terça-feira, 23 de outubro de 2012

Quadrinhos



PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO

ADÃO
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

Quem não tem cão


Mude a função de objetos comuns para montar uma mala mais organizada e 'sustentável'
JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A mala é sempre pequena. A memória falha e não inclui na bagagem itens que se mostram essenciais quando a pessoa chega ao destino. Dar novos usos a objetos cotidianos pode facilitar a vida em viagens, além de poupar espaço e dinheiro.
"Uso saquinhos herméticos de cozinha para guardar coisas pequenas e separar as roupas por categorias, como meias ou biquínis", ensina a organizadora pessoal Ingrid Lisboa. Latinhas de pastilha também são boas para armazenar brincos e acessórios.
"Para mim, o segredo é não procurar por um objeto específico. Não diga que precisa de uma nécessaire, diga que precisa de um porta-qualquer coisa e ele aparecerá, é meio mágico isso", filosofa a publicitária Renata Borges, 32, mãe de dois e arrumadora de mala de quatro.
"Quando viajamos sou que faço as malas de todos. Tenho esse dom de incluir coisas que parecem inúteis, como cadarços, mas que acabam salvando a vida da família", conta Renata.
Foi tentando salvar a própria pele antes de uma reunião de trabalho no Rio de Janeiro que a empresária gaúcha Ana Paula Vasconcelos, 38, criou uma nova função para sua chapinha: "Abri a mala e minhas camisas estavam todas amassadas. O hotel pedia uma hora e R$ 20 por uma passadinha de ferro. Decidi passar com a chapinha e o resultado foi ótimo", diz ela.
Por ser estreita, a prancha é útil para passar golas e o espaço entre os botões. Escolha um modelo com controle de temperatura se quiser usar em tecidos mais finos.
FORA DA CAIXINHA
Saboneteiras quadradas comportam com perfeição câmeras digitais pequenas. Por serem rígidas, protegem bem o aparelho
EXTRAVIRGEM
Na falta de um limpador de sapatos, use azeite de oliva para limpar couro
BEM CHAPADA
No passado, as moças usavam ferro de passar roupa para alisar o cabelo. Hoje é possível inverter o jogo e usar a chapinha para desamassar roupas amarrotadas durante a viagem
MÃOZINHA
A caixinha velha de óculos serve como estojo para conjuntos de manicure e outras miudezas
PÉ DE MEIA
Na falta de capinhas, embale óculos e aparelhos dentro de meias
CADA UM NO SEU QUADRADO
Organizadores de gaveta ajudam a manter em ordem a mala do fim de semana. O truque não funciona bem para grandes quantidades de roupa
ANTIDERRAPANTE
Resolva o problema dos cabides lisos dos hotéis com elásticos de cabelo. Eles impedem que roupas sem manga escorreguem
SEM LENÇO
Clipes de papel servem como chaveiro e carteira em idas a praia e passeios sem bolsa
ENROLADOS
Tubos de papel higiênico podem funcionar como organizadores de fios de aparelhos eletrônicos
DE TOUCA
Toucas descartáveis de hotel servem para embalar sapatos e evitar que suas solas entrem em contato com as roupas

Generosidade: natural ou racional? - Suzana Herculano-Houzel


NEURO



Generosidade: natural ou racional?
Dividimos coisas em vez de ficar com tudo porque é o 'certo' e também porque isso pode nos dar prazer

Demonstrações de generosidade não são exclusividade nossa, pois outros animais -felinos, cetáceos e até ratos- também exibem comportamento altruísta.
Mas não importa: o fato é que o ser humano, ainda bem, é capaz de tomar decisões que beneficiam os outros mesmo quando geram prejuízos para ele, por exemplo para seu próprio bolso.
Para aqueles que acham que só humanos são racionais o suficiente para pensar no que é certo ou errado, a evidência de generosidade em outros animais já deveria bastar para levantar a suspeita de que por trás desse comportamento estão valores emocionais automáticos, como apego e identificação com o outro.
Ainda assim, contudo, resta a possibilidade: será que a generosidade humana também tem outras fontes, mais racionais?
Uma das perguntas colocadas pelo Laboratório de Neuroeconomia de Antonio Rangel, no Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), nos EUA, é: será a generosidade humana oriunda de um prazer genuíno em ajudar ao próximo? Ou vem de uma decisão racional sobre se é certo ou errado você ficar com tudo em vez de dividir com os outros?
Estudando voluntários que toparam decidir de dentro de um aparelho de ressonância magnética como dividir com outros participantes o dinheiro que lhes era ofertado, o grupo descobriu que... as duas coisas são possíveis.
O grau de generosidade dos participantes é variável, tanto entre indivíduos quanto ao longo de cada sessão de estudo, com escolhas cada vez menos generosas ao longo do tempo -um sinal de que a generosidade requer esforço, o que vai ficando cada vez mais difícil conforme o cansaço aumenta.
Esse esforço pode ser visto no cérebro como um aumento da atividade pré-frontal durante decisões generosas, sinal de controle.
A generosidade, de fato, exige controle em algumas pessoas: aquelas menos generosas, cujo cérebro exibe sinais de satisfação ao ver uma decisão generosa não ser implementada. Para essas pessoas, ser generoso é, de fato, fazer a coisa certa.
Mas, para pessoas que se mostram mais frequentemente generosas, decidir compartilhar seus ganhos com conhecidos ou com estranhos não requer qualquer esforço pré-frontal.
Pelo contrário, causa-lhes uma decepção mensurável no cérebro ver a sua escolha generosa não ser implementada.
Para eles, ser generoso - o que os outros consideram "a coisa certa" -é apenas natural. É... há esperanças para a sociedade!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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QUADRINHOS
O BLOG DA MURIEL
Laerte
TUDO EM TRÊS TEMPOS
Pryscila Vieira

O trem, esse esquecido - Anna Veronica Mautner


OUTRAS IDEIAS
 amautner@uol.com.br

O trem, esse esquecido


Por que ir de avião em poucas horas se em dois dias de puro deleite os trilhos nos levam ao mesmo lugar?

É bem verdade que nem todo mundo quer porque quer conhecer todas as distâncias do mundo. Uns encontram riqueza pertinho de si mesmos. Mas o planeta é grande, as distâncias podem ser imensas e a nossa curiosidade também não tem limite.
As primeiras grandes distâncias foram vencidas por trens, que, até hoje, para mim, são o melhor jeito de ver a Terra. Não quero falar do avião porque voa longe e depressa demais. Perdemos o contato.
Por que gosto de trem? Porque é a melhor invenção do mundo: só tem vantagens e quase nenhum defeito.
Tem espaço como um avião (com a vantagem de estar no chão), é confortável (podemos ir pelo corredor de um vagão a outro e esticar a perna sem atrapalhar ninguém) e é altamente previsível. Além de ter um caminho exclusivo, só para em locais previstos.
O ônibus, esse coitado, depende da quantidade de veículos em movimento, de obstáculos que podem aparecer pela frente, do estado do asfalto. Já o avião depende muito do clima.
O trem nos isola do mundo, nos colocando ao mesmo tempo dentro e fora dele. Fiz duas viagens de trem inesquecíveis. Uma, de Chicago a Los Angeles, atravessando desertos e pradarias, vendo sol e lua nascendo e se pondo nas janelas. Fiz também a Transiberiana (de Moscou a Ulan Bator, na Mongólia). Dias e dias deixando o mundo pra trás. Por que tomar um avião para ir à Mongólia se 30 horas a mais podem nos dar de presente a vista dos prados da Sibéria? Por que atravessar os Estados Unidos de avião sem ver as pradarias, sem ver de longe o Colorado e suas montanhas?
Nosso planeta merece ser visto de perto. Em cada estação de trem, vendedores de comida chegam às janelas com guloseimas diferentes das oferecidas há cinco horas. E, na próxima estação, as frutas já serão outras de novo, as roupas e o tipo étnico dos vendedores, também. E a gente vai passando a limpo regiões do mundo.
Ir de trem de Budapeste a Gênova faz o passageiro atravessar pelo menos quatro tipos de povoamentos diferentes.
Nós aqui, na América do Sul, temos o chamado "trem da morte". Era a viagem de libertação, o rito de passagem da vida do jovem estudante inteligente do século passado. Tinha um trem de batismo que ia de Bauru a Corumbá e Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Depois de passar por essa experiência, o jovem virava adulto.
Por que ir de avião em poucas horas se em dois dias de puro deleite o trem nos leva ao mesmo lugar? Por que será que andar de trem saiu de moda? Que pena!
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)

Amizades virtuais migram para a vida real do pessoal com mais de 50



COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Homens e mulheres na faixa dos 50 e 60 anos descobrem na internet caminhos para deixar a solidão de lado.
É um sentimento comum na fase em que os filhos saem de casa gerando a popular síndrome de "ninho vazio", como diz Sérgio Mota Correa, criador e diretor do portal Mais de 50, que tem cerca de 140 mil cadastrados.
"O site é ponto de encontro de pessoas que estão na mesma fase da vida. Os problemas e preocupações são os mesmos, então falamos abertamente sobre eles", diz.
O contato entre os usuários não se resume à esfera digital. Em São Paulo, há um almoço todo último domingo do mês, no qual comparecem entre 40 e 50 pessoas.
Um dos frequentadores assíduos desses encontros organizados pelo portal é o viúvo José Benedito de Oliveira, 65, aposentado, taxista nas horas vagas e, agora, também estudante em um curso de gestão de negócios.
"Antes de me inscrever no site eu quase não tinha amigos, os da minha juventude ficaram lá no interior. Agora saio bastante, viajo e tenho muitos amigos que deixaram de ser virtuais para se tornarem reais", diz.
Essa pequena reviravolta na vida influenciou o aposentado a tomar uma decisão importante, segundo conta: voltar a estudar. "A maior parte dos meus novos amigos fez faculdade; como não cheguei a fazer, pensei que agora tenho tempo e vontade. Não que tenha me sentido diminuído, me senti incentivado."
O mundo digital aproxima também gente que não está buscando novas amizades. As opiniões ficam tão expostas na rede que desconhecidos vão aos poucos formando grupos e descobrindo pontos em comum.
"Quando conhecemos uma pessoa virtualmente, só investimos se houver afinidades claras de pensamento. A rede nos deixa mais intolerantes, mas também nos reúne a pessoas que, de outro jeito, não fariam parte da nossa vida", diz a bacharel em Letras Iara Paiva, 32. Ela afirma que conheceu quase todos os amigos que fez na idade adulta por meio de blogs e do Twitter, mas faz questão de encontros presenciais e de convivência mesmo.
"A internet ajuda a aproximar as pessoas e a manter a amizade mesmo à distância, mas, pelo menos para mim, a presença física é importante para transformar uma empatia e uma interlocução bacanas em amizade de verdade. O contato é imbatíveis pra criar laços", diz.
(AMANDA LOURENÇO)


FRASE
"Antes de me inscrever no site eu quase não tinha amigos, os da juventude ficaram lá no interior. Agora saio bastante, viajo e tenho muitos"
JOSÉ BENEDITO DE OLIVEIRA
aposentado

Saiba por que é mais difícil fazer novos amigos na vida adulta


CAPA
Vá procurar sua turma

A maturidade rouba a energia exigida para conhecer pessoas e ampliar o círculo social, mas uma hora a pessoa percebe que carreira e família não suprem a necessidade de ter uns amigos para chamar de seus
Lucas Lima/Folhapress
O empresário Donizete dos Santos e a gerente Fabianne Lima, integrantes de grupo de "brothers", formado na academia
O empresário Donizete dos Santos e a gerente Fabianne Lima, integrantes de grupo de 'brothers', formado na academia
AMANDA LOURENÇO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dia a pessoa se percebe "velha" para novos amigos. Pode ocorrer aos 50 anos, aos 40, até aos 30: apesar da coleção de nomes no Facebook, ela não tem quem convidar para um cinema, a não ser o próprio parceiro/a.
Normal. Nada do que vem depois de colégio e faculdade reúne tantos fatores favoráveis ao início e à manutenção de amizades, a saber: proximidade, disponibilidade, interesse mútuo, confiança.
A vida adulta rouba disposição para conhecer gente nova. Prioridades mudam, festas dão lugar a jantares a dois. Saem viagens com "galera", entram passeios com filhos.
Outra evidente razão para o estreitamento do círculo após certa idade é a implicância que o parceiro costuma ter com os amigos do outro.
"Meu namorado não gosta de minhas amizades. Nem saímos com outros casais porque são da época do meu ex, o que deixa ele constrangido e enciumado", diz a psicóloga Letícia Almeida, 28.
O trabalho também não ajuda a criar laços. Em vez de buscar pontos em comum com colegas, a maioria precisa expor seus diferenciais, como ilustra o antropólogo Mauro Koury, professor da Universidade Federal da Paraíba: "É preciso concorrer com os outros e superá-los".
Para ele, que coordena o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, a faixa etária considerada produtiva -especialmente de 30 a 45 anos- sofre mais o efeito dessa disputa por reconhecimento.
Assim, é comum que profissionais abram mão de atitudes úteis para fazer amigos, como demonstrações de cumplicidade e fraqueza, porque valem menos que racionalidade no local de trabalho.
"Há uma ação ambígua entre o plano ideal de conquista do mundo profissional, que exige foco em si mesmo e trata o outro como possível usurpador do seu projeto, e, ao mesmo tempo, a necessidade de compartilhamento, afeto e amparo emocional", diz Koury, acrescentando que tal necessidade acaba sendo suprida em casa.
SAÚDE SOCIAL
As pessoas passam a vida no trabalho, então fazer amigos fora desse ambiente requer esforço. Não adianta fazer o percurso casa-trabalho, trabalho-casa e reclamar.
Para driblar a solidão que a família não preenche, especialistas recomendam aliar uma atividade de bem-estar com a procura por gente.
"Lazer e atividade física em grupo são as melhores formas de fazer amigos. São contextos propícios à ampliação do círculo social. Além da saúde social, a saúde física é envolvida", diz a psicóloga Luciana Karine de Souza, professora da UFMG e organizadora do livro "Amizade em Contexto: Desenvolvimento e Cultura", com Claudio Hutz.
Foi o que fizeram os integrantes de um grupo formado numa academia no Jardim da Saúde, em São Paulo.
O empresário Donizete dos Santos, 51, casado, conta que ali achou sua turma: "A amizade no trabalho nem sempre é como a gente quer, tem interesses envolvidos. Aqui na academia a amizade é desinteressada, leve, espontânea. Tenho alguém para conversar sempre que preciso".
Fabienne Abud Lima, 38, gerente comercial, confirma: "Nos encontramos diariamente na academia, mas também organizamos almoços e saídas. A vida fica mais gostosa se você faz parte de um grupo. Às vezes estou cansada depois de um dia de trabalho, mas acabo saindo por causa deles", conta ela, que é casada e tem um filho de 13 anos, "mascote da turma".
A maior parte do grupo tem parceiro e filhos. Os cônjuges não implicam, segundo eles, e até os acompanham em reuniões fora da academia.
"Mudei de bairro, saí da zona sul para a oeste, mas fiz questão de continuar na mesma academia. Antes levava três minutos para chegar lá, agora levo 40, mas ainda vale a pena", explica Fabianne.
FIM DA LISTA
A falta de tempo também é uma razão (ou justificativa) para a atrofia das amizades na idade adulta A disposição para se dedicar a novos amigos desliza lá para o fim da lista de prioridades diárias.
A professora de línguas Giovana Breitschaft, 34, por exemplo, ficou com a sensação de ter desperdiçado uma amizade espontânea surgida na aula de dança e assume sua parcela de culpa.
"Rolou uma empatia forte, nós duas trocávamos coisas sobre nossas vidas. Nos encontros, obrigatórios por causa das aulas, a gente cultivava a amizade. Mas ela abandonou a dança e novos encontros passaram a depender de nós mesmas. Claro, foram ficando menos frequentes por preguiça ou inércia. Se tivéssemos nos conhecido dez anos antes, teríamos nos tornado grandes amigas."
DE INFÂNCIA
Manter amigos de infância pode ser tão complicado quanto fazer novos. Além da falta de tempo, há falta de assunto, bem mais grave.
"Amizades antigas tendem a se tornar intimidades antigas, já que tomamos caminhos muito diversos vida afora. É muito raro que os amigos de infância mantenham afinidades na vida adulta, mas intimidades antigas podem ser muito confortáveis, mesmo estando em um patamar abaixo da amizade", diz o psicanalista Francisco Daudt, colunista da Folha e autor de "O Amor Companheiro".
Na infância e na adolescência a camaradagem vem da cumplicidade e do acaso -cair na mesma turma, por exemplo. As amizades vão surgindo dentro de um número limitado de colegas. Ao longo dos anos, esse colegas dividem experiências que marcam suas vidas.
"Escola e faculdade são ambientes em que você pode conhecer longamente as pessoas. As afinidades são descobertas com o tempo e a aproximação e a intimidade maturam na hora devida", diz Daudt.
Amigos antigos, ou intimidades antigas, ao menos, têm a grande vantagem de se gostarem como são, defeitos e pontos fracos incluídos no kit. As pessoas se sentem mais livres para serem elas mesmas nesse tipo de vínculo, explica o psicanalista.
Já em novas aproximações o esforço precisa ser maior. "Adultos são mais seletivos. Fazer amizades exige energia para investir. É preciso segurar as próprias manias e fazer concessões em nome da nova relação, tolerando os defeitos do novo amigo", diz a psicóloga Luciana de Souza.

FRASES
"É muito raro que amigos de infância mantenham afinidades na vida adulta, mas intimidades antigas também podem ser muito confortáveis"
FRANCISCO DAUDT
PSICANALISTA
"Há uma ação ambígua entre o plano de conquista profissional, que exige foco em si mesmo, e a necessidade de compartilhamento e amparo emocional"
MAURO KOURY
ANTROPÓLOGO

Miniatura de Piriguete


ROSELY SAYÃO

Miniatura de piriguete

Enlouquecemos ou o quê? Não basta travestir crianças, agora os pais as levam a 'baladinhas'

Que as crianças têm cada vez menos infância é um fato já constatado e conhecido por muita gente.
Há mais de 20 anos que teses, ensaios e livros produzidos por estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento alertam para essa questão tão importante.
Não há dúvida de que foi o mundo que mudou. Muitas pessoas acreditam que as crianças da atualidade são diferentes porque já nascem assim: mais conectadas com o que acontece à sua volta, mais cientes do que querem, mais sabidas e muito menos afeitas à obediência.
Mas não. O que acontece, na verdade, é que elas são estimuladas desde o primeiro minuto de vida, e os adultos que as cercam estão ocupados demais consigo mesmos e com sua juventude para ter a disponibilidade de construir autoridade sobre as crianças.
Além disso, os adultos estão muito orgulhosos com os feitos dos filhos que aí estão, cada vez mais, simplesmente para satisfazer os caprichos dos pais.
Tudo -absolutamente tudo- o que acontece no mundo adulto está escancarado para as crianças.
Estão escancarados aos mais novos crimes e castigos, corrupção na prática política, desumanidades, destruição e violência de todos os tipos, desde a mais pesada à mais cotidiana (que nem sempre é reconhecida como uma forma de violência).
E as crianças sofrem e sofrem com tudo isso, mas sem saber. Ainda. Elas ainda não sabem que mais de dez por cento de suas vidas -a parte que corresponde ao período chamado de infância, no qual poderiam se dedicar a brincar de maneira infantil- está se esvaindo em consequência dos caprichos dos adultos. Para ilustrar esse ponto, vou citar aqui dois fenômenos recentes.
Creio que você já ouviu, caro leitor, a palavra "periguete". Já está até no dicionário.
É uma expressão da linguagem informal, surgida na periferia da capital baiana, que tem diversos significados, dependendo de quem a usa e em que contexto.
No quesito aparência, o termo se refere a mulheres que se vestem com roupas curtas, decotadas e muito justas, deixando muito corpo em exposição.
Os trajes usados por essas mulheres são considerados vulgares, mas há quem não aceite esse sentido. Hoje, temos estilistas dedicados a criar linhas de roupas com esse perfil, tamanho é o sucesso que o estilo tem feito com o público feminino.
Pois é: agora muitas mães estão vestindo suas filhas como "periguetes".
A garotada gosta de aderir ao personagem principalmente porque papéis com esse estilo, em novelas, têm tido bastante destaque e seduzido a criançada.
Pudera: corpo à mostra, expressão corporal exagerada, voz demasiadamente alta tem tudo a ver com criança, não é verdade?
O que as crianças desconhecem é o caráter extremamente erotizado dessa fantasia que elas andam vestindo.
Claro que, para as crianças, é apenas o chamado "look periguete" que importa e não o comportamento de mulheres adultas que assim se reconhecem. Mas precisamos entender que erotismo é coisa de gente grande para gente grande.
Agora, como se não bastasse travestir crianças pequenas como "periguetes", muitos pais também as levam a "baladinhas" com direito a DJ, muita dança, muita gente, pouca iluminação etc. Igualzinho ao que acontece no mundo adulto.
Enlouquecemos ou o quê?
Com a expectativa de vida em torno dos 75 anos, por que não deixamos nossas crianças em paz para que possam viver sua infância? Afinal, depois de crescidas, elas terão muito tempo para fazer o que é característico do mundo adulto. Adiantar por quê?
Em nome de nossa diversão, só pode ser.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Bactérias conseguem sobreviver a explosão de estrela, diz estudo



Pesquisa da USP mostra que radiação não eliminaria todos esses micro-organismos

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cientistas recriaram em laboratório os efeitos de uma supernova -detonação explosiva de uma estrela gigante- para saber se a vida seria capaz de aguentá-los. Aparentemente, ao menos no que diz respeito à radiação produzida, a resposta é sim, com um pouco de sorte, é claro.
O estudo foi apresentado na 37ª reunião anual da Sociedade Astronômica Brasileira, que ocorreu em Águas de Lindoia (interior de SP).
A bactéria escolhida foi a Deinococcus radiodurans, famosa por sua notável resistência à radiação.
O experimento, conduzido por Douglas Galante, do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), foi realizado no Diamond Light Source, um laboratório de luz síncrotron no Reino Unido.
"Esse é um dos primeiros estudos em que tentamos simular os efeitos biológicos de uma supernova em laboratório", afirma Galante.
O estudo expôs as bactérias a um nível de radiação similar ao que seria gerada num evento de supernova.
PROTEÇÃO
Três modalidades do experimento foram conduzidas, com exposição direta dos micro-organismos e com exposição sob uma camada de grãos de arenito ou basalto. A ideia era verificar se o substrato daria mais proteção às criaturas bombardeadas.
Daí veio a primeira surpresa: aparentemente, tanto o basalto quanto o arenito (em quantidade menor) emitem radiação secundária quando irradiados, o que torna a sobrevivência ainda mais difícil para as bactérias. Viveram mais as que estavam livres.
BOA NOTÍCIA
E a boa notícia é que elas resistiram -ou pelo menos uma parte delas. "Uma supernova estando até cerca de 30 parsecs de distância conseguiria matar 90% de uma população dos organismos mais radiorresistentes que conhecemos", diz Galante.
Um parsec é a medida favorita dos astrônomos e equivale a 3,26 anos-luz, ou 31 trilhões de quilômetros.
O estudo se restringiu aos efeitos da radiação. Nada sobre a onda de choque ou modificações atmosféricas causadas por uma supernova próxima foi investigado, o que torna as estimativas de sobrevivência mais otimistas.
Contudo, também é improvável uma detonação de uma supernova a meros 30 parsecs daqui. E o fato de que, mesmo a essa pequena distância (em termos astronômicos), uma parcela das bactérias pôde resistir mostra que extinguir a vida completamente pode ser bem difícil.
Não que os humanos devessem se confortar. Mas há razão para festa entre as bactérias radiorresistentes.

Revista adia publicação de papiro sobre Jesus



Após dúvidas a respeito de autenticidade, Harvard quer testes antes de publicar artigo
Evan McGlinn - 13.set.2012/"New York Times"
A historiadora americana Karen King, da Universidade Harvard, com o papiro do "Evangelho da Mulher de Jesus"
A historiadora americana Karen King, da Universidade Harvard, com o papiro do "Evangelho da Mulher de Jesus"
DE SÃO PAULO

O artigo científico descrevendo o fragmento de papiro apelidado de "Evangelho da Mulher de Jesus" teve sua publicação adiada. O motivo: a revista na qual o estudo deveria sair em janeiro quer ter certeza sobre a autenticidade do polêmico texto.
Escrito em copta (língua nativa do Egito durante o Império Romano) e datado de meados do século 4º, o fragmento mostra Jesus aparentemente utilizando a expressão "minha mulher".
Segundo a responsável pela análise do texto, a historiadora Karen King, da Universidade Harvard, o papiro não indica que Jesus de fato tenha sido casado, mas dá pistas de que, alguns séculos depois de sua morte, certos grupos cristãos acreditavam que ele tivesse tido uma mulher -talvez Maria Madalena.
No entanto, a revista especializada "Harvard Theological Review", que já tinha programado a publicação do artigo de King, disse que vai aguardar o resultado de análises do papiro em laboratório antes de deixar que a análise chegue ao prelo.
A ideia é "incorporar os resultados do teste no artigo", declarou o diretor de comunicação da Escola de Teologia de Harvard, Kit Dodgson, em entrevista ao site "LiveScience.com".
Desde que King divulgou seus achados, uma onda de ceticismo a respeito do conteúdo do papiro se espalhou entre os estudiosos do cristianismo antigo.
Um dos motivos para suspeita é que o dono do fragmento, que prefere permanecer anônimo, teria adquirido o artefato no mercado negro de antiguidades, o que impede que o papiro tenha um contexto arqueológico confiável e bem datado.
Além disso, outros especialistas, embora não duvidem da seriedade e da boa fé de King, dizem ter estranhado o desenho das letras coptas e o uso da tinta no fragmento.
Andrew Bernhard, especialista em copta formado pela Universidade de Oxford (Reino Unido), argumenta que o texto foi forjado a partir de uma versão eletrônica de outro manuscrito copta, o Evangelho de Tomé.
Segundo Bernhard, o "Evangelho da Mulher de Jesus" reproduziria erros e até quebras de linha que só são encontrados nessa versão do Evangelho de Tomé.

Cozinhar ajudou cérebro a se desenvolver


Comida crua não teria sido suficiente para fornecer energia ao órgão, sugere estudo de pesquisadoras da UFRJ
Análise da dieta de grandes macacos e do homem mostra dilema evolutivo entre tamanho do corpo e do encéfalo


FERNANDO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um artigo publicado hoje na revista científica "PNAS" dá apoio à tese de que cozinhar comida foi determinante para o desenvolvimento do cérebro humano.
Duas pesquisadoras da UFRJ, Suzana Herculano-Houzel, colunista da Folha, e Karolina Fonseca-Azevedo, mostraram que uma dieta baseada em comida crua impôs limitações energéticas aos grandes primatas, criando um "dilema" para o corpo entre o crescimento da massa corporal e o do cérebro.
Isso explicaria o fato de que grandes primatas possuem corpos desproporcionalmente grandes em relação aos seus cérebros.
"Outros grupos já haviam indicado que o cérebro custa caro em termos de energia e sugerido que esse custo teria influenciado nossa história evolutiva, mas ninguém havia ainda determinado se esse custo era de fato relevante e limitante em termos fisiológicos", disse Suzana à Folha.
Ela explica que nossas habilidades mais sofisticadas não são o resultado de o "cérebro ser maior do que deveria, dado o tamanho do nosso corpo", e sim do número absoluto de neurônios -86 bilhões no cérebro humano.
Suzana já havia mostrado, em artigo científico publicado no ano passado, que acrescentar neurônios ao cérebro, aumentando o tamanho do órgão, custa ainda mais caro do que se imaginava em termos de energia.
No estudo publicado agora, as pesquisadoras desenvolveram um modelo que relaciona o número de calorias ingeridas numa dieta de comida crua à quantidade de energia necessária para o crescimento da massa corporal e do correspondente número de neurônios.
Elas conseguiram, dessa forma, estipular o número de horas que grandes primatas teriam precisado para desenvolver um corpo avantajado e um número grande de neurônios no cérebro.
Mostraram, assim, que teria sido insustentável para gorilas e orangotangos, entre outros, com as horas de alimentação de que dispõem, adquirir calorias em número suficiente para tal tarefa.
"Humanos e grandes primatas são o resultado atual de duas linhagens diferentes, com duas estratégias diferentes de investimento energético: ou um corpo enorme, às custas de abrir mão de um número maior de neurônios, ou um número grande de neurônios às custas de um corpo menor", diz ela.
"As duas estratégias são visíveis na linhagem que levou aos grandes primatas e aos primeiros exemplares do gênero Homo [o do homem]."

MUDANÇA ALIMENTAR

As conclusões do artigo fortalecem a tese do primatologista britânico Richard Wrangham, que defende que um dos momentos mais importantes da evolução humana foi a invenção da comida cozida, mais fácil de mastigar, de digerir e de ter suas calorias absorvidas.
"Sugerimos que foi por causa de uma mudança qualitativa na alimentação que a limitação energética da nossa linhagem -que já vinha investindo em mais neurônios e menos corpo- foi contornada", acrescenta Suzana.
"Além de aumentar a capacidade calórica e tornar as limitações metabólicas prévias irrelevantes, cozinhar também teria aumentado nosso tempo disponível para atividades sociais e que demandassem maior poder cognitivo", escrevem as pesquisadoras no artigo.

'Salve Jorge' estreia com cenas reais de ação e ibope de 36 pontos


ILUSTRADA EM CIMA DA HORA
'Salve Jorge' estreia com cenas reais de ação e ibope de 36 pontos

Novela usou imagens de arquivo de ocupação de favela no Rio

ALBERTO PEREIRA JR.

DE SÃO PAULO

No lugar da vingança desmedida entre Nina (Debóra Falabella) e Carminha (Adriana Esteves), um misto de cenas reais e encenação do conflito entre a polícia do Rio de Janeiro e traficantes, no Complexo de Alemão.
Foi assim que estreou "Salve Jorge", novela que substituiu "Avenida Brasil" no horário das 21h na Globo.
Ontem, no primeiro capítulo da história de Gloria Perez, o público foi apresentado a Morena (Nanda Costa).
Moradora da favela carioca e mãe solteira, ela será vítima do tráfico internacional de mulheres -a cena inicial da novela mostrou a protagonista, oito meses após o início da trama, sendo vendida por 3.500 euros, em Istambul.
Antes de sua saga internacional, a jovem enfrentou a guerra doméstica no Rio. Ela chegava em casa, no Alemão, ao lado do filho, quando um tiroteio começou. A Globo fez uma edição ágil à la "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus".
A ação só foi interrompida para mostrar um campeonato de montaria do Exército, em cenas embaladas por música orquestral, anunciando o futuro triunfo da corporação na pacificação da favela.
Foi nesse contexto que Gloria Perez apresentou Théo (Rodrigo Lombardi), seu mocinho. Capitão da cavalaria e galanteador, ele vai se envolver com Morena, a quem deu voz de prisão por desacato de autoridade no fim da estreia.
O primeiro capítulo de "Salve Jorge" marcou 36 pontos na prévia do Ibope -cada ponto equivale a 60 mil domicílios da Grande São Paulo-, com 56% de participação de televisores ligados. O primeiro dia de "Avenida Brasil" registrou 37 pontos -com 61% de participação- e seu desfecho, na última sexta-feira, 19, cravou a maior audiência da TV brasileira no ano: 52 pontos de média -com 75% de participação.
A Record, que resolveu mudar a programação para concorrer com a nova novela da Globo, reexibiu a minissérie bíblica "Rei Davi", obtendo seis pontos na prévia.
Na semana passada, a rede do bispo Edir Macedo marcara três pontos com reprises da série norte-americana "Todo Mundo Odeia o Cris".

Avenida Hebe Camargo ou "Avenida Confusão"


Avenida confusão
Com pouca sinalização, a recém-inaugurada av. Hebe Camargo, no Morumbi, faz motoristas se perderem e irem parar em Paraisópolis
JAIRO MARQUES

DE SÃO PAULO

Moradores do entorno e do bairro do Morumbi, na zona oeste de São Paulo, que resolveram testar a viabilidade da avenida Hebe Camargo, inaugurada no último sábado, estão se perdendo e entrando em vias sem saída da favela de Paraisópolis.
Como ainda há pouca sinalização orientando o caminho dos motoristas que usam a nova via, está sendo comum, desde o final de semana, flagrar pessoas manobrando os carros no trecho final da via para evitar entrar em ruas estreitas e sem saída da favela.
"Vim só dar um passeio, ver como ficou a avenida, mas agora estou perdida", disse a comerciante Luciana Franco, que manobrava o carro perto do CEU (Centro Educacional Unificado) que fica no local.
Com 4 km de extensão, a avenida fica em uma área com poucas construções em suas margens e com muitos terrenos livres, o que atrai crianças para brincarem no local. Na região não há nenhum semáforo e, por enquanto, há poucas placa de limite de velocidade.
"Do jeito que está desenhada, a avenida vai mesmo levar para as ruas da favela. A obra foi entregue pela metade. Ainda falta uma parte, que depende de um viaduto, para que ela se ligue à avenida Jorge João Saad. O resultado é que um monte de gente está caindo em Paraisópolis por engano", afirma Celso Neves Cavalini, presidente do Conselho Comunitário de Segurança do Portal do Morumbi.
Iniciada em 2008 com o nome avenida Perimetral, a via foi projetada para ter três etapas de construção. Duas delas já foram concluídas. Falta o trecho final, que vai fazer a ligação do trecho atual com o estádio do Morumbi, mas ainda não tem data para ser concluído.
A avenida Hebe Camargo pretende ser uma alternativa à avenida Giovanni Grochi, atualmente saturada nos horários de pico.
Mas, por enquanto, a via só serve para evitar um trecho da avenida e para dar acesso a ruas adjacentes a ela, além de levar a algumas áreas de Paraisópolis.

Prefeito do Rio anuncia que internará à força adulto dependente de crack


Prefeito do Rio anuncia que internará à força adulto dependente de crack

Eduardo Paes não prevê data para início da medida, mas afirma que a decisão já está tomada
Método é indicado para alguns casos, diz médica; para OAB-RJ, medida pode ser questionada na Justiça



DENISE MENCHEN
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO

A Prefeitura do Rio irá internar compulsoriamente adultos dependentes de crack. A decisão foi anunciada pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB) após reunião com líderes comunitários da favela do Jacarezinho, na zona norte.
Até o início do mês, a favela abrigava a maior cracolândia do Rio. Com a ocupação para a instalação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), no dia 14, usuários da droga se espalharam por outros pontos.
"Não vou ficar de camarote assistindo às pessoas se drogarem nas ruas. Tem gente quase se jogando debaixo dos carros na avenida Brasil. Não vou ficar no debate ideológico. Nossa obrigação é salvar vidas", disse Paes.
O prefeito afirmou que a medida não começa agora, mas não previu data. Também não informou se será preciso ter autorização da Justiça para a internação. Disse ter pedido que os secretários de Assistência Social e de Saúde apresentem até 5 de novembro um plano.
"Prefiro não me aprofundar porque a decisão política, que é o que me cabe, está tomada. Sei que é polêmico e nem quero comparar com detenção. Estamos lidando com doentes, e doentes a gente auxilia."
Segundo o prefeito, o primeiro passo será criar de 600 a 700 vagas para atender os dependentes. Depois, será verificada a necessidade de contratação de pessoal.
A prefeitura já faz o abrigamento compulsório de crianças e adolescentes com alto grau de dependência. A medida, em vigor desde maio de 2011, é amparada por decisão judicial. Desde então, 170 jovens já passaram por abrigos e 120 continuam internados.
Já os adultos são levados para centros de acolhimento, onde podem ser encaminhados para tratamento nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), de atendimento ambulatorial, sem internação.
Quem não tem para onde ir pode ficar em abrigos municipais, mas o trânsito é livre. Muitos acabam de volta às ruas.
"Sei que isso é polêmico, mas acho que a gente tem respaldo para tomar essa decisão no caso do crack. Não se confunde internação compulsória com hospitalização de pessoas com problemas mentais. Para a gente está muito claro que os dependentes de crack não conseguem tomar decisões.
A chefe do setor de dependência química da Santa Casa, Analice Gigliotti, diz que a medida é indicada para alguns casos, mas o risco é que se torne "higienista". "É preciso ter critérios claros. Nem todo mundo precisa de internação."
Para o presidente da comissão de política sobre drogas da OAB-RJ, Wanderley Rebello Filho, a medida corre o risco de ser questionada judicialmente. "É uma violação de direitos humanos fundamentais, como o direito de ir e vir."


ENTREVISTA
'Louvável', mas exige cuidados, diz psiquiatra
DO RIO
Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, a decisão do prefeito do Rio de abrir vagas para o tratamento compulsório de usuários de crack é "louvável", mas a internação só deve ser feita com a indicação de um psiquiatra, sob risco de virar "eugenia".
A decisão é adequada?
É louvável que um grande município resolva fazer alguma coisa, porque por enquanto estamos cometendo omissão de socorro e suicídio assistido. O prefeito está certo em querer ajudar. O que não pode haver é internação compulsória sem indicação médica. Não podemos banalizar, senão vira eugenia social.
É uma medida efetiva?
Sim, tem bastante efetividade, quase no mesmo nível da internação voluntária. Mas para isso tem que ser em um serviço que tenha qualidade e respeite as necessidades específicas de cada paciente. Não se pode confundir internação com isolamento social ou prisão.
Quais características que o local de internação deve ter?
Deve contar com equipe multidisciplinar, psiquiatras e outros profissionais. Tem que ser um local especializado, sob pena de se fazer de forma incorreta.


ENTREVISTA
Decisão de Paes é 'higienista', afirma psicóloga
DO RIO
Para a presidente do Conselho Regional de Psicologia no Rio, Vivian Fraga, a decisão de internar compulsoriamente usuários de crack tem caráter "higienista".
A decisão é adequada?
É uma decisão política, não técnica. Há mais de um ano que estão internando crianças e adolescentes e a secretaria de Assistência Social não tem dados sobre a efetividade disso. Muitos saem dos abrigos e continuam usando drogas.
Por quê? Quais os problemas da política atual?
Desde 2011 temos feito fiscalizações nos abrigos e o que vimos é que não atendem o que a política pública preconiza. Eles têm uma lógica higienista. Pegam a pessoa em Manguinhos [zona norte] e colocam lá em Santa Cruz [zona oeste].
Isso afasta o convívio da família, que é importante. E é uma lógica medicamentosa. Não é feito nenhum trabalho para mudar a relação da pessoa com a droga.
Como tratar, então?
A gente propõe que a porta de entrada sejam os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), e que, nos momentos de crise, a pessoa seja internada num hospital até se estabilizar. A ideia é que seja tratado por um profissional no seu território.


SAIBA MAIS

No país, 90% aprovam a internação

Pesquisa Datafolha realizada em janeiro apontou que 90% dos brasileiros aprovavam a internação involuntária de dependentes de crack. O percentual cai entre os moradores do Sul (86%), os que têm ensino superior (84%) ou renda acima de dez mínimos (79%).
Foram ouvidas 2.575 pessoas em 159 cidades.


Ação na cracolândia de São Paulo teve 1.176 internações voluntárias
DE SÃO PAULO

Balanço do governo de SP aponta que, na operação da cracolândia, no centro da capital, realizada no início do ano, houve 1.176 internações, mas todas foram voluntárias.
Segundo o coordenador estadual de políticas sobre drogas, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, só há internação sem a concordância do usuário de drogas quando há laudo médico (internação involuntária) ou decisão judicial (internação compulsória).
Ou seja, não cabe à prefeitura ou ao Estado decidir, diretamente, se o usuário deverá ser internado, conforme prevê lei federal de 2001.
"Além disso, todos os indivíduos toparam a internação, ou seja, foi voluntária", afirmou o coordenador estadual.
A operação na cracolândia envolve Estado e prefeitura, em ações policiais e de saúde.
Oliveira afirma que já houve internações voluntárias ou compulsórias no Estado, fora da operação da cracolândia.

CRÍTICAS

No início da operação no centro de São Paulo, quando se levantou a possibilidade de haver internações compulsórias, o candidato à prefeitura pelo PT, Fernando Haddad, criticou a ação -agora adotada pela gestão Eduardo Paes, no Rio, alinhada ao PT.
No final da tarde de ontem, Haddad foi procurado pela Folhapara comentar a decisão do aliado Eduardo Paes, mas não foi localizado.
O Ministério da Saúde afirmou ontem que não iria se pronunciar sobre o assunto.


ANÁLISE
Abrigar, isolar ou tratar os dependentes de drogas?

IVONE STEFANIA PONCZEK

ESPECIAL PARA A FOLHA

As notícias sobre a disseminação do uso do crack têm sido alarmantes desde sua entrada no Rio de Janeiro há cerca de seis anos.
No Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Universidade do Rio de Janeiro (Nepad-Uerj), 70% dos pacientes que chegam são usuários de crack.
Várias iniciativas polêmicas têm sido tomadas visando esvaziar as cracolândias, levando suas populações para abrigos e encaminhando menores para internação compulsória.
Na área da saúde mental, tal medida ficou identificada com prisão, isolamento, tortura e maus-tratos, que realmente aconteciam antes da reforma psiquiátrica.
O uso de drogas foi recentemente descriminalizado e a identificação vinculando internação a punição ficou muito forte. Urge desmontar esta associação que impede que os usuários procurem e aceitem ajuda.
Fala-se da internação compulsória, mas onde seria esta internação, mesmo que não fosse compulsória? Quais equipes iriam cuidar destes pacientes? Abrigar não é tratar!
Não há quase locais para internação de adolescentes no Rio, nem equipes capacitadas para acolhê-los e efetivamente tratá-los.
Se houvesse, poderia transformar a internação compulsória no direito de tratamento que a Constituição garante: "saúde é um direito de todos e um dever do Estado". Tal mudança de enfoque é fundamental e faz toda a diferença.
O tratamento para dependentes de droga requer uma equipe interdisciplinar de saúde capacitada para as especificidades desse atendimento.
A internação deve ser pautada em rigorosos critérios de elegibilidade, tais como risco de vida ou de terceiros, descontrole no uso de drogas ou pedido espontâneo de ajuda, etc. Não há "pacotes de tratamento" que ignorem a singularidade do sujeito.

'MÃES-MENININHAS'

Outrossim, a triste visão das cracolândias, que lembram as cenas do Holocausto -onde o ser humano é reduzido à sua mais degradante condição-, é mesmo chocante, não pode ficar invisível. As intervenções públicas não devem incidir apenas nas consequências, mas também nas profundas causas sociais e psicológicas.
Por que as pessoas, sobretudo as mais desamparadas, estão se drogando tanto?
O governo tem que intervir em saúde, educação, prevenção e numa distribuição de renda mais justa.
Esta vulnerável população é constituída predominantemente de jovens e crianças relegados à sua própria sorte.
Elas não brincaram de "bandido e mocinho", estes fazem parte do seu dia a dia. E as bonecas não são de brinquedo, são filhos de gestantes precoces que já vêm predestinados a repetir o triste destino de suas "mães-menininhas".
IVONE SFETANIA PONCZEK é psicanalista e diretora do Nepad (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro






Visita lá em casa - Jairo Marques


JAIRO MARQUES

Visita lá em casa

Sempre dá para receber um cadeirante em casa, desde que haja disposição para uma repaginada básica

Receber gente em casa, morando em uma cidade que amarra a vida no trânsito, no trabalho e nas blitze da lei seca, tornou-se um acontecimento um tanto raro e complicado.
Some-se a isso um agravante do mundo moderno para a total falta de gentileza de convidar quem se gosta a ir "lá em casa" tomar um café e comer biscoito de polvilho: moradias cada vez menores. Quando os meninos entram na sala, empurram os pais para a cozinha.
Mas, vez ou outra, para não se isolar totalmente da convivência social, para que se ganhe sabonete no dia do aniversário, para ter a quem pedir dinheiro emprestado, é preciso firmar o pensamento e botar mais água no feijão.
Receber visitas pode, ao menos, ser uma grande oportunidade para que se aprecie aquela geladeira nova, que faz gelo que é uma beleza, para falar mal do prefeito Kassab (ou de qualquer outro) e para elogiar a árvore de Natal, absolutamente igual à do ano passado.
"Meu bem, chamei a Flávia para comer conosco no domingo. Vêm ela e o namorado." Tudo certo, adoramos a Flavinha e seria um ótimo dia.
O lance é que ela é tetraplégica, daquelas pessoas que dão um trabaaaaalho lascado pela quase ausência de movimentos nos braços, pernas e tronco, o que a faz também ser cercada por pessoas amadas e amáveis.
Flavinha usa um "automóvel" daqueles que o povo adora chamar de "cadeira elétrica", mas que quem o dirige e usa como extensão do próprio corpo prefere chamar de motorizada, por razões óbvias.
Como também sou cadeirante, minha "goma" estaria preparada em relação à logística dos acessos que dariam conforto à amiga.
Só que, na casa da gente, tudo se acomoda para servir à predileção de estética, de conforto e de ajeitamento da bagunça própria de cada um.
Acessibilidade e desenho arquitetônico para todos não costumam ser realidade "na casa de ferreiros". O que importa mais é o sabor do churrasco e um ambiente de boas-vindas.
"Meu bem, com esse sofá aqui a Flávia não vai passar. Olha que estreito que fica o espaço", alertou a mulher. Toca arrastar o museu vermelho de lugar.
"E se ela quiser dar uma pitada na varanda?" Mudamos de lugar, então, o vaso de uma planta que sobrevive com muita garra e determinação, há meses sem ser regada, pelo menos por mim.
"No banheiro ela não vai conseguir entrar." Claro que entraria. Era só passar meio que raspando a parede, já bem marcada de gris por minhas próprias rodas. Banheiros, por sinal, são os infernos para os visitantes com deficiência à casa de parentes, amigos e enroscados.
Quando "difinitivamente", como diria minha tia Filinha, o espaço não acomodar uma cadeira de rodas, oferecer uma ajudinha sincera, uma cadeira de escritório, daquelas com rodinhas, pode ajudar bastante.
Ao final das contas, a visita de "Flavinha" lá em casa foi um sucesso e deixou saudades.
Nem sei quantas bocas-livres já perdi na vida pelo fato de os outros acharem que não daria para receber um cadeirante em suas casas. Sempre dá, desde que haja disposição para uma repaginada básica na sala, na cozinha, na casinha do cachorro (para receber cegões com seus cães-guias, evidentemente).
jairo.marques@grupofolha.com.br  

@assimcomvc

A gravata e o moletom - Marcelo Coelho


QUESTÕES DE ORDEM

MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br

A gravata e o moletom

Seria ingênuo, disse Gilmar Mendes, achar que só bandos armados constituam quadrilha

FOI POR pouco, mas os principais personagens do julgamento terminaram condenados pelo crime de formação de quadrilha.
Marcos Valério, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e outros membros dos "núcleos" político, financeiro e publicitário do mensalão contaram com os votos dos primeiros ministros na sessão de segunda-feira do Supremo.
Acompanhada por Cármen Lúcia e Dias Toffoli, Rosa Weber desenvolveu a tese de que não se tratava de "quadrilha" o consórcio formado para a compra de votos no Congresso.
O Código Penal, disse ela, pretende punir as ameaças à paz pública e fala em associação de quatro ou mais pessoas para a prática de "crimes", no plural. Ou seja, algo de indeterminado, que se prolonga no tempo.
Outra coisa, frisou Rosa Weber, é a coautoria, ou seja, a participação de várias pessoas num delito determinado. Seria esse o caso dos acusados no mensalão: o que se pretendia era obter apoio político em votações no Congresso e não formar um grupo criminoso pronto para o que desse e viesse.
No crime de quadrilha, a mera associação de criminosos equivale a uma "declaração de guerra à ordem estatal", prosseguiu a ministra. Exemplo, o bando de Lampião: a mera chegada dos cangaceiros numa cidade já representava ameaça à paz pública.
Podemos pensar também na Máfia, no PCC. São organizações que continuam existindo mesmo quando mudam os seus membros.
Certamente, os engravatados réus do mensalão desconheciam o hábito de usar tatuagens, bonés com a pala invertida, moletons com capuz ou camisetas de torcida organizada (Gaviões do Fidel? Mancha Liberal?). Parece ser mais ou menos nisso que alguns ministros estavam pensando.
Joaquim Barbosa pediu a palavra, para apontar de modo calmo o que transparecia nessas considerações: uma discriminação de classe. Ou uma "exclusão sociológica", como ele preferiu dizer.
Ou ainda uma "conotação criminológica estereotipada", acrescentou Gilmar Mendes -que condenou os acusados num voto bastante longo. Seria ingênuo e "naturalístico", disse ele, achar que só baderneiros profissionais ou bandos armados constituam quadrilha. A posse de armas, aliás, é agravante previsto na lei, mas não é condição indispensável para condenar.
Luiz Fux foi mais rápido no seu voto e apresentou um argumento difícil de responder. Como falar apenas em "coautoria", em associação "eventual", se o grupo atuou por mais de dois anos? Se isso não é uma associação estável para a prática de crimes, o que mais é?
Certamente, ninguém se registra com carteirinha quando entra para uma quadrilha. O que se quer, perguntou o ministro Marco Aurélio Mello: escritura pública?
Em mais de 40 anos de trabalho no direito, arrematou Celso de Mello: "Nunca vi caso tão claramente configurado de formação de quadrilha". Foi a pá de cal.
Para a maioria condenatória, de seis a quatro, faltava o voto do presidente Ayres Britto. Relendo os autos, "na ponta do lápis", conta R$ 153 milhões desviados pela quadrilha. Termo que ele analisou longamente, mas que não teve dúvida em aplicar no caso.

Painel




VERA MAGALHÃES - painel@uol.com.br

Sede ao pote
Além da advertência pública no comício de sábado, Lula repreendeu petistas pela disputa por cargos em eventual governo de Fernando Haddad. Ele recomendou ao afilhado que ignore as pressões e evite "salto alto" na reta final. Pelos relatos levados a Lula, os mais ativos nos bastidores seriam os deputados Vicente Cândido, Arlindo Chinaglia, Jilmar Tatto, Carlos Zarattini e Paulo Teixeira. Ainda que dificilmente ocupem pastas, querem fazer indicações em suas áreas de atuação.

Reduto O ex-presidente manifestou preocupação com a eleição em Diadema, primeira cidade governada pelo PT, em 1982. Pediu à direção da sigla empenho e apoio estrutural à reeleição do prefeito Mário Reali.
Copyright A frase ''de poste em poste o PT iluminará o Brasil", que Lula repetiu em palanques no fim de semana, foi lançada por um militante petista no Twitter. O ministro Alexandre Padilha (Saúde) viu e comentou com o ex-presidente, que gostou.
A domicílio Do deputado Paulo Maluf (PP), sobre os ataques que sofre da campanha tucana: "É aética a posição do candidato José Serra, que esteve duas vezes em minha casa em junho deste ano pedindo apoio a sua candidatura a prefeito, e que agora me critica por o meu partido estar apoiando Haddad."
Pobre ou rico? Depois de catalogar textos que dissecam a posição do PT quanto às parcerias com OSs na capital, Serra insistirá em ligar Haddad à suspensão do atendimento de entidades mantidas por hospitais como Albert Einstein e Sírio Libanês "à população mais pobre".
Cabeceira O deputado Candido Vaccarezza (PT-SP) recebeu ontem durante encontro de Haddad com evangélicos exemplar do livro "Entre Deus, Diabo e Dilma'' sobre a campanha de 2010. A pedido do autor, Leandro Alonso, prometeu entregar uma cópia à presidente.
Dobradinha Após ofensiva de Lula e Dilma em Campinas, o governador Eduardo Campos (PSB) pediu ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) que reforçasse a campanha de Jonas Donizette na cidade. O mineiro visita a cidade do interior paulista amanhã.
Reestreia Neutro na campanha paulistana, Celso Russomanno (PRB) fez sua primeira aparição no segundo turno das eleições em Mauá. Participou de corpo a corpo com Vanessa Damo (PMDB) no fim de semana.
Dendê Artistas e políticos lançam hoje manifesto de apoio a Nelson Pelegrino (PT) em Salvador e contra "a volta do carlismo''. Entre os signatários estão os ex-ministros Waldir Pires e Juca Ferreira.
Reta... Junto com os desempates e a dosimetria, que começam a ser discutidos hoje, o STF resolverá questões pendentes, como se houve concurso material ou formal e se houve ou não crime continuado para fixar as penas dos réus do mensalão.
...final Se definirem que houve concurso material, somam-se as penas, mas, caso decidam por concurso formal, só será considerada a maior pena, com aumento de fração. Se concluírem que houve crime continuado, as penas aplicadas também são aumentadas.
Visitas à Folha Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais, visitou ontem a Folha.
Marcos da Costa, candidato à presidência do OAB-SP, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Santamaria Nogueira Silveira, assessora de Comunicação da OAB e Ana Beatriz Chacur, assessora de imprensa.

TIROTEIO
"Dilma foi muito preconceituosa em sua incursão eleitoral por Salvador, vocalizando a falta de estatura moral de seu partido."

CONTRAPONTO
In dubio pro reo
Ao divulgar os dados do Censo da Educação Superior 2011, Aloizio Mercadante (Educação) foi questionado sobre percentuais diferentes, presentes em slides da mesma apresentação, referentes ao índice de jovens brasileiros que frequentam ou já concluíram uma graduação. Um dos jornalistas quis saber:
-Qual dos dois números está correto, ministro?
Antes de questionar os técnicos da pasta sobre a divergência, o petista brincou:
-Na dúvida, sempre o mais alto! Mas vocês da imprensa vão usar sempre o mais baixo.

JOÃO PEREIRA COUTINHO




Quem descobriu o Brasil?

'Descobrir' não é o mesmo que chegar primeiro. Mesmo essa discussão, saber quem foi o primeiro, é secundária

ORA, ORA: que pergunta! Qualquer um sabe que Pedro Álvares Cabral leva a taça: em 1500, Cabral partiu de Lisboa e, intencionalmente ou não, "achou" a terra de Vera Cruz. Eis, de forma esquemática, a história da descoberta do Brasil.
Mas ainda me lembro das minhas aulas na faculdade de letras, quando um fantasma pairava sobre Cabral. O fantasma chamava-se Duarte Pacheco Pereira, e a polêmica durava cem anos por causa de uma obra do famoso navegador e cartógrafo revelada em 1892.
No seu "Esmeraldo de Situ Orbis", Duarte Pacheco dava conta da existência de "terra firme" a Ocidente, e de "muitas e grandes ilhas adjacentes a ela", para quem fosse "além" da grandeza do "mar oceano". Ano da viagem: 1498.
Pergunta inevitável: teria sido Duarte Pacheco o verdadeiro descobridor do Brasil, dois anos antes de Cabral?
Os historiadores subiram ao ringue: havia quem dissesse que sim (Jaime Cortesão, por exemplo). Havia quem dissesse que não: a obra fora escrita depois da viagem de Cabral, e a incorporação de "terra cabralina" no relato era suspeita, para dizer o mínimo.
Ao longo dos anos, fui lendo tudo sobre a polêmica com curiosidade amadora. Até encontrar, em feliz acaso, uma notável entrevista com o historiador Francisco Contente Domingues no jornal português "Público". Vale a pena ler a entrevista.
Mas, sobretudo, vale a pena ler o livro que Domingues escreveu sobre Duarte Pacheco. Intitula-se "A Travessia do Mar Oceano: A Viagem ao Brasil de Duarte Pacheco Pereira em 1498" (Tribuna da História; R$ 29; 112 págs.). É a mais inteligente interpretação sobre o caso que conheço.
Ponto prévio: o historiador Contente Domingues não põe em causa a veracidade da viagem. Mas, antes de atribuirmos a primazia da descoberta do Brasil a Duarte Pacheco, é preciso perguntar duas coisas. Em primeiro lugar, o que significa "descobrir". E, em segundo, o que pensou o próprio Duarte Pacheco ter "descoberto" em 1498.
A resposta implicou um retorno ao "Esmeraldo de Situ Orbis", mas também uma discussão mais vasta sobre o conhecimento cartográfico da época.
Conclusões? "Descobrir" não é o mesmo que chegar primeiro, escreve o autor. Mesmo essa discussão -saber quem foi o primeiro- é hoje secundária.
Como escreve Domingues, "'descobrimento' implica a incorporação do conhecimento de uma nova terra no patrimônio geográfico coletivo" (págs. 19-20).
E, pormenor fundamental, "'descobrimento' implica ainda o regresso, por norma, e em resultado dessa incorporação no patrimônio geográfico coletivo" (pág. 20). É correto supor que Duarte Pacheco esteve no Brasil antes de Cabral. Mas essa primazia não lhe confere o título de "descobridor".
E não confere esse título por um outro motivo: é um erro anacrônico olhar para as viagens de Duarte Pacheco com a visão do mundo que temos hoje. Mais importante é questionar a visão que Duarte Pacheco partilhava em finais do século 15.
Para Domingues, essa visão era tributária de Jacob Perez de Valência, um intérprete de Ptolomeu, segundo a qual "as águas todas jazem metidas dentro da concavidade da terra, e a terra é muito maior que todas elas" (pág. 46).
Como afirma o historiador, e aqui repousa a excelência da interpretação, Duarte Pacheco não está interessado na localização do Brasil. O que o move é antes testar a sua própria concepção do mundo -um mundo onde o "mar oceano" é uma grande lagoa cercada pela terra.
Duarte Pacheco não poderia ter descoberto o Brasil porque, na sua própria mente, não existia nenhum Brasil, nenhuma América, nenhum continente novo para ser descoberto. Ele apenas chegara ao outro lado da margem -a essa "tão grande terra firme", "que vai em cercoito per toda a redondeza".
Moral da história?
Descanse, leitor: não há ainda razões para remover a estátua do meu antepassado do parque Ibirapuera.
Mas, aqui entre nós, talvez não fosse má ideia reservar um espaço junto a Cabral para Duarte Pacheco. Não porque ele tenha chegado primeiro.
Mas porque existe algo de irônico, e até de atemporal, na história de um homem que não viu o que tinha à frente porque uma errada concepção do mundo o impediu de ver.
Acontece aos melhores.
jpcoutinho@folha.com.br

Poder público não consegue perceber grandeza do Masp



ENTREVISTA - TEIXEIRA COELHO

CURADOR DIZ QUE MUSEU ESTÁ ABANDONADO PELO EXECUTIVO FEDERAL; GOVERNO DO ESTADO ESTUDA AGORA PARCERIA COM A INSTITUIÇÃO



FABIO CYPRIANO

CRÍTICO DA FOLHA

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) está abandonado pelos poderes públicos, especialmente o federal, afirma Teixeira Coelho, curador da instituição. "Não há no poder público uma disposição para perceber a grandeza do Masp", diz ele.
Com o mais importante acervo do hemisfério sul, o museu saiu da crise institucional, que culminou com o corte de eletricidade, em 2006, mas não tem fôlego para implementar exposições de artistas brasileiros contemporâneos que considera fundamentais.
Com a bilheteria e o apoio de R$ 1,2 milhão do governo municipal, o Masp obtém verba para se manter apenas por quatro dos 12 meses do ano -seu orçamento é de R$ 12 milhões. Os outros oito meses do ano dependem de doações e patrocínios.
Isso, para Coelho, representa a falta de política dos governos para instituições culturais.
Ele crítica também que, a dois anos da Copa, o governo federal não tenha dado início a um projeto cultural, nos moldes do que Londres organizou durante a Olimpíada.
"O Masp continua blindado. Como seu acervo é tombado, nós pedimos assento em seu conselho, junto com os governos estadual e municipal, mas eles não respondem. É preciso abrir sua administração e não ficar apenas pedindo dinheiro", disse àFolha José do Nascimento Júnior, diretor do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), vinculado ao Ministério da Cultura.
Quanto à Copa, Nascimento Júnior diz que o governo elaborou um projeto de R$ 250 milhões, mas está buscando verba.
"A ministra Marta Suplicy encontrou-se com o ministro do Esporte [Aldo Rebelo] nessa semana para tratar disso."
Em suas críticas aos governos, Teixeira Coelho poupa Marcelo Araujo, o secretário de Cultura do Estado de São Paulo: "Tenho boas expectativas sobre sua gestão. Ele é uma pessoa da área, que sabe o que é necessário".
Araujo concorda que o Estado precisa dar apoio ao Masp. "Estamos realizando um processo de aproximação com o Masp para compor parcerias", afirma o secretário.
Para Coelho, parte das dificuldades enfrentadas pelo museu tem a ver com o preconceito em relação ao centralismo da gestão Júlio Neves (1994-2008), que extinguiu a figura do curador.
"Existe uma coisa chamada hábito cultural, que faz com que não se mude o modo de pensar uma coisa", diz.
Leia abaixo trechos da entrevista que o curador concedeu àFolha.
Folha - Estamos a dois anos de um megaevento na cidade, que é a Copa do Mundo. Em Londres, por conta da Olimpíada, a Tate inaugurou uma nova ala. O Masp pretende fazer algo?
Teixeira Coelho - Um dos primeiros eventos da Olimpíada de Londres de que tive conhecimento foi um concerto de música clássica que eu ouvi pelo rádio, meses antes de ela começar.
E foi um evento anunciado como parte da Olimpíada. Os ingleses cuidaram disso.
As pessoas vêm para as cidades ver dois ou três jogos de futebol, mas fazem também turismo. E buscam cultura.
Quais são os planos do governo brasileiro para a Copa?
Estamos a dois anos e nada foi programado.
Sozinho, o Masp não pode fazer mais do que já faz.
O Masp não foi procurado?
Nada. E eu não sou de ficar aqui sentado esperando. Quando busquei o governo para discutir caminhos de cooperação, me disseram: "Na semana que vem, agora não posso, agora vou viajar...". Se existe um Ministério da Cultura, são eles que deveriam nos procurar.
Então não existe uma política federal para as instituições culturais?
Não. Claro que se você falar com o Ibram, eles vão dizer que possuem uma política e o Masp precisa aderir ao sistema nacional de museus. Mas, se você trocar em miúdos, nós nunca fomos capazes de ver nada de concreto.
Mas e os editais que eles promovem?
São editais de valores baixos, que pouco representam para o Masp. Eu aprendi que é preciso tratar desigualmente os desiguais.
Isso não é tão antidemocrático como parece, pois significa tratar com mais intensidade os desprotegidos e com menos intensidade os mais favorecidos.
Isso significa também que determinadas instituições, por sua importância, precisam ser tratadas de forma adequada. Não se trata o Masp como um pequeno museu de memória do interior.
O atual governo tem priorizado o apoio a projetos do Norte e Nordeste. Você concorda com essa política?
Essa é uma questão importante de política cultural. Se você vai na rua Florêncio de Abreu, em São Paulo, lá existe ferragem. Na rua da Consolação, produtos de iluminação. O que quero dizer com isso?
Existe em cultura algo que diz respeito à concentração. Na universidade isso é chamado massa crítica.
Concentrando, você pode irradiar. No Brasil, antes de haver concentração, chega um monte de apressadinhos que querem descentralizar.
Isso foi um efeito perverso da Lei Rouanet. Desconcentrou, pulverizou, e as instituições foram rebaixadas a um nível de tábula rasa. Algumas privadas se fortaleceram, mas as públicas não.
Não foi só o Masp quem sofreu. O MAC também. O pensamento tem sido "o Masp que se vire sozinho, ele é elitista, tem boas obras". Mas ele não se vira sozinho. O Louvre ainda recebe 30% de verbas do Estado, se não me engano.
Quanto o Masp consegue de bilheteria?
É um grande tema. Da bilheteria, 66% não pagam nada: idosos e crianças. Em qualquer lugar avançado do mundo, idoso às vezes tem redução de 10%.
Assim, 33% dos que entram no Masp pagam alguma coisa, e o preço do ingresso está congelado há seis anos. Então, é quase nada.
O que isso representa de fato?
Com 800 mil visitantes por ano, a bilheteria paga cerca de dois meses de manutenção do museu.
Assim, a Prefeitura de São Paulo, que repassa por ano, por conta de um decreto, cerca de R$ 1,2 milhão, paga um mês e meio, dois meses de manutenção do museu.
E os quase oito meses, já que o orçamento do Masp está em R$ 12 milhões? Quem paga essa soma? A verba vem de doações e patrocínios.
Com as questões do passado recente do museu, como a centralização do ex-presidente Júlio Neves, você acha que o Masp sofre preconceito?
Sim. Existe uma coisa chamada hábito cultural, que faz com que não se mude o modo de pensar uma coisa.
Certas coisas grudam e vão ficar. Se todo mundo tivesse mente aberta, seria possível mudar de opinião a respeito das coisas. Eu sabia de tudo isso quando entrei no Masp.
Por que aceitei?
Ou você fica na arquibancada xingando o juiz, e eu cansei de xingar, ou pega a camisa e vai jogar.
Eu escrevi em vários lugares, inclusive na Folha, que o problema do Masp era que ele não tinha curador.
Possivelmente por isso fui convidado. E o que eu podia responder? Seria muito acadêmico não aceitar, eu não sou acadêmico a esse ponto.
Mas, se a elite intelectual ainda descrê do Masp, a população o torna ainda um dos museus mais visitados. É meio esquizofrênico, não?
Parafraseando um político famoso, o público do museu quer ver arte e não está interessando em questões que interessam a outros.
NA INTERNET
Leia a íntegra da entrevista com Teixeira Coelho
folha.com/no1173114



FRASES
"Quando busquei o governo para discutir caminhos de cooperação, me disseram: "Na semana que vem, agora não posso, agora vou viajar...". Se existe um Ministério da Cultura, são eles que deviam nos procurar"
"Não foi só o Masp quem sofreu, o MAC também. O pensamento tem sido "o Masp que se vire sozinho, ele é elitista, tem boas obras". Mas ele não se vira sozinho. O Louvre ainda recebe 30% de verbas do Estado, se não me engano"



RAIO-X - TEIXEIRA COELHO

VIDA
Nasceu em Bauru, São Paulo, em 1944. Formou-se em direito em 1971. É professor da USP
MUSEUS
Foi diretor do MAC (Museu de Arte Contemporânea) entre 1998 e 2002. É curador do Masp desde 2006
LIVROS
É autor de diversos títulos, entre eles o romance "História Natural da Ditadura"