênios. Abandonado pelos soviéticos e, depois, alternadamente
    revivido e brutalmente reprimido, o vinho saiu de férias
    forçadas por 70 anos. Com a queda da União Soviética e o súbito
    fluxo do capitalismo cowboy (violento, imprevisível e despreocupado
    com os detalhes civis), o vinho se tornou um objeto de
    desejo para os oligarcas e as classes inferiores na luta pela ascensão
    social.

    Como tudo isso me pareceu enquanto estive lá? Em uma
    espaçosa fábrica de chocolate do século XIX — agora convertida
    no lugar da moda e chamada (sem nenhuma ironia) de Outubro
    Vermelho — podemos experimentar clubs, galerias de
    arte e restaurantes com modelos provocantes fotografando (na
    hora das refeições!). Examinei a carta de vinhos de um italiano
    espaçoso, mas sem brilho excessivo (achar comida russa foi
    uma odisséia). A maior parte dos vinhos eram industriais: franceses,
    italianos e espanhóis, que, em seus países, são encontrados
    apenas nos lugares cínicos. Enquanto um Hugel gewurztraminer
    da Alsácia — uma garrafa bebível, mas industrial — custaria
    20 euros na França, em Moscou você pagaria 75 euros. De
    fato, a maioria dos vinhos na carta eram garrafas convencionais
    que custavam entre 75 e 300 euros. Disseram-me que os custos
    do transporte são significativos, mas não são os responsáveis
    por esta alta do preço no estilo “Velho Oeste”. É uma combinação
    de taxas de importação draconianas e protecionistas com
    as margens de lucro inescrupulosas praticadas por restaurateurs
    e as poucas empresas que controlam a maior parte das
    importações. Exatamente como no Brasil!


    Eu sentia que pessoas estavam
    ávidas para compreender as
    práticas do vinho da Europa.


    Como no Brasil, um vinho de real qualidade e individualidade,
    que custa entre 10 e 15 euros na Itália, ficará entre 100 e 150
    euros na carta de um restaurante em Moscou — ou São Paulo.
    Há uma enxurrada de dinheiro novo na Rússia (e no Brasil) e
    pessoas com acesso a isso querem participar da grande festa
    consumista (antes que ela fracasse). Então, elas gastam sem
    medo das consequências com os chamados produtos de luxo. É
    uma maneira de afirmar sua ascensão no que, nos dois países, é
    visto com inveja e desejo: “a vida cultural europeia” (filtrada por
    uma noção de valor americana). Nos dois lugares, onde a classe
    média e os trabalhadores têm acesso negado à cultura do vinho,
    a natureza convivial e democrática dessa bebida terá que esperar
    por uma revolução do consumo, em que a antidemocrática
    conspiração entre governo corrupto e práticas de negócios seja
    derrotada.

    Até que isso aconteça, temos sociedades em que a súbita
    transformação da privação e do acesso fechado aos bens importados
    em um portal de novas possibilidades, mas restrito à uma
    pequena elite, pode apenas gerar uma embaraçosa imitação
    dos valores de uma cultura importada. Ao menos no caso russo,
    é marcante como os bebedores e produtores de vinho parecem
    obsoletos em suas tentativas vinícolas. Na feira, as uvas dos
    vinhos da Rússia, Moldávia, Ucrânia e outros países do Mar
    Negro e do Cáspio, eram as suspeitas de sempre (cabernet,
    chardonnay, merlot etc): agentes duplos para vinhos doces,
    com muito álcool e gosto de baunilha e carvalho — moda no
    passado, mas hoje recusados pela maior parte dos sommeliers
    de Nova York, Paris e Milão (mas ainda empurrados por importadores
    e críticos no Brasil).

    Eu sentia que pessoas sinceras e inteligentes estavam ávidas
    para compreender as práticas do vinho da Europa Ocidental,
    mas compreendiam pela metade os valores históricos. Alguns
    parecem ter feito a transição da era soviética para a atual sem
    esforço: li no “Moscow Times” sobre a bem-sucedida transição
    do ex-diretor dos restaurantes e cafeterias estatais soviéticos
    para o mais bem-sucedido diretor do McDonald's na Rússia.

    O sexo na poesia - Severino Francisco

    Durval Checchinato investiga a obra de Fernando Pessoa sob o prisma da psicanálise. "O homoerotismo explicitado por ele me ensinou muita coisa", garante o autor 

    Severino Francisco
    ESTADO DE MINAS: 03/11/2012 
    Há indicações e indícios de que o poeta Fernando Pessoa tinha consciência de sua identidade de homossexual. Para muitos, esse seria um aspecto tangencial e circunstancial de sua obra. Na opinião do psicanalista Durval Checchinato, esta questão é crucial. Tão importante que se tornou o centro de suas reflexões no livro Fernando Pessoa – Homoerotismo, psicanálise, sublimação (Cia. de Freud).


    De acordo com o psicanalista, embora tivesse consciência de suas inclinações sexuais, o escritor português sempre se empenhou “em não permitir que essa tendência descesse ao corpo”. Integrante da Ecole Freudienne de Paris e cofundador do Centro de Estudos Freudianos, primeira sociedade lacaniana no Brasil, Checchinato se empreendeu a uma escuta do poeta no sentido psicanalítico, como se Pessoa estivesse no divã.

    Ao ser indagado se interpretar os versos do autor português sob a perspectiva do homoerotismo não restringiria a dimensão universal de seu legado, Checchinato pondera: “Há múltiplas facetas em que as obras de Pessoa podem ser encaradas”. O psicanalista afirma tê-las escutado “para aprender com ele o que é sublimação e que o amor homo é Outro Amor – tem beleza própria, desde que vivido e testemunhado em sua integridade, sem imitar o amor hétero como no ‘casamento’ ou na adoção de filhos”.

    Checchinato adverte: “É preciso inventar outros conceitos sobre a união homo. Xerocar o modelo da moral conjugal é fazer caricatura do Outro Amor”. De acordo com o psicanalista, cada sujeito merece respeito por sua identidade sexual. Na opinião dele, esse aspecto não é tangencial, mas de total importância para a subjetividade.

    “Fernando Pessoa me possibilitou resgatar de alguma maneira uma parcela da humanidade discriminada e marginalizada. Além disso, ele prova que essa identidade não impede de encarar com dignidade a ‘terrível responsabilidade de existir’”, garante o psicanalista.

    Leia a seguir algumas ideias do autor de Fernando Pessoa – Homoerotismo, psicanálise, sublimação.

    O poeta e a identidade sexual


    “Os textos explícitos de Fernando Pessoa revelam consciência plena de sua identidade sexual. Testemunham que ele não só tinha uma imagem dessa identidade como viveu conscientemente dentro dela e dela tirou proveito para sua grande produção literária. Embora a repressão a homossexuais fosse mais forte do que agora, ele tanto não fez segredo dessa identidade em seus escritos quanto a compartilhou em amizades respeitosas e cordiais como com Antônio Botto e sobretudo com Sá Carneiro. Mas sempre foi fiel ao seu propósito de vida: ‘Não permitir que essa tendência descesse ao corpo’.” 

    Vida, obra e sublimação


    “Não existe quem ele não toque com uma mensagem que calhe fundo. A universalidade de seu conhecimento da alma humana faculta-lhe miríades de ‘toques’ delicados em nosso espírito. A vida e a obra de Fernando Pessoa são de extrema coerência. Sua obra é testemunho de uma vida inteirinha entregue à sublimação de sua pulsão em verso e prosa para a elevação de Portugal e da humanidade. É um autor em que o conceito de sublimação, de Freud, encontra a mais alta explicitação. A vida de Pessoa é da mais alta grandeza moral. A ‘estética da renúncia’ fez dele o maior poeta da língua portuguesa.” 

    A “escuta” e a literatura


    “Faço uma leitura de Fernando Pessoa, ou melhor, uma ‘escuta’, um corte em sua múltipla obra, sem pretensão literária. Ora, o homoerotismo explicitado por ele me ensinou muita coisa, sobretudo que o amor homo é Outro Amor, cuja mensagem desaparece quando imita o amor heterossexual. Ambas, a literatura e a psicanálise, criam o novo e ‘a verdade é sempre o novo’, como diz Lacan. Não se pode ser analista e não se alimentar da literatura: ‘Não descobrimos nada de novo que a literatura não o disse’, afirmou Freud. Leio Pessoa, ‘escuto-o’ como escuto todo paciente. Suas palavras me são significantes cujos significados busco ao longo de sua obra. A psicanálise me permite escutá-lo no mundo de hoje; interrogo-me: como Fernando Pessoa deu conta de sua existência, como fez dela uma obra-prima para a humanidade? O homoerotismo está presente em toda sua obra, como em qualquer sujeito em tudo o que faz está presente sua identidade sexual. Seu homoerotismo lhe é fulcro de sua produção. Há poemas explícitos, como os sonetos do ‘Outro amor’: ‘Amem outros a graça feminina/ gozem sonhar seus lábios entre seus seios/ Outros e muitos... que meus cantos, dei-os/ À tua formosura peregrina/ Meu doce Apolo jovem’.”

    As lições do Desassossego...

    “O Livro do desassossego é o livro da angústia de Pessoa. Libera todos os seus estados de alma e seus sofrimentos, muitos e profundos. Sem esse livro – o conjunto de bilhetes que punha num baú –, ele não teria produzido sua obra. A libertação que a psicanálise produz na escuta de um paciente, a escrita de todos seus estados de alma, facultou-lhe a aquisição de sua subjetividade.”

    O poeta e a depressão


    “Fernando Pessoa me confirmou aquilo que descobri na minha clínica: a depressão é um benefício para o sujeito. Revela-lhe um momento fecundo: é preciso mudar de vida! Duas coisas: não se afastar do trabalho e ‘quebrar o encanto’ da depressão, como dizia ele, para a análise realizar o trabalho 
    de libertação. Em momentos de extrema depressão, Pessoa soube tirar proveito dela para sua produção literária.”

    FERNANDO PESSOA – HOMOEROTISMO, PSICANÁLISE, SUBLIMAÇÃO


    De Durval Checchinato
    Cia. de Freud, R$ 80

    Love story no sertão (O casamento da ararinha-azul) - Ana Clara Brant‏

    Inspirado em livro do professor Angelo Machado, o curta O casamento da ararinha-azul fala de amor e do tráfico de animais. Lançamento está previsto para dezembro, em BH 

    Ana Clara Brant
    ESTADO DE MINAS : 03/11/2012 

    "A história encanta por envolver amor, lealdade, sentimentos nobres e a preocupação com a questão ambiental%u201D - Marcelo Branco, diretor

    A história de amor que mistura ficção e realidade foi parar nas páginas de um livro, virou peça de teatro de sucesso e agora chega às telas. O casamento da ararinha-azul, obra do professor, escritor e cientista Angelo Machado, acaba de se transformar em filme. Com produção do próprio Angelo, da Associação Cultural Animare e da F7 Filmes, de Uberlândia, o curta-metragem de 36 minutos é dirigido por Marcelo Branco, também responsável por story-boards, desenhos, câmera, fotografia e edição.

    O curta narra a saga de uma ararinha-azul à espera do noivo capturado. Um garoto misterioso, fã de futebol, convence seu time a protegê-la. Entre os personagens há um ecologista dedicado às voltas com caçadores ambiciosos. A trama reúne magia e mitologias grega e indígena.

    “Marcelo foi muito fiel à história original. Ele chegou até a observar araras no zoológico e pela internet para aprender como elas se locomovem. Acho que o público vai gostar muito do filme, assim como ocorreu com o livro e a peça, pois separação e amor são temas que comovem as pessoas. Quando a peça estreou, há uns 15 anos, muita gente chorava na plateia”, afirma Angelo Machado.

    O casamento da ararinha-azul é o primeiro livro do professor adaptado para as telas. Marcelo Branco o conheceu por meio da mulher, ex-aluna do autor. “Isso ocorreu em 2007. Foram cinco anos até a gente chegar ao resultado final, captar recursos e conseguir patrocinador. A maioria de meus filmes, especialmente animações voltadas para crianças e jovens, tem compromisso com mensagens educativas. Ararinha... casa muito bem com essa proposta. A didática é sutil, uma forma leve de ensinar – característica do professor Angelo. Além disso, a história encanta por envolver amor, lealdade, sentimentos nobres e a preocupação com a questão ambiental”, ressalta Marcelo, que chegou a criar 5 mil desenhos para o curta.

    Para Conceição Na semana passada, ao lado da família, Angelo Machado assistiu pela primeira vez à animação. O professor revela um detalhe curioso: 80% do filme já estavam prontos quando ele sugeriu ao cineasta uma canção para a trilha sonora. A inédita Não sei viver sem seu amor foi composta pelo professor em homenagem à mulher, dona Conceição, falecida em 2007. A música se encaixou perfeitamente na história da ararinha que perde seu amor, o Ararinho.

    “O filme ficou muito bacana. A ave tem até sotaque baiano, porque a história se passa no interior daquele estado. Gosto mais da parte em que os pretendentes cortejam a ararinha. Um deles canta desafio nordestino para conquistá-la. É benfeito e divertido”, elogia Machado. 

    Viabilizada por meio da Lei Rouanet, a animação conta com incentivo cultural do Instituto Unimed Belo Horizonte e da MRS Logística S/A. O lançamento está previsto para dezembro, em Belo Horizonte. Este mês, três mil DVDS, com legendas em inglês e português, serão distribuídos para escolas e instituições.

    “Fizemos uma pré-estreia em algumas escolas de Uberlândia, para cerca de 700 pessoas. Todas gostaram muito. Já estamos em contato com a TV Brasil e o Canal Futura para exibi-lo nessas emissoras. Todo mundo, independentemente da idade, vai aprovar essa animação”, conclui Marcelo Branco
    .



    Saiba mais



    Cyanopsitta spixii

    A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) é ave tipicamente brasileira. Ela foi considerada extinta em maio de 2003, pelo Ministério do Meio Ambiente. Atualmente, há cerca de 60 indivíduos em cativeiro em vários países, local onde eles conseguem se reproduzir. Um grupo de estudos desenvolve esforços internacionais para a recuperação da espécie, sob coordenação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os efeitos positivos do envolvimento da população, estimulado pelo Projeto Ararinha-Azul, em Curaçá (BA), são fundamentais. Ao mesmo tempo em que se busca o aumento da população em cativeiro, conserva-se o habitat específico, visando a futuras reintroduções. 

    Palavra de especialista

    Angelo Machado - Escritor e cientista

    Drama na caatinga

    A história da ararinha-azul narrada neste filme se inspirou na realidade. Na caatinga do sertão baiano, perto da cidade de Curaçá, vivia um casal de ararinhas-azuis, os últimos exemplares dessa espécie. Em dezembro de 1987, a fêmea (em nossa história, o macho) foi capturada por caçadores e desapareceu.

    Sozinho, o macho passou a viver com um bando de araras-maracanãs, pois as araras são aves essencialmente sociais. Por ser o último indivíduo da espécie na natureza, a preservação da ararinha de Curaçá foi considerada muito importante. Por isso, em vez de capturá-lo e tentar o seu cruzamento com fêmeas em cativeiro, os especialistas do Projeto Ararinha-Azul decidiram fazer o contrário: soltar uma dessas fêmeas perto do macho solitário, na esperança de obter cruzamentos e de que ele passe seus conhecimentos de sobrevivência na caatinga à nova fêmea e aos descendentes.

    Com esse objetivo, uma fêmea em cativeiro foi levada a Curaçá, esteve durante vários meses em um grande viveiro dentro da caatinga, adaptando-se à região e, finalmente, foi solta na área onde vivia o macho solitário. Entretanto, depois de um rápido encontro, inexplicavelmente a fêmea desapareceu.



    Apartheid na tela - Gustavo Fonseca‏

    Virando bicho discute o calvário de jovens que desejam ingressar na universidade 

    Gustavo Fonseca
    ESTADO DE MINAS: 03/11/2012 

    Jovens estudantes em cena do documentário dirigido por Silvia Fraiha e Alexandre Carvalho


    De acordo com dados do recém-divulgado Censo da Educação Superior 2011, cerca de 7 milhões de pessoas estão matriculadas nas faculdades brasileiras, avanço de 5,6% em relação ao ano anterior. Segundo o mesmo levantamento, o total de negros que frequentavam ou tinham concluído o curso universitário saltou de 4% para 19,8% entre 1997 e 2011. Esses números revelam nítido avanço no sistema educacional brasileiro, que, apesar disso, continua sendo o espelho de uma série de injustiças de nossa sociedade. Mais nítido indicador desse cenário, o vestibular tornou-se um filtro que garante o acesso das elites às melhores escolas de nível superior do país – a maioria delas pública. Na tentativa de mudar esse quadro, o atual governo vem adotando medidas que visam a minimizar esse verdadeiro apartheid educacional, como a recente instituição das cotas raciais e o maior peso dado ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado hoje em todo o país, em detrimento dos tradicionais vestibulares. 

    Espécie de síntese desse momento de transição, o documentário Virando bicho, dirigido por Silvia Fraiha e Alexandre Carvalho, acaba por fomentar a discussão sobre o tema ao acompanhar a preparação de seis jovens para o vestibular ao longo de 2010. O filme reúne especialistas e personalidades que de alguma forma se envolveram com esse universo, como o médico Drauzio Varella, professor de cursinho por 20 anos; o jornalista Heródoto Barbeiro, professor de pré-vestibular por 10 anos; o psicanalista especializado em jovens Contardo Calligaris; o coordenador da rede de pré-vestibular Anglo, professor Renan Garcia Miranda; e o coordenador do Educafro, frei David, um dos maiores defensores do sistema de cotas raciais.

    O foco são os vestibulandos. A paulistana Carolina Fairbanks, de 19 anos, moradora do nobre Bairro dos Jardins, sempre estudou em escolas particulares, morou na Noruega e tem por objetivo entrar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), como seus pais. Olívia Zanetti, de 18, também egressa de escolas particulares, sonha em cursar medicina em universidade pública. Ana Deise de Souza tem 20 anos, mora no subúrbio de Osasco, na Grande São Paulo, e quer cursar serviço social. Conta com o auxílio do ProUni e prepara-se num cursinho com mensalidade acessível, destinado à população de baixa renda.

    Do Rio de Janeiro vem Samara de Oliveira, de 20 anos. Ela saiu de Pedra de Guaratiba, área pobre da Zona Oeste carioca, para morar com uma tia no Catete, a fim de participar do curso comunitário Vetor, com professores voluntários. Seu objetivo é estudar artes visuais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). De volta a São Paulo, encontramos Erick dos Santos Rocha, monitor do Anglo e natural de Artur Nogueira, interior paulista. Ele sonha estudar direito na USP, dando continuidade à sua formação em escolas públicas. Por fim, Renan Campari, do interior paulista. Malsucedido na carreira de jogador de futebol, ele tinha abandonado os estudos, mas, com o apoio da namorada, quer ser engenheiro civil. Trabalha como vendedor e faz cursinho pré-vestibular.

    Índio

    O documentário dá espaço à pequena aldeia do povo xokó, em Sergipe. Lá, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) mantém curso pré-vestibular com o intuito de incentivar os alunos locais, inclusive o jovem cacique, a seguir os estudos. Os indígenas relatam a vontade de saber mais e de contribuir para a melhoria das condições de vida de sua comunidade. Uma boa maneira de desmitificar a figura do indígena que só quer viver isolado do resto do mundo, mantendo suas tradições – preconceito que Milena Santos, futura bióloga, faz questão de derrubar.

    Sem narrador, Virando bicho dá voz a cada um dos personagens. Costurando o relato dos vestibulandos com a opinião dos especialistas, perpassa as falhas e injustiças do sistema educacional brasileiro. Samara, por exemplo, é incisiva ao condenar o despreparo e pouco comprometimento dos professores que teve no ensino médio, relato similar ao de Renan e de Erick. Há algo ainda mais grave: Ana Deise relata não apenas a má qualidade das escolas que frequentou, mas também o preconceito que sofreu dos colegas, desde pequena, por ser negra. Preconceito que contou com a conivência dos professores, fato que quase a levou a parar de estudar. “As pessoas não acreditam na gente; não acreditam em nosso potencial”, desabafa Ana Deise, que chegou a ser acusada por uma professora de português de ter copiado uma redação, considerada boa demais para ela. 

    Raça

    As cotas raciais suscitaram posicionamentos fortes. Por um lado veementemente defendidas por frei David e por Heródoto Barbeiro, por outro, elas são vistas como mais um instrumento de injustiça pelos estudantes Renan Campari e Olívia Zanetti e pelo doutor Drauzio. “A cota para a escola pública faz mais sentido”, diz o médico. “Cotas raciais acabam sendo preconceito com o pobre branco”, reforça Renan. Para o índio Heleno Lima, assim como para Ana Deise, as cotas são paliativo.

    O filme revela que não há a resposta certa, mas deixa claro que medidas precisam ser tomadas para que a formação educacional dos jovens brasileiros seja melhor e mais democrática, independentemente de sua classe social. No entanto, o documentário também deixa entrever um desafio que surge com a maior presença nas universidades de jovens egressos de escolas públicas: um personagem confessa dificuldades para acompanhar o curso superior devido à preparação inadequada que recebeu nos níveis básicos de ensino, sendo reprovado em disciplinas obrigatórias.
    Pelo visto, a inclusão é só um dos desafios. Outros – até maiores – já começam a surgir.


    DUAS PERGUNTAS PARA
    Silvia Fraiha, cineasta

    Ao fim do documentário, um dos egressos de escola pública aprovados no vestibular relata dificuldades no ensino superior devido à base educacional fraca. Trata-se de um caso isolado?

    Não é um fato isolado. Isoladas são as poucas escolas públicas com ensino de excelência no Brasil. Isso é bastante chocante quando a gente vê de perto. É como se a gente percebesse que a democracia no Brasil é uma demagogia. Enquanto os jovens cujos pais não têm dinheiro para pagar uma escola particular de qualidade estiverem frequentando escolas com baixo desempenho, enquanto os professores não tiverem salários dignos e boa formação, não dá para acreditar na democracia brasileira. 

    Virando bicho foi filmado antes de o Enem ganhar o peso que tem hoje no processo seletivo para o ensino superior. Se tivesse sido rodado em 2012, e não em 2010, haveria alguma mudança significativa no resultado?

    Não, porque o Enem é uma espécie de vestibular: prova difícil, extensa, um processo seletivo. É difícil também para os jovens com formação deficiente conseguir ingressar numa faculdade por meio do Enem, mesmo com as cotas. De qualquer forma, a saída é enfrentar o desafio de elevar significativamente os índices de aproveitamento dos alunos no ensino fundamental e no ensino médio.


    Vá lá
    Mais informações sobre o documentário de Silvia Fraiha e Alexandre Carvalho podem ser obtidas no site www.virandobicho.com.br.

    Expansão urbana e preservação - Maria Elisa Costa‏

    A apreensão intuitiva e abrangente da realidade é ferramenta indispensável para que o urbanista possa planejar de forma eficaz o futuro das cidades 

    Maria Elisa Costa
    Estado de Minas: 03/11/2012 




    As circunstâncias da vida me levaram a ter um aprendizado informal, para mim precioso, resultante do simples convívio com meu pai, Lucio Costa, e porque tive experiências profissionais muito diversificadas, sempre mais ligadas a problemas objetivos que a especulações teóricas.

    Trabalhei na administração pública e para a administração pública; lidei com arquitetura, com projetos urbanos, com legislação de uso do solo, com paisagismo, com comunicação visual e artes gráficas; e houve até uma incursão na cenografia do cinema, que me ensinou a ver as coisas como elas são, independentemente de considerá-las certas ou erradas. Como na cabeça da gente os compartimentos não são estanques, essas várias experiências interagem livremente, sobretudo porque não me “casei” com nenhuma delas.

    Assim, os comentários que farei sobre a relação cidade/urbanismo/arquitetura são fruto apenas de observações resultantes da sedimentação dessa mistura. Pude observar que enquanto uma cidade cresce espontaneamente, de acordo com suas necessidades intrínsecas, ou seja, de dentro para fora, existe uma tendência instintiva em direção ao bom senso; as novas ocupações buscam áreas adequadas, respeita-se o chão e o caminho da água – a identidade urbana se confirma. Nessa fase, para ser útil, basta não atrapalhar.

    De repente, a administração pública abre uma via desimpedida atravessando áreas até então vazias ou com uso rural – independentemente do mérito da intervenção, é introduzido um fato urbano novo e de origem externa, que perturba a lógica inerente ao desenvolvimento espontâneo. Intervenções desse tipo frequentemente ocorrem – ou ocorreram – antes que a administração se tenha dado conta da utilidade do planejamento urbano.

    A partir desse momento, o fluxo natural da expansão é rompido. As novas perspectivas desnorteiam e o bom senso perde o comando da ação; a expansão da cidade, exposta a riscos desconhecidos até então, processa-se aleatoriamente: proprietários rurais vendem suas glebas, para as quais são projetados loteamentos em escritórios distantes, e o resultado são “ilhas” de ocupação sem nenhuma estruturação urbana que as integre, mesmo quando contíguas.

    Por outro lado, numa sociedade desigual como a nossa, a população marginalizada passa a ocupar áreas que não corram o perigo de atrair interesses imobiliários – como os morros no Rio de Janeiro, que não permitem acesso viário, ou os alagadiços e beiras de rios em tantos lugares. Essas ocupações implicam sérios problemas de risco para as próprias populações, e, em geral, são conflitantes com a preservação do meio ambiente.

    Embora o planejamento urbano seja, cada vez mais, atividade multidisciplinar, o que deve ser prioritariamente cobrado do urbanista é a capacidade do que chamaria de “discernimento preliminar”: a apreensão ao mesmo tempo intuitiva e abrangente da realidade. Ou seja, uma atitude que tenha em vista clareza nos objetivos, que busque sempre saber qual é o norte. Esse discernimento deve atuar em todo o processo e orientar a tecnologia disponível para que a multiplicidade de informações possíveis seja um instrumento produtivo de trabalho e não se transforme num ingrediente para infinitas discussões teóricas.

    A partir dessa postura preliminar, fica mais simples perceber quais as pesquisas pertinentes, quais as desnecessárias, pois tantas vezes o problema “está na cara”; avaliar onde, quando e em que medida convém ou é possível intervir; saber onde o freio, onde o acelerador; onde o “não” é indispensável, onde a flexibilidade é possível, onde o excesso de controle atrapalha; onde pequenas intervenções podem gerar resultados significativos; onde cabe cirurgia e onde convém homeopatia – em suma, saber o que fazer.

    Sempre é importante que o urbanista não se sinta tolhido em sua liberdade de aventar possibilidades não evidentes ou sugeridas apenas pelas pesquisas.

    Arquiteto Com a noção clara de o que fazer, é preciso saber como fazer. É nessa hora que a atividade do urbanista se vincula mais à do arquiteto – muitas intenções corretas em tese se perdem na hora do como fazer, e, às vezes, a ideia de um como fazer pode abrir novas perspectivas no sentido do o que fazer.

    Nesse como fazer é indispensável a presença de uma abordagem plástica concomitante com a abordagem prática. Incomoda-me a extrema dificuldade que, hoje, percebo nas pessoas quando se trata de apreciação da qualidade plástica – como se só a técnica fosse objetivamente apreciável. Na música não é assim – ninguém fica constrangido de avaliar qualitativamente música como música, como arte, como algo que vai além, que toca o ser humano em outro plano e lida com emoção e com prazer. Vale lembrar o dito de Lucio Costa: “O que caracteriza a obra de arte é, precisamente, essa eterna presença na coisa daquela carga de amor e de saber que, um dia, a configurou”.

    O espaço urbano – que define a escala das cidades – é o envoltório da nossa morada, interagimos com ele contínua e cotidianamente, sua configuração atua sobre cada um de nós. Talvez por isso me dê tanta tristeza quando vejo cidades de porte médio, sem que haja pressão que o justifique, perderem deliberadamente sua identidade urbana, supondo que a construção de prédios avulsos de 15 ou 20 andares seja um passaporte para a tão decantada “modernidade”... 

    Nos desafios que o planejamento urbano enfrenta, sujeito a todo tipo de pressões e modismos, a atuação comandada pelo “discernimento preliminar” inteligente – evidentemente, com o indispensável respaldo político – pode contribuir para que se neutralize a ganância imobiliária, administrando bem a “grana que ergue e destrói coisas belas”...

    Maria Elisa Costa é arquiteta e coordenadora do acervo da Casa de Lucio Costa, no Rio de Janeiro 



    Paisagem construída

    ‘‘A  construção da paisagem” é o tema do seminário Arf.futuro, fórum de arquitetura que será realizado na Escola Guignard, em BH. O evento discutirá como as cidades de Minas Gerais se preparam para os desafios contemporâneos e de que forma a mineração pode se conciliar com os conceitos de sustentabilidade e preservação ambiental. Terça-feira, haverá palestras dos especialistas Flavio Carsalade (“A relação da mineração e do patrimônio histórico em Minas Gerais”), às 10h; Maria Elisa Costa (15h); Rafael Viñoly (15h30); e debate sobre o tema “Desafios socioeconômicos de áreas mineradas”, às 18h, com Fernando Moreira Salles (CBMM), Franklin Feder (Alcoa), Gustavo Penna, André Corrêa do Lago e Fernando de Mello Franco. uarta-feira, os palestrantes serão Marco Casamonti (10h), Carlos Alberto Maciel (11h), Shohei Shigematsu (15h) e Gustavo Penna (16h). A escola fica na Rua Ascânio Burlamarque, 540, Mangabeiras. O evento é aberto ao público. Informações:www.arqfuturo.com.br.