quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Microsoft lança Windows 8 e anuncia mais de mil modelos adaptados ao sistema


RAFAEL CAPANEMA

ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

A Microsoft realiza nesta quinta (25) o lançamento mundial do Windows 8 e de seu tablet Surface. Steven Sinofsky, presidente da divisão Windows da Microsoft, disse no início do evento, em Nova York, que mais de mil dispositivos já foram certificados para rodar o novo sistema operacional da empresa.

Lançamento do Windows 8

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Rafael Capanema/Folhapress
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Tablet da Microsoft, Surface com o novo Windows RT começa a ser vendido nos EUA por US$ 499, cerca de R$ 1.000
O Windows 8 custará R$ 269 no Brasil, vendido em disco, na caixa, para quem não tem a versão anterior do sistema. Quem já tem o Windows 7 poderá fazer uma atualização para o Windows 8 por R$ 69 (por meio de download). Além disso, PCs com Windows 7 comprados de 2 de junho de 2012 a 31 de janeiro de 2013 poderão ser atualizados para Windows 8 Pro por R$ 29. Mas, para aproveitar essa promoção, é preciso fazer cadastro em um site da Microsoft até 28 de fevereiro de 2013.
No evento de Nova York, a empresa anunciou que haverá computadores com Windows 8 a partir de US$ 300 nos EUA.
Sinofsky deixou clara a diferença entre os novos sistemas Windows 8 e Windows RT, fator que pode causar confusão entre os consumidores, segundo especialistas.
A primeira versão do Surface, híbrido de tablet e laptop produzido pela Microsoft, vem com Windows RT, que é destinado a aparelhos com processadores de arquitetura ARM, que consomem menos energia e são adotados em praticamente todos os smartphones e tablets atuais.
"O Windows RT não roda programas desenvolvidos para Windows 7", explicou Sinofsky. A versão RT só funciona com aplicativos da Windows Store, de modo semelhante aos aparelhos da Apple com iOS, que só rodam programas da App Store.
Segundo o executivo da Microsoft, o Windows RT é compatível 420 milhões de periféricos, como mouses, teclados, discos rígidos externos, impressoras e monitores.
Ainda de acordo com Sinofsky, a Windows Store vai estrear com mais aplicativos do que todas as lojas concorrentes quando estas foram lançadas. O executivo, porém, não citou números.
"O Windows 8 é uma oportunidade sem precedentes para desenvolvedores", afirmou Steve Ballmer, executivo-chefe da Microsoft, citando "670 milhões de computadores esperando para ser atualizados" para o novo sistema e prevendo vendas de 400 milhões de PCs para o próximo ano.
O lançamento de hoje, realizado simultaneamente em vários países, é o mais importante da história recente da Microsoft.
O novo programa não carrega só o peso de repetir o sucesso do Windows 7, lançado em 2009 e que teve 650 milhões de licenças vendidas, ou de manter a hegemonia da Microsoft no mundo da computação pessoal, que dura mais de duas décadas.
O Windows 8 será a principal peça na transição da companhia para aquilo que Steve Jobs batizou de "era pós-PC", em que máquinas são ultramóveis, telas respondem ao toque, interfaces são mais atraentes, e dispositivos estão conectados à web e sincronizados entre si.
Para isso, o sistema operacional mudou: foi projetado para telas de toque e ficou com visual de smartphone.
A Área de Trabalho, interface tradicional do sistema, e o menu Iniciar, deram lugar a uma tela inicial com grandes e coloridos ícones retangulares, que se distribuem na horizontal e exibem dados atualizados em tempo real.
Outra novidade é o menu Charms, que permite acesso rápido a funções básicas, como busca, compartilhamento e configurações do PC.
O Windows 8 se conecta à nuvem. Os documentos e arquivos guardados na máquina se misturam aos que estão hospedados na internet --uma busca no aplicativo de fotos, por exemplo, traz tanto as imagens depositadas no PC como as publicadas no Facebook ou no Flickr. E esse conteúdo da máquina pode ser compartilhado com a rede por meio de um toque.
Há ainda uma loja de apps nos moldes das controladas pela Apple (App Store) e pelo Google (Google Play).
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Laboratório urbano


PAULA CESARINO COSTA

RIO DE JANEIRO - Foi o samba que colocou o morro no caminho da elite carioca. Foi sua localização próxima de onde estava o trabalho e o capital que causou sua ocupação desordenada e incontrolável.
Foi o abandono pelo Estado e o consequente domínio do tráfico que tornou as favelas um dos piores lugares do país. Foi sua ocupação pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) que as transformou em projeto econômico e político potencial.
Durante o século passado, sucederam-se as tentativas de remoção das favelas. Mas elas não pararam de crescer. E estão na moda. Entrarão mais na rotina dos brasileiros pelas lentes da TV, com imagens aéreas do teleférico do Complexo do Alemão.
Por muito tempo as favelas foram invisíveis. Pela ação de muita gente espalhada pela cidade, barreiras começam a ser quebradas. O retrato é traçado com precisão pelo geógrafo Jailson de Souza e Silva, um dos fundadores do Observatório de Favelas:
"Não existe identidade carioca independente das favelas e vice-versa. A cidade tornou-se referência nacional e internacional também em função do peso arquitetônico, cultural e social dos espaços favelados. A garantia de riqueza paisagística e pluralidade cultural é central para o Rio e seu projeto de futuro."
Há muito a fazer e a temer. Um dos riscos é a "remoção branca", quando dinâmicas de mercado e de formalização tornariam preços e custo de vida tão altos nas favelas da zona sul que moradores não os suportariam e seriam deslocados para longe. Ainda não aconteceu. O que se vê são jovens, muitos estrangeiros, que buscam, no alto dos morros, vista deslumbrante com preço acessível e uma vida em comunidade à antiga.
Esse movimento pode vir a ser uma espécie de laboratório de "mistura social", onde pessoas com cultura e história diferentes, mas interessadas no outro, podem iniciar uma revolução silenciosa.

Pasquale Cipro Neto



'Se nós pressupormos...'

Para significativíssima parte dos falantes, os verbos derivados de 'pôr' tornaram-se regulares

ESCREVE-ME DA Bahia um fiel leitor: "O ministro X acaba de dizer 'Se nós pressupormos...'. Está de acordo com a norma gramatical o ilustre jurista ou acaba de abrir precedente, que pode desaguar em jurisprudência? Eles são tão vaidosos e cheios de purismos, que deveriam saber também conjugar verbos, não?".
Não ouvi a declaração, mas, depois de pesquisar aqui e ali, concluí que de fato a frase foi dita durante o julgamento do mensalão.
Vamos por partes. O fato de pessoas cultas dizerem "Se nós pressupormos..." mostra que a flexão registrada no padrão culto da língua ("Se nós pressupusermos") anda longe do uso efetivamente vivo. O caso do ministro em questão é só um dos tantos que comprovam o que acabo de afirmar. Parece que, para significativíssima parcela dos falantes, os verbos derivados de "pôr" tornaram-se (definitivamente) regulares.
Comprovam essa afirmação os vários exemplos (vindos de pessoas muito letradas, pouco letradas ou iletradas) do emprego de construções como "Quando eu compor uma música", "Se ele supor isso", "Se o deputado se opor a esse projeto", "Se nós contrapropormos outro valor" etc., etc., etc.
As gramáticas, os dicionários e os textos escritos sob o rigor da norma dizem que todos os verbos derivados de "pôr" (absolutamente todos, sem nenhuma exceção) são conjugados exatamente como "pôr", cujo futuro do subjuntivo é "se eu puser, se tu puseres, se ele puser, se nós pusermos, se vós puserdes, se eles puserem".
De acordo com essa orientação, o futuro do subjuntivo de todos os verbos derivados de "pôr" se faz exatamente como o de "pôr": "Quando eu compuser uma música", "Se ele supuser isso", "Se o deputado se opuser a esse projeto", "Se nós contrapropusermos outro valor" etc., etc., etc.
Moral da história: a julgar pelo que se vê nos registros formais da língua, o ministro escorregou, já que deveria ter dito "Se nós pressupusermos", o que, para muitas pessoas, parece ser justamente a forma "errada".
Agora vejamos o que dizem as provas de português dos vestibulares das mais importantes universidades do país, certamente elaborados por professores das escolas de letras dessas próprias universidades ou de outras (ou ainda de instituições que elaboram esse tipo de prova). Tomemos como exemplo uma conhecida questão da Unicamp, baseada neste trecho jornalístico: "...se (o governo) repor as perdas salariais". A banca pedia ao candidato que localizasse a "forma inadequada", que a trocasse pela forma adequada e que explicasse o motivo do "desvio".
Como se vê, essa banca considera inadequado o uso de "se o governo repor" em textos formais, o que equivale a dizer que, por mais que se vejam formas como essas aqui e ali (na escrita ou na fala de gente i/letrada), a forma "adequada" é outra.
O motivo do "desvio" já foi explicado no começo desta coluna, mas relembro: ao dizer "Se nós pressupormos", o falante age como se o verbo fosse regular. A base da flexão do futuro do subjuntivo dos verbos regulares e de alguns irregulares é o próprio infinitivo. De "falar", por exemplo, temos "se eu falar, se tu falares, se ele falar, se nós falarmos..."; de "beber", temos "se eu beber..."; de "decidir", temos "se eu decidir...".
De "fazer", não temos "se eu fazer", assim como de "ir", não temos "se eu ir", certo? A "fórmula" da conjugação culta do futuro do subjuntivo já foi explicada mais de uma vez neste espaço. Se você fizer um concurso público ou um vestibular, lembre-se de que o que se quer nesses casos é mesmo o domínio do padrão formal culto da língua, o que, no caso visto hoje, impõe a forma "pressupusermos" ("Se nós pressupusermos"). É isso.
inculta@uol.com.br

O próximo prefeito de São Paulo


ROGÉRIO GENTILE
Mais ousadia

SÃO PAULO - O próximo prefeito de São Paulo, Haddad ou Serra, terá de olhar para o trânsito com muito mais atenção, criatividade e ousadia do que os candidatos fizeram ao longo da disputa que se encerra no domingo. Com medo de perder votos e desagradar eventuais financiadores de campanha, nenhum deles colocou, de fato, o dedo na ferida.
Temas como pedágio urbano, ampliação da área do rodízio e restrição à circulação de motos em certas vias não foram nem mesmo discutidos, embora, a médio prazo, medidas desse gênero terão de ser adotadas para atenuar o trânsito caótico e favorecer o transporte público.
Outro ponto que mereceria consideração por parte dos candidatos é o absurdo direito de as construtoras erguerem grandes empreendimentos em qualquer lugar, sem que a prefeitura possa vetá-los se considerar que os seus endereços não têm condições de receber mais automóveis.
Hoje, se estiver de acordo com a lei de zoneamento e os limites de construção, qualquer projeto está liberado. O departamento de trânsito pode, no máximo, exigir medidas mitigadoras -implantação de sinalização, alargamento de via etc. Proibir, como em vários países, jamais.
O caso da Paulista é emblemático. A avenida recebe no pico cerca de 6.900 veículos por hora. A partir de 2015, com a abertura de uma torre comercial e um shopping no antigo terreno dos Matarazzo, atrairá outros 1.090 por hora -15,8% a mais. Ou seja, o trânsito exasperante ficará pior.
E a Paulista é só um exemplo. Desde 2005, 677 projetos de polos geradores de tráfego, como são chamados os empreendimentos com grande afluxo de pessoas, foram aprovados. Em nenhum caso, o trânsito foi obstáculo para o endereço.
Medidas como essas não vão transformar o trânsito de São Paulo num passeio tranquilo e ligeiro -não há solução para um lugar que tem 7,3 milhões de veículos e que licencia 500 novos por dia. Mas, se nada disso for feito, a situação só vai piorar.

A virgem e o rei da noite


Oscar Maroni, dono do Bahamas, diz que Ingrid, a jovem de 20 anos que leiloou sua virgindade pela internet, 'ofereceu-se' a ele por R$ 100 mil; o leilão terminou ontem, e o vencedor teria oferecido R$ 1,58 milhão

Reprodução VirgensWanted
Ingrid Migliorini, em foto do site que divulgou o leilão
Ingrid Migliorini, em foto do site que divulgou o leilão
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
O autodenominado "Rei da Noite" paulistana, Oscar Maroni, dono do mítico clube privê Bahamas, onde circulavam 150 das mais lindas garotas de programa de São Paulo, "2.000 relações sexuais no currículo", vangloria-se: "Há dois anos, Ingrid [Migliorini, a virgem Catarina] ofereceu-se para mim por R$ 100 mil."
Segundo Maroni, a jovem procurou-o no Bahamas, já então fechado pela Prefeitura de São Paulo sob a acusação de ser um prostíbulo de luxo. Um segurança forneceu a ela o número de celular do empresário (que não por acaso termina com a sequência 6969), e o contato foi feito.
Maroni conta que aproveitou um fim de semana e deslocou-se para o aeroporto de Navegantes, que serve o litoral norte de Santa Catarina.
"Pode perguntar para ela. Ela lembra do meu nome. Passamos um final de semana juntos", diz o empresário.
Ontem, quando foi batido o martelo no leilão internacional pela virgindade de Ingrid (aliás, vencido por um japonês que se identifica apenas por "Natsu", lance de US$ 780 mil ou R$ 1,58 milhão), a Folha procurou a dona do hímen, que se encontra na Austrália.
Ingrid estava gravando uma entrevista para um canal de televisão alemão e não quis prolongar a conversa. Mas afirmou que, sim, conhece Maroni. E não quis comentar mais nada.
Maroni diz que ele e Ingrid foram a um hotel cinco estrelas em Balneário Camboriú (a 82,6 km de Florianópolis), cidade vizinha da Itapema em que ela mora.
Comeu com ela no restaurante Chaplin, de frente para o mar. "Foi um jantar romântico. Andamos de mãos dadas na praia e só então subimos para o quarto."
"A gente trocou beijinhos, mas, na hora H, ela insistiu em vender a virgindade por R$ 100 mil", diz Maroni.
O negócio não prosperou porque, segundo o empresário, que proclama sua formação de psicólogo, "esse negócio de virgindade é do tempo do meu bisavô, coisa de macho inseguro que precisa garantir a procedência da prole. Estou fora."
Ele dormiu na cama de casal; ela, no sofá ("de pijaminha"). Mas a melhor surpresa, segundo Maroni, ficou para o dia seguinte.
"Havia um piano de cauda no restaurante do hotel. E ela foi lá e tocou Bach e Beethoven lindamente. Vestia um shortinho jeans e uma blusa leve, sem sutiã. Fiquei apaixonado", afirmou. Mas nunca mais a viu.
No total, o leilão da virgindade de Ingrid teve apenas 15 lances (desde o dia 7 de outubro). O país que mais levantou o dedo, candidatando-se, foi o Brasil, com nove lances. Todos mixurucas. Teve até o gaiato identificado como "Lucas Zaiden", oferecendo US$ 1 pela primeira noite da menina. Vai que cola.
O brasileiro mais "agressivo" no leilão identificou-se como "Benga JP" -fino!- e deu um lance de US$ 150 mil (R$ 303,9 mil). Provavelmente nem existe.
Vizinhos do edifício Alice e Augusto, onde Ingrid vive com a mãe e o irmão, em um apartamento debruçado na praia, acham toda essa história muito esquisita.
"Por que alguém pagaria R$ 1,5 milhão por uma hora com uma virgem brasileira cheia de não-me-toques (não pode beijar, não pode usar apetrechos de sex shop, não pode passar de uma hora, tem de usar preservativos, tem de pagar adiantado, o comprador corre o risco de ter sua identidade exposta etc. etc.), quando o mercado do sexo tem tanta oferta boa e a preços muito mais competitivos?", pergunta um empresário santista do ramo de segurança, que não quis se identificar.
Maroni, que neste caso se diz romântico, afirma que Ingrid é "introspectiva". Os vizinhos e frequentadores do calçadão do bairro Meia Praia, o mais rico de Itapema, dizem que ela é "esquisita".
A menina nunca é vista com garotos de sua idade, nunca ninguém a visita. Sua única companhia é o irmão caçula, Philip, 17, com quem sempre joga vôlei na praia.
Alegadamente, Ingrid usará o dinheiro obtido no leilão para tocar adiante um projeto pessoal de construção de moradias populares; a zeladora do prédio onde ela vive, porém, diz que o sonho da menina é cursar medicina na Argentina -o dinheiro serviria para custear os estudos.
Agora, é ver se o tal "Natsu" existe realmente -e se paga. O produtor do leilão, Justin Sisley, disse ontem que, sim, o ganhador japonês "existe e tem cerca de 50 anos". E que irá a Sydney para consumar o ato.
Quanto ao colega de leilão de Ingrid, o russo Alexander Stepanov, 21, sua vingindade foi arrematada por meros US$ 3.000 (ou R$ 6.078), por "Nene B.", do Brasil. Até a finalização do leilão, segundo Justin Sisley, não se sabia se era homem ou mulher.
Agora, revelou-se: trata-se de homem e, por causa disso, acredita Sisley, Alex não deve finalizar o negócio.
A primeira vez de Ingrid, conta-se, acontecerá a bordo de um avião, entre a Austrália e os Estados Unidos. Maroni deseja à jovem "muitos e felizes orgasmos".
Colaborou JACIRA WERLE, de Sydney (Austrália)


QUEM É INGRID MIGLIORINI
Catarinense de 20 anos, leiloa a virgindade como parte do documentário "Virgins Wanted", de uma produtora australiana. Em entrevistas, a jovem já declarou que pretende usar o dinheiro para montar uma ONG, financiar casas populares e estudar medicina na Argentina.

QUEM É OSCAR MARONI
Um dos mais conhecidos empresários da noite paulistana, é dono da boate Bahamas, interditada pela prefeitura em 2007, sob acusação de favorecer a prostituição. Chegou a ser preso e condenado em primeira instância, mas recorre em liberdade. Maroni nega a acusação de incentivar a prostituição e diz ser perseguido pela prefeitura.

Fundação FHC publica segunda edição de revista


Veículo digital gratuito traz artigos sobre Primavera Árabe e Sudeste Asiático

DE SÃO PAULO

Com dois dossiês que reúnem textos sobre a Primavera Árabe e o Sudeste Asiático, será lançada hoje a segunda edição em português do "Journal of Democracy", pela Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso.
A publicação de ciência política e relações internacionais traz, nesta edição, uma análise do professor da Universidade de Columbia Alfred Stepan sobre o processo de transição na Tunísia, país onde teve início a Primavera Árabe.
Stepan defende que a religião não precisa ficar de fora no estabelecimento de uma democracia. Diz que a Tunísia é um exemplo de como a "mútua tolerância" entre religiosos e laicos garantiu uma "bem sucedida transição", embora não tenha atingido a consolidação democrática.
A revista traz análise sobre os slogans dos líderes da Primavera Árabe, e um texto que discute por que não há democracia em países árabes com grande produção de petróleo.
Contém artigos sobre a reforma econômica e autoritarismo no Vietnã, Laos e Camboja, e a democratização na Malásia e em Cingapura.
A publicação, gratuita e está disponível no site www.plataformademocratica.org/Portugues, tem periodicidade semestral. Criado em 1990, o "Journal of Democracy" é publicado pela editora da Universidade Johns Hopkins (EUA).

Escândalo sexual na BBC respinga no 'NYT


Ombudsman do jornal americano questiona contratação de Mark Thompson, ex-diretor da rede britânica

Thompson alega que não sabia da decisão da BBC de barrar programa com acusações contra ex-apresentador da TVDAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

A editora pública (cargo correspondente ao de ombudsman) do "New York Times", Margaret Sullivan, questionou a atitude do jornal americano em manter a contratação do novo diretor-executivo, Mark Thompson, que até setembro deste ano era diretor-geral da BBC.
Thompson comandava a emissora britânica quando foi tomada a decisão de cancelar uma investigação do telejornal "Newsnight" sobre acusações, de abuso sexual, contra o ex-apresentador Jimmy Savile. O editor responsável pela decisão, Peter Rippon, foi afastado.
Savile morreu em outubro de 2011, aos 84 anos. No último dia 3, a emissora ITV, também britânica, exibiu uma reportagem especial com depoimentos de mulheres que dizem ter sido violentadas pelo ex-apresentador na década de 70, quando eram ainda menores de idade.
Após a exibição do programa, a polícia disse ter recebido um número "chocante" de denúncias contra Savile. Já são mais de 200 acusações.
A previsão inicial era que Thompson assumisse o cargo no NYT na última segunda-feira, mas houve adiamento para o dia 12 de novembro próximo.
Em entrevista à Reuters ontem, Thompson afirmou que "todos os colegas do NYT têm dado bastante apoio" a ele. Ele afirma que não sabia do caso Savile. Mas para Sullivan sua contratação deveria ser repensada.
"Qual é a probabilidade de que (Thompson) não soubesse de nada?", escreveu a ombudsman em sua página do jornal na internet. "Sua integridade e suas decisões devem afetar profundamente o 'Times' e seu jornalismo. Vale a pena considerar se ele é a pessoa correta para o cargo", continuou Sullivan.
Segundo a agência Reuters, um analista de Wall Street propôs que a empresa que edita o jornal adie novamente a posse de Thompson.
Executivos da companhia estão sendo pressionados a discutir o assunto ainda esta semana, durante teleconferência agendada para tratar de resultados financeiros.
No início da semana, o premiê britânico, David Cameron, cobrou publicamente a emissora sobre o escândalo dizendo que a BBC tem "sérias questões a responder".
"O país está chocado com as acusações contra Jimmy Savile, e parece que elas pioram a cada dia", afirmou.
O diretor-geral da BBC, George Entwistle, disse anteontem em depoimento ao Comitê de Cultura da Câmara dos Comuns [câmara baixa britânica] sobre seu envolvimento com o caso, que a emissora está colaborando e fazendo tudo a seu alcance para ajudar a polícia.
As investigações no Reino Unido não apontaram, até o momento, interferência de Thompson no trabalho do "Newsnight". O "NYT" não comentou as declarações da ombudsman.

ANÁLISE
Jornal se arrisca e passa pelo teste da transparência on-line
NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO
Em resposta a um leitor na semana passada, a editora-executiva do "New York Times", Jill Abramson, saudou a ombudsman Margaret Sullivan, que "traz nova energia ao cargo por se sentir confortável em blogs e outras formas digitais".
Anteontem, diante do escândalo sobre acobertamento de pedofilia na BBC, Sullivan blogou que a cobertura do "NYT" não vinha questionando Mark Thompson, ex-diretor-geral da rede britânica, escolhido para presidente-executivo do próprio "NYT". Ele estava naquele momento no prédio do jornal e deveria ser entrevistado "agressivamente".
Ainda anteontem, surgia no site uma entrevista com Thompson. O executivo respondeu aos questionamentos, disse não ter ordenado a suspensão de uma reportagem da BBC sobre pedofilia envolvendo uma estrela da rede, mas os repórteres Christine Hauchney e David Carr apontaram contradições, evidenciando a possibilidade de estar mentindo.
Thompson deu pelo menos mais duas entrevistas, ontem, uma à Reuters, outra ao "Guardian", e se contradisse ainda mais, alterando versões sobre o que sabia do episódio, como foi informado, como reagiu. Declarou que continuava com o apoio da direção do "NYT" e que esperava ser "grelhado", questionado, pelo jornal.
Paralelamente, o editor-executivo do jornal até o ano passado, Bill Keller, surgiu ao vivo na própria BBC para afirmar que a cobertura do "NYT" chegaria "ao fundo" da história e que, sim, seria um problema se concluísse que Thompson mentiu.
De volta à ombudsman, Sullivan foi elogiada ontem não só por Keller, mas pelo próprio Thompson, dizendo que ela está "completamente certa" em questionar sua nomeação. E no Twitter, em resposta a um leitor, ela escreveu que, "para permanente crédito do 'NYT', todos parecem entender que o editor público [ombudsman] é uma voz independente".
Qualquer que seja o resultado da cobertura, se vai ou não acabar derrubando o presidente-executivo que ainda nem tomou posse, o "NYT" parece estar passando pelo teste da mais ampla transparência, em "blogs e outras formas digitais".


Anticorpos neutralizam HIV em cobaias


Terapia criada por brasileiro teve eficácia mais longa que a de remédios atuais, com chance de menos efeitos colaterais

Sucesso em roedores leva cientista a pensar em ensaio com pessoas; resistência natural ao vírus inspirou estudo
RAFAEL GARCIA

EM WASHINGTON

Um tratamento inovador contra o HIV, que usa substâncias obtidas a partir do organismo de pessoas imunes ao vírus, teve eficácia mais duradoura que as drogas antirretrovirais convencionais em um teste com cobaias.
Após usar anticorpos (moléculas de ataque do sistema de defesa do organismo) para tratar camundongos geneticamente modificados, Michel Nussenzweig, o cientista brasileiro que liderou a pesquisa, quer agora iniciar um ensaio clínico em pacientes humanos.
Junto com seus colegas da Universidade Rockefeller, de Nova York, Nussenzweig descreveu o sucesso do experimento num estudo publicado hoje pela revista científica britânica "Nature".
SUMIÇO
Os anticorpos monoclonais (clonados a partir de uma única célula) usados no teste conseguiram reduzir a infecção por HIV a níveis indetectáveis nos camundongos.
Como o vírus da Aids não infecta roedores naturalmente, os cientistas tiveram de fazer o teste com camundongos geneticamente modificados, cujo sangue tinha características moleculares humanas.
Os anticorpos monoclonais, por sua vez, são uma técnica sofisticada que já vem sendo usada para tratar alguns tipos de câncer e doenças autoimunes.
As proteínas usadas no experimento liderado por Nussenzweig, que já tinham sido descritas em outro estudo no ano passado, são capazes de neutralizar muitas variedades diferentes do vírus.
Segundo ele, outras pesquisas que tentaram usar terapia similar falharam por não ter anticorpos tão robustos à mão.
Apesar de os anticorpos monoclonais serem uma abordagem mais cara que os antirretrovirais, existe uma perspectiva de uso para a técnica no tratamento de soropositivos, pois eles quase não trazem efeitos colaterais.
"A vantagem dessa abordagem é que os anticorpos são um produto natural, feito pelo organismo humano", disse Nussenzweig à Folha.
"Os voluntários num teste clínico serão aqueles que não toleram bem as drogas, aqueles nos quais as drogas estão falhando ou os que queiram receber um tratamento com doses uma vez a cada poucos meses em vez de ter de tomar algo todos os dias."
LONGA DURAÇÃO
No experimento com os camundongos "humanizados", tanto a terapia de anticorpos quanto as drogas antirretrovirais foram eficazes em manter a carga de vírus em níveis baixos. Quando o tratamento foi cessado, porém, o vírus voltou a proliferar em poucos dias nos roedores tratados com medicamentos.
Os animais que estavam recebendo os anticorpos permaneceram sem sintomas por até dois meses. "Em humanos, a meia-vida [taxa de deterioração] de anticorpos é ainda mais longa que nos roedores", diz. "Esperamos que esse período de eficácia seja o dobro ou o triplo."

Teste da ideia em humanos deve custar até US$ 5 mi, diz cientista
EM WASHINGTON

O teste da nova terapia contra Aids em humanos ainda não tem data para começar. Nussenzweig e seus colegas ainda precisam levantar verbas, por exemplo.
"Um teste como esse custa caro, mesmo que seja pequeno, e provavelmente sai entre US$ 2,5 milhões e US$ 5 milhões. Não estou acostumado a ter de levantar essa quantidade de dinheiro."
Nussenzweig, porém, diz-se otimista. Existe até mesmo a chance de que os anticorpos monoclonais levem à cura da infecção pelo HIV.
"Não é provável, mas é possível, pois alguns animais foram efetivamente 'curados' no contexto do experimento", disse. "O problema é que a infecção não dura muito em camundongos, então não sabemos se ela acabou se esgotando sozinha ou se aconteceu mesmo uma cura."
Além de planejar o teste clínico, Nussenzweig continua tentando desenvolver uma vacina capaz de induzir o sistema imune a produzir os anticorpos. "Estamos trabalhando duro para isso", diz. "Todos concordam que a vacina é realmente a solução para a epidemia." (RG)

Pesquisa gera embriões com DNA de três pessoas


Material genético extra poderia ser usado para impedir doenças hereditárias graves

DE SÃO PAULO

Pesquisadores nos Estados Unidos usaram uma polêmica técnica para produzir embriões com material genético de duas mulheres e um homem. O objetivo é que, no futuro, o método possa corrigir doenças hereditárias.
No experimento, os cientistas usaram óvulos comuns e inseriram o material genético de uma segunda mulher apenas no chamado DNA mitocondrial, que corresponde a cerca de 1% do total da herança genética do embrião.
Não é o tipo de mudança que provoque diferenças físicas. A questão está muito mais ligada aos problemas que podem ser provocados por "defeitos" no DNA mitocondrial, que é transmitido apenas de mãe para filho.
Mutações desse tipo podem levar a doenças fatais, que afetam sobretudo o coração e o sistema nervoso.
Com essa pequena alteração no óvulo, realizada pelo grupo de Shoukhrat Mitalipov e descrita na revista "Nature", seria possível que mulheres que carregam essas mutações usassem seus próprios óvulos, com um pequeno percentual do material genético de outra pessoa, para gerar filhos saudáveis.
No trabalho, o grupo usou 64 óvulos doados por mulheres saudáveis. Após a a fertilização, 13 deles se desenvolveram normalmente e deram origem a embriões em estágios iniciais. Os cientistas dizem que não pretendem usá-los para gerar uma criança.
Em macacos, experiências do tipo deram origem a animais saudáveis. A discussão com humanos, porém, está apenas começando. O Reino Unido tomou a dianteira: um painel de cientistas concluiu que o uso desse tipo de técnica seria ético, desde que ele se mostrasse seguro e eficaz.

Conselho do Ministério Público abre investigação sobre Demóstenes


GOIÁS
DE BRASÍLIA - 

Por unanimidade, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) abriu ontem investigação para apurar se o ex-senador Demóstenes Torres cometeu infrações por conta de sua relação com o empresário Carlinhos Cachoeira.
O conselho também resolveu juntar outra investigação já aberta pelo Ministério Público de Goiás. Com a junção dos procedimentos, apenas o CNMP irá agora decidir sobre o futuro de Demóstenes.
Também foi determinado que o ex-senador deverá permanecer afastado do cargo de procurador de Justiça enquanto durar a investigação (60 dias, podendo ser prorrogado por mais 60 dias).
Flagrado em conversas com Cachoeira, Demóstenes voltou ao Ministério Público de Goiás depois que o Senado cassou seu mandato, aceitando a tese de que ele quebrou o decoro parlamentar ao usar seu cargo em prol do empresário preso.
Caso o CNMP considere que, ao se relacionar com Cachoeira, Demóstenes descumpriu suas obrigações como procurador, as sanções variam entre reprimenda, suspensão e aposentadoria. A pena de demissão ainda precisa ser discutida.

Penas "astronômicas"


QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO -
coelhofsp@uol.com.br
Penas "astronômicas"

Raivas à parte, o certo é que, mesmo com o revisor, Marcos Valério vai receber uma pena pesadíssima

FOI UM mau dia para Joaquim Barbosa, com algumas sobras para Luiz Fux também. Dispensável dizer que foi péssimo para Marcos Valério, o réu do mensalão sobre quem se decidiram, na sessão de ontem no STF, novas penas que terá de cumprir.
Barbosa retomou a discussão, que se iniciara de modo muito confuso um dia antes, a respeito da "reprimenda", como dizem alguns ministros, no caso de corrupção ativa.
Fizera seus cálculos a partir do que seria a pena mínima prevista na lei atual: dois anos.
O problema é que as ofertas de Valério a Henrique Pizzolato, do Banco do Brasil, foram feitas em período anterior, quando a lei só previa um ano de prisão como pena mínima. Os cálculos teriam de ser refeitos.
Joaquim Barbosa bateu o pé. Estava confirmado, nos autos, que Pizzolato se apoderou do famoso envelope pardo em janeiro de 2004, quando a nova lei já estava valendo.
Mas, como se sabe, o crime de corrupção ativa (oferecer a propina) não depende da data em que o corrupto recebeu o dinheiro. Era preciso saber o dia em que Valério ofereceu o dinheiro, não o dia em que Pizzolato o recebeu.
Não havia informações sobre isso. Na dúvida, portanto, era preciso seguir o que mais beneficiasse o réu, partindo da pena mais branda de um ano.
Barbosa se confundia. Se temos uma data concreta, a de janeiro de 2004, e outra desconhecida, temos de julgar pela data concreta, argumentou.
Não fazia sentido. Fux quis ajudar. Mesmo se considerarmos a lei mais antiga, a pena total proposta por Joaquim Barbosa pode ser adotada. Com as agravantes e outros cálculos, ficava em quatro anos e dois meses. Muito abaixo, argumentou Fux, do teto máximo.
Outros ministros, em especial Dias Toffoli, insurgiram-se. Se a lei é diferente, como terminar aplicando a mesma pena?
Seria uma espécie de vale-tudo, com efeito, e a maioria derrotou Barbosa.
Viria mais tarde outro problema simétrico, quando Barbosa quis aplicar então a lei velha contra outros crimes de Marcos Valério.
Para seu desgosto, Ricardo Lewandowski mostrou que naquele caso, de lavagem de dinheiro, era a lei nova que devia valer. Os crimes praticados por Valério nesse item estenderam-se ao longo de três anos.
Quando isso acontece, configurando o "crime continuado", vale a modificação legal que tiver a pena mais pesada. Barbosa teve de calcular novamente as suas penas para lavagem de dinheiro.
Tudo isso em meio a graves ataques contra Lewandowski, a quem acusou de agir como advogado dos réus.
Lewandowski manifestava sua preocupação com a "razoabilidade" das penas finais. A valer o desejo de Barbosa, a soma final de anos contra Valério terminaria chegando a números "estratosféricos".
A tática de Lewandowski, rugiu Barbosa, é plantar o que vai colher daqui a pouco. Queria dizer que o revisor prepara uma grande diminuição das penas.
Ele ainda sacou um artigo do "New York Times", referindo-se ao sistema jurídico brasileiro como "risível", "laughable".
Toffoli lembrou, com razão, que nos Estados Unidos há pena de morte também.
Hum, hum, remexeu-se Barbosa. "Lamento ter ferido os pruridos ultranacionalistas de alguns colegas."
Não era isso, claro. Raivas à parte, o certo é que, mesmo com Lewandowski, Valério vai receber uma pena pesadíssima.

JANIO DE FREITAS



Para rir ou chorar
Um juiz não pode querer condenar nem absolver, tem de procurar fazê-lo à margem de sua vontade

QUEM VIU a sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal, ou alguma das anteriores com o mesmo nível de ética e de civilidade, pode compreender que o ministro Joaquim Barbosa assim opinasse sobre o artigo do "New York Times" que qualificou de risível a Justiça brasileira:
"Eu apenas me referi a um artigo -com o qual concordo".
Mas compreender tal concordância do "novo herói nacional" não leva a compreender uma questão mais simples: por que o ministro Joaquim Barbosa permanece como componente dessa "Justiça risível", e no ponto culminante dela, se poderia desligar-se ao perceber seu caráter ou nem aceitar compô-la?
A resposta esperta seria a da permanência para lutar por melhorá-la. Resposta desgastada, é verdade, desde que certa corrente do comunismo não desperdiçava boas situações, com a alegação de que "a luta por dentro" era mais eficaz. Não só para o objetivo comunista, claro.
O artigo citado por Joaquim Barbosa ocupou-se das sessões de julgamento do mensalão. Nas quais o ministro é protagonista de cenas inspiradoras do comentário publicado. A própria referência ao artigo veio em mais um acesso de inconformismo de Joaquim Barbosa com a discordância, por sinal vitoriosa, de outros ministros à sua posição (esta, seguida pela linha-dura: Luiz Fux, Marco Aurélio e Ayres Britto).
Há pouco, houve críticas a um comentário cético do ministro Marco Aurélio sobre a próxima presidência do Supremo por Joaquim Barbosa. A preocupação se justifica, no entanto.
Os poderes maiores da presidência sempre implicam o risco de excesso incompatível com o tribunal. Se a discordância basta a Joaquim Barbosa para investir de modo insultuoso e atropelador, agora que suas condições hierárquicas têm as limitações de poder comuns a todo o plenário, não há dúvida de que o risco da futura presidência estará bastante aumentado.
Ainda ontem, quando discutida a proposta de condenação em que foi derrotado, Joaquim Barbosa voltou a uma afirmação intrigante lançada anteontem a respeito do ministro Ricardo Lewandowski: "O revisor barateia muito o crime de corrupção". Nas circunstâncias, não era uma constatação. A não ser a respeito do autor da frase e da atitude que expõe.
Cá fora, a descarga de raiva e a consequente ânsia de condenações, tão terríveis quanto possível, são partes das atitudes comuns. Mas um juiz não pode querer condenar nem absolver. Tem de procurar fazê-lo à margem de sua vontade.
O ministro Joaquim Barbosa, porém, em geral transmite a impressão -não de agora- de formular suas decisões com bem mais do que saberes jurídicos e reflexões.
CRIAÇÕES
Mais uma vez: "...o mensalão, idealizado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu" (em "Valério cumprirá pena em regime fechado, decide STF", pág. A4 de ontem). Com três meses do julgamento no Supremo, o mensalão continua a receber essa origem, com frequência, em jornais, TVs e rádios.
E José Dirceu, para ser criador do mensalão, só pode ser imaginado no PSDB em 1998, com Marcos Valério, na tentativa fracassada de eleger o peessedebista Eduardo Azeredo para o governo de Minas.
Como é que isso ainda acontece? Eu é que não vou dar meu palpite.

Tentando entender nulos, brancos e abstenções


JAIRO NICOLAU

Apressado falar em insatisfação generalizada e crescente com os políticos. O que se percebe é que nas grandes cidades há, de fato, distanciamento do Legislativo

Diversos analistas destacaram o crescimento das taxas da abstenção, votos em branco e nulos nas eleições municipais deste ano.
Alguns chegaram a somar as três taxas para mostrar que o número de eleitores que não votou em um dos candidatos chegou a ultrapassar a votação de nomes importantes. Por exemplo, na cidade de São Paulo o total de eleitores que não foi votar, anulou ou apertou a tecla "em branco" chegou a 2,49 milhões (31% do total), número superior à votação obtida por José Serra (1,88 milhões de votos), o candidato mais votado.
Como sempre acontece, o passo seguinte foi o de apresentar as razões para o crescimento do contingente de eleitores que não votou em nenhum dos partidos ou candidatos.
Os dados revelariam a insatisfação da população com os políticos, com a corrupção generalizada e com a obrigatoriedade do voto.
Com a divulgação dos resultados oficiais, é possível analisar os dados com mais cuidado.
Comecemos com a abstenção. Nas eleições de 2008, a taxa média de abstenção dos municípios brasileiros chegou a 12%. Neste ano, a média foi de 14%. Ou seja, o crescimento foi muito pequeno.
O que chama a atenção é a enorme variabilidade do comparecimento às urnas. O que explica que 18,5% dos paulistanos não tenham comparecido, enquanto que em Frei Paulo (Sergipe) a abstenção foi de apenas 4,5%?
A taxa de abstenção é influenciada por uma série de fatores, muitos deles não estão diretamente associados ao protesto político. Muitos cidadãos mudam de cidade, mas não se alistam em um novo domicílio. Há também a presteza da Justiça Eleitoral em retirar os mortos da listagem. Não é coincidência que cidades que fizeram um recadastramento completo do seu eleitorado tendem a ter uma taxa de abstenção muito menor.
Quanto aos votos nulos e em branco, é importante observar separadamente os dados das disputas para prefeituras dos das Câmaras Municipais. Nas eleições de 2012, a taxa média de votos em branco e nulos foi de 8,5% (prefeito) e 4,5% (vereador). Números praticamente idênticos aos valores das eleições de 2008: 9% (prefeito) e 5% (vereador). É interessante lembrar que em 2012 muitos candidatos considerados "ficha suja" mantiveram-se na disputa e tiveram seu votos contados como nulos.
Se por um lado há estabilidade, por outro o que chama a atenção é o alto contingente de brancos e nulos nas quatro maiores cidades do país. Os números são bem mais altos do que a média nacional.
Os percentuais foram significativos em São Paulo (19% para vereador; 13% para prefeito), Rio de Janeiro (17%; 14%), Belo Horizonte (17%; 15%) e Salvador (14%; 14%). O que intriga é que mesmo com eleições altamente disputadas para prefeito nestas cidades (a exceção é o Rio de Janeiro), mais de 10% dos eleitores que foram às urnas anularam e deixaram os votos em branco.
Estes números são realmente altos e precisam ser estudados com mais calma. Será que existe alguma diferença entre as áreas mais pobres e ricas das cidades? Por que mesmo com milhares de candidatos concorrendo às Câmaras Municipais nestas cidades, o total de eleitores que preferem anular ou deixar o voto em branco tem aumentado?
No quadro geral dos municípios brasileiros, não existem mudanças significativas quando comparamos o percentual de abstenção, brancos e nulos de 2012, com as eleições anteriores. Mas é preocupante que as taxas de votos brancos e nulos estejam tão altas (e tenham subido) em importantes cidades brasileiras. Pelo menos nestas cidades, os sinais de distanciamento dos eleitores em relação ao Legislativo são inequívocos.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.debates@uol.com.br

KENNETH MAXWELL



Jim deu um jeito

É um escândalo peculiarmente britânico. Jimmy Savile, com seus cabelos longos, charutos e excentricidades, foi um extravagante astro de TV por 40 anos, o primeiro apresentador do "Top of the Pops", programa que divulgou o rock para o público britânico mais amplo.
Uma vez por semana, no horário nobre, Savile apresentava um programa de meia hora com sucessos recentes da música, diante de uma audiência formada por adolescentes que não paravam de dançar. Depois, ele se tornou apresentador do "Jim'll Fix it" [Jim dá um jeito], no qual recebia e atendia aos pedidos de pessoas comuns, sobretudo crianças. A audiência chegava a 20 milhões de telespectadores.
Jimmy Savile se tornou famoso por seu trabalho assistencial. Foi sagrado cavaleiro pela rainha. Ao morrer, no ano passado aos 84 anos, deixou o país inteiro de luto.
A BBC é outra instituição muito britânica. Até que o Reino Unido permitisse a operação de estações comerciais de TV, a BBC detinha monopólio sobre a televisão no país. A companhia continua a ser bancada por uma taxa que todos os domicílios britânicos são obrigados a pagar. Por muitos anos, a BBC manteve o tom moralista imposto pelo lorde Reith, o soturno escocês que foi seu primeiro diretor-geral. O apelido carinhoso da companhia era "Titia".
O problema de Jimmy Savile é que ele era um pedófilo serial. É espantoso que isso não tenha sido percebido durante quatro décadas, especialmente pela BBC. Mas Savile era católico fervoroso. Foi recebido pelo papa. Desfrutava do apoio do príncipe de Gales.
Ele tinha acesso aos jovens mais vulneráveis em instituições psiquiátricas e hospitais nos quais fazia trabalho voluntário, e usou esse acesso a jovens meninas (e meninos) para praticar abusos contra eles, alguns dos quais nos estúdios da BBC.
Enquanto ele era vivo, nenhuma de suas vítimas -e foram centenas- ousou se pronunciar. "Newsnight", um programa jornalístico da BBC, planejava denunciar os crimes de Savile no ano passado. Mas o projeto foi abandonado.
Em lugar disso, a BBC exibiu dois especiais natalinos homenageando o apresentador. Coube à ITV, uma rede comercial, contar a história do verdadeiro Jimmy Savile. "Panorama", um programa da BBC que concorre com "Newsnight", em seguida veiculou uma devastadora revisão do caso Savile, nesta semana.
George Entwistle, diretor-geral da BBC, sofreu pesadas críticas ao depor diante do comitê de cultura da Câmara dos Comuns. A verdade, porém, é que Jimmy Savile era um desastre esperando para ocorrer.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Angeli


CHARGE

Índios: a simplista visão do 'bem contra o mal'


EDUARDO CORRÊA RIEDEL
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O problema indígena não é só terra. Há aldeias muito pobres com áreas gigantescas, é preciso avaliar se vale ampliá-las. E não é justo prejudicar o agricultor
A visão maniqueísta não é uma forma eficiente de retratar a realidade. Dividir problemas a partir da dualidade "bem contra o mal" é uma simplificação que atende à necessidade imediatista de se nominar culpados, mas de longe não contempla a sua complexidade e tampouco abre caminhos para uma solução justa e definitiva.
Assim é com a questão indígena no Brasil, um impasse que já passou da hora do país atender com a seriedade que merece.
Fazemos esta análise a partir do artigo de Marina Silva publicado na edição do último dia 19, com o título "Sobre todos nós".
A ex-senadora chama atenção para a condição dos guarani-kaiowá. Os indígenas reclamam falta de assistência e se negam a deixar propriedade ocupada em Naviraí (MS), mesmo depois de a Justiça ter determinado sua retirada.
Concordamos que é impossível não se sensibilizar com a desagregação social encontrada nas aldeias. Mas a realidade é bem mais complexa e a solução para a falta de estrutura e perspectiva dessas populações não se resume à concessão de território.
Atribuir os graves problemas enfrentados por essas etnias unicamente à falta de terra é tirar o foco do problema e justificar a inoperância do poder público.
Mais chão não dá ao indígena a dignidade que a falta de estrutura sanitária, de atendimento em saúde, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos necessários para o cultivo dessas áreas lhes tira.
Os exemplos que temos no Estado evidenciam que a sobrevivência digna dessas culturas requer mais do que a ampliação das aldeias. A reserva Kadwéu é um exemplo. Situada em Corumbá (MS), em uma vasta área de 350 mil hectares, abriga 2.000 indígenas que vivem em condições precárias.
Entendemos como adequado o envolvimento do poder público e de toda a sociedade para a devolução da dignidade dos povos indígenas do Estado. Se a análise técnica apontar a necessidade de ampliar áreas indígenas, não é justo que o preço financeiro e moral seja depositado na conta do produtor rural que detém a certificação legal de origem da sua propriedade. A responsabilidade pela mudança na condição das populações indígenas é do poder público.
Marina também faz referência aos índices de assassinatos dos guarani-kaiowá. Porém, os dados sobre o número de homicídios de indígenas em Mato Grosso do Sul -constantemente repassados à mídia como estatísticas oficiais, atribuindo a violência aos litígios de terras- são oficiosos e tendenciosos.
Levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública mostra que, dos 27 boletins de ocorrência registrados no ano de 2011 nos quais figuram índios como vítimas de homicídio doloso, em 25 a autoria foi atribuída a outros indígenas, não existindo nenhum registro de violência motivada por disputa de terra.
A divulgação desses dados alimenta o maniqueísmo que tira o foco do problema real, em busca de atribuir uma responsabilidade imediata. Embora sejam com frequência colocados em lados opostos, índios e não índios estão na mesma posição. Os dois grupos querem apenas viver com dignidade e ter seus direitos respeitados.
Não se pode garantir essa condição apenas para um grupo, subtraindo os direitos do outro.


Painel



VERA MAGALHÃES - painel@uol.com.br
Presente eleitoral

Gilberto Kassab antecipará o pagamento dos salários dos cerca de 230 mil servidores da prefeitura paulistana para amanhã, dois dias antes do segundo turno. Os recursos normalmente caem nas contas dos funcionários no último dia útil do mês -portanto, na próxima quarta-feira. Aliado e articulador político de José Serra, o prefeito argumenta que a antecipação, válida para ativos, aposentados e pensionistas, será paga para celebrar o Dia do Servidor Público, que é no domingo.

Calendário A prefeitura afirma que houve antecipações similares de salários em 2004, 2007, 2008, 2009 e 2011.
Duro de roer Alvo de esforços da campanha de Serra, juntamente com os indecisos, o grupo dos que dizem votar em branco ou nulo, segundo o Datafolha, não parece fácil de cativar: nesse segmento, 74% dizem não votar no tucano de jeito nenhum.
Sinal... As pesquisas internas das duas campanhas já mostravam queda de Haddad e recuperação de Serra na zona norte. Dados do Datafolha mostram que o petista perdeu 5 pontos e o tucano ganhou 4 em uma semana na região, que terá atenção intensiva nos últimos dias.
... amarelo Também chamou a atenção de petistas o recuo de 9 pontos no centro, onde Serra cresceu o mesmo percentual e voltou a liderar.
De raiz Na disputa interna por cargos em eventual governo de Fernando Haddad, o grupo que se opõe ao dos deputados que miram secretarias é chamado de "turma dos 3%" -referência à ala fiel ao candidato quando ele ainda patinava nas pesquisas.
Veja bem A campanha de Haddad afirma que seu plano de governo não prevê policiamento ostensivo em áreas de uso intensivo de crack, prática defendida no programa federal "Crack, é possível vencer", ao qual o petista pretende aderir, se eleito. Diz ainda que instalará bases móveis da Guarda Civil na cracolândia, em vez da PM.
Recall Agora cortejado por Geraldo Alckmin, o PRB estabeleceu meta para 2014: dobrar a bancada federal. A sigla, ligada à Igreja Universal, tem oito deputados. Uma hipótese é lançar Celso Russomanno para puxar votos.
Cupido Dilma Rousseff, que será madrinha do casamento de Eduardo Mendonça, filho da primeira-dama da Bahia, Fátima, conheceu os noivos quando era ministra de Minas e Energia. Disse que, quando se casassem, gostaria de ser madrinha. Em 2011, eles levaram o convite ao Palácio da Alvorada.
Batman Em reunião de peemedebistas, anteontem, o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, relatou que perguntou a um eleitor em quem votaria para presidente em 2014 e ele disse que seria "naquele da capa preta", se referindo a Joaquim Barbosa.
Pega leve No intervalo da sessão, ministros abordaram Joaquim Barbosa para dizer que ele "foi longe demais" nas críticas públicas a Ricardo Lewandowski. Entre eles, Ayres Britto e Celso de Mello. O relator, segundo relatos, reconheceu que havia "passado dos limites", e desculpou-se publicamente.
Valeu Marco Aurélio se solidarizou com o revisor do mensalão e o parabenizou pela "elegância" e calma durante a briga. Lewandowski ficou sensibilizado.
Visita à Folha Ricardo Sayeg, candidato à presidência da OAB-SP, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Antônio Márcio da Cunha Guimarães e Raimundo Hermes Barbosa, advogados, Gustavo Ribeiro, coordenador da campanha, e Fausto Camunha e Bruna Ferrão, assessores de imprensa.

TIROTEIO
"Já tentaram com o sequestro de Abílio Diniz e até com a edição do debate com Collor, mas não vão conseguir nos derrotar."

CONTRAPONTO
Dieta de campanha
A convite do governador Sérgio Cabral e do prefeito do Rio, Eduardo Paes, Michel Temer passou anteontem o dia na capital fluminense e almoçou no Palácio da Cidade. Como tinha outros compromissos, o vice-presidente comeu pouco e seguiu viagem para Uberaba para apoiar o candidato do PMDB, Paulo Piau.
No avião de volta para Brasília, em contenção de gastos, o PMDB esqueceu de abastecer o jato com comida para o vice. Após desembarcar na capital, ele avistou uma churrascaria e não hesitou:
-Pode entrar aí, entra aí!- disse ao motorista.

"Recusa" retrata cultura indígena com brilho


TEATRO
CRÍTICA / DRAMA

"Recusa" retrata cultura indígena com brilho
Peça da Cia. Balagan incorpora lendas, cantos e línguas dos povos ameríndios para compor uma narrativa contundente
LUIZ FERNANDO RAMOS

CRÍTICO DA FOLHA

Cena ameríndia. "Recusa", espetáculo da Cia. Balagan, propõe um mergulho no caldeirão das culturas indígenas do Brasil.
Mais que retratá-las, os artistas envolvidos incorporaram suas línguas, cantos e mitos até o ponto de tornarem-se índios.
A encenação de Maria Thaís se ancora no trabalho de dois atores, Antônio Salvador e Eduardo Okamoto, que concretizam esta incorporação e sustentam uma narrativa cênica contundente.
A dramaturgia de Luiz Alberto de Abreu, que partiu de lendas recolhidas, quer revelar o que é ser esse outro sem uma dramatização convencional. Contou para isso com os atuantes, fazendo de seus corpos e vozes fundo sonoro e visual com que narram algumas histórias.
A direção musical de Marluí Miranda propiciou que os intérpretes assimilassem cantos de diversas etnias, sempre apresentados nas línguas originais, o que torna seus desempenhos um recital de musica acústica.
A forma do dueto, ou da dupla que interage em uníssono, segue a estrutura das mitologias ameríndias descrita pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss.
Ele reparou que na América indígena os pares míticos não se aniquilavam entre si, mas compartilhavam suas diferenças criativamente.
Acrescente-se a percepção de outro antropólogo, o brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, sobre a peculiar noção de humanidade daquelas culturas. Ela permite estabelecer um fluxo de mutações em que os seres flutuam por diversas formas de vida.
Ali, homens, animais, plantas e rios têm suas almas ou são igualmente pessoas.
Os dois intérpretes variam entre serem homem e onça, pássaro e árvore, narrador e coisas narrada. Contam desde cosmogonias primitivas até casos recentes, como o que inspirou a produção, sobre dois índios isolados que se recusaram a receber ajuda quando descobertos.
O único estranhamento, neste discurso indígena que se quer não mediado pelo homem branco, é quando a voz de um fazendeiro devorado ainda fala na barriga do índio. O tom ideológico contrasta com o "pensamento selvagem" que vinha sendo cultivado.
É pouco para empanar o brilho da realização da Balagan, que arrisca uma nova abordagem teatral da questão indígena.
RECUSA
QUANDO de qui. a sáb., às 21h30; dom., às 19h; última semana
ONDE SP Escola de Teatro (pça. Roosevelt, 210; tel. 0/XX/11/3775-8600)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo

VANESSA BARBARA


DIÁRIO DA CALÇADA
Um barco maior

EM PLENA segunda à tarde, encalhei no cinema do Shopping Frei Caneca durante quatro soníferas horas, pega de surpresa com o esgotamento dos ingressos de "Barbara" (2012, Alemanha).
Diante da súbita preguiça de escolher um plano B (um filme turco, dois brasileiros, um francês, um israelense e um cazaque), fiquei esperando o início de outra sessão que acabou por não acontecer ("Tubarão", 1975, EUA).
Sem Kindle na mochila nem vontade de sair para comprar sapatos, fui parar no Scada Café, onde um sanduíche de rosbife custa R$ 14,90 e a fila beirava a parede oposta dos caixas.
Levei quinze minutos para mastigar cada naco de pão, cochilei, acordei, dormi de novo, fiz novos amigos, e o tempo não passava. Como numa pescaria.
Preferia ter ficado presa no pitoresco espaço Matilha Cultural (r. Rêgo Freitas, 542, tel. 0/xx/11/3256-2636), onde há jardim, tabuleiro de xadrez e uma excelente biblioteca (vi um tratado sobre tulipas em meio a clássicos da literatura e um livro de poemas astrológicos).
Lá, as sessões da Mostra são gratuitas, e cachorros são bem-vindos.
No Frei Caneca, como de hábito, a fila para as sessões mais concorridas se forma com meia hora de antecedência.
Num piscar de olhos, o que antes era vazio se transforma em aglomeração, e se você resolve amarrar os cadarços antes de aderir é capaz de só conseguir um lugar ao fundo, atrás do sujeito com pigarro.
Grupos de conversa se formaram e se dissolveram, ao nosso lado passou a fila inteira para o filme do Ken Loach, e nada de abrirem a sala.
As cédulas de votação foram distribuídas, gerando certa inquietação -afinal, devemos marcar um "regular" ou "não gostei" para o clássico do Spielberg, na esperança de fazê-lo voltar no tempo e repensar "Hook - A Volta do Capitão Gancho" e "Amistad"?
Por fim, vieram avisar: "Não iremos exibir 'O Tubarão'". (Alguém sussurrou: será que vão substituir por "O Bacalhau"?) O arquivo digital em formato DCP não abriu, portanto seria veiculado o longa "Dom: Uma Família Russa".
"É, não rolou...", disse um rapaz da organização. "Vamos precisar de um barco maior", eu pensei, arrastando meus barris amarelos para casa.