domingo, 28 de outubro de 2012

Virgem diz que dono do Bahamas quer 'se promover' com declarações 'sem nexo'

JACIRA WERLE

JACIRA WER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM SYDNEY


Ingrid Migliorini, 20, a virgem Catarina, defendeu-se ontem das afirmações de Oscar Maroni, dono do clube Bahamas, de que ela lhe ofereceu a virgindade há dois anos em troca de R$ 100 mil.


"É ridículo ele querer se promover usando calúnias contra mim", afirmou Ingrid, que se disse surpresa com as declarações, pois tinha se "esquecido" de Maroni.
Afirmou ter conhecido o empresário quando tinha 17 anos e estava tocando piano em um hotel de Balneário Camboriú (SC).
Segundo a jovem, Maroni ficou encantado com ela. Ambos, então, trocaram telefones, e o empresário ligou duas vezes para ela, afirmou.
A jovem catarinense disse que já conhecia a fama do empresário e que o reconheceu quando ele se apresentou.

Catarinense leiloa virgindade

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"Eu era de uma cidade pequena em Santa Catarina, e um cineasta australiano me escolheu! Pensei: vou seguir com isso e ver onde vai dar", conta Catarina
Afirmou ainda que não pensava em vender a virgindade naquela época e que nada propôs ao empresário.
Negou também que tivesse reencontrado Maroni, beijado-o ou andado de mãos dadas com ele, como o empresário afirmou. Para ela, tais declarações são "sem nexo".
Ingrid, que leiloou a virgindade como parte do documentário "Virgins Wanted", de uma produtora australiana, contou que tem dado entrevistas para veículos do mundo inteiro após o fim do leilão --o lance final, na quinta, foi dado por um japonês: US$ 780 mil ou R$ 1,58 milhão.
Ela disse "entender a monotonia da vida das pessoas" e atribui a isso o grande interesse sobre "sua vida agitada".
Ingrid e o produtor do filme devem ir para o Brasil no começo de novembro. Ela então voltará para Sydney para ter sua primeira relação sexual.
COMPREENSÃO
O empresário Oscar Maroni disse ontem que "compreende" a reação da jovem. "Entendo que ela não queira que seja revelado o contato que teve comigo, um homem conhecido por viver cercado de profissionais do sexo", disse.
"Eu tenho as provas de minha visita a Ingrid. A fatura do cartão de crédito em que consta a diária do hotel e o jantar romântico que tivemos no restaurante Chaplin. Não havia como ela negar, por isso, ela não negou."
Segundo Maroni, ele não quis "comprar" a virgindade que Ingrid lhe ofereceu por R$ 100 mil porque "entre uma santa e uma depravada, eu prefiro a depravada, que sabe aproveitar tudo do sexo".
"Entendo que Ingrid queira se distanciar da minha imagem, mas não me importo. Jesus amou uma garota de programa, Maria Madalena. Eu amo todas, sem preconceitos."
Colaborou LAURA CAPriglione

Fins de papo - Humberto Werneck


ESTADÃO 28/10/2012

Ainda que seja a última coisa que eu faça, estou mergulhado num livro farto em últimas palavras de gente famosa. Vou avisando: não se trata de uma Caras terminal (uma Esgares, algo assim).É obra douta e séria, mais que isso, francesa, ao largo de frivolidade ou voyeurismo.

Mortes imaginárias,de Michel Schneider, é bem mais que uma coletânea de frases exaladas in extremis porgrandes escritores –de Stendhal a Truman Capote, de Rilke a Nabokov. Mas confesso que o que me pega, até o ponto da leituraem que me encontro, éo lance das últimas palavras – pérolas pré-fúnebres que me senti tentado a ir catar também no balaio menos rigoroso do Google.

Palavras como as de Laurence Sterne, o autor de Tristam Shandy, que ao sentir a aproximação da morte não seequivocou: “Agora sim. Ela chegou.” Ou as do francês Léon-Paul Fargue,
que não quis delongas: “Depressa! Depressa!” Ou, ainda, do poeta Byron, outro que não opôs resistência à
Indesejada das Gentes – e até liquidou seu estoque de pontos de exclamação: “Morrer! Dormir!Finalmente dormirei!” Timothy Leary, exemplo de rebeldia, entregou os pontos ao constatar que na órbita vazia da caveira lhe piscava um olho: “Por que não?”

“Não, não”, esperneou Emily Brontë diante de ventos mais que nunca uivantes. “O horror, o horror!”, arrepiou-se Joseph Conrad ao pressentir o verdadeiro coração das trevas. Aos 80 anos, Anatole France pediu colo: “Mamãe, mamãe!”. Dono de escrita para muitos impenetrável, James Joyce exasperouse: “Será que ninguém entende?”. E o pai da psicanálise, no divã da morte, deu sinais de estar diante de algo que nem Sigmund Freud explicava: “Isso é um absurdo!

Estilista,Henry James não deixou de fazer texto no instante derradeiro: “Eis, finalmente, a coisa admirável”.O inconformista André Gide mansamente se deixou levar: “Está bem”. Ou terá dito“Não é nada”,comodão conta testemunhas de seu passamento? Quando se trata de últimas palavras, nem sempre batem as informações. Segundo São João, Cristo se entregou ao Pai com um lacônico “Está consumado”, mas o não menos santo e evangelista Lucas registrou arremate mais elaborado:
“Pai, em Tuas mãos entrego o meu espírito.”Tambémno caso de Rabelais
há controvérsias: uns dizem que o escritor francês foi teatral na despedida – “Fechem as cortinas, a farsa acabou” –, mas há quem assevere ter o criador dos gigantes Gargântuae Pantagruel anunciado a intenção de ir “em busca de um Grande Talvez”, seja lá o que for isso.

Aqui e ali, há que suspeitar de mão alheia no embalsamamento das últimas palavras, no afã de melhorá-las –
com o risco de trair o estilo ou a filosofia do finado. Bem obrou Getúlio Vargas ao declarar por escrito que deixava a vida para entrar na História. Difícil crer, em todo caso, que Voltaire tenha encerrado seus dias com semelhante retórica: “Por todo o dinheiro da Europa, não quero ver mais um incrédulo morrer!”

A julgar por depoimentos de quem lá chegou,na hora do vamos ver a coisa em mais de um sentido fica preta. “Eu vejo uma luz negra”, fez saber Victor Hugo. O historiador inglês Edward Gibbon revelou que “tudo é escuro e duvidoso” – razão pela qual o alemão Goethe clamou por “mais luz”. Foi o que pediu também – “Acenda as luzes, não quero ir para casanoescuro”–ocontista americano O. Henry. Mas Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica incandescente, mesmo sem ela gostou do que viu: “É muito lindo ali”, sussurrou. Thomas Hobbes, o filósofo inglês, experimentou sensação de abismo:“ Estou diante de um terrível salto nas trevas” – escuridão pela qual seu colega David Hume terá ansiado, pois há indícios de que foi parar em lugar pior: “Estou nas chamas!”, gritou ele.

Arrependido da luxúria a que escancaradamente se entregara, ou querendo mais, o papa Alexandre VI pediu tempo ao ver chegar a dama de alfanje em punho: “Espere um momento...” É o que pede também este cronista, pois sobre o assunto não serão estas as suas últimas palavras.
Tem mais para a semana que vem.

Charge e Quadrinhos

ANGELI



CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO

ADÃO
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Ser e estar famoso‏

Estado de Minas - 28/10/2012

Foi-se o tempo em que se ia a uma festa de graça. Havia até uma expressão, dar o ar de sua graça. Hoje, dar o ar de sua graça custa caro. Para vocês entenderem logo o que estou quase dizendo, repito uma notícia que acabo de ler. Vejam: “Passada a Olimpíada, da qual foi a estrela da festa de encerramento, o gari Sorriso reajustou a tabela de cachês de presenca. Antes dos Jogos, cobrava R$ 8 mil para ir a uma festa. Agora, não vai por menos de R$ 10 mil. ‘Tô mundialmente famoso’, diz”.

Mal havia sobrevivido a essa notícia e me deparo com esta outra: “Narjara Turetta, ex-atriz que chegou a vender coco em Copacabana, reajustou a tabela para palestras de superação de desafios e motivações. Cobrava R$ 5 mil, mas, como estará no elenco de Salve Jorge, passou para R$ 8 mil”.

E assim caminha a humanidade, dizia o filósofo James Dean...

Eu já sabia que artistas que aparecem nas festas tipo Oscar com vestidos de grife ganham para usar aqueles modelos. Sabia que, para estar num camarote durante o carnaval e usar aquelas camisetas, alguns cobravam alto. E sempre morri de inveja, confesso, de notícias em que a celebridade ia a eventos só para marcar presença. Não precisava falar nada. Não tinha que falar um poema. Não tinha que cantar. Não tinha que fazer conferência. Dava só o ar da graça, ar que não saía de graça para o patrocinador.

Há pouco tempo, protestei contra a Fagga – que organiza feiras de livro pelo país –, pois insistiam que os escritores tinham que trabalhar de graça. Sem graça, e quase sem ar, respondi àquela empresa que não era possível o gesto de caridade. Depois disso, acho que começaram a pagar. Mas estamos longe do que ganha o gari Sorriso só para sorrir.

Em geral, esses convites para conferências giram em torno de R$ 2 mil. Quando muito, chegam a R$ 4 mil. Devia ter nascido gari ou sorrir mais. Outro dia, me disseram que tem escritor cobrando R$ 8 mil, tanto quanto a Narjara Turetta. Já celebridades, tipo Fernando Henrique e Lula, dizem, cobram em dólar – coisa de R$ 40 mil ou mais. 

A síndrome da celebridade e dos famosos virou caso de estudo na sociologia. Minha mulher foi ao Uruguai fazer uma conferência para crianças e, de repente, uma delas fez esta pergunta sintomática: se ela conhecia alguém famoso. Percebam. Ela não precisava ser famosa, bastava que conhecesse alguém famoso, e ficava famosa. É a “famosidade” por contaminação. Você conhece alguém célebre, logo é quase célebre. E sua cotação aumenta no mercado da pós-modernidade.

Aquele filme recente do Woody Allen sobre Roma mostrou algo exemplar a esse respeito. O personagem encarnado pelo cômico Roberto Begnini fica famoso de uma hora para a outra, sem que tenha a menor noção de por que isso aconteceu. Passa a ser perseguido pela imprensa e pelo noticiário. É uma pessoa célebre, tudo o que faz é notícia. Da mesma maneira como fica famoso sem mais nem menos, sem mais nem menos deixa de ser famoso, cai no esquecimento e não entende por que era famoso e por que deixou de o ser.

É uma sátira ao nosso tempo. Ser famoso é mercadoria. Pior, um valor conferido a alguém provisoriamente. Todos podem ser famosos. Que o digam o YouTube, a internet e a televisão com os programas tipo Big Brother. Isso se tornou de tal modo corriqueiro que, se perguntarmos a uma criança o que ela quer ser quando crescer, ela não vai dizer médico, advogado ou artista, mas simplesmente: “Quero ser famoso”.

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O viagra na adolescência - Patricia Giudice‏

Os 15 anos da pílula revolucionária coincidem com explosão de vendas de remédios do tipo e com uso crescente por jovens, que ignoram risco de ter vida sexual comprometida 

Patricia Giudice

O comprimido azul, que há 15 anos promoveu verdadeira revolução sexual entre os homens, tornou-se uma mania entre os adolescentes

Ele se transformou em ícone. O comprimido azul em forma de losango que se tornou mundialmente famoso ao revolucionar a vida sexual masculina está entrando na adolescência. Mas não apenas por estar prestes a completar 15 anos: também pela perigosa e crescente popularidade entre homens jovens. Em uma década e meia, o Viagra, nome que virou sinônimo de medicamento para disfunção erétil, mudou comportamentos, impulsionou a corrida por novas drogas, teve patente quebrada no Brasil, tornou-se mais acessível e por isso mesmo experimentou uma explosão comercial. Com o fenômeno que multiplicou por três as vendas desse tipo de substância desde 2010 chegaram os efeitos colaterais: os riscos da compra sem receita médica e do uso indiscriminado por pacientes cada vez mais jovens – inclusive por garotos na puberdade, iniciando as experiências sexuais, que por esse motivo podem ter o desempenho afetado por toda a vida. São eles que mais preocupam os especialistas.

Médicos relatam que é cada vez mais raro encontrar pacientes que cheguem ao consultório antes de ter experimentado a droga, vendida com facilidade em farmácias, sem receita e sem a prescrição da dosagem correta, apesar de ambas serem exigidas. O que os usuários ignoram é que o uso sem indicação tem riscos. O remédio gera efeitos colaterais, como dor de cabeça e dificuldade de digestão, tem contraindicações – não pode ser usado por pacientes que fazem tratamento de angina, por exemplo – e pode causar dependência psicológica. 

Com os riscos muitas vezes subestimados, nunca se vendeu tanto remédio para disfunção erétil no país, fenômeno que coincide com o segundo ano de quebra da patente do Viagra. Dados do IMS Health, instituto internacional que audita vendas de medicamentos, mostram que até setembro foram vendidos quase 34 milhões de caixas de substâncias do tipo no Brasil. No mesmo período de 2010, foram 10,6 milhões. “Estamos chamando de uso recreacional: os jovens começaram a incorporar essa medicação à sua vida. Eles saem no fim de semana e tomam para melhorar o desempenho sexual, mas são pessoas que não necessitariam usar o medicamento. Isso causa uma dependência psicológica: ficam com medo de parar de tomar e não ter mais uma boa resposta”, explica Geraldo Eduardo Faria, chefe do Departamento de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia.

Carlos*, empresário de 39 anos, sabia dos riscos e mesmo assim experimentou o remédio. Tinha apenas 24 anos e o Viagra havia acabado de chegar ao Brasil. Já naquela época, a farmácia não lhe exigiu receita. Apesar de decidir se arriscar com a automedicação, ele tinha medo que a substância fizesse mal ao coração. Temendo alguma doença grave, parou de tomar o medicamento três anos depois da primeira dose.

Há três anos, o comprimido voltou à sua vida. Ele ganhou uma caixa de presente de um amigo. O medicamento era falsificado e Carlos se submeteu ao risco de ingerir dosagem errada e sofrer alguma complicação. “Distribuí parte para conhecidos e usei o resto”, confessa. Com a segunda experiência veio o medo do vício, porque via um colega nessa situação. “Ele não faz nada sem tomar o remédio. Acho que nem sabe mais se ‘funciona’ sem isso.” Mesmo com toda a incerteza, o empresário nunca procurou um médico.
Mas o que merece maior atenção dos profissionais de saúde é o uso desse tipo de droga por adolescentes no início da vida sexual, como Bruno*, de 18. Após um percalço em uma das relações, o rapaz decidiu que na vez seguinte tomaria o remédio. Mesmo sem apresentar nenhuma doença que impedisse o ato sexual, ele só tentou novamente após ingerir o Viagra. Sentiu o que não queria: o efeito prolongado do remédio, indicado para uma classe específica de homens com problemas de ereção – que necessitam de maior tempo de resposta do produto –, e não para um jovem sem doença aparente. “O coração também acelerou muito.” 

Nos consultórios, poucos pacientes, de qualquer faixa etária, chegam para procurar orientação antes de experimentar substância do tipo. Nas farmácias, ela é vendida livremente, apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ser taxativa: é um medicamento de tarja vermelha, que só pode ser vendido com receita. “É muito raro receber um paciente ‘virgem’ de tratamento. Geralmente já tomaram algum remédio e nos procuram porque ficam com medo de algum problema sério”, afirma Geraldo Faria, da Sociedade Brasileira de Urologia.

PESQUISA Carmita Abdo, psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), chefiou em 2008, quando o Viagra fez 10 anos, a pesquisa Mosaico Brasil, que avaliou a sexualidade do brasileiro. O estudo identificou na época que 19% dos homens tomavam os mais diversos medicamentos para a disfunção. Agora, acredita, o percentual é muito maior. “Com a quebra da patente ficou mais acessível, o custo diminuiu e surgiram muitos similares”, afirmou. 

Os que mais usam continuam sendo aqueles com idade superior a 50 anos, mas, segundo Carmita, o medicamento caiu, sim, no gosto dos adolescentes. “É um sinal de alerta. Indica um garoto que não tem autoconfiança suficiente na sua capacidade para a atividade sexual. Pode ser um jovem que está fazendo uso de bebida alcoólica em excesso e para ter bom desempenho faz uso do medicamento, ou uma pessoa que usa drogas. O problema é que são adolescentes que precisam, no mínimo, de uma orientação e muitas vezes deveriam receber tratamento para o uso de álcool, drogas ou atenção psicológica.” (Com Thiago Lemos e Tiago de Holanda)

(*) Os nomes de personagens desta reportagem são fictícios

Mercado sempre no azul 
Arnaldo Viana e Patrícia Giudice
Antônio*, 72 anos, e o medicamento genérico: experiência de uma década

A parceria entre o Viagra e o aposentado Antônio*, de 72 anos, já passa de uma década. “A performance sexual para a idade é sensacional. O medicamento cumpriu sua finalidade em 100%.” Ele afirma que não foi por necessidade que começou a tomar os comprimidos azuis. “Aos 60 anos, perguntei ao médico se podia fazer uso. Ele aprovou, apenas recomendou uma dose mais baixa. Hoje uso até o triplo, sem problemas.” São relatos como o de Antônio, corriqueiros, mas muito escondidos, que mostram que, além de fácil de comprar, o medicamento continua sendo o preferido dos idosos. Eles ajudam a sustentar números impressionantes: são mais de R$ 840 milhões em vendas de substâncias do tipo no Brasil desde agosto do ano passado, segundo o IMS Health, instituto que audita o comércio de medicamentos.

Antônio acha que o custo-benefício do investimento é mais que compensador. Embora a pílula azul não lhe tenha causado mal, o aposentado alerta para sintomas que chama de “inconvenientes”. “Rubor e quentura no rosto e a sensação de estar com o nariz entupido. Mas me acostumei depois de dois anos de uso.” O que mais o incomoda ocorre mesmo no ato sexual: “Retardamento da ejaculação”. Se tem risco? Ele diz que sim, mas para quem  tem problemas cardíacos. Embora use o Viagra sem acompanhamento médico, ele não recomenda que outros façam o mesmo. E avisa: “É altamente viciante, exatamente por proporcionar melhor desempenho e, assim, elevar a autoestima”.

Se Antônio comemora bons resultados com o uso do remédio, os profissionais que o comercializam têm outro motivo para festejar: as vendas. O balconista da farmácia de uma grande rede, na Avenida Afonso Pena, não vende menos que 10 caixas por dia – com ou sem receita, como comprovou com facilidade a equipe de reportagem do Estado de Minas. A unidade com quatro comprimidos custa R$ 17,46. Com oito, R$ 34,60. Com 12, pouco mais de R$ 52. Mas, se o cliente comprar duas embalagens com quatro comprimidos, leva a terceira de graça. 

Fernando*, de 66, autônomo, conhece essa negociação. Ele chegou à farmácia, pediu informações ao balconista e saiu de lá com uma caixa do produto. Isso foi há dois anos. Recebeu todas as orientações de uso ali, longe de um médico. E diz que tomou a decisão de usar por curiosidade. “Tomei a pílula meia hora antes, como disseram na farmácia, e deu tudo certo”, diz. Sempre que está um pouco cansado ou mais empolgado toma, para melhorar o desempenho.
 
Há 15 ANOS Especialistas não conseguem imaginar o mundo hoje sem os medicamentos para disfunção erétil. “Não dá mais para pensar em 1997, quando não existiam. Os homens eram órfãos de um medicamento eficaz e tinham que passar por tratamentos injetáveis. Foi uma revolução”, afirma o chefe do Departamento de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia, Geraldo Eduardo Faria. 

Gerson Lopes, coordenador do Departamento de Medicina Sexual do Hospital Mater Dei e integrante da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, concorda. “O aparecimento do Viagra mostrou a possibilidade de ter ereções eróticas, não mecânicas, com a presença da parceira. Salvo alguns casos de cirurgia radical de próstata por câncer ou alguns homens com diabetes avançado, a grande maioria se viu com o problema resolvido”, disse. 

A psiquiatra Carmita Abdo informa que a estimativa é de que no Brasil 45% dos homens com mais de 40 anos apresentem algum grau de dificuldade de ereção, de leve a completa, por causas diversas. “A própria disfunção pode estar relacionada a conflitos no relacionamento ou até de ordem educacional e falta de conhecimento sexual”, afirma ela, que é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex).

Para José Eduardo Távora, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia regional Minas Gerais, os medicamentos para disfunção levaram o homem ao consultório e esse é um dos principais benefícios. “Trouxe mais alerta para a saúde, o questionamento, quebrou o paradigma de discutir a sexualidade.” Segundo ele, a disfunção baixa a autoestima do homem, causa estresse e queda na produtividade e a prevalência aumenta com a idade. A estimativa brasileira é que entre 15% e 20% dos casos sejam de origem orgânica. O restante, de ordem psicológica.

>> SUCESSO ESTIMULA falsificaÇÃO


Com a explosão nas vendas dos remédios para disfunção erétil, chegaram também ao mercado produtos falsificados ou contrabandeados. Para Geraldo Eduardo Faria, da Sociedade Brasileira de Urologia, é um cenário preocupante, em um mercado com rentabilidade comparada à do tráfico de drogas, mas sem a mesma punição. “No último congresso de que participamos nos Estados Unidos, foi apresentada uma avaliação de medicamentos comprados pela internet, mostrando que não havia o sildenafil (princípio ativo do Viagra e de genéricos) ou que a quantidade era inadequada. Isso coloca em risco a saúde do paciente”, alerta.

Vendo o movimento dos ilegais, a indústria rapidamente tratou de se armar. Eurico Correia, diretor médico da Pfizer Brasil, explica que houve uma evolução na embalagem para inibir a falsificação. “As pessoas precisam ficar atentas ao lugar onde compram os medicamentos: adquirir em uma rede idônea, reconhecida, verificar se a embalagem está em boas condições, se o produto foi adulterado, verificar a validade e até mesmo o número do registro no Ministério da Saúde na caixa”, recomenda.

O laboratório Eli Lilly, responsável pelo Cialis, informou que atua em parceria com órgãos públicos para melhorar a capacitação de profissionais que fazem as apreensões e também usa tecnologias específicas nas embalagens, para que não haja falsificação. A Polícia Federal em Minas Gerais informou que grande parte do genérico falsificado que entra no estado chega do Paraguai. Já a Polícia Federal em Brasília informou que não há dados disponíveis sobre as apreensões, porque os produtos são listados apenas como contrabando. 

(*) Os nomes dos personagens desta reportagem são fictícios

LINHA DO TEMPO

1985 - Começam as pesquisas com a enzima PDE5, que resulta no aumento do fluxo sanguíneo, para o tratamento da angina. Pacientes relatam ocorrências de ereções e estudo é redirecionado

1998 -  Em abril, o Viagra é lançado nos Estados Unidos pela Pfizer e provoca uma corrida às farmácias

1998 - Em junho, o medicamento chega ao Brasil e também tem explosão de vendas. No mesmo ano, Robert Furchgott, cientista americano que começou a estudar a vardenafila, recebe o Prêmio Nobel

2003 - Chegam ao mercado os dois principais concorrentes do Viagra: o Cialis, do laboratório Eli Lilly, e a Levitra, da Bayer

2010 - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide extinguir a patente do Viagra e autoriza que em junho comece a produção do medicamento genérico

2013 - Viagra completará 15 anos no mercado mundial


Três perguntas para...
Carmita Abdo, 
psiquiatra, professora da faculdade de medicina da usp


Qual o benefício trazido pelo medicamento?

O remédio levou o homem ao consultório. Ele passou a pensar que, ao falhar, pode estar com algum problema de saúde. Em função do medicamento, as mulheres começaram também a se interessar mais pela sexualidade e os pesquisadores, a procurar alternativas para melhorar o relacionamento do casal.

Quais são as causas da disfunção?
A dificuldade de ereção pode ser gradual, geralmente começa com leve, passando para moderada e completa. As causas podem ser diferentes doenças, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, doenças da próstata, problemas de ordem psiquiátrica como depressão e fobia. 

O remédio é indicado para todos?

O homem deve usar o medicamento como tratamento de primeira linha, o que acaba atendendo boa parcela deles. Mas, quando não funciona, pode-se recorrer a uma segunda linha, nos casos mais graves que não respondem apenas ao comprimido, necessitando de injeções de substâncias vasoativas no tecido do pênis. Com diabetes avançada, por exemplo, o paciente não tem saúde vascular para responder ao comprimido e precisa de algo mais direto. Quando não há resposta sequer para as injeções, o tratamento de terceira linha é a colocação de prótese.

Somente só - Nando Reis


REVISTA SERAFINA
Somente só
O músico Nando Reis, pai de cinco, avô de uma, ex-marido e namorado da mesma mulher, quer fazer tudo sozinho : mora, compõe, canta e até vende o novo álbum por conta própria; em entrevista à Folha, fala abertamente de sexo, drogas e rock'n'roll
CHICO FELITTI

DE SÃO PAULO

"A vida às vezes é uma merda", diz Nando Reis a seu filho Sebastião, 17, quando tenta convencê-lo a terminar o ensino médio antes de dedicar 100% da sua energia à música.
É o mesmo filho para quem Nando escreveu "O Mundo É Bão, Sebastião", uma das últimas canções que gravou com os Titãs, em 2001. As duas mensagens a Tião são separadas por 11 anos, uma "quase morte" seguida de um renascimento profissional que
José Fernando Gomes dos Reis, prestes a fazer 50 anos, agora completa.
Ele está solo de verdade. Lança "Sei", disco que escreveu, produziu e que só pode ser comprado diretamente com ele. Alcançou um posto que ocupa sem acompanhante: o de fazedor de hits improváveis, com letras existencialistas, muitas delas sem refrão.
É ele que faz o povo cantar estrofes dignas de um livro de Clarice Lispector, como "Quando o segundo Sol chegar/ Para realinhar as órbitas dos planetas/ Derrubando com assombro exemplar/ O que os astrônomos diriam/ Se tratar de um outro cometa".
CAUTELA
Nando também está só na casa em que mora, a alguns passos do estádio do Pacaembu. Antes de começar a entrevista com a Serafina, chega pelo correio uma intimação da Justiça. O músico se recolhe para abrir.
Prudência que talvez não tomasse algum tempo atrás. Como toda emancipação, o crescimento dos últimos anos exigiu uma certa malícia, diz na volta, por conta de algumas quebradas de cara.
Em uma entrevista de 2010, ele disse com todas as letras: "Desejo homens e mulheres". A frase não teve grande efeito na família. "Fiz de tudo e converso com os meus filhos sobre tudo. Mas não posso falar sobre sexualidade com a Zoe, que tem 13 anos."
Acontece que as aspas pipocaram na imprensa. E foram seus filhos que entraram no fogo cruzado da internet. "Minha filha recebeu ofensa nesses facebooks da vida. Ela tinha dez anos, sabe?" A partir do trauma, decidiu ficar mais recluso. "Eu falei em nome da liberdade de expressão, mas fiz merda." Agora só fala por meio das letras.
Diz que já deu entrevistas bêbado. Outras, "muito louco". Agora, é mais cauteloso. As defesas passam por não conceder mais entrevistas de manhã ("pode ser pior do que à noite, depende do que se usou").
"Por que minha vida sexual seria mais interessante do que a de qualquer um? Porque eu sou cantor? Já falei tudo sobre drogas e sexo. Não tem mais nada." Tem o rock'n'roll e os gêneros que fazem parte de sua vida, dos quais ele fala sem filtros, como o Camel que fuma (ele arranca o filtro).
Nando é um dos dez compositores que mais arrecadou direitos autorais no país em 2012. Divide a liderança com Roberto Carlos e sertanejos como Sorocaba e Paula Fernandes. Mas quem o vê nessa lista não imagina como cada canção é um parto. Ele flerta com o fracasso a cada nova música que começa.
"Tenho medo de não conseguir e não é sempre que consigo, não. Já fiz discos curtos por falta de repertório mesmo. Não sou uma máquina de escrever." Tampouco tem uma fila de cantores lhe fazendo encomendas.
O grosso do sustento, diz ele, vem de shows. Terminou neste mês a turnê "Bailão do Ruivão" e começou a do novo disco menos de uma semana depois.
O show anterior tinha hits como "Whisky a Go Go", do Roupa Nova, e a lambada "Chorando se Foi", do Kaoma, música mais tocada no planeta. Já o novo é feito em cima de um álbum pessoal ao ponto de ser definido como a história de uma vida. "Não faço show para agradar. Até porque, no palco, acabo mudando as letras, o que percebi que deixa o público bem puto."
SEM LIMITES
Há dez anos, o processo era o reverso. A vida pós-rock star pesou depois que ele rompeu com os Titãs e passou a subir ao palco desacompanhado. "Eu não tinha um repertório que por si só levantasse todas aquelas pessoas."
De vez em quando, perguntava-se o que estava fazendo diante dos milhares que conseguia reunir. "E os shows eram muito inconstantes. Ainda são. Posso estar disperso, às vezes muito louco."
Por coincidência, Nando anda lendo a autobiografia de Neil Young, em que o roqueiro canadense narra como é tentar escrever sem lubrificar a imaginação com cerveja, maconha ou companhia ilícita. "Eu também tenho esse barato." Na época de "Sim e Não", lançado em 2006, ele dizia que tinha composto o álbum todo na sobriedade.
Mas está em "constante luta com isso" no momento. "Acho estados de alteração da mente, de droga, parte do processo criativo." Nando não diz o que nem como usa, mas fala de um período em que parou "com tudo, não cheirava cocaína nem bebia", no pretérito perfeito. Às vezes, ele diz, é uma pessoa "sem limites".
MUDANÇAS
Fofocas desse período davam conta de que ele teria se envolvido com um grupo de hare krishnas e lançaria um álbum com fundo religioso. Ao que ele ri. "A identificação que tenho com eles é só estética. Passa completamente pelo [beatle] George Harrison."
Tanto que, para gravar com o grupo num show que fez em Porto Alegre, em 2006, pagou R$ 12 mil de cachê à trupe colorida, do próprio bolso. "Acho lindo ter fé, mas não é a minha. Sou quietinho no meu canto."
Nando gosta mesmo do seu canto. Com uma prole de cinco, idades variando de 6 a 26, mora sozinho numa casa tamanho família. "Tenho um lado muito egocêntrico. É difícil de conciliar." Mas concorda quando é chamado de conciliador por outro motivo.
Reatou recentemente com Vânia, psicóloga e mãe de quatro dos seus filhos. Tinha ficado com ela por 20 anos antes da separação, há quase dez. No meio tempo, teve um filho com uma namorada do Sul e namoros com Marisa Monte. Se dá bem com todas a ponto de juntar as duas mães dos seus filhos para o Natal e de Marisa participar de seu CD.
Ainda assim, o dia a dia é solitário. A rotina consiste em ir todo dia à academia. "Eu gosto, juro que gosto." Mas não mais à análise. Ele teve duas relações longas com psicanalistas. Terminou a mais recente em janeiro, depois de anos, quando decidiu se dar alta. "Estou num momento de mudança."
Nada comparado com a mudança da década passada, garante. No começo dos anos 2000, era total a crise. Compunha muito para os Titãs e gravava pouco. Não queria mais ficar tanto tempo na estrada.
Perdeu em 2001 o companheiro de banda Marcelo Fromer e a amiga Cássia Eller. "Eu também estava quase morrendo. Aliás, morrendo é uma palavra boa. Eu estava intoxicando uma coisa em mim para que ela me fizesse fenecer."
A separação deixou um trauma que respingou no instrumento que tocava nos Titãs. "Se eu tocasse baixo, tocaria de novo nessas velhas feridas." Desde o divórcio, houve vários convites para se apresentar com a banda. "Nunca tinha dado certo, não sei por quê."
A reunião deste mês, em show único no Espaço das Américas, acabou saindo por pouco. Depois de ser convidado e declinar, mudou de ideia. Os cartazes já estavam impressos, sem seu nome, quando dirigia ouvindo "Cabeça Dinossauro", de 1986, e pensou "Que disco da porra!" Ligou para Branco Mello e disse que tinha a noite do show livre na agenda.
O reencontro foi "do caralho!" e nada menos. Mas não se repetirá. "Já foi. Não é uma volta. É uma delícia lembrar. Mas não mais do que isso."
AÇÕES
Os tempos são outros. De novidades. A mesma internet que trouxe o insulto à filha é sua nova aposta profissional. Os 20 mil CDs prensados de "Sei" estão num quartinho dos fundos de sua casa e nunca verão a luz fria de um shopping center. Quem quiser deve entrar no site de Nando e fazer uma oferta pelo álbum.
Sim, porque o cantor virou ele mesmo uma ação: o preço do CD oscila de acordo com a procura, como cotas de empresas. A cada semana, o valor cobrado é a média das ofertas feitas por todos os postulantes a cliente.
"Eu não vendia mesmo. Tudo o que gravei ficou no vermelho e as gravadoras queriam avançar no meu cachê, que é sagrado para mim." Decidiu então ficar sozinho também no negócio de fazer música. "Já tenho idade o suficiente."
A barba do ruivão está ficando branca. Mas o espectro da calvície, que ronda sua vida desde os 15 anos, não o assusta mais. Tanto. "Achava que eu ia ficar feio careca, perder o charme. Mas hoje já acho que viveria bem. Dá pra viver bem"
É por isso que ele quer chegar aos 90 anos de vida, que às vezes pode ser uma merda ou levada num mundo bom, como ensinou ao filho. "Só quero ficar bem."

Disco "Sei" é novo capítulo de sua autobiografia
MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cada novo álbum de Nando Reis é um capítulo de sua autobiografia. Ele nunca escreve em terceira pessoa. A vida do outro pouco interessa. Ou melhor: interessa muito, mas só depois de já processada pela vida dele próprio. Amor, separação, sexo com homem, com mulher, o pai, a mãe, os filhos. Todo mundo é personagem de suas canções, mas ele é o protagonista. Sempre.
Entrevistar o cantor sobre um novo trabalho, portanto, é esmiuçar as questões já expostas nas letras do conjunto de canções que ele traz. Nesse sentido, "Sei", o disco que ele lança agora, é um dos capítulos mais ricos que o compositor já nos ofereceu. Verborrágicas, suas 15 faixas jorram informações sobre amores que foram e voltaram, relações familiares, pai, mãe, filhos.
O disco é dedicado a Vânia, "meu amor", com quem foi casado, teve quatro de seus cinco filhos, se separou e agora volta a namorar. E uma das canções centrais de "Sei" se chama "Back in Vânia" -menção a "Back in Bahia", que Gilberto Gil compôs assim que voltou do exílio, em 1972. O fim de um exílio familiar fez brotar um disco alegre, ou quase isso.
"Tenho cinco filhos, fiz uma família/ Trouxe de Saturno um anel de leão/ Onde, hoje, moram minha mãe Cecília, Cássia e Marcelo?/ Dentro do meu coração", diz uma estrofe de "Back in Vânia".
Cássia é Cássia Eller (1962-2001), uma das cantoras mais talentosas do país -mas que só encontrou seu caminho depois do encontro com Nando. Até que ele a dirigisse em "Com Você... Meu Mundo Seria Completo" (1999), nenhum de seus discos fizera jus à artista que ela foi. Quando ela morreu, Nando herdou seus fãs. O teor do discurso dos dois era mais ou menos o mesmo, afinal.
Marcelo é Marcelo Fromer (1961-2001), ex-companheiro de Titãs. Nando deixou a banda meses depois da morte dele. E nada de relevante aconteceu com o grupo depois da saída de Nando, em 2002. Talvez inconscientemente, os membros remanescentes parecem concordar com isso. Ou será por acaso que o ótimo "Titãs - A Vida Até Parece uma Festa" (2009), documentário sobre a banda codirigido por Branco Mello, termina assim que Nando sai da história?

AMORES EXPRESSOS

Em 2003, lançou "A Letra A", seu melhor trabalho até hoje e um dos grandes álbuns da década passada. E também o mais triste. Ali, terminava a relação com Vânia e abria a porta para Anna Butler (a letra A do título), com quem namorou em seguida. E, nisso, "Sei" é o oposto complementar de "A Letra A".
Entre um e outro, houve dois álbuns de estúdio, diretamente amarrados a duas outras histórias de amor. "Sim e Não" (2006) é sua reação ao romance com Nani, com quem teve o quinto filho, Ismael, e para quem compôs "N". A sopa de letrinhas segue com "Drês" (2009), cuja musa foi a namorada seguinte, a publicitária Adriana Lotaif. Anterior a todos esses, "12 de Janeiro" (1995), seu primeiro trabalho solo (quando ainda era dos Titãs), foi inspirado por outra de suas mulheres, Marisa Monte.
Mas a autobiografia vai além do casamento da temporada. Em suas canções, Nando mergulha nos subterrâneos da própria inconsciência, na infância, nos caminhos complexos de sua sexualidade. "Eu sou um homem, você é uma mulher/ Você me come porque eu quero ser sua mulher/ E eu quero o homem que come essa mulher/ Será que você me entende?", pergunta em "Monoico", do álbum "Sim e Não".
Será que você entende? Entender o significado das letras de Nando Reis importa pouco. Por canções herméticas como "Relicário", "Por Onde Andei" e "Cegos do Castelo", o compositor passou a frequentar, tão logo saiu dos Titãs, as listas de maiores arrecadadores de direitos autorais do país.
Pérolas da música pop, foram (ainda são) cantadas de cor por plateias de centenas, milhares de pessoas. Que, quase sempre, não fazem ideia do peso que há por trás daquelas palavras.


FRASES
"Acho estados de alteração da mente, de droga, parte do processo criativo"
"O reencontro com os Titãs não foi uma volta. É uma delícia lembrar. Mas não mais do que isso"
"Por que minha vida sexual seria mais interessante do que a de qualquer um? Porque eu sou cantor?"


Nova hidrelétrica afeta vida de moradores [Usina de Estreito, no rio Tocantins ]


Usina de Estreito, no rio Tocantins, altera rotina e cultura da população local e destrói agricultura de subsistência

Consórcio responsável pela obra afirma que 2.000 famílias foram indenizadas; outras 900 acampam na região
AGUIRRE TALENTO

ENVIADO ESPECIAL A ESTREITO (MA) E BABAÇULÂNDIA (TO)

A construção da hidrelétrica de Estreito (MA), inaugurada neste mês pela presidente Dilma Rousseff, forçou ex-moradores de áreas afetadas pela barragem a viver em acampamentos sem eletricidade ou em assentamentos com racionamento de água.
Os problemas começaram há cerca de dois anos, quando a usina estava em obras e os moradores tiveram de se retirar. A hidrelétrica, no rio Tocantins, afeta 12 municípios na divisa entre o Maranhão e o Tocantins.
O principal é Estreito, sede da usina. Lá, a população teme que, no período chuvoso a ser iniciado em dezembro, o rio provoque enchentes por causa da barragem. Na zona rural, a erosão causada pela barragem à beira do rio já derrubou plantações.
O Ceste (Consórcio Estreito Energia), responsável pela hidrelétrica, diz que 2.000 famílias afetadas foram removidas e indenizadas. Parte delas, segundo o Ceste, foi reassentada em outros locais.
Há outras 900 famílias, porém, que reivindicam indenização. Elas não receberam nada porque não eram donas das terras onde moravam ou não tinham documentos que provavam a posse das áreas.
Para pressionar o governo federal a indenizá-las, montaram acampamentos provisórios, onde vivem sem eletricidade, perto da usina.
Segundo o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), há cerca de 400 famílias em acampamentos nas cidades de Babaçulândia, Barra do Ouro e Filadélfia (no Tocantins) e Carolina (MA).
FORRO E LAMPARINA
Em Babaçulândia, o acampamento foi montado à beira do rio Tocantins. As casas são de palha e de madeira e as famílias vivem da agricultura. Plantam feijão, milho, mandioca e tomate. O passatempo é forró no rádio de pilha. "Luz é na base da lamparina", diz Gilberto de Araújo, 38.
Ele morava numa casa no mesmo terreno da sogra, com a mulher e dois filhos. Viviam da agricultura e tiveram de sair por causa da barragem -o local foi alagado. "Eu plantava muito, rendia mais de R$ 2.000 por mês", diz. Só a dona da terra foi indenizada, e Gilberto ficou sem casa.
O MAB pede ao governo federal a legalização dos acampamentos hoje existentes.
Mesmo os reassentados têm problemas. Em Babaçulândia, o abastecimento de água é feito por carros-pipa enviados de segunda a sábado pelo consórcio. "Domingo a gente vai tomar banho no rio com medo de que a água da casa acabe", afirma o agricultor Agnaldo Barros, 38.

OUTRO LADO

Consórcio diz que remanejou mais de 500 famílias
ENVIADO ESPECIAL A ESTREITO (MA) E BABAÇULÂNDIA (TO)

O Ceste (Consórcio Estreito Energia) afirma que aprovou a indenização de 70% das famílias que solicitaram a inclusão no plano de remanejamento de afetados pela hidrelétrica de Estreito.
Segundo o consórcio, até mesmo famílias que não eram proprietárias das terras onde moravam foram indenizadas.
Em nota, diz que "foram remanejadas mais de 500 famílias não proprietárias".
Já o governo federal afirma que existem cerca de 900 famílias no entorno da hidrelétrica que reivindicam indenização por terem sido impactadas e que será realizada "em breve" uma reunião para discutir a situação.
Sobre o abastecimento de água, o Ceste informa que a água captada no poço artesiano apresentou características salobras, e que providenciou a instalação de filtros para melhorar suas condições. Os moradores, porém, dizem que a qualidade da água continua ruim.
O Ceste afirma aguardar um posicionamento do Ibama para saber se interrompe o fornecimento de água por meio dos caminhões-pipa.



Marcelo Gleiser


Copérnico traído

Tendo dedicado seu grande tratado ao próprio papa, provavelmente não era a Igreja Católica que ele temia

NOS SÉCULOS 16 e 17, o que você pensava sobre o Cosmos podia lhe custar a vida; se não a vida, ao menos a liberdade e a integridade física. Imagine viver numa sociedade na qual o arranjo dos céus, por fazer parte da interpretação teológica da Bíblia, era determinado não pela ciência, mas pela fé. Essa era a época em que viveram Copérnico, Galileu e Johannes Kepler, os pioneiros da chamada Revolução Copernicana.
Copérnico trabalhava para a Igreja Católica na Polônia como uma espécie de administrador local. Mas, embora houvesse estudado medicina e jurisprudência, seu interesse real estava nos céus.
Em 1500, todos acreditavam que a Terra era o centro do Cosmo e que o Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Em 1510, Copérnico escreveu um pequeno tratado propondo algo inteiramente diferente: o Sol era o centro e a Terra girava à sua volta, tal como todos os planetas.
Ele resolveu testar a recepção da ideia distribuindo o trabalho para alguns intelectuais e membros do clero. Ao contrário do que muitos pensam, a Igreja Católica não tinha ainda uma posição oficial contra o sistema heliocêntrico (o Sol no centro). Quem se manifestou contra Copérnico foi Martinho Lutero: "Há aí um astrônomo que diz que a Terra gira em torno dos céus. O tolo acha que vivemos num carrossel". Fora isso, nada de muito dramático ocorreu com Copérnico e seu tratado.
Apesar de sua fama crescente como excelente astrônomo, Copérnico só foi publicar sua grande obra, o resumo do trabalho de toda a sua vida, em 1543.
Alguns afirmam que ele temia os outros astrônomos, pois sabia que seus dados não eram dos melhores: construiu seu sistema usando medidas astronômicas tiradas por Ptolomeu em 150 d.C. e por astrônomos árabes durante a Idade Média -Copérnico era mais um arquiteto do que um observador.
Talvez se preocupasse também com os luteranos, que avançavam em seu domínio na Europa Central. Mas quando, devido à insistência de seu único pupilo, Rheticus, ele termina o tratado, Copérnico o dedica ao papa! Certamente não era a Igreja que ele temia.
Na época, publicar um livro significava passar um tempo junto com o editor, acertando todos os detalhes. Como era já bem velho, Copérnico manda Rheticus para Nuremberg de modo a tomar conta disso.
Só que o rapaz era homossexual e acabou sendo expulso da cidade. Na pressa, deixou o manuscrito aos cuidados de Andreas Osiander, um teólogo luterano conservador.
Péssima escolha. Osiander, representando o pensamento de sua igreja, acrescenta um prefácio anônimo ao livro, dizendo que o sistema ali proposto era apenas um modelo matemático que ajudava no cálculo das posições planetárias, nada dizendo sobre o real arranjo dos céus, que permanecia geocêntrico.
Nesse meio tempo, Copérnico sofre um derrame e só recebe as provas do livro na cama. Segundo os relatos, ao ler o prefácio, compreendendo a dimensão da traição de Osiander, Copérnico morre no mesmo dia. Apenas em 1609 é que Kepler desmascara a traição, argumentando que Copérnico jamais teria escrito tal coisa. Copérnico morreu traído, mas é imortalmente celebrado como um dos heróis da história do pensamento.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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